CAPÍTULO 1
UM NOVO dia.
Um novo começo.
Mais um.
Caminhando pela praia, Ben
Richardson estava com a cabeça baixa
e perdido demais em seus pensamentos
para realmente notar o magnífico céu
cor-de-rosa sobre as águas calmas da
Baía de Port Phillip. Ele havia sido
aceito como residente da Emergência
no Hospital Melbourne’s Bay View e
estaria lá em algumas horas para
começar seu primeiro dia de trabalho.
Só que não havia o nervosismo típico
do primeiro dia enquanto ele avançava
ao longo da praia, afinal, ele tinha tido
muitos recomeços antes. Esse seria seu
quarto emprego nos três anos desde a
morte de Jennifer… não, agora eram
quase quatro anos. O aniversário da
morte dela estava se aproximando e
Ben temia essa data. Tentando e
falhando em não pensar sobre ela,
tentando e falhando em não pensar
constantemente sobre como a vida
deveria ser, se eles tivessem tido tempo
de vivê-la. Se ele tivesse se
estabelecido no Melbourne Central, se
a vida para ele não tivesse mudado tão
dramaticamente, agora ele estaria se
candidatando a cargos de consultor.
Mas permanecer lá não havia sido uma
opção. Havia lembranças demais para
ele. Após seis meses de tentativas, Ben
havia percebido que não podia
continuar trabalhando no mesmo local
onde um dia trabalhara com sua esposa
e tinha aceitado, depois alguma
autoanálise, que as coisas nunca mais
seriam as mesmas. Elas nunca mais
poderiam ser as mesmas. Então, ele
havia se mudado para Sidney, o que
pareceu certo por um tempo, mas após
18 meses, bem, aquele sentimento de
inquietação tinha começado novamente
e ele mudou-se para outro hospital, em
Sidney. Só que… era a mesma melodia,
apenas numa canção diferente. O lugar
era ótimo, as pessoas também…
Mas simplesmente não funcionou
sem Jen. Então, ele havia voltado para
Melbourne, mas desta vez para um
bairro afastado, e era bom estar de
volta, mais perto de sua família e
novamente entre seus velhos amigos.
Não, ele não estava nervoso sobre
este recomeço. A diferença era que,
desta vez, estava ansioso por ele,
pronto para ele, até mesmo animado
com a perspectiva de seguir em frente.
Já era tempo.
Ele tinha decidido viver perto da
praia e fazer caminhadas rápidas ou
correr toda manhã… Mas no terceiro
dia após a mudança ele havia apertado
o botão “soneca” de seu despertador
algumas vezes!
Ben aumentou a velocidade e
começou a correr, sua estrutura
musculosa escondendo sua destreza, e
bem rapidamente ele alcançou seu
destino: a casa na qual ele estava de
olho havia algumas semanas.
Enquanto cumpria seu período de
aviso prévio em Sidney, Ben fizera a
viagem até lá para encontrar um lar
perto do hospital. Procurando pela
internet e conversando por telefone
com corretores de imóveis, ele havia se
deparado com várias possibilidades a
serem visitadas durante o final de
semana, pois estava determinado em
conseguir uma casa antes de começar
seu novo trabalho, percebendo que, se
fosse o dono de uma propriedade,
talvez se mostrasse mais inclinado a
acomodar-se por mais tempo.
O corretor tinha mostrado a ele um
apartamento típico de solteiro, um
novo empreendimento junto à praia,
com vista maravilhosa para a baía e a
cidade. Era claro e arejado e tinha
todos os confortos modernos com a
vantagem de uma grande varanda, o
que seria bom quando ele recebesse a
visita de amigos ou da família. Ele
realmente tinha tudo, e Ben quase o
comprara naquele mesmo dia, mas,
enquanto esperava, na varanda, que o
corretor separasse os documentos, Ben
viu casa ao lado. Ela era mais antiga e
se projetava um tanto a mais para
dentro da praia que o bloco de
apartamentos. O jardim, que tinha
acesso direto à praia, era um oásis
verde coberto de ervas comparado com
a varanda de assoalho enfeitado e
paredes claras onde ele estava. Em vez
de olhar para a magnífica praia, Ben
ficou encantado com o jardim do quase
vizinho. Um enorme salgueiro
projetava sua sombra em grande parte
dele, havia um escorregador, um
balanço e uma cama elástica ali, mas o
que realmente chamou a atenção de
Ben foi o barco estacionado junto à
lateral da casa. Um homem por volta
de seus 40 anos que jogava água no
barco com uma mangueira olhou para
cima e acenou quando eles saíram para
a varanda, e Ben balançou a cabeça
rapidamente num cumprimento, não
percebendo que o homem na verdade
estava acenando para o corretor e não
para ele.
– Logo estarei com você, Doug – o
corretor gritou, então, se sentou junto a
uma mesa de vidro bem posicionada,
colocando em ordem documentos e
demais papéis e finalmente localizando
o contrato.
– Ela está no mercado? – Ben
perguntou.
– Desculpe?
– A casa ao lado. Ela está à venda?
– Ainda não – disse o corretor com
um sorriso reservado. – Sente-se, Dr.
Richardson, e verificaremos os
detalhes do contrato.
– Mas ela vai estar à venda? – Ben
insistiu.
– Talvez. Embora, realmente, ela
não tenha nenhuma das características
que o senhor especificou. Aquela casa
precisa de várias reformas, ainda tem a
cozinha original e o jardim está uma
selva.
Só que Ben não estava ouvindo, e o
corretor de repente teve aquela
sensação deprimente e terrível de que
ele estava perdendo o controle de
venda que julgava certa.
– O conjunto de apartamentos recebe
manutenção regular, possui academia
de ginástica e piscina com raia para os
inquilinos – ele ressaltou, reforçando o
que presumiu serem os benefícios de
viver ali para esse sujeito solteiro de
aparência vigorosa, com título de
doutor. Ele tivera tanta certeza que
pouca necessidade de manutenção era a
chave para esta venda. Ele estava
errado.
Ben estava se dando conta
rapidamente que grande necessidade de
manutenção seria ótimo par ele!
Estes eram um jardim e uma casa
onde ele poderia se esquecer de si
mesmo, perdido em preocupações
sobre consertos da casa e em passar
óleo nas tábuas do deck. E que tal um
barco? Seria muito melhor preencher o
tempo livre que tinha reformando a
casa ou ao ar livre, passeando de barco
na baía, do que confinado às linhas
modernas e polidas daquele
apartamento ou queimando sua energia
interminável numa piscina com raia!
Pela primeira vez em muito tempo,
Ben se viu interessado em algo que não
era trabalho, e encarando a casa, ele
quase podia vislumbrar um futuro, um
verdadeiro futuro… Por isso, em vez de
fechar negócio e se mudar para o
luxuoso prédio de apartamentos, para o
aborrecimento óbvio do corretor, Ben
assumiu o risco: colocou seus móveis
num depósito e alugou uma das
unidades de decoração barata no outro
extremo da rua, preparado para esperar
pacientemente até que a casa estivesse
à venda.
Foi realmente vantajoso, Ben pesou
naquela manhã, enquanto caminhava ao
longo do caminho de acesso à praia até
a frente da casa. Em um curto espaço
de tempo, o mercado imobiliário
despencara e as incorporadoras
estavam tendo problemas para vender
os apartamentos de luxo. O preço já
havia caído alguns milhares, assim, se
nada acontecesse com a casa…
À Venda por Leilão
Ele viu a placa e deu um sorriso ao
ler que o leilão seria em breve, na
verdade, em apenas algumas semanas.
E havia uma “visita para inspeção”
prevista para o fim de semana.
Caminhando de volta para a praia,
desta vez ele prestou atenção no
magnífico céu e na quietude da manhã,
nas gaivotas sentadas como patos na
água tranquila, no cão que correu para
a água e as afugentou. E então ele a
viu, em pé no oceano vítreo, a água na
altura de seus joelhos, pernas afastadas
e alongando-se, suas mãos estendidas
em direção ao céu. Ela ficou parada e
manteve a posição para depois,
vagarosamente, abaixar seus braços. E
começou a fazer tudo de novo. Deus!
Ben revirou os olhos. Ele estava em
grande forma e tentava de maneira
vaga se manter assim, confiando
principalmente em caminhar milhares
de quilômetros dentro da Emergência
do hospital e então esgotar-se com
natação, mas isso que a mulher estava
fazendo era “Nova Era” demais, aquele
tipo de atividade feita para saudar o
dia, ou coisa parecida… Por favor!
Ainda assim, Ben admitiu que havia
alguma coisa de espetacular sobre sua
falta de inibição, e algo sobre ela fez
Ben sorrir enquanto caminhava.
E então, ela se virou e o sorriso dele
desapareceu quando ela se inclinou…
dobrou-se em duas na verdade. Ben viu
o abdômen inchado dela e percebeu que
ela estava grávida e visivelmente com
dor. Ganhando velocidade, caminhou
rapidamente pela areia, tentando não
parecer muito afobado, já que aquilo
também poderia apenas ser parte da
rotina de exercícios dela. Mas não era,
ela estava caminhando com visível
desconforto para fora da água rasa,
ainda curvada num ângulo estranho, e
Ben começou a correr, até alcançá-la
na beira do mar. Ele viu os cachos
escuros no alto da cabeça dela
enquanto ela, ainda dobrada, agarrava
seus próprios joelhos.
– Você está bem? – Ben perguntou,
preocupado.
– Ótima – ela gemeu, e então olhou
para ele. Os olhos dela eram cor de
âmbar, usava grandes brincos prata e
estava rangendo seus dentes muito
brancos. – Ioga idiota!
– Você está tendo uma contração? –
Ele a estava examinando, mas não quis
se aproximar e colocar a mão na
barriga dela. Ele achou que precisava
se apresentar primeiro. – Meu nome é
Ben, e eu sou médico.
– E o meu é Celeste… – Ela respirou
fundo, e relaxou, aos poucos. – E eu
não estou tendo uma contração; é só
uma câimbra.
– Você tem certeza? – ele insistiu.
– Certeza absoluta! – Ela se esticou
e estremeceu, passando a mão no lugar
onde sentira a pontada. – São essas
bobagens de “Nova Era”. – Ele não
pôde evitar um sorriso e, então, ela
também sorriu. – De acordo com meu
obstetra, isso deveria relaxar tanto a
mim quanto ao bebê. Só que é mais
provável que acabe nos matando.
De repente, Ben foi catapultado para
o passado de novo. Exatamente como
acontecia quase todos os dias, e todas
as noites. Não todo o tempo, como
antes, mas, já que haviam se passado
quatro anos, com frequência demais.
– Bom, já que você está bem… – Ele
não terminou a frase e se virou para ir
embora. Mas de repente, ela estava
segurando a barriga com as duas mãos,
e expirando longa e lentamente.
– Isso – disse Ben, com firmeza –
não é uma câimbra.
– Não. – Ela fechou os olhos e desta
vez ele colocou a mão no abdômen
dela, sentiu o estiramento fraco ao
redor do útero. Manteve a mão ali até
que passasse, satisfeito em verificar
que aquilo nada mais era do que uma
contração Brazton-Hicks.
– É só o bebê praticando para o
grande dia. – Ela sorriu. –
Sinceramente, eu estou bem.
– Você tem certeza? – ele
pressionou.
– Absoluta.
– Se elas se tornarem mais fortes, ou
ficarem…
– Mais regulares, eu sei, eu sei. –
Ela deu a ele um enorme sorriso. O sol
estava alto agora e ele podia ver a cor
bronzeada dela e seu rosto sardento.
Ela realmente tinha um sorriso
incrível. – Bem, de qualquer modo,
obrigada – ela disse.
– Sem problema.
Ela se virou e começou a caminhar
ao longo da praia, na mesma direção
que ele deveria ir, então, ele começou a
caminhar atrás dela e meio que a
observava para ter certeza que não ia
parar de novo, mas ela agora parecia
bem. Ela vestia short branco e uma
camiseta regata branca justa, e tinha
curvas por toda parte. Ben sentiu um
leve desconforto quando ela virou a
cabeça para trás.
– Eu não estou seguindo você. Eu
moro lá em cima – ele explicou.
– Que legal! – Ela diminuiu o ritmo
da caminhada. –Onde?
– Num dos apartamentos pequenos
ali no fim da praia.
– Desde quando? – ela perguntou.
– Desde o final de semana.
– Então nós somos vizinhos. – Ela
sorriu. – Eu sou Celeste Mitchell, moro
na Unidade 3.
– Ben, Ben Richardson. Estou no
número 22.
– Então, você está do lado calmo. –
Celeste revirou os olhos.
– Você tem certeza disso? – Ben
disse, levantando uma sobrancelha. –
Certamente não foi calmo nas últimas
duas noites. Brigas, festas…
– Isso não é nada comparado aos
meus vizinhos – ela retrucou.
Eles estavam lá, na frente da fileira
de unidades de um dormitório que era
um tanto de feiura num cenário tão
encantador.
Sem dúvida, um dia uma
incorporadora jogaria tudo no chão e
construiria um prédio luxuoso ou um
hotel, mas agora elas eram apenas
umas fileiras de unidades velhas e
bastante degradadas, que ofereciam
aluguel barato e acesso à praia, e
estavam cheias de mochileiros
procurando um canto por algumas
semanas e o eventual inquilino comum,
o que era obviamente o caso de
Celeste.
Ao chegarem à unidade dela, ficou
claro que ela se destacava das outras, a
pequena faixa de grama na frente havia
sido aparada e havia vasos de girassóis
na pequena entrada. Ficava claro que
aquilo era um lar.
– Obrigada novamente pelo seu
interesse. – Ela deu um grande sorriso.
– E se você precisar de uma xícara de
açúcar…
Ele riu.
– Eu saberei aonde vir.
– Eu ia dizer que você terá que bater
na porta ao lado. O médico acabou de
me colocar numa dieta.
Ele riu novamente e acenou um
adeus. Dirigindo-se para a sua unidade,
entrou, ligou a cafeteira elétrica e
observou em torno de si o interior
sombrio antes de dirigir-se para o
chuveiro fraco, imaginando se ele
jorraria água quente ou fria essa
manhã.
Ele esperava que o apartamento dela
fosse melhor que o dele. Era um
pensamento estranho para aparecer de
repente em sua cabeça, mas ele só
esperava que fosse melhor, isso era
tudo. Com certeza, do lado de fora ele
era extremamente bem cuidado. Talvez
o marido dela o tivesse pintado. E ele
tinha esperanças de que a mobília dela
fosse mais bonita do que a fornecida
pelo senhorio. Ainda assim, isso não
compensaria o barulho…
Saindo do chuveiro, ele podia ouvir
seus vizinhos brigando novamente, e
para Ben, quanto mais cedo fosse o
leilão, melhor.
Ele fez um pouco de café e sorriu
novamente enquanto colocava colheres
de açúcar nele.
Ela não precisava fazer dieta, ela era
curvilínea, sim, mas estava grávida.
Ele pensou naquele traseiro
arredondado adorável, requebrando
pela praia na frente dele, e apenas a
imagem dela, tão clara em sua
memória, deixou-o sobressaltado,
então, ele imediatamente voltou sua
mente para pensamentos mais práticos.
A taxa glicêmica dela estava
provavelmente alta. Ela deveria estar
no sétimo mês de gravidez, ou quase
isso…
Ele forçou-se a empurrá-la para fora
de sua cabeça, e não iria permitir-se
outro pensamento com ela, mas mesmo
assim, sentiu-se desconfortável
quando, dirigindo pela escorregadia
entrada de sua garagem, viu Celeste
regando seus girassóis e acenando para
ele.
Ele acenou de volta, um tanto
relutante. Ben não gostava de acenar
para os vizinhos ou, apesar de sua
brincadeira, aparecer para pedir açúcar,
ou procurando bater papo. Se ela não
parecesse precisar de ajuda na praia,
ele teria continuado direto na
caminhada, fechado. Era exatamente
como ele gostava que as coisas fossem.
Uau!
À medida que ele dirigia passando
por ela, Celeste podia sentir seu rosto
ficar vermelho mesmo enquanto ela,
ah, acenava tão despreocupadamente.
Ele. Era. Lindo!
Lindo! Bem acima de 1,80m com
ombros largos, as pernas dele eram
grossas e sólidas como as de um
jogador de rúgbi, e aquele cabelo
castanho e um tanto longo caindo
pesado sobre seus olhos enquanto ele a
encarava na praia, já a fazia querer
acariciá-los. E quanto àqueles olhos
verdes… Por que diabos não havia
médicos como aquele onde ela
trabalhava?
Então, ela parou de sentir-se com 24
anos e solteira e se lembrou que havia
jurado manter homens afastados pela
próxima década, no mínimo. E
também, em algumas semanas ela iria
ser mãe.
Engraçado, por um momento ela
havia esquecido. Conversando com
Ben, batendo papo enquanto
caminhavam, por um momento ela
havia esquecido que estava grávida, e
tinha apenas se sentindo como, bem,
como uma mulher normal! O que ela
era, claro, não havia nada mais
feminino ou normal do que uma
gravidez. Mas naquela manhã ela havia
fantasiado e corado, e dito todas as
coisas erradas na frente de um homem
muito sexy. Celeste tinha suposto,
embora ela não tivesse lido ou alguém
tivesse dito isso, que o “botão fantasia”
ficava desligado durante a gravidez,
que se entrava num estado de reclusão
hormonal no qual os homens não eram
atraentes, e você não flertava ou
mesmo olhava duas vezes. E por seis
meses havia sido daquele jeito…
E ficaria daquele jeito, Celeste disse
a si mesma com firmeza. Não que ela
devesse se preocupar. Um chute
vigoroso de seu bebê a lembrou que
naquele assunto ela não tinha escolha,
dificilmente ela era candidata a
qualquer tipo de romance.
CAPÍTULO 2
– CELESTE, o que você está fazendo
aqui? – Meg, a enfermeira-chefe,
desaprovou com a cabeça enquanto
Celeste lhe entregava o atestado
médico que lhe permitia voltar ao
trabalho, se juntava à turma de
enfermeiras que iria tomar parte no
plantão daquele dia e estava ali para
receber suas tarefas.
– Estou bem para trabalhar, ontem
tive outra consulta com meu obstetra –
Celeste explicou.
Meg verificou o atestado e, mesmo
depois de ler que estava tudo bem e que
Celeste podia trabalhar, não tinha
muita certeza.
– Você estava exausta quando a
mandei para casa na semana passada,
Celeste. Fiquei muito preocupada com
você.
– Estou bem agora, depois da licença
de saúde e de ter descansado tanto.
Quando Meg não pareceu
convencida, Celeste abriu o jogo:
– Meu teste de tolerância à glicose
veio um pouco alto, era esse o
problema comigo, mas faz dez dias que
comecei uma dieta, e além disso, venho
descansando, fazendo ioga e
caminhando pela praia. Eu me sinto
fantástica… e algumas pessoas
trabalham direto até as últimas
semanas de gravidez!
– Não na Emergência – disse Meg –,
e você certamente não irá tão longe.
Com quantas semanas você está?
– Trinta – disse Celeste. – E o
médico disse que estou ótima.
Meg não pôde mais discutir depois
dessa declaração e, de qualquer forma,
aquele não era o lugar ideal para esse
tipo de conversa. Então, ela mostrou o
quadro de avisos paras as enfermeiras,
explicando o histórico dos pacientes
dispersos pelas diferentes salas que
compunham a Emergência.
– Quando a sala de observação abrir,
Celeste pode ficar lá…
– Eu não preciso ficar plantada em
um lugar só – disse Celeste, culpada
por estar recebendo a tarefa mais leve
do plantão, mas Meg a encarou.
– Eu não tenho pessoal suficiente
para passar todo meu tempo poupando
você por conta de sua gravidez,
Celeste. Se seu médico diz que você
está bem para trabalhar, e você
concorda, tenho que aceitar. Estou
apenas distribuindo as tarefas aqui.
Celeste concordou com a cabeça,
mas não importava o quanto Meg
agisse como se não desse a mínina, ela
sabia que os colegas estavam zelando
por ela. E pela décima vez desde que
descobrira que estava grávida, ela se
sentiu culpada.
Descobrir que estava grávida já
tinha sido bem ruim, mas os
acontecimentos seguintes foram
espetaculares.
A família não falava mais com ela,
especialmente depois que ela se
recusara, repetidas vezes, a dizer o
nome do pai do bebê. Mas como ela
poderia fazer isso? Após descobrir que,
não apenas seu namorado era casado,
como ainda a mulher dele trabalhava
no setor administrativo do hospital
onde ela mesma trabalhava, apesar de
ninguém saber de nada, deixara Celeste
tão culpada e envergonhada que ela não
tivera alternativa, a não ser esconder
essa informação. E quando tudo parecia
perdido para ela, fora aceita no
programa de graduação em
enfermagem de emergência, no Bay
View Hospital, que ficava do lado
oposto da cidade. Ela não estava
grávida quando se candidatara ao
emprego e a coisa correta a fazer seria
recusar a vaga, talvez isso fosse o
esperado dela, mas com um futuro tão
incerto se aproximando, um salário
mensal seria a melhor coisa que
poderia lhe acontecer a curto prazo.
Além disso, já que ela obviamente
seria mãe solteira, obter mais
qualificações profissionais não seria de
todo mal. E, por último, afastar-se de
sua família e amigos poria fim às
perguntas que não podiam ser
respondidas.
Mas era uma vida solitária.
E agora, seus novos colegas estavam
tendo que fazer concessões, não
importava o quanto eles negassem isso.
– No leito sete está Matthew Dale,
que tem 18 anos. Ele sofreu um
ferimento de pouca gravidade na
cabeça, tropeçou enquanto corria, não
houve perda de consciência. Ele deve
receber alta, Ben está examinando o
garoto agora.
– Ben? – Celeste perguntou.
– O novo residente. Ele começou
esta manhã. Ah, olha ele aí. – Meg
acenou para ele. – O está acontecendo
com o leito sete, Ben?
– Vou segurá-lo aqui mais um
pouco. Desculpe por abrir a sala de
observação tão tarde, mas… – Ele parou
de falar subitamente quando bateu os
olhos em Celeste, mas, por alguma
razão, optou por não demonstrar que a
havia reconhecido, e continuou a dar
suas ordens sobre como o paciente
deveria ser tratado. Apesar de ela não
ter que explicar para ele o que fazia ali,
e apesar de não existir uma razão para,
pela zilhonésima primeira vez, sentirse assim, Celeste sentiu-se culpada.
Quase como se tivesse sido pega no
pulo. Fazendo o quê? Celeste deu uma
bronca em si mesma enquanto
percorria a enfermaria de observação,
acendia as luzes e preparava uma cama
para Matthew. Ela estava ganhando a
vida… Celeste tinha que ganhar a vida.
Ela ainda tinha dez semanas de
gravidez pela frente e depois o bebê
não poderia ir para o berçário até que
tivesse tomado todas as vacinas. Se ela
parasse de trabalhar agora, ficaria
quase seis meses sem trabalhar.
O pavor absoluto estava sempre à
espreita dela.
O que ela teria que enfrentar no
futuro?
Mesmo com um emprego de período
integral, pagar o aluguel era uma luta.
Sem ajuda de sua família, ela estava
economizando para comprar o carrinho
e o berço, e já tinha comprado algumas
roupinhas minúsculas e alguns pacotes
de fralda, mas ainda havia tanta coisa
necessária a comprar… Sem falar no
carro dela, que estava um pavor…
Celeste conseguia sentir o nível de
pânico aumentando conforme se dava
conta das enormes dificuldades que
enfrentaria, e obrigou a si mesma a se
acalmar, fazendo com que sua mente se
aquietasse.
Mas isso também não ajudou muito,
porque quando a onda de pânico
passou, Celeste se sentiu
absolutamente exausta.
Segurando o lençol, ela desejou se
deitar naquela cama de hospital, cobrir
a cabeça com ele e dormir, engordar,
ler revistas de bebês, sentir os chutes e
apenas descansar.
– Sentindo-se melhor? – Celeste deu
um pulo ao ouvir a voz de Ben. –
Depois do que aconteceu esta manhã?
– Eu tive uma câimbra – Celeste
respondeu, mais ríspida que o
necessário. – E antes que você
pergunte, sou completamente capaz de
trabalhar. Estou cansada das pessoas
insinuarem que eu não deveria estar
aqui. Gravidez não é doença, como
você bem sabe!
Ben arregalou um pouco os olhos.
– Estou só puxando papo… Você
sabe, conversa entre vizinhos?
Ela havia exagerado e sabia disso,
devia desculpas.
– Sinto muito, foi um pouco difícil
convencer meu médico que eu era
capaz de voltar ao trabalho e Meg está
o tempo todo questionando minha
presença aqui. E eu, bem…
– Não acha que isso tudo seja
necessário.
– Isso mesmo – disse Celeste. – Eu
jamais colocaria meu bebê em risco.
– Muito bem.
Ela esperou por um “Mas…”,
esperou que ele continuasse a conversa,
que lhe passasse um pequeno sermão
como tantos que vinha escutando
ultimamente, mas ele parou no “Muito
bem”. Foi o único comentário dele
sobre a situação dela.
– Marquei uma tomografia para
Matthew. Ele vomitou um pouco e
prefiro pecar por excesso de zelo. Ele
está pálido, e não estou gostando. Vão
chamá-lo daqui a pouco. Ah, e tenho
uma paciente com uma das mãos
machucada, é algo que vai manter você
ocupada. – Ele sorriu para ela e lhe
entregou a ficha de da paciente. – Fleur
Edwards, 82 anos. Ela teve uma
laceração séria na mão, provavelmente
um tendão foi danificado, mas a equipe
de cirurgia só vai poder cuidar dela
bem mais tarde. Por causa da idade da
paciente, ela será tratada com anestesia
local, então, dê a ela uma refeição leve
e depois deixe-a em jejum.
– Claro.
– Você pode fazer um
eletrocardiograma nela também, por
favor? Sem pressa.
Ele era legal e sossegado, Celeste
pensou. Ele não foi condescendente
com ela porque ela era uma estudante,
não ficou dando ordens idiotas, como
se ela nunca tivesse visto uma
laceração antes. E, o melhor de tudo,
ele não lhe passou um sermão sobre ela
estar ali trabalhando.
Uma sala de observação era como
um ponto de ônibus: em pé ou sentado,
você ficava esperando, sem que nada
de muito interessante acontecesse por
um longo período. E então, tudo
acontecia de repente.
Matthew foi trazido primeiro,
pálido, como Ben havia descrito, mas
ele riu das brincadeiras de Celeste
enquanto se acomodava na cama.
– Você sabe que fazer exercícios não
é nem um pouco saudável, não é? – A
mãe e a namorada tinham
acompanhado Matthew até a
observação, mas agora que ele estava
instalado, elas podiam ir para casa.
Celeste fez uma série de testes
neurológicos nele e avisou que teria
que repeti-los a cada hora.
– Mesmo que você esteja dormindo.
Ela explicou à família de Matthew
sobre o horário e tempo permitido de
visitação e anotou para eles os números
de telefone do hospital e do ramal onde
ele estava. Quando ela ia começar a
preencher a papelada da entrada dele
no hospital, a porta se abriu.
– Outra paciente para você… – disse
Deb, que também era estudante ali,
enquanto entrava empurrando numa
cadeira de rodas Fleur, uma senhorinha
encantadora, com faces rosadas e
sobrancelhas pintadas, vestindo uma
saia de bolinhas e uma blusa branca
muito elegante, que infelizmente
estava manchada de sangue. – Fleur
Edwards, 82, mão machucada – disse
Deb.
– Ben já havia me falado sobre a
paciente – disse Celeste, percebendo
que Deb estava com pressa. – Algum
familiar veio com ela?
– A filha virá esta tarde. – Elas
olharam para a ficha da paciente. – Não
tem alergias, sofre de artrite, mas, fora
isso, ela parece muito bem.
– Eu assumo daqui – disse Celeste,
sorrindo para Fleur, que esperava com
paciência sentada em sua cadeira, com
o braço em uma tipoia.
– Vocês estão muito ocupados lá
fora? – ela perguntou a Deb.
– Estamos começando a ficar.
Temos um paciente bastante ferido
chegando.
Apesar de estar sorrindo quando foi
ajudar Fleur a se acomodar, Celeste
sentia uma pontada no coração quando
Deb saiu, uma pontada de alguma
coisa. Ela deveria estar lá fora, e apesar
de saber que adoraria entrar de cabeça
no programa de graduação, Celeste era
realista o suficiente para ter
consciência que, quando voltasse da
licença maternidade, sua cabeça estaria
cheia de outras coisas e que ela estaria
exausta por outros motivos, todos eles
relacionados com aquele ser que
chutava seu diafragma exatamente
naquele momento. Mas nada disso era
problema de Fleur.
– Olá, sra. Edwards.
– Fleur. – Fleur sorriu.
– Meu nome é Celeste. Vou cuidar
da senhora pelas próximas horas.
– Mas você é que deveria estar
sendo cuidada – Fleur brincou. Ela era
maravilhosa. Viúva há vinte anos, era
uma senhora independente e tinha
cortado a mão enquanto descascava
uma laranja para o café da manhã,
Celeste descobriu enquanto tomava
nota de sua história.
– Bem, por hora nós vamos colocar
uma camisola hospitalar na senhora, e
manter sua mão elevada. A senhora
tomou medicação para a dor.
Melhorou?
– Eu mal consigo sentir minha mão,
as ataduras estão tão apertadas – disse
Fleur. – Você se incomodaria de me
levar ao banheiro das senhoras antes de
eu ir para a cama?
– Claro que não. – Só que naquele
momento Matthew se sentou com um
olhar ansioso e meio desesperado, que
Celeste conhecia muito bem. – Só um
minuto, Fleur – ela disse, e correu para
pegar uma bacia e puxar a cortina de
sua cama em volta dele.
– Tudo bem, Matthew – ela o
acalmou. – Eu vou buscar uma toalha
molhada para você. – “E fazer outra
série de testes em você”, ela pensou.
Ele estava terrivelmente pálido.
– Eu tenho que ir trabalhar –
Matthew murmurou. Ele não era um
garoto de 18 anos particularmente
grande, mas ainda assim deu trabalhão
a Celeste tentando sair da cama. – Eu
tenho que ir trabalhar. Eu vou me
atrasar…
– Você está no hospital, Matthew –
disse Celeste. – Você bateu a cabeça,
lembra?
Ela estava tentando alcançar a
campainha para chamar ajuda,
preocupada que ele se agitasse demais,
caísse da cama e se machucasse ainda
mais, mas aquele estado de delírio
acabou tão subitamente quanto
começou, e Matthew pareceu se
lembrar de onde estava e parou de
tentar sair da cama. Ele se recostou.
– Desculpe – Ele sorriu e disse de
novo. – Desculpe. Eu estou bem agora.
– E ele parecia mesmo, exceto que
agora, como Ben, Celeste também
estava preocupada.
– Matthew. Você sabe onde está?
– No hospital.
Ela checou seus sinais vitais. Eles
eram os mesmos de antes, só a pressão
sanguínea estava ligeiramente mais
alta, mas aquela confusão mental
momentânea perturbou Celeste e ela
foi para o interfone.
– Será que você pode mandar um
médico para a sala de observação?
– É urgente? – Meg perguntou. –
Estamos aqui às voltas com um ferido
grave.
Celeste olhou para o rosto pálido,
porém tranquilo, de Matthew e hesitou
por um instante. Ele parecia muito bem
e seus sinais vitais estavam estáveis.
Mas ainda assim, ela não estava
completamente segura.
– Preciso que o ferimento na cabeça
seja checado de novo – ela disse,
imaginando que Meg estaria virando os
olhos de impaciência agora. – Avise a
Ben. Foi ele quem o examinou.
Ela voltou para junto de Matthew, e
Fleur concordou preocupada quando
Celeste disse:
– Eu já vou cuidar da senhora.
– Cuide dele – disse a velha senhora.
– Não se preocupe comigo.
Claro que quando Ben chegou lá,
Matthew estava sentado e fazendo
piada sobre sua confusão mental,
recusando o oxigênio que Celeste
estava tentando lhe dar.
– Olha, sinto muito por chamar você
desse jeito – ela disse a Ben.
– Sem problema. A equipe de
trauma já está com o paciente e ele
nem está tão mal assim. O que está
acontecendo com Matthew?
– Nada! – disse Matthew, e
certamente parecia assim.
– Ele estava bem – Celeste explicou.
– Na verdade, ele parece estar bem
agora, mas teve um episódio de vômito
um pouco antes e experimentou certa
confusão mental. Ele não parecia tão
bem… – Ela estava tentando pensar em
motivos que justificassem tirar um
atendente da Emergência, mas Ben
logo a interrompeu.
– Eu concordo.
Ele não pareceu nem remotamente
chateado que ela o tivesse chamado. Ao
contrário, ele já estava checando as
pupilas e a pressão de Matthew,
enquanto Celeste contava como o
garoto tentara sair da cama, insistindo
que tinha que ir trabalhar.
– Como você se sente agora,
Matthew?
– Bem. Um pouco de dor de cabeça.
– Tudo bem – disse Ben. – Eu vou
pedir a você que se deite, para que eu
possa examiná-lo. – Ben mal teve
tempo de começar o exame quando
Matthew recomeçou a ter ânsia de
vômito, seu rosto agora mais cinza que
pálido. Ele reclamava sobre a dor de
cabeça.
– Como se consegue ajuda com
urgência por aqui? – Ben perguntou, e
foi então que Celeste se deu conta que
era o primeiro dia dele ali, e ele já
parecia tão seguro e competente. Ele
era bem maior que Matthew. Não dava
atenção aos protestos do paciente, que
não queria aceitar a máscara de
oxigênio e que tenta escapar da cama, e
Celeste apertou o botão na parede. Uma
luz começou a piscar acima da porta e
em segundos uma pessoa da equipe
atendeu o interfone. Celeste explicou o
que estava acontecendo.
A equipe de trauma ainda estava
com o outro paciente, mas Belinda
Hamilton, uma atendente mais
experiente da Emergência, um pouco
esnobe e belíssima, veio atender ao
chamado com Meg e com mais um
funcionário para levar o paciente ao
ressuscitador se fosse necessário. Se
Matthew ficasse parado durante o
exame seria mais fácil levá-lo direto
para o ressuscitador, mas tempo era
essencial durante o período de
observação, então, Celeste trouxe o
desfibrilador para junto do paciente.
Matthew parecia um touro amarrado
agora, e era Ben quem o mantinha
contido, ao mesmo tempo em que
explicava ao seu superior o que tinha
acontecido.
Mas ele nem esperou o veredicto e
disse a ela o que era preciso fazer:
– Ele precisa ser entubado e passar
por uma tomografia – disse Bem. –
Você pode avisar aos neurocirurgiões?
Celeste estava ocupada abrindo
embalagens para a entubação, o
coração disparado dentro do peito,
espantada com a piora tão rápida de
Matthew.
Apesar de ter vindo ajudar, Meg não
assumiu o caso, apenas ficou ao lado de
Celeste, ajudando, dando dicas,
enquanto ela preparava a entubação.
Raji, o anestesista, chegou bem na hora
em que Matthew começou a
convulsionar. Seu corpo sacudia
violentamente.
A coisa toda foi horrível. Em
questão de segundos, a situação de
Matthew tornou-se crítica. Sua família
não havia nem tirado o carro do
estacionamento.
Raji injetava drogas no paciente
enquanto Ben lhe passava as
informações sobre o caso e, graças a
Deus, as convulsões pararam. Matthew
respirava com dificuldade, mas pelo
menos não estava tendo convulsões ou
se debatendo. Celeste podia sentir seu
coração disparado quase como o de
Matthew, quando lutava para tirar a
cabeceira da cama, a fim de permitir
que Raji tivesse acesso às vias aéreas
do paciente.
– Pronto. – Ben viu o esforço dela e
removeu a cabeceira da cama com
facilidade. Era muito bom trabalhar
com Raji, um sujeito tranquilo
realmente cuidadoso com seu trabalho.
Ele checou as drogas que ela havia
deixado prontas e preparou ele mesmo
as demais. Matthew estava no monitor
cardíaco. Mesmo que as convulsões
tivessem parado, o quadro dele não era
nada bom e, enquanto Celeste
observava Raji entubar o paciente, Meg
entrava em contato com o pessoal da
ressonância magnética.
– Nós deveríamos avisar a família
dele? – Celeste perguntou.
– Eles acabaram de sair.
– Vamos nos concentrar no paciente
agora – Belinda disse rispidamente, e
Celeste ficou vermelha.
– Vou avisar a eles assim que puder
– Ben disse. – É provável que ele vá
direto para a ressonância.
Levou dez, talvez 15 minutos até
que Matthew, completamente contido e
entubado, e conectado ao monitor
cardíaco, fosse levado à ressonância e
depois à cirurgia. Quando todos saíram,
a sala de observação era um caos de
relatórios por preencher e de material
usado nos procedimentos. O
equipamento de sucção ainda estava
ligado e funcionando, e teria que ser
limpo, os cilindros de oxigênio e as
máscaras tinham que ser substituídos, a
cabeceira da cama hospitalar tinha sido
jogada do outro lado da sala, e havia
embalagens abertas por toda parte. O
desfibrilador estava uma baderna e
havia seringas e frascos espalhados.
Tudo aquilo tinha que ser arrumado e
inventariado, depois substituído e
inventariado de novo.
– E eu pensando que aqui você teria
uma tarde tranquila! – Meg deu um
sorriso solidário para Celeste, mas
então seu pager tocou e ela teve que
atender, sem ter tido a chance de ajudar
na arrumação.
Respirando fundo e se obrigando a
continuar, Celeste se virou e viu o rosto
preocupado de Fleur.
– Ele vai ficar bem? – ela perguntou,
aflita.
– Eu acho que sim – disse Celeste,
para em seguida sentir-se mortificada
quando aquela senhora orgulhosa e
digna começou a chorar e a pedir
desculpas sem parar.
– Eu molhei minhas calças!
– Ah, por favor, me desculpe! – Era
Celeste quem se desculpava agora. –
Foi culpa minha não ter levado a
senhora ao banheiro!
Ben estava na escrivaninha da sala
de observação, ligando para a família
para dar a infeliz notícia sobre a piora
de Matthew, e Celeste e Fleur estavam
agora no banheiro. Ela havia tirado as
roupas molhadas de Fleur e protegido a
mão machucada, que estava sendo
mantida no alto. A velha senhora
estava sentada em uma cadeira própria
para banho.
– Que tal se nós duas parássemos de
pedir desculpas? – Muito mais velha e
bem mais sábia, Fleur olhou dentro dos
olhos de Celeste e sorriu. – Você não
poderia simplesmente ter abandonado o
rapazinho, não é?
– Eu sei.
– Só não quero que minha filha saiba
que eu tive esse probleminha. Ela vai
pensar que eu estou ficando senil.
– É claro que não está ficando senil!
– Celeste disse. Ela também estava
envergonhada, então sugeriu: – Por que
não lavo as suas roupas? Elas estavam
manchadas de sangue, de qualquer
forma. Direi à sua filha que foi por isso
que eu as lavei.
– E meus tênis?
– Vou lavá-los e colocá-los para
secar no respiradouro. – Ainda que, às
vezes, fosse um pouco avoada, Celeste
era também muito prática. – Eles
estarão secos antes do final do meu
plantão. E ninguém nunca saberá o que
aconteceu.
– Você é muito gentil.
“Não sou não”, pensou Celeste.
Todo mundo deveria fazer aquilo. Ela
ainda estremecia de horror quando via
as outras enfermeiras enfiando roupas
sujas dos pacientes nas malas deles,
sem pensarem que poderia ser com
elas. Bem, ela não podia mudar o
mundo, só cuidar de suas próprias
atitudes. Assim, ela encheu a pia com
água…
– Sangue precisa ser lavado com
água fria – disse Fleur, e foi assim que
Celeste fez. Depois deu banho na
paciente.
Elas eram amigas de verdade agora,
e Celeste sorriu quando Fleur pediu o
que, certamente, era um favor
incomum:
– Você se importaria de lavar
minhas costas? – ela pediu. – Eu nunca
as alcanço.
– Claro. – As costas de Fleur
realmente estavam meio sujinhas,
resultado de anos de negligência, já que
sua artrite não permitia que ela as
alcançasse.
– Eu comprei uma escova na
farmácia – disse Fleur, enquanto
Celeste esfregava suas costas. – É
daquelas escovas com o cabo bem
longo, própria para banho, mas mesmo
assim eu não consigo alcançar minhas
costas. – Enquanto dava banho na velha
senhora, Celeste imaginava como
abordar um assunto com aquela mulher
tão orgulhosa.
– Bem, a senhora vai precisar de
alguma ajuda, agora que está com a
mão machucada.
– Não vou, não! – disse Fleur,
enquanto Celeste a enrolava em uma
toalha. – Eu vou dar conta de tudo com
apenas uma de minhas mãos.
– Ah, eu acredito que sim – disse
Celeste. – Mas a senhora vai precisar
de alguns cuidados, de algo que
mantenha o chuveirinho alto enquanto
a senhora toma banho. E existem
escovas para as suas costas com o cabo
curvado. Não tenho certeza que tudo
isso será de grande ajuda, mas talvez
pudéssemos obter algum tipo de ajuda
extra para a senhora.
– Eu gosto de ser independente.
– Bem, isso tudo vai ajudá-la a
manter-se independente.
Celeste encolheu os ombros.
– Enquanto a senhora está aqui, pode
pensar nisso.
Fleur estava certa, Ben pensou.
Sentado na escrivaninha por um
momento, experimentando certa
dificuldade em telefonar para a mãe de
Matthew e ainda sem estar pronto para
sair dali, ele havia escutado a conversa
entre as duas mulheres. Celeste era
gentil, muito gentil mesmo.
Era tão fácil tornar-se ríspido
trabalhando na Emergência. Ele vira
acontecer muitas vezes. Era quase
necessário se você quisesse sobreviver
naquela área. Ele mesmo tinha
endurecido, era como se estivesse meio
amortecido, porque, às vezes, era mais
fácil lidar com um paciente do que com
uma pessoa, mais fácil não pensar
sobre as famílias e os amigos que iriam
sofrer, e os planos que não se
realizariam. Preocupar-se apenas com
o problema que se apresentava, sem
olhar para o quadro geral, poupava o
profissional. Mas observar Celeste
empurrar a cadeira de rodas de uma
sorridente Fleur, feliz e bem cuidada,
com sua dignidade intacta, deixou Ben
cheio de sentimentos conflitantes.
Afinal, gravidez era a sua grande
questão. Uma das muitas questões que
o faziam parar para pensar
ultimamente, coisa que ele tentava
muito não fazer.
A maioria das pessoas tinha algo
assim em suas vidas. Belinda tinha
acabado de contar a ele enquanto
voltavam da ressonância, como o irmão
mais novo dela quase morrera de um
ferimento na cabeça. Os empregados
não tinham notado a piora dele e tinha
sido a própria Belinda quem
reconhecera os sinais, quando foi
visitá-lo. Sim, todos tinham suas
próprias questões. E gravidez era a de
Ben: o assunto que ele tinha tentado
pôr de lado, preferindo sempre lidar
com fetos, e não com bebês, olhando
para números e dados médicos e nunca
para pessoas.
Ele não queria ser uma pessoa de
coração duro, amarga… mas era isso
que ele era.
Ainda observando Celeste, que
esfregava as costas depois de ter
instalado Fleur em sua cama, ele
relutava em reconhecer suas formas, o
formato de sua barriga. Ele resistiu à
sua necessidade de sair correndo dali,
em dar as costas e não se preocupar
mais com ela. Ela não era uma
enfermeira, ou um monte de dados em
uma ficha hospitalar, ou uma mulher
grávida, ela era Celeste, uma pessoa
gentil, que estava um pouco cansada,
que tinha tido um começo difícil em
seu plantão de hoje, e que tinha uma
sala toda bagunçada para arrumar.
– Eu falei com a família de
Matthew… – Enquanto falava com ela,
ele recolhia do chão a cabeceira da
cama e recolocava no lugar, para
depois guardar o cilindro. Eram coisas
que ele não precisava fazer, mas que
ele fazia por ela, assim como Celeste
tinha feito por Fleur. Ela jamais saberia
do imenso esforço que cada uma dessas
delicadezas significava para ele,
porque ficar perto dela estava se
tornando insuportável para ele. – Eles
estão voltando para cá. Eu lhes disse
para irem direto para a recepção, mas
se eles vierem parar aqui, me chame.
– Claro, farei isso. – Ela pegou um
lençol limpo e começou a arrumar a
cama. – Você acha que ele vai ficar
bem?
– Ele está em cirurgia neste exato
momento – Ben disse. – Então, vamos
torcer pelo melhor. Se eu souber de
alguma coisa, aviso você.
O plantão calmo e sossegado que ela
deveria ter ali, foi tudo, menos isso.
Quando ela finalmente conseguiu
checar e guardar o desfibrilador, os
oito leitos da sala de observação já
estavam ocupados, Fleur tinha
concordado em receber a visita de um
terapeuta ocupacional e o horário de
visitas tinha acabado; a sala estava, por
fim, calma e em ordem. Assim, pelo
menos, a enfermeira da noite teria um
plantão tranquilo!
– Obrigada, Celeste. – Fleur sorriu
quando Celeste a ajudou a vestir suas
roupas de baixo limpas e secas, antes
de ir para casa. – Obrigada por todo
carinho e cuidado que você teve em
lavar as minhas roupas. Minha filha
nunca suspeitará de nada.
– Que bom. O pessoal da cirurgia
acaba de ligar para cá, avisando que em
breve os cirurgiões estarão prontos
para a senhora.
– E eu vou passar a noite aqui?
– Se tudo correr bem sim, o que
acredito que acontecerá. Eu a verei pela
manhã. – Celeste sorriu. – Estarei aqui
às sete horas.
– Você trabalha demais – Fleur
declarou. – Eu sei que é isso que vocês,
garotas, fazem hoje em dia. Mas, ainda
assim, eu espero que seu jovem marido
espere por você em casa, com o jantar
pronto, assim você poderá colocar os
pés para cima.
– Ah, eu deveria mesmo fazer isso –
Celeste sorriu e depois ficou vermelha,
quando se deu conta que Ben havia
entrado na sala. – Boa noite, Fleur.
Ela foi até Ben.
– Não quero que ela fique
preocupada.
– Desculpe, não entendi.
Celeste apressou-se em explicar.
– Bem, é mais fácil, às vezes, deixar
que as pessoas pensem que há um sr.
Mitchell esperando por mim em casa. –
Ela ficou ainda mais vermelha quando
se deu conta que ele não tinha ouvido a
conversa e não se importava com a
mentirinha que ela havia contado para
Fleur. – Você soube alguma coisa sobre
Matthew?’
– Foi isso que eu vim lhe contar.
Estou indo para casa e interfonei para a
UTI. Não tinha tido a chance até agora.
Parece que as pupilas dele se dilataram
durante a ressonância. Ele foi levado às
pressas para a sala de cirurgia, onde foi
detectado um hematoma subdural
massivo. Então, eu vim aqui para lhe
dar os parabéns. Foi um ótimo
diagnóstico. Várias pessoas hesitariam
com sintomas tão transitórios.
– E como ele está agora? – Celeste
perguntou, feliz por ter sido elogiada
por ele.
Ele tivera hemorragia cerebral e a
pressão intracraniana alta estava
causando os sintomas. Era isso o que
havia de mais assustador sobre
machucados leves na cabeça. E era por
isso também que os pacientes que
passavam por tais ferimentos eram
tantas vezes postos em observação. Ela
já havia lido sobre isso, estudado casos
assim, aprendido sobre eles em sala de
aula, mas agora tinha testemunhado
como se desenrolavam na vida real. A
rotina de uma observação neurológica
nunca mais seria considerada como
rotina de novo.
– Ele está na unidade de tratamento
intensivo. Serão 48 horas antes de
sabermos de fato como ele vai ficar,
mas há esperança…
O que era sempre bom.
Ela passou o plantão para a
enfermeira da noite e foi para casa em
um carro barulhento que a cada dia
fazia ruídos mais preocupantes. Ela se
aproximou dos portões e deu seta para
indicar que ia entrar no bloco de
unidades à esquerda, depois desceu do
carro sem desligar o motor, porque ela
sabia que um dia aquele carro não daria
partida. Cansada até os ossos, ela abriu
os portões e foi então que notou
alguém atrás dela.
– Eu fecho para você – Ben disse, e
foi o que ele fez. Ela dirigiu mais
alguns metros, puxou o freio de mão e
de novo, saiu do carro deixando-o
ligado para abrir o portão da garagem,
porque o senhorio era muito sovina
para instalar portões automáticos.
– Eu faço isso, pode deixar. – Ele
veio da direção dos portões da entrada
e abrindo os portões da garagem,
esperou até que ela guardasse seu
carro, para depois fechá-los.
Podia até não parecer muito, mas
cada tarefa que ele relizava, era uma
coisa a menos para ela fazer, e ela
estava tão, tão cansada, que se sentiu
extremamente grata.
– Muito obrigada por isso. – Celeste
estava exausta demais para sorrir.
– Sem problema – disse Ben, indo
até seu próprio carro e repetindo a
sequência em sua garagem. E, ainda
assim, ele não passou um sermão nela.
Não ficou perguntando se ela estava
bem, não perguntou se ela achava
mesmo que devia trabalhar. Se ele
tivesse perguntado, pensou Celeste
enquanto entrava em seu apartamento
minúsculo, ela teria caído no choro.
Era preciso que ela comesse, mas
estava cansada demais para cozinhar,
então, se serviu de uma tigela de
cereais.
Depois disso, um banho rápido. Ela
sabia que se arrependeria amanhã de
manhã se não tomasse banho agora.
Então, separou um uniforme limpo
para o dia seguinte, ajustou o
despertador e caiu na cama, cansada
demais para se preocupar, para chorar
ou mesmo para pensar.
Ela teria que estar de volta ao
hospital às dez para as sete da manhã!
CAPÍTULO 3
BEN NÃO se preocupava.
Ele ficava apreensivo por seus
pacientes de vez em quando, mas
preocupação não era com ele.
O pior dia da vida dele acontecera
havia muito tempo, e ele sabia que as
coisas jamais poderiam ficar tão ruins
novamente; consequentemente, ele
apenas seguia em frente. Não se afligia,
nem ficava se remoendo ou se
preocupava.
Ele não se preocupava fazia anos.
Mas agora havia alguma coisa lhe
incomodando, e, ainda que tentasse
ignorar o fato, o incômodo persistia.
Era apenas o segundo dia dele no
Hospital Bay View, e haviam aberto a
porteira.
Uma pessoa afogada havia sido
trazida às pressas, assim como as
vítimas de um engavetamento na
estrada à beira-mar. Estava fazendo
mais de 40 graus, e as pessoas estavam
desmaiando por toda a parte. Era mais
um daqueles dias em que todos se
esforçavam para dar conta do trabalho,
e trabalhavam até o limite e além.
Inclusive Celeste.
Ele podia ver os tornozelos dela
inchando à medida que o plantão
prosseguia, a observava expirando
pesadamente pela boca e suas faces
vermelhas, enquanto ela esvaziava
mais um carrinho e o preparava para a
interminável lista de recipientes; podia
ver o esforço nos movimentos dela, e,
então, finalmente, a expressão de puro
alívio em seu rosto às 3:30 da tarde,
quando o plantão dela acabou.
Enquanto a observava caminhar
trêmula, gostando ou não, Ben estava
preocupado.
– O que você vai fazer esta noite? –
Belinda estava digitando rapidamente
em seu computador. No final da casa
dos 30, e absolutamente estonteante,
ela era também inteligente. Com
cabelos negros compridos, tinha olhos
castanhos amendoados, lábios
vermelhos e grossos, e se vestia como
se tivesse acabado de sair de uma capa
de revista.
Felizmente, felizmente mesmo, Ben
não se sentia nem um pouco atraído por
ela, o que significava que não havia
problemas em dividir uma sala
minúscula e que eles podiam conversar
com facilidade sobre as coisas, o que
faziam naquele momento, enquanto
Ben encerrava seu expediente e
arrumava sua maleta. Era apenas o
segundo dia de trabalho dele, e a
papelada já estava se acumulando.
– Eu vou dar uma parada no
escritório do corretor de imóveis, e
então vou até a delicatessen para
comprar uma salada de galinha em vez
de um hambúrguer – Ben pensou por
um momento –, e depois eu vou me
obrigar a ir correr esta noite. E você?
– Eu vou te mostrar… – Ela sorriu
maliciosamente. – Venha cá.
Curioso, Ben foi até a mesa dela e
olhou para a tela do computador,
deparando-se com a imagem de um
homem de aparência bem comum.
– Clínico geral, perto dos 40, tem
filhos, mas não quer envolvê-los
ainda…
– Como? – Ben não fazia ideia do
que ela estava falando.
– Isso é bom – disse Belinda. – O
último cara com quem eu saí levou os
filhos no segundo encontro! Nós
conversamos pelo telefone – Belinda
explicou para um divertido Ben –, e ele
parece ótimo; nós vamos sair para
tomar um café esta noite.
– Você tem um encontro com ele?
– Café. – Belinda riu. – Você deveria
tentar, faria o maior sucesso!
Ben sacudiu a cabeça.
– Namoro via internet não é para
mim.
– Não descarte a possibilidade antes
de tentar.
– Tome cuidado. – Ben franziu as
sobrancelhas. – Você não deveria levar
alguém quando for encontrá-lo? Ele
pode ser qualquer tipo de pessoa!
– Ele é exatamente quem diz ser. –
Belinda deu uma piscadinha. – Eu
verifiquei a ficha dele.
– Bem, boa sorte.
O corretor de imóveis estava sendo
gentil com Ben novamente; ele havia
ficado um tanto chateado no começo
quando Ben não comprara o
apartamento, mas obviamente havia
superado aquilo e era o melhor amigo
de Ben de novo, agora que tinha um
genuíno cliente em potencial para a
casa.
– Eu posso dar uma olhada? – Ben
perguntou.
– Não até abrirmos para visitação no
final de semana – disse o corretor. –
Depois disso, eu posso marcar uma
visita particular para você.
– Na verdade, eu estou trabalhando
neste final de semana – disse Ben –,
então não se preocupe.
– Mas você vai vir dar uma olhada?
– o corretor perguntou, ansioso.
– Como eu disse… – Ben deu de
ombros. – Eu estou trabalhando, mas
isso não é um problema, realmente. Na
verdade, eu vou visitar outra casa esta
noite.
Aquilo certamente fez com que o
corretor pegasse o telefone. Uma visita
particular foi marcada em menos de
uma hora, e Ben andou à vontade pela
casa que estava pensando seriamente
em chamar de lar. Seria preciso muito
trabalho; a cozinha estava um desastre,
e o banheiro do andar de baixo teria
que ser totalmente refeito, mas o
quarto principal já havia sido
reformado, com janelas que iam do
chão ao teto com uma vista espetacular
da baía, e um banheiro fantástico. Sim,
a casa era grande demais para uma
pessoa, mas ela simplesmente parecia
ser a escolha certa. Ele poderia
reformá-la, pensou Ben, fazer tudo bem
devagar, reconstruir a cozinha,
organizar o quintal… De pé no quarto
principal, olhando pela janela para a
baía, Ben sentiu o primeiro sopro de
contentamento em anos, a primeira,
primeiríssima sensação de como estar
em casa deve ser, finalmente. Apesar
de sua indiferença com o corretor,
apesar de ter sacudido a cabeça ao
descobrir o preço da casa e que o
proprietário queria um acordo rápido,
ele estava apenas jogando o jogo
necessário. Ben mal podia esperar pelo
leilão.
Uma onda de calor atingiu Ben
quando ele abriu a porta de seu
apartamento. Ele abriu as janelas, ligou
um ventilador e colocou seu jantar na
geladeira; então, tirou a roupa e rezou
para que o chuveiro estivesse frio
naquela noite, o que felizmente
aconteceu.
Depois de tomar banho, vestiu shorts
e foi para a cozinha. De repente, sem
aviso, ouviu-se um ruído longo, como
um rosnado, e tudo parou.
Aquilo estava acontecendo em todo
lugar em Melbourne: quedas de energia
todas as noites, por causa dos sortudos
que tinham ar-condicionado e,
egoisticamente, ligavam os aparelhos
no máximo. Ben tinha apenas um
ventilador, que agora, obviamente, não
estava funcionando. Ele foi até o lado
de fora para checar os fusíveis, só para
garantir que o problema não era só
dele, e olhando para a fileira de
unidades da rua, viu Celeste fazendo a
mesma coisa.
Ela vestia um par de shorts lilás
desta vez, e uma blusa preta sem
mangas. O cabelo dela estava molhado,
e ela parecia bastante irritada.
– De novo! – Ela revirou os olhos,
acenou de leve para ele, e voltou para o
que certamente se tornaria uma
fornalha em breve; ao contrário do
apartamento dele, o de Celeste tinha a
vantagem questionável de receber todo
o sol da tarde.
E foi então que aquele incômodo o
atingiu de novo: uma sensação
estranha, há muito tempo esquecida,
que lhe deu um frio no estômago
enquanto abria a geladeira às escuras e
retirava as embalagens plásticas que
trouxera da delicatessen; um estranho
sentimento de preocupação por uma
pessoa.
Ben não queria vizinhos que
aparecessem à sua porta sem aviso e,
certamente, jamais imaginara que seria
um vizinho que fizesse uma coisa
dessas, mas lá estava ele, na soleira da
porta dela. Ela atendeu segurando uma
tigela de cereal e estava claramente
aborrecida com a invasão, mas tentava
ser educada.
– A eletricidade deve voltar em
algumas horas; isto anda acontecendo
bastante ultimamente – disse Celeste,
fechando a porta. Ela não estava
realmente irritada com ele, e não
queria parecer rude; estava
simplesmente tentando ignorar o fato
de que ele vestia apenas um par de
shorts. O que era normal, obviamente,
no meio de uma onda de calor. Se ele
tivesse chegado dois minutos mais
tarde, ela mesma teria que se vestir
novamente antes de atender a porta!
A visão do corpo dele exposto a fez
corar mesmo assim, e ela não queria
que ele percebesse.
– Você já jantou? – ele perguntou
para a porta que se fechava, e ela fez
uma pausa, olhando de forma culpada
para a tigela de cereal, que
provavelmente não era a melhor opção
de jantar para uma mulher nos últimos
meses de gravidez, e imediamente se
colocou na defensiva.
– Não dá para cozinhar sem
eletricidade.
– Não precisa, eu tenho bastante. –
Ele mostrou os pratos, para tentá-la. –
Vamos comer na praia, é bem mais
fresco lá.
E era. Havia uma brisa deliciosa
vinda do sul, e enquanto Celeste
caminhava na areia à beira-mar, Ben
podia praticamente ouvir o chiado
quando os tornozelos vermelhos e
inchados dela tocavam a água.
– Eu devia ter vindo para cá mais
cedo. – Celeste deu um suspiro de
alívio. – Eu sempre tenho vontade de
vir, e fico tão feliz quando chego aqui…
– Eu também. – Ben sorriu, e era tão
bom, depois de um dia tão agitado,
simplesmente caminhar e não ter que
dizer muita coisa, apenas observar os
cachorros, os barcos, os casais…
simplesmente ser. E depois sentar.
Galinha ao molho de estragão e
maionese, com salada grega, era
certamente muito melhor que cereal, e
acompanhada de uma salada de frutas
frescas, era praticamente a refeição
mais saudável de toda a gravidez dela.
O bebê deu um chute satisfeito quando
ela se recostou novamente.
– Estava delicioso, obrigada!
– De nada. – Ben engoliu em seco,
sentindo-se desconfortável. – Olhe, me
desculpe se eu destratei você no
trabalho.
– Você não fez nada disso – Celeste
disse, franzindo a testa.
– Fiz, sim – disse Ben –, ou melhor,
eu não deixei claro que nós já nos
conhecíamos.
– Está tudo bem.
– Eu só gosto de manter as coisas
separadas do trabalho…
– Está tudo bem – disse Celeste. –
Esta noite nunca aconteceu. – Ela se
virou para o lado onde ele estava, e
sorriu para ele. – Você está gostando
do seu novo emprego?
– É bom – Ben assentiu com a
cabeça.
– Você morava em Sidney antes? –
Celeste resolveu verificar, porque tinha
ouvido Meg comentar a respeito.
– Morava. – Ben não deu mais
detalhes. – Quanto tempo faz que você
trabalha lá?
Ela não respondeu por um momento,
porque estava ocupada em se acomodar
novamente na areia, fechando os olhos
de puro prazer.
– Quase três meses. – Ela entreabriu
um dos olhos. – Eu não acho que eles
ficaram particularmente felizes quando
eu apareci para meu primeiro plantão.
Felizmente, ele não era
politicamente correto o bastante para
fingir que não tinha ideia do que ela
estava falando. Em vez disso, ele
simplesmente sorriu, e Celeste fechou
aquele olho e finalmente, finalmente,
finalmente relaxou.
– Meu Deus, isto é bom. – Ela
suspirou, depois de cinco minutos de
um confortável e delicioso silêncio.
E a vista também é boa, pensou Ben,
muito boa, sem dúvida. Os cílios dela
tocavam suas faces de leve, os joelhos
dela estavam levantados, e sua barriga
parecia se mover como se tivesse
vontade própria… como a de Jennifer,
pensou Ben, e então interrompeu
aquele devaneio abruptamente.
– Então, não existe um sr. Mitchell?
– ele perguntou.
– Não. – Os olhos dela ainda
estavam fechados.
– Você tem algum contato com ele,
o pai do bebê?
– Não.
– Ele sabe? – Ben perguntou,
embora não fosse da conta dele. –
Quero dizer, ele está ajudando você?
– Ele achou que estava ajudando –
disse Celeste. – Ele me deu dinheiro
para fazer um aborto.
– Oh! – Ben olhou fixamente para
ela.
– Eu estava na residência de
obstetrícia quando descobri que estava
grávida, e havia bebês por toda a
parte… não que isso tenha feito com
que eu quisesse um; eu fiquei
apavorada, na verdade, mas…
– Você não precisa me contar mais
nada, se não quiser.
Mas ela queria; deitada ali, com os
olhos fechados, perdida e sozinha e
realmente, realmente confusa. Talvez,
como todos diziam, falar ajudasse a
clarear suas ideias. Valia a pena tentar,
de qualquer modo, porque a ioga
certamente não havia funcionado!
– Ele é casado. – Ela abriu os olhos
então, e fechou-os de novo, e mesmo
naquele pequenino espaço de tempo ela
viu a expressão dele mudar. Foi aquele
momento em que você é julgada,
opiniões são formadas, e a outra pessoa
presume saber tudo sobre você. – Eu
não sabia disso, não que isso mude
alguma coisa.
– Vocês ficaram juntos por muito
tempo? – Ele quis saber.
– Três meses. – Celeste fungou. –
Ele foi o meu primeiro, verdadeiro…Eu simplesmente acreditei nele. Quero
dizer, eu sabia porque não saíamos com
tanta frequência, e porque não
podíamos frequentar a casa um do
outro…
– Como?
– Não importa – ela resmungou.
– Então, para onde vocês iam?
– Passear de carro, jantar, um hotel
de vez em quando… – Ela olhou nos
olhos verdes e límpidos dele. – Ele é
um pouco mais velho do que eu, bem
mais velho, na verdade – Celeste disse,
e então ficou quieta por algum tempo.
Certo ou errado, ele a estava
julgando; estava tentando não julgar,
mas não conseguia.
Por que as pessoas não pensavam?
Por que as pessoas eram tão
descuidadas?
E agora havia esse bebê…
Ele fechou os olhos e pensou em
Jennifer; nos planos que eles tinham
feito, em quanto eles haviam desejado
um filho, e embora ele não dissesse
uma palavra, ela podia sentir a censura
dele.
– Então, você nunca cometeu um
erro? – ela disse, na defensiva.
– Eu cometi muitos – ele admitiu.
– Mas nenhum caso, nada de que
você se arrependa.
– Oh, eu me arrependo de muita
coisa – disse Ben.
– Você é solteiro, divorciado… – Ela
soava como o questionário no site de
relacionamentos de Belinda, e ele se
encolheu por dentro.
– Viúvo – ele disse, e então foi a vez
dela de julgar, Ben sabia: ele já havia
passado por aquilo muitas vezes.
– Você sente muitas saudades dela?
– ela perguntou, gentilmente.
– Sinto – Ben admitiu, e foi o
suficiente. Ele deixou um pouco de
areia escorrer por entre seus dedos,
concentrando-se nos pequeninos grãos
em vez de em si mesmo, e então olhou
para o relógio.
– A eletricidade já deve ter voltado,
à esta hora.
– E se tiver voltado? – Celeste
sorriu. – Eu estou gostando da
conversa… você estava me contando
como sente falta dela.
Deus, ela era insistente. Ele
realmente deveria se levantar e ir
embora, mas ela havia confessado tanto
sobre si mesma, e, pegando outro
punhado de areia, ele deixou que os
grãos lhe escorressem pelo punho
cerrado e admitiu um pouco da
verdade.
– Eu sinto saudades por Jennifer,
também. – O silêncio de Celeste era
paciente. – Ela amava viver. – Ele
olhou para a água e quase pode ver o
rabo de cavalo louro dela balançando
enquanto ela corria. – Ela estaria
certamente correndo ou nadando agora,
achando um tempo para fazer
exercícios depois do trabalho.
– Ela se mantinha em forma?
– Perfeita forma. – Ben assentiu,
mas havia um pensamento dolorido ali
porque, apesar de Jennifer fazer tudo
certo, apesar de seu estilo de vida
saudável, no final nada havia
adiantado.
– O que ela fazia?
– Ela também era médica, da
Emergência.
– O que aconteceu? – Celeste
perguntou, mas Ben sacudiu a cabeça,
sem querer comentar o assunto.
– Vamos. – Já era realmente hora de
ir, e não somente porque ele não queria
falar sobre aquilo. Ele estava fazendo
um favor a ela. Uma mulher no estado
de Celeste não precisava mesmo ouvir
como Jen havia morrido. Então, ele
segurou as mãos dela e ajudou-a a se
levantar, e eles caminharam lentamante
de volta, conversando distraidamente
sobre isso e aquilo, até Celeste
encontrar uma brecha novamente.
– Você saiu com alguém de novo…
quero dizer, desde…?
– Ela morreu há três, quase quatro
anos – Ben disse, respondendo à
pergunta não formulada.
– Oh.
– Eu tive alguns encontros. – Ele deu
de ombros. – Embora provavelmente
fosse muito cedo.
– Você ainda as compara com ela? –
Celeste perguntou, indo diretamente ao
ponto até onde ninguém mais ousava ir,
mas Ben simplesmente ignorou a
pergunta e, feliz com a distração, abriu
os portões que davam para os
apartamentos, mas Celeste esperou
pacientemente.
– Ainda? – ela perguntou.
– Como?
– Você compara as outras mulheres
com ela?
Ela era uma coisinha insistente,
como um pequeno pica-pau, bicando a
madeira, bicando…
– Eu costumava comparar – Ben
admitiu. – Mas não agora, não é justo
para ninguém.
– Principalmente porque ela parece
ter sido a Supermulher – Celeste
resmungou, e a resposta dela foi tão
divertida que Ben sorriu. – Então – ela
pressionou –, você está pronto agora?
– Talvez, mas não para nada sério.
– Oh, eu tenho certeza de que vai
haver muitas candidatas. – Celeste
sorriu. Afinal, ela havia ouvido as
risadinhas e fofocas no vestiário; Ben
poderia escolher quem quisesse!
– E você? – Eles estavam sentados
nos degraus do apartamento dela agora,
a conversa e a amizade muito recentes,
muito frágeis para correr o risco de
quebrar se ela o convidasse para entrar.
E, de qualquer forma, a energia ainda
não havia voltado, então eles se
sentaram nos degraus e começaram a
se conhecer um pouco melhor.
– Eu não estou exatamente em
condições de namorar. – Celeste
revirou os olhos. – Você pode me
imaginar saindo para dançar?
– Acho que não!
– E eu ainda estou naquela fase
“todos os homens são cachorros”.
– Provavelmente, é uma opção
bastante inteligente nessa fase – Ben
concordou. – Eu mesmo tenho sido um
pouco cachorro ultimamente.
– Conte-me tudo! – Ela realmente o
fez rir, de tão ansiosa que estava por
uma fofoca, e era tão fácil conversar
com ela que, sem saber exatamente
como, ele começou a falar:
– Eu estava saindo com alguém; ela
era ótima, mas embora eu tenha sido
franco com ela desde o começo…
– Ela não quis ouvir? – Celeste
completou por ele.
– Ela ouviu no começo, disse que
queria a mesma coisa que eu… e então,
bem, o relacionamento ficou mais
sério. Ela começou a dar indiretas,
dando a entender que queria coisas
diferentes. – Ele olhou para os olhos
castanhos e sorridentes dela. – Como
morar juntos.
– E não era assim para você? – ela
perguntou, espertamente.
– Talvez algum dia, mas ela também
começou a falar sobre filhos. E de uma
coisa eu tenho certeza, eu não quero
filhos.
– Nunca?
– Nunca – ele respondeu,
enfaticamente.
Ela entendeu o recado, e na verdade
se sentiu agradecida por ele. Oh, eles
mal se conheciam, mal haviam
arranhado a superfície, mas havia
certamente, se não uma atração
imediata, pelo menos uma aguda
consciência do outro. O que era algo
que ela não havia sentido em muito
tempo; algo que estava certa, depois do
modo com que Dean a havia tratado,
que jamais sentiria novamente. Mas
sentada ali, olhando para os olhos
verdes de Ben, ouvindo as palavras
dele, Celeste de repente percebeu que
ele sentia a mesma coisa. Que ele
estava lendo cuidadosamente as regras
de qualquer relacionamento em
potencial, se eles decidissem investir
em um.
– Nós não podíamos ser menos
compatíveis, realmente – Celeste disse,
depois de um momento de pausa. – Eu
não estou procurando um
relacionamento, você não está
procurando um relacionamento sério,
e… – ela deu uns tapinhas na barriga
enorme – isto não é uma hérnia!
– Eu já tinha percebido! – Ben
sorriu. – Então, que tal sermos apenas
amigos?
Ela olhou para os olhos verdes dele,
e desta vez não corou. Oh, ela estava
com uma quedinha adolescente por ele;
que mulher heterossexual não teria?
Mas seu coração estava machucado
demais, seu ego muito abalado, e sua
alma muito frágil para sequer pensar
em seguir em frente mais uma vez. Era
simplesmente agradável ter um adulto
com quem conversar. O mundo dela
havia mudado tanto, e somando o fato
de sua família não falar mais com ela
com sua luta em se encaixar no novo
curso, era simplesmente bom, muito
bom, ter Ben em sua vida, falar com
uma pessoa em vez de olhar
mecanicamente para a televisão. Um
amigo seria maravilhoso. E ele ainda
ficou mais um pouco. Celeste entrou
em casa e trouxe dois copos de água, e
então ficou brincando com margaridas
enquanto eles conversavam,
desfolhando-as com os dedos,
juntando-as, e quando ela não estava
olhando para ele, era mais fácil para
Ben falar.
– Você sabe, eu tinha tudo com Jen…
– Ele passou os dedos pelos cabelos,
tentando resumir como se sentia,
porque era tão fácil conversar com ela.
Talvez porque ela não tivesse
conhecido Jen, talvez porque os olhos
dela não se enchessem de lágrimas,
como os dos amigos e familiares dele,
quando ele falava sobre ela, ou porque
ela não lhe lançasse olhares de
reprovação velada com os esforços
fracassados dele de seguir com a vida.
– Eu não quero tentar recriar o que
tive… não quero a mesma coisa com
outra pessoa. Eu já passei pela
experiência, e já sei como é.
– Sorte sua, então. – Ben piscou os
olhos com a resposta. Realmente, ele
podia ser qualquer coisa, menos
sortudo, mas pensando bem, sim, ela
estava certa, ele tinha tido sorte de ter
Jen em sua vida por algum tempo. – Eu
daria tudo para poder dizer para este
pequenino que o pai dele e eu
estávamos apaixonados.
– Vocês estavam? – Ben perguntou.
– Eu achava que sim. – Ela deu de
ombros. – Mas olhando em retrospecto,
era só uma atração, eu acho… e me
parece que você teve a coisa real.
Ele não respondeu, porque naquele
momento o som da televisão dela quase
estourou as janelas do apartamento, e
aplausos se ouviram da unidade ao
lado, enquanto a eletricidade voltava ao
normal.
– Eu preciso trabalhar um pouco… –
Ben se levantou.
– Bem, obrigada pelo jantar… –
Celeste sorriu. – E o bebê agradece,
também.
– De nada.
– Eu me ofereceria para retornar o
favor, mas estou tendo problemas em
fazer o jantar para uma pessoa só no
momento – ela disse, ironicamente.
– Eu não esperava que você o
fizesse.
Ele não esperava nada dela. Celeste
sabia, assim como Ben.
Mas, na noite seguinte, quando ele
chegou à casa, depois do trabalho,
encontrou vasos de girassóis em sua
porta; a maneira dela de agradecer, ele
imaginou.
– Eu tenho boas notícias pra você –
disse Ben, ao bater à porta dela.
– Eu estou precisando. Entre – ela
convidou.
– Tiraram os tubos de Matthew esta
noite – Ben explicou, seguindo-a até a
pequena cozinha. – Ele está indo muito
bem, e eles esperam poder transferi-lo
da UTI pela manhã.
Aquelas eram boas notícias!
– Poderia ter sido uma história bem
diferente. Belinda não para de me dar
tapinhas nas costas, e até o consultor de
neurologia foi à Emergência para dizer
“Bom trabalho”. Eu disse a eles que o
crédito é todo seu. – Ele observou o
rosto dela ficar corado com o elogio. –
Eu sei que é difícil decidir entre
esperar para ver ou chamar por ajuda.
– Pode ser – Celeste admitiu, tirando
uma jarra enorme de chá gelado do
refrigerador e servindo copos altos para
os dois. – Quero dizer, você não quer
parecer um idiota, ou reagir
exageradamente a qualquer coisa…
– Exagere! – Ben disse,
simplesmente. – Pelo menos por
enquanto, até você acumular mais
experiência e enquanto o seu “botão
dos palpites” estiver funcionando
direito.
– “Botão dos palpites”? – Celeste
franziu as sobrancelhas ao ouvir o
termo estranho. – O que é isso?
– Quando você tem um palpite sobre
alguma coisa, quando você tem
certeza… mas não certeza absoluta.
Ela já tinha percebido o que ele ia
dizer antes mesmo de ele explicar, mas
enquanto ele explicava, ela sentia o
tom cor-de-rosa de suas bochechas
chegar mais perto do vermelho,
consciente de que ele não estava
exatamente olhando nos olhos dela. O
“botão dos palpites” dela estava
funcionando, mas por motivos
diferentes agora, e ela o desligou
rapidamente.
Ela definitivamente não ia
desenvolver uma paixonite por outro
colega de trabalho!
Olhe só onde aquilo a havia levado.
E era bom ter um amigo.
Eles se sentaram na pequena sala de
estar, assistindo à “pesagem” no
programa favorito dela, enquanto
Celeste resmungava que deveria ser
uma candidata. Ben estava mais do que
um pouco desconfortável, e tentava não
demonstrar; ele podia ver a pilha de
roupinhas de bebê dobradas
perfeitamente em cima da tábua de
passar, e embora ainda faltassem
semanas para o parto, havia um
cheirinho suave de bebê na casa, o que
provavelmente tinha a ver com a loção
de bebê que Celeste estava passando
nas mãos, mas ainda assim… Então, ele
foi buscar a jarra de chá gelado e,
quando voltou, encheu o copo que ela
estava segurando; e ele não seria um
ser humano se não tivesse percebido o
decote dela; teria que ser cego para não
notar. Ben não era exatamente o tipo de
homem que prefere seios, mas os dela
eram tão voluptuosos que ele sentiu, de
repente, como se tivesse levado um
chute na virilha, com o desejo que não
lhe era mais familiar.
Então, ele se sentou. Ele percebeu
que não conseguia mais sentir aquele
cheirinho de bebê, apenas o
perturbador cheiro de Celeste. A sala
estava quente demais, e obviamente ela
repetia automaticamente o gesto de
levantar os braços e segurar os cabelos
no alto da cabeça, enquanto continuava
a falar; então os cabelos lhe caíam
sobre os ombros de novo, e ela
levantava os braços mais uma vez.
– Eu preciso ir…
– Já? – Celeste disse, mas então eles
continuaram a conversar, sobre isto e
aquilo, e de repente já passava das dez
horas da noite. Olhando para ele,
parado perto da porta e se preparando
para realmente ir embora desta vez,
Celeste se flagrou pensando que tinha
tido a melhor noite dos últimos
tempos.
Tinha sido bom demais, até.
Porque entre todas as coisas idiotas
que ela poderia estar pensando, estava
mesmo era imaginando como seria
receber um beijo de boa noite dele.
Pensando no que faria se aquela
boca maravilhosa chegasse um pouco
mais perto.
– Obrigado pelas flores, a propósito.
– Ben quebrou a linha de pensamento
dela. – Você não precisava ter feito
aquilo.
– Não foi um problema.
– Não, você realmente não
precisava. – Ben sorriu. – Elas estarão
mortas em dois dias; eu vou esquecer
de regá-las.
– Eu não vou. – Celeste sorriu de
volta. – Apenas aproveite.
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CAPÍTULO 4
ELES IGNORAVAM um ao outro no
trabalho, obviamente. Bem, eles não
mencionavam as noites passadas em
frente à televisão, nem as caminhadas
na praia e, às vezes, enquanto ela se
sentava na sala de convivência e ouvia
Deb tagarelar sobre o quanto ela estava
certa de que Ben a convidaria para sair
em breve (quando Ben já havia
comentado com Celeste que estava
incomodado com os flertes constantes
de Deb), ou quando a glamourosa
Belinda começava a falar de forma
amistosa demais sobre ele, embora
Celeste se mantivesse calma como um
Buda desafiado, por dentro ela estava
espumando de raiva e poderia,
certamente, estrangular as duas para
que ficassem caladas.
Ela gostava dele.
E quanto a isso, estava tudo bem.
Afinal, metade do departamento
gostava dele daquele jeito também, e
ela dificilmente poderia ser
considerada como minoria; não, havia
um problema um pouco maior.
Às vezes, ah, às vezes, Celeste tinha
aquela impressão incômoda que só
podia ser causada quando duas pessoas
se envolvem.
Às vezes, ah, às vezes, Celeste tinha
a sensação fugidia de que Ben gostava
dela também.
Ela dizia a si mesma que estava
imaginando coisas, exatamente como
Deb. Porque não havia chance nenhuma
de Ben estar interessado nela.
Então, por que ele estava agindo de
forma tão estranha?
Quando o coffee break terminou, ela
voltou para a ala pediátrica, e tentou
dizer ao seu coração idiota para parar
de bater tão depressa só de olhar para
ele; é claro que não adiantou. E seu
coração acelerou de vez uma hora mais
tarde, embora por razões totalmente
diferentes, quando uma mãe meio
histérica colocou um bebê molenga nos
braços de Celeste.
Ela tocou a campainha de
emergência antes mesmo de despi-lo.
Ele era grande e gordo, e mal abriu
os olhos enquanto Celeste o despia com
eficiência, e fazia algumas observações
preliminares.
– Ele não para de vomitar… – A mãe
estava tentando não chorar. – Eu o
levei ao clínico ontem, ele disse que
era um problema gástrico e me mandou
dar líquidos para ele…
Nenhuma ajuda havia chegado, e
Celeste tocou a campainha de
emergência outra vez. O pulso do bebê
estava acelerado, e a temperatura dele
estava alta, portanto ela o colocou no
balão de oxigênio e tocou a campainha
de emergência de novo enquanto
empurrava o carrinho com o material
para soro intravenoso, finalmente
decidindo colocar a cabeça para fora do
cubículo.
– Alguém pode vir me ajudar? – ela
estourou, e lançou um olhar frenético
para Ben, que estava mostrando a um
paciente um raio-X de tornozelo. –
Agora!
– Aperte o botão três vezes em caso
de emergência! – Ben estourou
também, quando viu o bebê.
Ela ainda estava aprendendo o
básico; ainda ontem, ela havia sido
advertida por reagir exageradamente, e
apertar o botão três vezes por qualquer
coisa remotamente urgente; e agora
estava sendo repreendida por fazer
muito pouco. Alguns dias, aquele
trabalho era simplesmente difícil
demais!
– Depressão na fontanela. – Ben
examinou o bebê imóvel com
eficiência, enquanto Celeste o tirava da
balança e preparava um soro
intravenoso. Ela estava apavorada com
a ideia de aplicar uma agulha de IV em
um bebê tão doente, mas aquilo fazia
parte do curso, e era algo que ela
precisava aprender a fazer. Ela havia
começado com homens grandes e
musculosos, com veias que mais
pareciam trilhos, e depois havia
praticado em adultos doentes. Ela havia
até mesmo aplicado IVs em algumas
crianças, e em poucos bebês, mas
nenhum tão doente como aquele, e não
com a mãe observando ansiosamente; e
agora, Meg estava lá também!
– Baixo turgor da pele. – Ben
continuou com sua avaliação, e sacudiu
a cabeça ao ver o tremor leve das mãos
dela, enquanto Celeste segurava o
bracinho flácido com uma das mãos e
posicionava a agulha com a outra. –
Deixe que eu faço. – Ele assumiu a
tarefa sem maiores comentários, e ela
ficou feliz por isso. O bebezinho era
gordo, e as veias dele seriam difíceis
de achar em uma situação normal, mas
com um quadro de desidratação as
coisas ficaram ainda mais complicadas
e mesmo Ben, com as mãos tão firmes,
precisou de algumas tentativas para
conseguir aplicar o IV, finalmente
achando uma veia no pé da criança.
– Consegui. – Ele colheu algumas
amostras de sangue, e segurou o tubo
do IV firmemente para que Celeste
pudesse conectá-lo com a bolsa e então
colocar as ataduras, imobilizando
cuidadosamente o pezinho, enquanto a
mãe observava de perto. Enquanto Ben
liberava os fluidos do IV que ele queria
que o bebê recebesse, ele olhou para
Celeste e fez uma observação
adicional: – Você poderia colocar a
máscara, por favor? – Ela não tinha
visto Ben pôr máscara, e ele não havia
pedido a Meg que colocasse uma.
Celeste rangeu os dentes, mas fez o que
ele havia mandado. Aquilo estava se
tornando um padrão familiar; durante
as duas semanas em que eles estavam
trabalhando juntos, Ben andava, na
falta de uma palavra melhor, irritante!
Ela já estava sendo superprotegida
pelos colegas, e já se sentia
desconfortável o suficiente com aquilo,
mas Ben parecia estar em uma missão
para assegurar que ela cuidasse apenas
dos pacientes mais seguros, mais
calmos, com os quadros menos
contagiosos, e quando ele não estava
sugerindo que ela colocasse a máscara,
pedia que lavasse as mãos!
Como se ela precisasse ser lembrada
disso!
Ainda assim, como Ben estava agora
conversando com a mãe, não era hora
nem lugar para discussões; ela teria
que deixar aquela conversa para mais
tarde.
– Ele tem nove meses. – Ben estava
checando as informações com a mãe
ansiosa, enquanto Celeste suava por
detrás da máscara. – Está correto?
– Somente nove meses – disse a
mãe. – Eu sei que ele parece ser mais
velho.
– Há quanto tempo ele está doente?
– perguntou Ben.
– Ele começou a vomitar ontem, três
vezes, talvez quatro.
– E hoje de manhã? – Ele disparava
perguntas, enquanto continuava a
examinar o bebê e pedia uma dose
extra de fluidos para ele. Celeste já o
havia colocado no balão de oxigênio, e
os pediatras estavam a caminho, mas
Ben estava examinando o abdômen do
menino cuidadosamente, preocupado e
pensando se eles não estavam
precisando mesmo era dos cirurgiões. –
De que cor era o vômito?
– Verde.
– Certo… – Ele verificou a fralda do
bebê e, ainda não satisfeito com o
exame do abdômen, pediu a Meg que
avisasse a equipe cirúrgica. Depois de
falar rapidamente com a mãe, ele
telefonou para o setor de imagens para
solicitar um ultrassom urgente.
– Eu acho que é um íleo – disse Ben,
esperando ao telefone no posto das
enfermeiras, enquanto Celeste lavava
cuidadosamente as mãos na pequena
pia, e mesmo assim, de forma
incrivelmente irritante, ele empurrou a
garrafa de álcool na direção dela,
quando ela foi enxugar as mãos.
– E esse diagnóstico significa que eu
posso entrar lá sem máscara, agora? –
Celeste perguntou, e então franziu a
testa. – Ou será que isso virou uma
doença transmitida pelo ar, de repente?
– Ela observou a mandíbula dele
tensionando.
– Você só precisa ter cuidado – Ben
observou. – Nessa idade, ele pode ter
sarampo, catapora, caxumba… Aqui. –
Ele empurrou a garrafa de álcool na
direção dela novamente, enquanto ela
se sentava no banquinho para fazer
suas anotações, mas ela a ignorou.
– Você deveria usar isto – ele
insistiu.
– Por quê? – Celeste desafiou.
– Porque nós ainda não sabemos o
que há de errado com o bebê, e porque
você deveria…
– Ben. – Ela fez um clique com a
caneta, colocando-a na mesa. – Embora
eu agradeça sua preocupação, eu
realmente não preciso que você cuide
de mim.
– Eu não estou cuidando de você…
Eu só estou…
– Deixando-me paranoica! – disse
Celeste. – Ben, eu posso derrotar você
nesse joguinho de paranoia sobre
gravidez qualquer dia!
Ele duvidava, mas segurou a língua.
– Eu só estou me certificando de que
você tome as precauções devidas – ele
disse.
– Eu já falei com o meu obstetra,
com a enfermeira especializada em
doenças infecciosas, com Meg, e estou
tomando as precauções que todo
mundo toma. Estou sendo o mais
prudente e cuidadosa possível, mas
lidar com pessoas doentes faz parte do
trabalho de enfermeira – ela disse
calmamente.
– Eu não vejo qual é o problema em
tomar algumas precauções a mais – ele
resmungou.
– Eu não posso andar por aí em uma
roupa de astronauta – disse Celeste –, e
nem as enfermeiras nas alas de
pediatria ou oncologia, nem as
operadoras de raio-X que não sabem se
estão grávidas, mas podem estar… –
Ela podia ver as linhas na testa dele
diminuindo, enquanto a enfermeirachefe falava de forma ríspida com a
funcionária responsável pelos registros.
– E tudo o que podemos fazer é sermos
sensatas, todo o tempo, não apenas
quando estamos visivelmente grávidas,
então, obrigada pela sua preocupação; e
não, eu não vou usar isto… – ela
empurrou a garrafa de álcool de volta
para ele –, porque acontece que eu sou
alérgica.
– Tudo bem! – Ben estourou, mais
irritado consigo mesmo do que com
ela. Se o médico dela estava contente
em deixá-la trabalhar, e o hospital
ainda a estava empregando, se Celeste
queria continuar trabalhando, bem, não
era da conta dele. Então, por que ele
estava tão preocupado com ela?
Aquilo o incomodou o dia inteiro e,
mais tarde, durante a noite, quando,
confuso, ele foi ao supermercado e,
parado com a cestinha na mão, decidiu
comprar filé orgânico porque era
melhor para o bebê; o que, mais uma
vez, não era algo com que ele devesse
se importar. De qualquer modo, ele
colocou o produto na cestinha e ainda
incluiu uma caixa de suco de laranja
enriquecido com ferro. Ele sabia que
estava exagerando, e tinha todos os
motivos para isso. Dentro de poucos
dias, seria o aniversário da morte de
Jen, e não era de se espantar que ele
estivesse chateado. Mas resolveu fazer
o que sempre fazia, e escolheu não
pensar no assunto.
Uma rotina muito tênue havia se
estabelecido; não todos os dias, nem
dia sim, dia não, mas de vez em
quando. Ele ia até o apartamento dela,
perguntava se ela queria jantar, ou
ouvia quando ela vinha regar os
girassóis à sua porta e colocava a
cabeça para fora para perguntar se ela
queria ver um filme, ou algo assim.
Era uma boa companhia, só isso.
E ela estava muuuuuito contente.
Contente de não ter que se esforçar
para ser inteligente demais, e simpática
demais, como ela fazia quando estava
no trabalho; era tão bom poder
conversar e reclamar à vontade, ou
sentar-se com os pés para cima,
apoiados na mesinha de centro dele, e
assistir a um filme.
E nunca, nem uma vez sequer, ele
lhe passou um sermão, nem questionou
a decisão dela de continuar
trabalhando.
Até o final da trigésima terceira
semana, até aquela noite quando,
satisfeita depois de jantar filé orgânico
e salada com suco de laranja
enriquecido com ferro, ela se levantou
do sofá e Ben olhou para o relógio.
– São só oito e meia.
– Eu estou querendo deitar cedo
hoje.
– Você está de folga amanhã. – Ben
franziu a testa, acompanhando-a com
relutância até a porta. Durante as noites
seguintes, a última coisa que ele queria
era a própria companhia. – Você tem
certeza de que está bem?
– Eu tenho uma consulta com o
médico amanhã. Eu quero…
– Certifique-se de descansar
bastante, para poder enganá-lo – disse
Ben, e então interrompeu-se, os
músculos de sua mandíbula
tensionando, porque o que ela fazia ou
deixava de fazer não era nada da conta
dele.
– Eu preciso trabalhar mais algumas
semanas – disse Celeste, e Ben não
comentou nada. Ele simplesmente
forçou um sorriso e abriu a porta,
dizendo a si mesmo que ela não
precisava de um sermão, só de um
amigo, mas estava ficando cada vez
mais difícil para ele segurar a língua.
Então, ela desabou a chorar.
Celeste, que estava sempre sorrindo,
sempre gargalhando, que sempre tinha
uma resposta pronta em qualquer
situação, rendeu-se.
– Eu não aguento mais!
Tudo o que ele sentiu foi alívio,
alívio por ela haver finalmente
percebido, porque ela não iria
continuar com aquilo; e ele a tomou
nos braços e deixou-a soluçar.
– Então pare – ele disse gentilmente.
– Eu não tenho condições para isso –
ela argumentou, mas apenas consigo
mesma. – Mas eu não consigo nem
pensar em voltar lá de novo…
– Eu sei.
– Estou tão cansada.
– Eu sei.
– E estou com medo dos germes,
também.
– Vamos. – Ele a levou de volta para
o sofá, foi buscar um pouco de água
gelada no refrigerador, e conversou
gentilmente com ela, como se fosse
uma paciente, explorando as opções
dela. Ela estava com tudo em ordem,
inclusive algumas economias, mas elas
dariam apenas para cobrir o aluguel.
Haveria um pouco mais de dinheiro
depois que o bebê nascesse, mas sem
dúvida, as coisas estavam
incrivelmente difíceis para ela,
financeiramente.
– O carro vai quebrar logo. – Celeste
soluçou. – E eu nem comprei uma
cadeirinha ainda. Eu ia fazer isso
quando o pagamento do próximo mês
saísse…
– Minha irmã já teve várias dessas
cadeirinhas; a garagem está cheia
delas. Ela teve gêmeos… então, esse
problema está resolvido, certo?
Era somente a ponta de um iceberg
gigantesco, mais um item numa lista
que parecia interminável, mas foi um
alívio resolver o problema,
compartilhar, finalmente admitir o
quanto ela estava cansada de tudo: ela
estava esgotada de verdade.
– Eu preciso trabalhar, mas
realmente acho que se continuar, vai
afetar o bebê. – Ela ficou feliz por ele
não tê-la interrompido, e confirmado
seus medos. – Eu estou retendo líquido
demais…
– Olhe. – Ben estava sendo
infinitamente gentil. – Você fez um
ótimo trabalho, chegando até aqui.
– Algumas mulheres trabalham até o
fim da gravidez.
– E outras não – disse Ben. –
Algumas não podem, e parece que você
é uma delas.
– Eu vou conversar com o médico
amanhã. – Ela assentiu. – E serei
honesta.
– Muito bom – disse Ben, e então
fez uma pausa, antes de ir exatamente
aonde não queria, e se envolver ainda
mais. – Você já pensou em pedir ajuda
ao pai do bebê?
– Nunca. – Celeste sacudiu a cabeça.
– E, por favor, não me passe um
sermão, dizendo que a responsabilidade
é dele também, e que eu tenho todo o
direito…
– Sem sermão – Ben interrompeu. –
E os seus pais?
– Eu escrevi para eles. – Ele
percebeu como tudo aquilo deveria ter
sido para ela: sabia, pelas conversas
que eles tinham, que a reação dos pais
dela havia sido furiosa, e que eles
haviam cortado relações com ela. O
fato de que ela havia escrito para eles
pedindo ajuda, depois de tudo o que
eles tinham feito a ela, mostrava que
estava pensando no bebê.
– Fez bem.
Foi a melhor coisa que ele poderia
ter dito.
– Eu enviei a carta ontem, então não
tive resposta ainda. Perguntei se posso
voltar a morar com eles, só por
algumas semanas…
Ele sentiria falta dela, Ben percebeu,
mas era a coisa certa para ela fazer
naquele momento. Ela precisava da
família, precisava de alguém para
cuidar dela durante aquelas últimas, e
difíceis, semanas; e, certamente, esse
alguém não seria ele.
– Eu vou falar com o médico
amanhã. – A voz dela estava mais
firme, agora. – E depois vou falar com
Meg.
– Ótimo.
– E agora… – Mais uma vez, ele a
ajudou a se erguer do sofá, quando ela
fez menção de se levantar – eu
realmente vou pra casa, dormir.
Ele sorriu para ela quando eles
chegaram à porta.
– Você vai conseguir passar por isso
– Ben disse –, vai mesmo.
– Eu sei.
Ela estava tão cansada, tão esgotada
e perdida, tentando ser valente em
meio à escuridão, que desta vez,
quando ele a tomou nos braços, não foi
porque ela estava chorando, e não foi
porque ela estava chateada. Ele não
sabia realmente porque tinha feito
aquilo, só sabia que parecia certo
abraçá-la.
E, para Celeste, era maravilhoso ser
abraçada por um instante.
Um instante delicioso, simplesmente
parada e apoiada nele, sentindo as
palavras dele contra seus cabelos, a
confirmação dele de que ela havia feito
as escolhas certas, que ela ficaria bem,
que estava indo bem.
– Eu estou com medo.
Ela nunca, nem uma vez sequer,
tinha admitido aquilo para alguém.
Desafio tinha se tornado o sobrenome
dela, porque se ela parasse por apenas
um segundo, se questionasse se ter o
bebê, continuar trabalhando e manter o
nome do pai em segredo eram decisões
inteligentes, se admitisse, ainda que
para si mesma, que estava lutando,
então, certamente, toda a coragem que
ela havia reunido desapareceria. Era
mais fácil enfrentar, insistir que estava
enfrentando, e continuar, do que parar e
pensar.
Mesmo assim, nos braços dele ela
parou por um momento; admitiu a
verdade e esperou o baque.
Esperou que tudo explodisse ao seu
redor, que tudo parasse, que a
desesperança a invadisse, e mesmo
assim ela continuou ali, nos braços
dele, e tudo o que fez foi parar, uma
pausa mínima que a fez encarar a
verdade e, sentindo-se segura por um
instante, recuperar-se.
– Com medo de quê? – ele
perguntou a ela, depois de um longo
tempo.
– O bebê merece coisa melhor.
Ben fechou os olhos, tomado pelo
arrependimento. Um arrependimento
envergonhado, porque ele havia, em
uma ocasião, pensado a mesma coisa.
Um casal bem-sucedido, concebendo
uma criança planejada, amada,
desejada… Aquele tinha sido o seu
projeto; e ele havia despejado sua ira
no universo, porque se ele e Jen, com
tudo o que tinham a oferecer, com
todos os planos e sonhos, não puderam
realizá-lo, por que alguém mais
poderia?
Somente agora, abraçando Celeste,
ele percebera que, apesar das
circunstâncias, a mulher em seus
braços preenchia quase todos os
requisitos necessários para criar um
filho, e que apesar dos obstáculos, ela
compensaria pelo que faltasse.
– O bebê tem você. – Ele
permaneceu ali, ainda abraçando-a, e
pensou sobre aquilo; pensou em quanta
sorte aquele bebê tinha por tê-la,
planejado ou não. O bebê tinha Celeste;
e ele pensou em como ela o fazia rir
tantas vezes, pensou no calor da
afeição dela, e quanta sorte as pessoas
que recebiam aquela afeição tinham; e
seu projeto perfeito desvaneceu-se da
mente dele.
– E será que eu sou suficiente? – ela
perguntou, ansiosa.
– Claro que sim – ele respondeu,
com certeza na voz.
Ela era absolutamente suficiente.
Mais do que suficiente.
Muito mais do que suficiente,
embora ele não estivesse pensando no
bebê agora, porque ao abraçá-la, pela
primeira vez com ela nos braços, ele
esqueceu do que eles estavam
conversando, esqueceu que ela estava
grávida. Ela era simplesmente Celeste,
divertida, amável e terrivelmente,
terrivelmente atraente. O cheiro dela
próxima a dele, o contato de sua cabeça
contra seu peito tomaram conta de Ben,
e ele perdeu-se nela. Tão naturalmente
como respirar, ele disse a ela como se
sentia com um beijo em vez de
palavras, simplesmente levantando-lhe
o queixo e beijando-a. Ele abaixou a
cabeça para encontrar os lábios
vermelhos dela, e confirmou o quanto
ela era suficiente com a própria boca; e
quando os lábios deles se encontraram,
Ben teve uma sensação de tontura,
como açúcar derretendo sobre sua
língua, enquanto ele provava o gosto da
tentação.
Ela ficou atônita, porque aquilo não
era nada parecido com qualquer coisa
que houvesse sentido antes, porque nos
braços de Ben ela se sentia segura, e
podia ser simplesmente ela mesma. Se
isso era bom ou ruim, não importava;
podia ser ela mesma com Ben. Ela
havia admitido para ele que estava com
medo, e o mundo continuara girando;
mas agora, era um mundo melhor do
que antes. As mãos dele estavam
mergulhadas nos cabelos dela, e suas
bocas se moviam juntas, e ela se sentiu
sensual; pela primeira vez na vida, ela
se sentiu sensual, querida e segura. E
Ben sentia a mesma coisa, ternura e
desejo lhe correndo pelas veias, algo
sem comparação, finalmente. Não
havia um raciocínio lógico para o fato;
era apenas um beijo, mas um beijo que
parecia o paraíso, com o cheiro dela a
envolvê-lo e sua língua, fria por causa
da água, tocando a dele. Era instinto, o
abrigo seguro do instinto.
Ela retornou o beijo.
E beijou-o de um jeito que nunca
havia experimentado antes.
Não era um beijo tecnicamente
perfeito, do tipo que se racionaliza; era
um momento para experimentar,
compartilhar, e era assim que devia ser.
A privacidade de Ben, o lugar isolado
que ele havia se tornado, de repente
pertencia a ela, para explorar à
vontade; e a sensação era divina.
Celeste havia entrado no santuário
particular e protegido daquele homem
reservado, e aquilo a enchia de alegria.
– Celeste – ele sussurrou, com os
lábios ainda colados aos dela, para que
ela soubesse que estava ali, e que era
ela a mulher que ele estava beijando
naquela noite. Uma das mãos dele
segurava-lhe a cabeça, puxando o rosto
dela para mais perto, e a outra havia
descido para seu quadril, seu quadril
grande e gordo, ela pensou vagamente;
mas ele o acariciava e a sensação era
fabulosa. Até aquele momento, ela
jamais soubera como era se sentir
sensual, mas estava descobrindo agora,
naquele instante, quando isso deveria
ser a última coisa a lhe passar pela
cabeça. Afinal, ela era apenas uma
mulher, e quando as mãos dele a
puxaram para mais perto, uma mulher
era tudo o que ela queria ser.
Quanto a Ben, ele jamais havia
chegado tão perto de uma fuga, para
um lugar onde apenas ele existisse.
Não era uma fuga egoísta.
Porque naquele lugar também
existia Celeste, e por alguns momentos
de felicidade plena, Ben podia ser ele
mesmo; o Ben real, aquele que estava
perdido havia séculos. Então, ele a
beijou, sentou o gosto dela, desejou-a,
e sucumbiu à sensação estonteante do
presente. Ele estava excitado, e podia
sentir o corpo adorável dela em suas
mãos; ele estava naquele ponto em que
a felicidade em si não é mais
suficiente, e você quer ainda mais, e a
apertou mais contra si, querendo sentir
a suavidade dela, tirar-lhe as roupas,
perder-se nela. Mas, em vez disso, ele
sentiu o peso sólido do bebê, que havia
se tornado um pensamento secundário
para ele, contra seu corpo. Ele podia
sentir a presença do bebê, e, naquela
noite principalmente, foi como um
soco no estômago, e foi Ben quem se
afastou.
– Eu sinto muito. – Ele a soltou tão
rapidamente que ela se sentiu como se
estivesse caindo. – Isso não deveria ter
acontecido. – Talvez não devesse, mas
acontecera. Não era o beijo que a
deixava envergonhada; ela pensaria
nisso mais tarde. Naquele momento,
era a reação dele; ele estava agindo
como se estivesse completamente
pasmo com o que havia feito.
– Esqueça. – Ela tentou soar casual,
mesmo com os batimentos cardíacos
passando de cem por segundo, como se
tivesse sido acordada repentinamente
em meio a um sonho maravilhoso. Só
que agora ela estava encarando a dura
realidade, e queria sair dali o mais
rápido possível. – De verdade, não tem
importância.
– Celeste… – Que diabos, ele não
queria aumentar os problemas dela;
mas era exatamente o que tinha
acabado de fazer, Ben sabia disso. Ele
havia esquecido, durante aquele
momento, que ela estava grávida.
Enquanto ele a abraçava, ela era
simplesmente Celeste. – Como eu
disse, eu não estou procurando…
– Eu entendi, Ben – ela interrompeu.
– Eu também não estou. Foi só um
beijo, só… – Ela deu de ombros, sem
ter realmente o que fazer; porque havia
sido muito mais do que só um beijo.
Ela ainda podia sentir o gosto dele em
sua boca, ainda sentia o abraço
delicioso dele, e agora ele havia tirado
tudo aquilo dela. – Foi mais uma
dessas coisas que nunca deveriam
acontecer. Não muda nada.
CAPÍTULO 5
MAS TUDO mudara.
Ele a viu chegar ao trabalho perto da
hora do almoço, no dia seguinte, e falar
com Meg. Tentando fingir que nada
havia acontecido, ela deu um sorriso
rápido quando passou por ele. Havia
sido um beijo entre amigos, era o que
Ben dizia a si mesmo; um beijo que
simplesmente havia escapado um
pouco do controle. Ele tinha certeza de
que eles podiam seguir em frente, e
quando a encontrou um pouco mais
tarde no corredor, perguntou como ela
estava.
– Nada mal. – Ela deu um sorriso
alegre. – Estou oficialmente de licençamaternidade.
– Como você está, Celeste? –
Belinda passou pelo corredor, o
barulho de seus saltos altos ecoando
pelas paredes, e parou para falar com
ela.
– Eu estava dizendo a Ben que
acabei de sair de licença. – Ele podia
ver que ela estava fazendo um grande
esforço para manter o sorriso no rosto.
– Então, acho que só vou ver vocês dois
quando já for mãe.
Havia uma mensagem para ele
naquela frase, Ben sabia disso; e
sentindo-se culpado, ele ficou quase
aliviado em ouvi-la. Ele estava tendo
problemas em acreditar como fora
estúpido na noite anterior. Ela já estava
carregando peso demais nas costas,
sem ele por perto para bagunçar as
coisas mais ainda; e uma mulher
abandonada com um bebê era a última
coisa de que Ben precisava naquele
momento.
– Espero que ela fique bem – disse
Belinda quando Celeste se afastou,
caminhando com dificuldade.
– Ela vai ficar bem, agora que não
está mais trabalhando – Ben respondeu.
– Não. – Belinda sacudiu a cabeça de
leve. – Eu quis dizer que espero que ela
fique bem, sozinha com um bebê.
– Ela não é uma adolescente… – Eles
estavam caminhando de volta para a
sala, e Ben estava ficando cada vez
mais irritado com a melancolia de
Belinda. – Ela vai ficar bem.
– Mas mesmo assim não vai ser
fácil. Eu fico imaginando quem é o
pai… Quero dizer, ela nunca tocou no
assunto, e ele deveria certamente
assumir a responsabilidade por alguma
coisa…
– Como vai seu novo namorado? –
Ben mudou rapidamente de assunto
quando eles chegaram à sala que
compartilhavam. – As coisas ainda
estão indo bem?
– Paul é maravilhoso. – Belinda
suspirou, feliz. – Nós vamos viajar
neste final de semana.
– Eu sei. – Sorriu Ben. – Afinal, vou
trabalhar no seu lugar.
– A ex-mulher dele está com as
crianças.
– Você já as conheceu?
– Meu Deus, não. – Belinda revirou
os olhos enquanto arrumava a
papelada. – A última coisa de que eu
preciso são os filhos de alguém.
Era a última coisa de que Ben
precisava, também.
Entre todas as coisas estúpidas que
ele poderia fazer… enquanto eles
trabalhavam em silêncio, Ben estava
pensando. Gostasse ou não da situação,
ele estava envolvido com Celeste e o
bebê, até certo ponto. Ele não podia
simplesmente parar de visitá-la
enquanto ela continuasse a ser sua
vizinha…
– Olhe aqui. – Belinda quebrou a
introspecção dele. – Eu tenho uma
coisa para você.
Ben foi até o computador, e teve que
rir quando viu os rostos de umas vinte
mulheres fazendo beicinho para ele, em
uma página de encontros via internet. –
Eu digitei as suas informações, e a
página gerou todas essas possibilidades
para você.
– Não estou interessado em
encontros, e certamente não desse jeito
– ele disse.
– Oh, estamos no século XXI,
atualize-se. – Belinda riu. – Pelo menos
você sabe exatamente o tipo de mulher
que vai conhecer, desse jeito. Eu não
tenho tempo de sair e ir para as boates.
E eu sei que Paul não está procurando
por uma mãe substituta para os filhos
dele, do tipo que fica em casa; ele
soube, desde o começo, que minha
carreira vem em primeiro lugar e que
eu, definitivamente, não quero um
bebê. Olhe, esta aqui é bonita. – Ela
apontou para os detalhes sobre uma das
moças, e Ben leu.
– Ela diz que quer alguém
totalmente livre e desimpedido. Eu
tenho uma história.
– Todos nós temos. – Belinda deu de
ombros. – Você só tem que mentir um
pouquinho. Quero dizer, se você chega
nessa idade e viveu realmente a vida, é
normal ter uma história. Vamos lá, Ben
– ela insistiu. – Faça uma tentativa.
– Esqueça, Belinda – ele alertou. Ele
podia lidar bem com colegas de
trabalho, mesmo os mais amistosos,
mas Belinda estava passando dos
limites. Ela estava apaixonada, e fazia
questão de que todos soubessem, e
queria espalhar sua felicidade; mas
estava falando com o cara errado. – Eu
não poderia estar menos interessado
em começar um relacionamento agora.
Era verdade.
No dia seguinte, faria quatro anos…
ele se deitou na cama, ao chegar em
casa, e fechou os olhos.
Quatro anos…
Já tinha passado todo aquele tempo?
Parecia que tinha acontecido ontem; e
ao mesmo tempo, parecia que jamais
acabaria.
Quatro anos… Ele abriu os olhos de
repente, consciente de que tinha que
lidar com o problema atual, que era
Celeste, antes de poder lembrar e
lamentar o passado.
– Eu estava pensando… – A voz dele
falhou. Ele havia levado séculos para
decidir qual seria o melhor meio de
lidar com a situação, e finalmente
havia resolvido ir até a casa dela, fingir
que nada havia acontecido, e oferecer
uma solução. Mas ela havia levado um
longo tempo para atender a porta, e,
quando o fez, ficou claro que ele a
havia acordado. Havia uma grande
marca de travesseiro no rosto dela, e a
normalmente alegre Celeste estava
definitivamente mal-humorada, e
certamente não iria tornar as coisas
fáceis para ele. – Você estava
dormindo?
– Na verdade, sim, eu estava.
– Eu sinto muito. – Ben limpou a
garganta. Ele não queria simplesmente
parar de ajudá-la, mas ele queria se
afastar, e aquele podia ser exatamente
o jeito de fazer isso! – Eu tenho o dia
de folga amanhã. Vou fazer uma
compra grande no supermercado,
porque tenho comido fora com muita
frequência, e estava pensando se você
não queria fazer uma lista para eu
comprar algumas coisas para você.
– Estou bem, obrigada.
– Não seria um problema, de
verdade. Você disse que estava tendo
dificuldade de ir fazer compras…
– Eu fiz as minhas compras pela
internet, hoje de tarde – Celeste
interrompeu. – Então, está tudo bem.
Eu tenho uma amiga que está chegando
amanhã, e nós vamos preparar algumas
refeições para estocar no freezer.
– Isso é… ótimo.
– E o médico disse que eu preciso
repousar bastante – Celeste continuou
–, então eu não quero parecer maleducada, mas… – ela engoliu em seco,
embaraçada –, eu estou tendo
problemas para dormir, e tinha acabado
de cochilar quando você bateu.
– Sinto muito por isso – ele se
desculpou.
– Você não tinha como saber. – Ela
deu um sorriso leve, que não alcançou
seus olhos, e também não olhou nos
olhos dele. – Mas seria melhor se você
não… – ela deu de ombros, tensa –
aparecesse sem aviso no futuro.
– Claro – disse Ben. Ele deveria
estar aliviado. Afinal, ele estava
esperando exatamente aquilo. Ele
estava dispensado do dever agora, e por
que aquilo não parecia ótimo? – O que
o médico disse? – ele disse, ainda
incapaz de deixar as coisas como
estavam.
– Eu disse a você. – O rosto
normalmente alegre de Celeste parecia
uma máscara. – Eu preciso descansar…
Olhe, Ben, realmente não é da sua
conta.
E ela fechou a porta.
Ele voltou para casa.
E como havia feito durante os
últimos anos, naquela noite, Ben tentou
não olhar para o relógio e não
conseguiu. A coisa mais terrível a
respeito desses aniversários, Ben havia
descoberto, era a ansiedade em relação
ao dia; como se você estivesse preso
em um portal, como se ao reviver cada
detalhe você pudesse mudar o
resultado, negociar com Deus.
Mas não naquela noite.
Oh, ele fizera tudo aquilo, mas agora
havia uma coisa a mais.
Culpa.
Culpa, porque quando ele deveria
estar afogando a tristeza no uísque, e
pensando apenas em Jen, quando ele
deveria certamente estar se torturando
com os pensamentos sobre o que
poderia ter sido, desta vez as coisas
eram diferentes.
Em vez disso, ele se viu de pé, perto
da janela, pensando em Celeste.
Viu-se pensando não sobre o que
poderia ter sido, mas sobre o que era.
E o que poderia ser isso?
O tempo realmente curava.
As pessoas haviam dito isso a ele, e
ele havia dito isso a si mesmo, mas
apenas agora ele estava realmente
começando a acreditar.
A dor não o consumia agora, não
andava mais ao seu lado
constantemente, havia espaço em sua
mente para outros pensamentos; então,
em um dia que era normalmente
passado em meio ao luto, ele acordou,
tomou banho, vestiu-se, foi ao
cemitério e disse a eles que os amava;
sempre havia amado, sempre os
amaria; mas em vez de ir para a casa
dos pais de Jen, em vez de continuar
parado, ele decidiu começar de novo.
Ele compareceu à reunião no banco, foi
falar com o corretor de imóveis, visitou
a casa novamente, fez um depósito para
comprar um barco, foi para casa, viu
que os girassóis estavam morrendo,
regou-os, tomou outro banho e colocou
um short.
Ele estava indo realmente muito
bem!
Até que os pais de Jen telefonaram.
E os pais dele, em seguida.
E depois, a irmã de Jen ligou.
E então, tudo o atingiu de uma vez.
Ele tentou não olhar para o relógio,
tentou não se lembrar de quando
telefonara para ela do trabalho, e
depois tentou se lembrar do exato tom
da voz de Jen quando ela lhe dissera
que estava com dor de cabeça. Aquilo
não o alertara, de jeito nenhum.
Bem, na verdade tinha alertado, mas
ele era médico, sua esposa grávida
também era médica, e juntos, os dois
poderiam ter pensado em um milhão de
possibilidades. Ela havia dito a ele que
era apenas uma dor de cabeça… e ele
tinha dito a mesma coisa a si mesmo.
“É apenas uma dor de cabeça, Ben.”
Só que quando ele sugerira que ela
tomasse algo para aliviar a dor, em vez
da negativa habitual, Jen, que nunca
tomava remédios, lhe dissera que já
havia tomado dois analgésicos, e aquilo
o deixara preocupado.
– Eu vou voltar para casa – ele
sugerira.
– Pelo amor de Deus, Ben – a voz
dela soara irritada –, é só uma dor de
cabeça, eu vou me deitar um pouco.
Sem dúvida, no começo da noite
tudo o atingiu novamente.
Ele não andou pela praia naquele
dia, nem se exercitou. Ele correu. Só
que a praia parecia pequena demais; ele
podia ver Melbourne a quilômetros de
distância no pôr do sol, mas se sentia
como se pudesse chegar até lá em
poucos passos, que sua energia jamais
se esgotaria, que poderia correr pelo
resto da vida, e nunca conseguiria
deixar tudo para trás.
Ele não estava usando um relógio,
mas sabia a hora; sabia o segundo
exato.
Ele telefonara para Jen, mas não
tivera resposta, e dissera a si mesmo
que ela só estava descansando.
Ele correu ainda mais rápido pela
praia. Seus pulmões estavam a ponto
de estourar, mas ele ainda, ainda se
lembrava do momento em que cruzara
o jardim e tentara não correr, porque
sem dúvida estava sendo tolo, porque
certamente não havia nada de errado, e
do momento em que entrara em casa,
chamando o nome dela. Eram cinco
para as sete; enquanto corria, Ben sabia
disso, porque de repente ele sentiu
vontade de amaldiçoar o céu por ter
permitido que aquilo acontecesse com
eles; cinco para as sete, porque ele vira
a hora no relógio da parede ao entrar na
sala e vê-la ajoelhada no chão, as mãos
na cabeça, apoiada no sofá.
Tão imóvel.
Tão pálida.
Tão morta.
Ele se lembrava de tudo: quando
esmurrara o peito dela, quando
chamara a ambulância. Ele a queria, e
se não fosse possível, ele queria uma
cesariana; ele queria que alguma vida
pudesse ser salva da catástrofe que o
atingira ao chegar à casa, mas sabia,
sabia, enquanto a deitava de costas no
chão, que era tarde demais. Ele correu
pela praia, não como se o diabo o
estivesse perseguindo, porque nada
poderia alcançá-lo agora; ele era o
caçador, impulsionado pela raiva, pelo
arrependimento, pelo ódio e pela
injustiça daquilo tudo.
A revolta martelava em sua cabeça.
Ele não queria Celeste, e o bebê
dela.
Ele queria o dele!
ERA UM alívio estar de folga, mas o
tempo custava a passar e ele nunca se
sentira tão só.
O pedido dela para ficar com os pais
havia sido respondido com uma carta
seca de recusa, e um cheque, que
Celeste adoraria não ter que descontar
por uma questão de princípios; mas ela
não podia se dar o luxo de ter
princípios naquele momento. Embora
tivesse ficado tentada a ir ao
cabeleireiro e comprar alguma coisa
maravilhosa e supérflua para o bebê,
Celeste terminou cortando o próprio
cabelo com a tesoura de cozinha,
comprando dois pacotes extras de
fraldas, e pagando dois meses de
aluguel adiantado. Então, voltara para a
cama e continuara a sentir saudade de
Ben.
E como ela sentia saudade dele.
Sentia mais saudade dele do que de
Dean. O que não fazia o menor sentido,
mas as coisas eram do jeito que eram.
Repetidamente, ela revivera a
lembrança do beijo dele, explorando-a,
lembrando do momento que havia
terminado com a amizade deles; e ela
desejara nunca ter sentido o gosto dele,
nunca ter sido abraçada por ele, nunca
tê-lo beijado, porque naquele momento
ele mostrara a ela como a vida podia
ser boa, e então havia tirado tudo dela.
Ela pensou em ignorar as batidas na
porta, mas não por muito tempo.
Talvez fossem os pais dela, para dizer
que tinham mudado de ideia, ou talvez
fosse o carteiro, ou talvez, talvez…
Era Ben.
– Espero não ter acordado você – ele
disse.
– Você não me acordou.
– E desculpe por aparecer sem
avisar… – O motor do carro dele ainda
estava ligado; sem dúvida ele estava
pronto para uma fuga rápida.
– Tudo bem.
Aquilo não estava sendo fácil para
Ben. O dia inteiro não havia sido fácil,
para falar a verdade; mas aquilo era
algo que ele havia prometido que iria
fazer, algo que ele precisava fazer.
– Eu fui até a casa da minha irmã
para pegar a cadeirinha para o carro.
– Oh!
– Olhe. – Ele passou a mão pelo
cabelo. – Eu não quero ofender você,
então me diga se você não quiser essas
coisas, de verdade, você só precisa me
dizer. Mas ela me deu várias coisas…
um berço, um carrinho desses que você
pode levar quando for correr…
– Eu preciso prometer que vou
começar a correr? – ela perguntou.
– Não… – Apesar das circunstâncias
difíceis, ela ainda o fazia sorrir.
– Eu posso ser processada com base
na emenda que proíbe o uso indevido
de bens, se for vista em público com
ele – ela provocou.
– É bom para andar na praia,
também – Ben disse. – Bem, é o que a
minha irmã diz.
Ela não podia continuar brincando;
na verdade, ela não sabia o que dizer.
Não era uma questão de ser orgulhosa
demais para aceitar ajuda; o caso é que
ela não tinha ajuda nenhuma, bem,
exceto pelo cheque de seus pais. Mas
aquilo era uma ajuda verdadeira, e uma
preocupação real da parte dele, que
tornava tudo amargo e doce ao mesmo
tempo.
– Obrigada – ela disse,
sinceramente.
– Você quer que eu leve tudo para
dentro? – Ele fez um gesto em direção
ao carro atrás dele, e ela agradeceu
novamente, seu nariz um pouco
vermelho de tanto tentar não chorar.
Ela se ofereceu para ajudar, mas ele
recusou e ela ficou sentada no sofá,
observando enquanto vários de seus
desejos eram atendidos, exceto o que
ela queria mais, porque ele não
conseguia sequer olhar para ela,
Celeste percebeu. Oh, ele era amável e
queria ajudar, e montou o berço, e
aceitou um copo de chá gelado
enquanto Celeste abria todos os
pacotes, sorrindo ao ver pequeninas
meias de bebê.
Para Ben, era um pesadelo.
Todas aquelas coisas haviam sido
prometidas para o futuro dele com Jen;
o berço que ele estava montando agora,
e que não tinha tido a chance de montar
quatro anos antes. As pequeninas meias
e o macacãozinho que Celeste estava
segurando o faziam suar, e até mesmo
dirigir até a casa dela havia sido difícil,
com uma cadeirinha de bebê vazia no
banco de trás…
Mesmo assim, ela precisava de tudo
aquilo, e ele jamais precisaria; seria
uma estupidez desperdiçar tudo, e ele
havia prometido a cadeirinha para ela,
naquela noite.
Aquela noite.
– Bem, eu vou deixar você em paz,
agora – ele disse, irritado. Era mais do
que ele podia suportar, estar naquela
sala, rodeado por coisinhas de bebê, a
casa dela preparada, quase tudo pronto
agora… e era mais do que ele podia
suportar, olhar para ela, porque ela
estava com uma aparência terrível!
Tão terrível, na verdade, que ele
queria pegá-la no colo e correr; queria
que alguém percebesse o quanto esta
mulher estava mal. Onde diabos
estavam os pais dela?
– Você teve alguma notícia dos seus
pais?
– Tive. – Ela tentou parecer
animada, mas não chegou nem perto. –
Eles mandaram algum dinheiro… – Ele
podia ver o nariz vermelho dela, as
lágrimas que se acumulavam em seus
olhos, apesar do sorriso.
– E quando… – Ben limpou a
garganta – você vai ver o seu obstetra
de novo?
– Na próxima quarta!
Ainda era sexta-feira.
– Quando você o viu pela última
vez?
– Na terça. – Ela continuava
sorrindo, mas agora o sorriso era mais
fraco. – Se a minha pressão continuar
alta, eles vão me internar.
– Sem proteína na urina?
– Sem proteína… – Ele estava
tentando agir como médico, tentando
avaliar a condição dela de forma
prática, mas não estava funcionando.
Ele sabia que eles iriam monitorá-la de
perto por causa da possibilidade de préeclâmpsia, sabia que ela estava sendo
observada, mas ele queria observá-la
mais de perto, e embora tentasse
avaliar os fatos com frieza, o
distanciamento não estava ajudando.
– Você está retendo muito liquido,
Celeste – ele observou.
– Eu sei. Eu posso dar uma
caminhada leve todos os dias, e cortei
sal e açúcar da dieta… Eles estão me
observando, Ben.
E com aquele comentário, ele teria
que se conformar em deixar as coisas
como estavam.
Só que ele não conseguiu.
– Por que você não telefona e
adianta a sua consulta um pouco? Eu
poderia levar você até a clínica agora –
ele ofereceu.
– Ben – Celeste interrompeu –,
obrigada por todas essas coisas lindas,
e obrigada à sua irmã, também. Quando
eu puder, vou mandar um cartão para
ela.
E com aquilo, ele teve que se
conformar.
CAPÍTULO 6
– OI, CELESTE! – Ele deu um sorriso
forçado, quando ela se aproximou. A
rua inteira havia comparecido para
assistir ao leilão, e Celeste havia
desviado sua caminhada na praia
naquele dia para dar uma olhada; era o
que as pessoas em Melbourne faziam
em uma tarde ensolarada de sábado,
quando uma casa ia ser leiloada.
– Oi. – Ela foi educada, e disse olá e
então passou por ele, mas Ben a
interceptou.
– Você deveria estar de repouso.
– Eu estou andando pela casa, em
vez de andar pela praia! – Celeste
argumentou. – E de qualquer modo,
estou me sentindo claustrofóbica.
Estou ficando maluca, trancada dentro
do apartamento, e pelo menos eles têm
ar-condicionado nesta casa. – Então,
ela sorriu para ele. – Obrigada por
ontem, a propósito.
– Sem problemas. Fico feliz porque
as coisas vão ser bem aproveitadas.
– Eu me referi ao sermão sobre ir
ver o médico. Telefonei para o meu
obstetra, e marquei uma consulta para
segunda-feira.
– Isso é ótimo.
– Eu vou para casa arrumar minha
mala quando sair daqui; tenho a
impressão de que eles não vão me
liberar.
Então, ela se afastou, para explorar a
casa com o resto da multidão, e
enquanto os olhos de Ben deveriam
estar voltados para a competição,
estavam focados nela.
Ele a queria.
Enquanto andava pela casa,
examinava os quartos, caminhava pelo
jardim, eram os comentários de Celeste
que ele queria ouvir, e não os do
corretor; e ela não parava de falar…
Era impressionante. O apartamento
inteiro dela caberia dentro do salão
principal, e Celeste tinha certeza de
que se pudesse simplesmente deitar
naquele adorável sofá branco e admirar
a vista da água até segunda-feira, com
alguém descascando uvas para ela e
massageando seus pés, a pressão dela
teria caído muito na hora da sua
consulta médica!
Ela adorava visitar casas, andar por
elas, fingindo que pertenciam a ela e
desejando que pudesse ser verdade. A
cozinha, entretanto, era um buraco,
mas o corretor os fez passar
rapidamente por ela e dirigiu-os para o
andar de cima. O lugar era de cair o
queixo; cada cômodo da casa, até
mesmo o quarto principal, tinha vistas
para a praia!
– Não há cortinas – Celeste
observou, e Ben escondeu um sorriso,
porque ele tinha dito exatamente a
mesma coisa da primeira vez que
visitara a casa; só que o corretor não o
havia ignorado! – Como você pode ter
janelas do chão ao teto em um
banheiro, sem cortinas? – Celeste
insistiu.
– O vidro é tratado – sibilou o
corretor. – Você pode ver o lado de
fora, mas ninguém pode ver o lado de
dentro. Agora, seguindo em frente,
temos o quarto principal!
– Divino! – Celeste ficou sem fôlego
ao entrar. Havia uma cama grande no
centro do quarto, e havia uma varanda,
com uma mesinha e cadeiras… – As
janelas são tratadas aqui também? –
Celeste perguntou, enquanto o corretor
prendia o fôlego de irritação.
Ela realmente o fazia rir.
E ele realmente sentia falta dela.
Ela estava fazendo anotações em sua
listinha novamente, como se fosse uma
candidata séria a comprar a casa, e ele
podia ver o corretor apertando os lábios
quando ela saiu audaciosamente para a
varanda, em vez de seguir o resto das
pessoas ao longo do corredor. – Você
pode se juntar ao grupo, por favor? – o
corretor estourou, e Ben rangeu os
dentes.
– Este aqui daria um ótimo quarto de
bebê… – Apesar do estado óbvio dela, o
corretor se dirigia a um jovem casal e
ignorou Celeste quando ela lhe fez uma
pergunta. Como ela queria ter ganhado
na loteria, para dar o lance vencedor e
apagar aquela expressão superior do
rosto arrogante dele, e fazê-lo tremer
de raiva. Ben viu o rosto dela ficar
vermelho quando o corretor a ignorou,
e então olhou nos olhos dela e deu uma
piscadinha.
– A minha amiga fez uma pergunta –
ele disse, friamente, observando a
expressão de alegria de Celeste quando
o corretor virou nos calcanhares e a
encarou. Não, ela não tinha ganhado
um monte de dinheiro, mas ver aquele
sorriso prepotente sumir do rosto dele
foi quase tão bom.
– Eu sinto muito. – Ele sorriu para
ela com afetação. – O que você queria
saber?
– Obrigada por aquilo – Celeste
disse, sorrindo para Ben quando eles
saíram da casa.
– Oh, o prazer foi todo meu –
respondeu Ben. – Ele é muito insolente.
Celeste adorava leilões, a multidão
que se reunia na frente da casa, o
corretor estimulando a competição; ao
mesmo tempo, ela sempre tinha medo
de levantar a mão e dar um lance
vencedor, como alguém que fica em pé
na beirada de um despenhadeiro e quer
pular, só para saber como é a sensação.
Havia alguns lances sérios
acontecendo, e Celeste assistiu com
interesse. Aquela era a coisa mais
excitante a acontecer com ela durante a
semana inteira.
Ben tentava se concentrar, mas seus
olhos continuavam se desviando para
ela. Ele não dera nenhum lance ainda;
ele queria esperar e ver…
Deus, até as pálpebras dela estavam
inchadas. Quando ele deveria estar se
concentrando, no momento em que
deveria estar focado, ele estava
pensando nela, se preocupando com
ela; e Ben não gostava nem um pouco
daquele sentimento.
Os lances estavam diminuindo
agora, e o leiloeiro estava tendo
dificuldades em conseguir um pequeno
aumento que fosse nos valores; e foi
então que Ben fez sua primeira oferta.
Ele viu a expressão de surpresa nos
olhos dela; ela não imaginara que ele
seria um candidato. Não era algo que
ele tinha que discutir com ninguém,
Ben pensou consigo mesmo; aquela era
a vida que ele havia construído para si.
Ainda assim, havia aquela leve
sensação de desconforto, quando ele
lembrava-se de todas as noites em que
ela havia lhe contado sobre suas
esperanças, sonhos e medos para o
futuro, e percebeu que não havia
compartilhado nada seu com ela.
A multidão estava repentinamente
interessada, e Ben a viu sorrir. Apenas
um pequeno sorriso, que chegou até
ele, dizendo a ele que ela estava
satisfeita.
Animada por ele, talvez.
O lance dele foi superado, e ele
aumentou a oferta.
Ela sorriu novamente.
A oferta foi superada, e ele
aumentou o valor do lance ainda mais.
Ele procurou o sorriso dela, por
aquele pequeno encorajamento de que
ele não precisava realmente, mas de
que gostava, e percebeu que ela não
estava sorrindo.
O lance dele havia sido superado
novamente, e o leiloeiro passou a vez
para ele, mas Ben não estava ouvindo.
Havia uma expressão de
perplexidade no rosto de Celeste, como
se ela tivesse acabado de receber
alguma notícia chocante; mas não
havia ninguém falando com ela e ela
não estava ao telefone. As duas mãos
dela seguravam a barriga.
Ele podia ouvir o aviso do leiloeiro.
Confuso, mas também precisando
chegar até ela, Ben deu um lance
literalmente alto, e ouviu as reações
chocadas da plateia. Ignorando o resto
dos procedimentos, ele abriu caminho
pela multidão para chegar até ela.
– Acho que minha bolsa d’água
estourou!
– Está tudo bem – disse ele, de modo
confortador.
– Não, não está! – Ela estava
tremendo, o choque aparecendo em seu
rosto quando ela percebeu a situação. –
Eu só estou com 34 semanas!
– Bebês de 34 semanas ficam bem…
– Ele podia ouvir sua própria voz muito
calma; mas o sangue estava
martelando-lhe as têmporas, quando
ele apanhou o telefone. – Vamos, tente
se sentar. Eu vou chamar uma
ambulância.
– Não há lugar nenhum para sentar!
– ela gritou. O sol estava batendo em
sua cabeça com força e sua boca se
encheu de saliva. – Ben, eu acho que o
bebê está vindo…
O corretor havia se aproximado para
cumprimentá-lo, agora que a casa era
aparentemente sua; mas Ben não estava
ouvindo.
– Precisamos levá-la para dentro –
ele disse.
– Como? – o agente perguntou.
– Ben… – Ela estava gemendo agora,
a dor misturada ao terror. – Está
doendo muito…
– Ela precisa ir lá para dentro. – Ben
estava ajudando Celeste a caminhar até
a entrada lateral da casa, suportando a
maior parte do peso dela. – Ela precisa
de um pouco de privacidade…
– Você não pode entrar assim!
– Eu acabei de comprar a casa! –
Ben estourou. – Ela vai dar à luz. Onde
é que você quer que ela tenha o bebê,
na rua? – Ele desistiu de ajudá-la a
caminhar e pegou-a no colo, com tanta
autoridade que o corretor acabou
abrindo o portão lateral para ele. –
Agora, chame uma ambulância – Ben
ordenou –, e diga a eles que é um bebê
prematuro… – Ele havia conseguido
chegar com ela até debaixo de um
salgueiro, e ela estava tentando fazer
com que ele a colocasse no chão,
resistindo em seus braços.
Ben percebeu, alarmado, que não
havia chance de levá-la para dentro da
casa.
– E avise a eles que há um médico
presente.
– Há alguma coisa que eu possa
fazer? – O homem para quem ele
acenara todas as manhãs, e de quem ele
acabara de comprar uma casa, estava
ali, agindo de forma prática e tentando
ajudar.
– Preciso de algumas toalhas – Ben
disse, enquanto a esposa do homem
corria para buscá-las e ele lutava para
permanecer calmo e ser profissional.
Era apenas um parto, ele disse a si
mesmo, e ele era mais do que capaz de
lidar com aquilo.
O problema é que ele podia ver o
olhar aterrorizado dela…
– Eu preciso que você me escute,
Celeste. – Ele havia tirado a lingerie
dela e a examinara. O bebê não estava
esperando pela ambulância; não estava
esperando por nada… – Este é um bebê
pequeno, então, nós vamos tentar
desacelerar o processo. – Era
importante que eles fizessem aquilo, já
que um parto rápido podia causar danos
ao cerebrozinho frágil. – Você não
pode fazer força – ele alertou Celeste. –
Nós queremos que isso aconteça da
forma mais lenta e suave possível…
Ela jamais se sentira tão petrificada
de medo; a ideia de o bebê chegar tão
cedo, e ali, sem hospital, sem
equipamentos brilhantes… Ainda
assim, ela estava desesperada para
fazer força, para empurrar, mas Ben
estava lhe dizendo para respirar com
calma, resistir a uma vontade quase
incontrolável… e ela sabia o motivo.
– Está acontecendo depressa
demais…
– O seu corpo estava se preparando
para isto há horas, você simplesmente
não sabia. – Ele sorriu. – Nós só
precisamos desacelerar um pouquinho.
Ele estava certo. Durante toda a
manhã, ela havia se sentido inquieta;
tentara ficar deitada, ler, descansar. Ela
havia tomado um banho e voltado para
a cama, e então, decidido ir ver o
leilão…
– Está nascendo – ela gemeu.
E estava. Nada iria atrasar a chegada
do filho dela ao mundo, e ela estava
muito feliz por Ben estar por perto, e
aterrorizada só de pensar que ele
poderia não ter estado.
– E se eu tivesse ficado em casa, e
se…
– Você teria dado um jeito! – Ben
interrompeu os “e se” dela
rapidamente. – E você está indo bem
agora.
– Eu sinto muito por não estarmos
nos falando. – Ela ofegava com o
esforço para não empurrar. – Sinto
muito estar fazendo isto com você…
– Estou feliz de estar aqui – Ben
disse. – Eu já fiz isso mui… – ele não
continuou, porque tinha acabado de
perceber que o cordão umbilical estava
em volta do pescoço do bebê, embora
não estivesse muito apertado, e Ben o
desenrolou.
Mas não fora aquilo que
interrompera suas palavras.
Sim, ele havia feito partos durante
os últimos anos, sim, fizera aquilo
muitas vezes antes. Mas nunca como
agora. Não como agora, com o coração
na boca, ao segurar uma cabecinha
minúscula nas mãos e guiar uma vida
frágil para o mundo.
Não como agora, ao colocar o bebê
sobre a barriga de Celeste, esfregar as
costas dele, examinar-lhe os pezinhos.
Ele sabia que a criança ia respirar, o
médico que Ben era sabia que havia se
passado apenas um minuto, mas para o
homem Ben, aquele havia sido um
minuto muito longo; o bebê estava
molinho e cianótico, e seus batimentos
cardíacos estavam tão fracos que se
caíssem ainda mais ele teria que
começar manobras de ressuscitação.
Ele podia ouvir os apelos de Celeste,
que ecoavam os pensamentos dele, e
rezou para que a ambulância chegasse
rápido, com oxigênio para o pequenino.
Ele virou o bebê, de forma que ele
ficasse deitado de costas sobre a
barriga de Celeste, e sentiu um alívio
profundo quando o pequenino fez um
movimento brusco e respirou pela
primeira vez.
– O bebê não está chorando –
soluçou Celeste.
– Ela vai respirar – ele prometeu.
– Ela? – Ben não era obstetra; talvez
tivesse sido melhor se a mãe
descobrisse por si mesma, mas o bebê
era frágil e doente demais para deixar a
praticidade de lado.
– Você tem uma filha – Ben disse –
e ela precisa ficar aquecida. – Ele
manteve a pequenina aconchegada à
barriga da mãe, e envolveu as duas em
toalhas, aliviado ao ouvir, finalmente,
o barulho das sirenes.
– Eu trouxe um rolo de barbante… –
A mulher que havia trazido as toalhas
tinha procurado algo útil para fazer, e
se a ambulância não estivesse
estacionando, Ben teria cortado o
cordão umbilical naquele momento.
Ele estava seriamente preocupado com
a falta de resposta da criança. Ela
estava respirando, mas com esforço,
pequenas bolhas saindo de sua boca a
cada expiração. Os paramédicos
começaram imediatamente a cuidar da
situação: aspirando as pequenas vias
aéreas do bebê, e colocando nela uma
máscara de oxigênio que, mesmo
minúscula, cobria o rostinho quase
inteiro, enquanto Ben amarrava e
cortava o cordão.
– Nós podemos fazer contato pelo
rádio… – O paramédico olhou para
Ben, e os dois juntos chegaram a uma
decisão rápida, sem palavras: tentar um
acesso intravenoso e trabalhar para
estabilizá-la ali mesmo, ou correr para
o hospital, que ficava a poucos minutos
dali, dependendo do trânsito?
– Vamos levá-la para o hospital –
disse Ben, e o paramédico assentiu,
enrolando o bebê em toalhas.
– Nós vamos mandar outra
ambulância para a mãe – o paramédico
disse.
– Não, eu quero ir com ela… –
Celeste estava soluçando e tremendo,
assustada com a velocidade dos
acontecimentos. – Ela precisa chegar
ao hospital rápido. – O tom de voz de
Ben era amável, mas não dava espaço
para negociações. – Você pode ficar
com Celeste por um instante? – ele
perguntou para a mulher que havia
ajudado tanto. Ela trouxera travesseiros
e cobertores da casa, e estava fazendo o
que podia para deixar Celeste
confortável. – Eu vou ajudá-los a
colocar o bebê na ambulância, e já
volto.
– Não – Celeste soluçou. – Vá com
ela. Por favor.
Houve um momento de confusão no
processo mental dele naquele
momento, mas ele não deu atenção;
não havia tempo.
Ele assentiu, concordando, e segurou
a criança nos braços enquanto a
ambulância percorria a curta distância
até o hospital. Os pequenos pulmões
dela estavam se enchendo de fluido, e
Ben segurou a máscara de oxigênio
contra seu rostinho, deixando espaço
para o paramédico fazer a sucção.
Havia uma pequena sonda presa na
orelhinha do bebê, e o nível de
saturação de oxigênio estava baixo,
mas não crítico…
A ambulância corria rápida pelas
ruas, desacelerando um pouco na High
Street, cheia de motoristas de final de
semana e de frequentadores das lojas, e
Ben sentiu a tensão aumentar enquanto
o veículo freava e acelerava, com a
sirene ligada no máximo.
Então, ele olhou por debaixo da
máscara, e das pequenas narinas
trêmulas, e viu os cachinhos escuros,
molhados de sangue, e os olhos azuisescuros que estavam muito longe de ter
foco; mas Ben sentiu que a menina
olhava diretamente para ele.
Foi um momento estranho de
conexão, e foi Ben quem desviou os
olhos primeiro.
Ele era apenas o médico.
A mãe desse bebê era apenas uma
amiga…
E então, o hospital estava bem à sua
frente, e ele podia ver Belinda
esperando do lado de fora. Quando as
portas da ambulância se abriram, ele
não entregou a pequenina para ela, mas
correu para o setor de ressuscitação
com a carga preciosa; a incubadora já
estava aquecida e à espera, os pediatras
e Raji estavam no local, e somente
então ele a entregou…
E foi só então que ele percebeu o
quanto estivera apavorado. Um suor
frio o encharcou enquanto ele
observava a urgência com que a equipe
médica trabalhava, e ele sabia que eles
não estavam exagerando. Ele tinha
visto como aquele bebezinho estava
doente, e foi incapaz de falar por um
instante, lutando para recuperar o
fôlego.
Ele foi até a pia, enquanto os
paramédicos passavam as informações
para a equipe médica, e Ben tomou um
grande gole d’água diretamente da
torneira, antes de voltar para onde eles
trabalhavam.
Raji havia colocado um tubo no
nariz do bebê, e estava fazendo uma
sucção mais profunda de suas vias
aéreas; o pediatra havia inserido um
tubo umbilical, e ela estava recebendo
líquidos. Ela parecia um pouco mais
agitada agora, o rostinho franzido com
o desconforto, os pequenos punhos
cerrados, e as perninhas chutando em
protesto…
– Ela estava com as funções vitais
bem baixas… – Ben informou os
resultados do teste Apgar. – Foi um
parto muito rápido.
– Trinta e quatro semanas, de acordo
com os paramédicos. – O pediatra
estava examinando a menina. – Mas ela
é bem grandinha para 34 semanas; você
sabe com quem a mãe estava fazendo o
pré-natal?
– Eu tenho certeza de que ele não
teve tempo de perguntar – disse
Belinda. – Você estava num leilão de
casa, não estava, Ben?
– Na verdade… – ele limpou um
pouco a garganta – este é o bebê de
Celeste.
– Nossa Celeste! – Belinda piscou os
olhos, incrédula, e então verificou o
cartão de admissão que a recepcionista
havia acabado de preencher. – Bebê
Mitchell…
– Ela mora na mesma rua onde
estava acontecendo o leilão – Ben
explicou – e deve ter saído para dar
uma olhada.
– Bem, ela é uma mulher de sorte…
– Belinda expirou pesadamente – por
você estar por perto.
– Ela estava com diabetes
gestacional – disse Ben; aquilo
explicava o tamanho relativamente
grande do bebê para o tempo de
gravidez. – E ela fez o pré-natal aqui –
ele informou para a recepcionista, que
correu para procurar o prontuário.
– Alguém sabe se houve algum outro
problema?
– Hipertensão – disse Meg, enquanto
Ben ainda lutava para respirar. – Ela
saiu de licença maternidade há alguns
dias.
– Sim, a pressão dela andava alta –
Ben disse, observando o espanto de
Belinda com a profundidade do seu
conhecimento. – Ela estava bastante
inchada hoje, e eu cheguei a pensar que
ela estava entrando em pré-eclâmpsia –
ele completou. – Eu acho que ela ia ser
internada na segunda-feira.
Ele se sentia doente.
A área de ressuscitação estava
impossivelmente quente, e Ben se
sentiu sufocado, ouvindo o bip, bip, bip
do monitor. Até mesmo assistir à
equipe médica trabalhando era
incrivelmente difícil. Oh, ele estava
ciente de que eles sabiam o que
estavam fazendo, sabia que bebês,
mesmo os menorzinhos, eram
criaturinhas fortes; mas os médicos
pareciam tão grosseiros ao lidar com
algo tão pequenino.
– Eu vou sair um pouco – Ben disse,
com a voz estrangulada.
– Talvez você queira se trocar
primeiro. – Belinda olhou para ele e
sorriu, e foi só então que Ben percebeu
o estado em que se encontrava.
Ele tomou um banho rápido e
apanhou uma roupa de cirurgia, mas
em vez de se enxugar e se vestir, ele se
sentou no banco de madeira, pingando,
com a cabeça entre as mãos, as
palavras dela ecoando repetidamente
em sua mente: “E se eu tivesse ficado
em casa, e se…” Todas as situações
possíveis passaram pela sua cabeça,
que trabalhava freneticamente.
E não só para aquela manhã.
Várias vezes, ao longo dos anos, ele
havia se torturado com aquelas mesmas
palavras; desejando ter voltado para
casa mais cedo, e imaginando qual
teria sido o resultado, se ele tivesse
estado lá. As pessoas haviam dito a ele
que nada poderia ter sido feito por Jen,
que mesmo com o melhor dos cuidados
médicos ela teria morrido, que a
hemorragia cerebral que ela sofrera a
teria transformado em um vegetal. Mas
e quanto ao bebê? Ele poderia ter sido
salvo, se Ben estivesse em casa?
Havia uma miríade de emoções
conflitantes assaltando-o.
Alívio, arrependimento, até mesmo
ressentimento, porque ele havia estado
presente para ajudar aquela criança, e
não a sua própria; e mesmo assim, tão
rapidamente quanto o ressentimento
chegara, desaparecera. Ele havia
segurado aquela pequenina vida nas
mãos, uma vida que ele lutara para
salvar, e pela qual sentia mais do que
era apropriado para um médico; e não
só pelo bebê, mas pela mãe também.
Então, ele se lembrou da própria
estupidez, quando havia pensado em
ficar com ela depois do traumático
nascimento do bebê.
Claro que ele deveria ter
acompanhado o bebê!
Celeste se encontrava estável, havia
outra ambulância a caminho… e mesmo
assim, o instinto havia dominado a
lógica por um segundo, e ele só quisera
ficar e confortá-la.
Não!
Ele se levantou, então, e se enxugou
rapidamente, colocando a roupa de
cirurgia e tomando uma decisão firme.
Ele não se envolveria com Celeste,
custasse o que custasse. Ele não
poderia passar por aquilo de novo.
Não iria.
Não conseguiria.
CAPÍTULO 7
– QUANDO VOU poder vê-la? – Era
tudo em que ela conseguia pensar. A
ambulância havia chegado poucos
minutos depois daquela que havia
levado sua filha, e ela fora levada
diretamente para a maternidade. As
parteiras tinham sido maravilhosas,
contando-lhe as últimas notícias sobre
o progresso do bebê, enquanto Celeste
era examinada, recebia soro
intravenoso e amostras de sangue eram
colhidas.
– Por que eu preciso disso?
– A sua pressão ainda está alta – o
obstetra explicou –, e você ainda está
retendo muito líquido. Nós só
queremos verificar como está seu
sangue e ficar de olho em você, para
assegurar que tudo esteja correndo
bem…
As parteiras a ajudaram a se lavar e
se refrescar, e a colocaram na cama; e
então Gloria, que Celeste imaginava
que estivesse no comando, finalmente
chegou com notícias reais.
– Eles acabaram de transferi-la da
emergência para o tratamento
intensivo. Quando tiverem tudo sob
controle, e logo que seu médico lhe dê
permissão, nós vamos levar você para
vê-la. Olhe aqui. – Ela lhe entregou
uma foto. – Uma das enfermeiras tirou
para você.
Oh, ela era pequenina, estava com
um pequeno gorrinho cor-de-rosa, e
havia tubos e equipamentos por toda a
parte, mas ela era dela… Os poucos
momentos que tivera com a filha
estavam gravados em sua mente, e
Celeste já a reconhecia; ela poderia
entrar na unidade de terapia intensiva
naquele momento e identificar sua
filha, disso ela estava certa…
– Agora – disse Gloria –, ela está
passando bem, e está no respirador.
Isso significa que ela precisa de um
pouco de ajuda para respirar, para
encher os pulmões de ar, e está
recebendo tensoativos e medicamentos
para compensar a imaturidade dos
pulmões…
Ela descreveu todo o tratamento que
sua filha estava recebendo até que
Celeste entendesse bem, e então fez
novamente uma pergunta necessária e
que Celeste havia, até ali, se recusado a
responder.
– Há alguém que nós possamos
chamar para você? – Celeste sacudiu a
cabeça.
– Eu vou telefonar para os meus pais
em breve.
– Você não deveria estar sozinha –
Gloria disse, gentilmente. – Você não
tem uma amiga…?
– Mais tarde. – Celeste sacudiu a
cabeça novamente.
Ela queria alguma privacidade, não
queria compartilhar aquele momento
com os pais, que não a haviam ajudado,
e que, com exceção de um telefonema
ríspido e um único cheque, não haviam
feito absolutamente nada. E ela
também não queria amigos com os
quais não pudera contar, ou um pai que
não queria saber da filha; ela iria
enfrentar e lidar com tudo aquilo, mas
agora o que ela queria era processar
tudo o que havia acontecido, sozinha…
– Oi! – A porta se abriu, e o rosto de
Ben apareceu. Ele era, talvez, a única
pessoa que ela não se importava em ver
naquele momento; afinal de contas, ele
tinha estado lá!
– Obrigada. – Um simples
agradecimento parecia muito pouco,
mas ela era sincera e a palavra viera do
fundo de seu coração.
– De nada.
– Como ela está?
– Não tenho certeza – Ben disse –,
eles a transferiram da emergência há
mais ou menos meia hora…
– Oh! – Claro que ele não poderia
saber, Celeste disse a si mesma. Como
se ele seguisse seus pacientes até uma
ala específica do hospital! Quando ele
entregara o bebê aos médicos, seu
trabalho estava feito.
– Como você está? – Ben perguntou.
– Nada mal… – Ela não deu detalhes,
não queria entediá-lo com todos os
exames que estava fazendo. Ele só
estava perguntando por educação.
– Bem… – ele deu um sorriso tenso –
eu não posso ficar. O corretor está me
telefonando de cinco em cinco minutos
e eu preciso assinar o contrato de
compra da casa.
– É melhor você ir, então.
– Você está precisando de alguma
coisa?
– Não.
– Se você quiser que eu passe na sua
casa, eu posso apanhar algumas coisas.
Você arrumou a mala?
– Não. – Celeste deu um sorriso
fraco. – Eu não sou tão organizada
assim. Você poderia checar as tomadas,
as torneiras…? – ela perguntou, com
relutância, porque era óbvio que ele
queria sair logo dali. – Eu acho que
desliguei tudo, mas só pretendia dar
uma volta.
– Claro. – Ele entregou para ela a
bolsa que estava guardada no armário,
e esperou enquanto ela procurava as
chaves.
– Mais alguma coisa?
– Não consigo pensar em mais nada.
– Bem, eu estou de plantão esta
noite, então passo por aqui para
devolver as chaves para você. – E
embora ele estivesse levando as chaves
dela, embora ele fosse voltar ao
apartamento dela e verificar suas
coisas, sua atitude era tão formal
quanto se ele fosse apenas um médico
qualquer visitando os pacientes pela
manhã. – Parabéns, Celeste.
– Obrigada.
Tinha sido uma noite exaustiva.
Não havia nada da alegria cor-derosa da maternidade para Celeste. Ela
dera a notícia a seus pais, e, como ela
esperava, eles chegaram algumas horas
mais tarde, fazendo perguntas
intermináveis e praticamente culpandoa por todo o estresse que estavam
enfrentando.
– O que você estava fazendo,
andando? – sua mãe, Rita, a censurou.
– Você deveria estar repousando.
– O médico disse que eu podia fazer
uma caminhada leve todos os dias.
– Você telefonou para ele? – Rita
perguntou. – Quem quer que ele seja?
Você disse a ele que ele é pai?
– Não.
– Bem, você não acha que deveria
avisar? É responsabilidade dele…
A hora e o lugar não importavam. Os
argumentos que haviam sido discutidos
desde o dia em que ela havia lhes
contado que estava grávida voltaram à
baila em seu quarto de hospital. E
pensar que um bebê deve trazer paz,
Celeste pensou, dando adeus à fantasia
de que a chegada da neta deles faria
com que as brigas acabassem.
– Quando vamos poder vê-la? – Rita
quis saber, enquanto Gloria entrava no
quarto.
– Apenas a mãe tem permissão para
ver o bebê por enquanto – disse Gloria,
observando o rosto tenso de Celeste. –
Eles estão esperando você, Celeste.
Foi um alívio poder sair do quarto,
mesmo de cadeira de rodas, e se afastar
deles.
– Na verdade, você poderia ter
pedido a um dos dois para acompanhála – Gloria disse, quando elas não
podiam mais ser ouvidas. – Se você
quiser…
– Não – Celeste interrompeu. –
Prefiro vê-la sozinha, primeiro.
Elas tiveram que se sentar em um
pequeno anexo por alguns momentos,
enquanto o pessoal médico preparava
as coisas.
– Pobrezinha – Gloria sorriu
bondosamente para ela, quando as duas
se sentaram. – Aposto que você não
planejava que as coisas acontecessem
assim.
– Nada disso foi planejado – Celeste
admitiu.
– Você tem o direito de chorar, se
quiser. – Gloria colocou o braço ao
redor dos ombros de Celeste, e sentiu a
moça tensionar os músculos. – Foi um
dia tão difícil… – Celeste se afastou,
porque se começasse a chorar,
provavelmente não conseguiria parar.
E então, estava na hora… ela foi
levada para lavar as mãos, e então
Gloria empurrou a cadeira até as
incubadoras, e ela finalmente pode ver
a filha.
A menina estava deitada como um
animalzinho abandonado, cheia de
agulhas e tubos, e aquele gorrinho corde-rosa… Mesmo assim Celeste não
podia chorar, não podia desabar,
porque ela se sentia responsável, e
ouviu enquanto a enfermeira da
unidade de terapia intensiva explicava
o motivo de todas aquelas agulhas e
tubos, e assegurava que sua filha estava
confortável…
– Eu posso segurá-la? – Celeste
pediu, quando percebeu que eles não
haviam oferecido.
– Hoje não. Nós estamos tentando
mantê-la bem quietinha por enquanto,
mas provavelmente amanhã…
Então, ela se contentou em segurarlhe os dedinhos, e observou as
pequeninas unhas cor-de-rosa, e
esperou que uma onda de amor a
envolvesse. Celeste realmente sentiu
alguma coisa, mas não era exatamente
a onda que ela havia esperado, porque
havia uma grande parede de culpa
bloqueando o caminho.
– Você já escolheu um nome para
ela?
– Ainda não – Celeste respondeu. –
Eu queria ver o rostinho dela primeiro.
– Ela olhou para a filha, e tentou pensar
em um nome que combinasse com ela,
mas sua mente estava muito confusa
para tomar uma decisão tão importante.
– Eu não sei.
– Há muito tempo para decidir –
disse Gloria. – Nós deveríamos levar
você de volta. Lembre-se de que você
também não está muito bem.
E não estava mesmo.
O obstetra foi visitá-la e explicou
que o resultado dos exames de sangue
havia saído, e que não era nada bom.
– As coisas devem melhorar nos
próximos dias, agora que você já deu à
luz, mas nós queremos mantê-la sob
observação. Você tem pré-eclâmpsia,
Celeste.
– Eu tinha. – Celeste franziu a testa.
– Isso não desaparece quando o bebê
nasce?
– Não imediatamente – ele explicou.
– Você ainda está bem doente. Você
estava sendo monitorada, porque a sua
pressão estava alta no seu último prénatal, mas… bem, você sofreu um
estresse muito grande, que deve ter
contribuído para isso. Foi bom você ter
tido o bebê mais cedo. Poderia ter sido
perigoso para as duas, se a gravidez
tivesse prosseguido.
Foi uma noite longa e solitária;
alguns amigos vieram visitá-la, mas
era como se eles estivessem falando
em um idioma estrangeiro. Oh, eles
tiveram todas as reações de costume ao
ver as fotos, mas quando o relógio
marcou oito horas e todos saíram para
aproveitar a noite de sábado, Celeste
simplesmente ficou deitada de olhos
fechados, não porque estivesse
cansada, mas porque estava com medo
de chorar.
Ela ignorou o som dos passos que
vinham em direção ao seu quarto; eles
podiam medir a pressão dela sem falar,
e então ela ouviu o barulho das chaves
sendo colocadas dentro de seu armário,
e fechou os olhos com mais força.
Ben podia ver uma lágrima
escorrendo pelo canto de um dos olhos
dela, e podia apenas imaginar como
aquele dia havia sido difícil para ela.
Ele sabia que deveria simplesmente
colocar a bolsa de volta no lugar e sair
silenciosamente. Afinal de contas, ele
havia decidido não se envolver; uma
jovem mãe solteira era a última coisa
de que ele precisava. Ela era tão jovem
e frágil, e ele era tão amargo e cínico, e
seu coração estava fechado de forma
tão definitiva… Só que às vezes ela
conseguia abri-lo, apenas um
pouquinho…
– Eu sei que você está acordada! –
Relutantemente, ele quebrou o silêncio,
sorrindo com a resposta desafiadora
dela.
– Não estou.
– Eu trouxe algumas coisas para
você; sua escova de cabelos, a de
dentes…
– Obrigada.
– Você precisa de mais alguma
coisa? Uma camisola ou algo assim?
– Não, obrigada – ela respondeu, de
olhos ainda fechados. – Minha mãe
disse que vai fazer compras para mim
amanhã.
– Como eles estavam? – Ben
perguntou, embora dissesse a si mesmo
que não deveria, olhando para a infusão
diurética e de volta para o pobre rosto
inchado dela.
– Zangados. – Mais lágrimas
estavam escorrendo dos cantos dos
olhos de Celeste agora, e ele apanhou
alguns lenços de papel e colocou-os na
mão dela. – Eles ainda estão zangados
comigo.
– Eles estão preocupados – disse
Ben.
– E zangados – disse Celeste. – E
você também.
– Zangado, eu? – Ben franziu a testa.
– Celeste, por que eu estaria
zangado…? – A voz dele falhou quando
os olhos dela se abriram para ele,
porque ela estava certa. Ele estava
zangado; ou estaria apenas
preocupado?
Ele honestamente não sabia.
– Porque nós nos beijamos… e
porque você acha que eu saio por aí me
atirando nos braços dos homens…
– Não – Ben interrompeu. – Eu não
estou zangado com você por causa
disso. Estou zangado comigo mesmo.
– Por quê?
– Porque… – ele respirou
pesadamente, e não podia deixar de
admirá-la por ser tão franca, e por
trazer o assunto à discussão. Ele se
sentou na cama, porque
definitivamente não estava ali como
um médico que aparece para uma visita
de rotina. – Porque eu sou a última
coisa de que você precisa nesse
momento.
– Você não sabe do que eu preciso.
– Você não precisa de mim – Ben
disse de forma muito firme, muito
segura. – Desde Jen, eu tive alguns
relacionamentos, e eles simplesmente
não dão certo. Você já foi magoada o
suficiente, sem se envolver com
alguém como eu, alguém que não quer
ter filhos…
– Você acha que eu estou atrás de
um pai para ela? – Celeste perguntou,
incrédula. – Acha que eu quero um
compromisso a longo prazo, de você?
Que diabos, Ben, foi apenas um beijo!
– Que não deveria ter acontecido –
disse Ben.
– Eu sei – Celeste admitiu. Ele
estava certo, absolutamente certo. –
Você está errado a respeito de uma
coisa, contudo – ela desafiou. – Eu não
estou atrás de um relacionamento. Eu
já tenho problemas demais tentando me
acostumar com o fato de que sou mãe,
sem colocar outra pessoa na história. Já
é ruim o suficiente que o próprio pai
dela… – Ela começou a chorar, então,
porque não podia acreditar em como
estivera errada, que o homem por quem
ela achava que estava apaixonada
pensasse tão pouco dela.
– Você contou para ele? – E ele
disse aquilo de forma tão diferente de
sua mãe; sem acusar. Ele simplesmente
fez a pergunta e observou o rosto dela
se contrair.
– Eu telefonei, pouco antes de você
chegar.
– E…?
– Ele disse que não quer saber.
– Eu sinto muito – ele disse
gentilmente.
– Eu não sinto – Celeste disse,
fungando. – Bem, sinto por ela, mas
não por mim mesma. Pelo menos, eu
sei qual é o meu lugar. Eu vou ficar
bem sozinha, você sabe disso!
– Eu sei disso – ele disse, sorrindo
com a veemência dela.
– E eu não estou procurando um
namorado, ou um pai adotivo para o
bebê; foi só um beijo idiota, e eu me
arrependo, porque eu realmente
gostava de ter você como amigo e
odeio ter estragado tudo.
– Foi você quem me disse para não
aparecer sem aviso – ele observou.
– E você ficou feliz por isso – ela
acusou.
Ela era tão honesta que tudo o que
ele pôde fazer foi sorrir novamente
para ela.
– Nós devíamos ter conversado
sobre o assunto – Ben admitiu. –
Tentado resolver as coisas.
– É isso que amigos fazem – disse
Celeste.
– E é isso que nós estamos fazendo –
Ben respondeu. – Então, acho que é
isso que nós somos.
– De verdade?
– De verdade – Ben disse, e como
prova, apertou-lhe os dedinhos
gorduchos, que pareciam salsichas. –
Você já escolheu um nome para ela?
– Não – ela suspirou.
– Alguma ideia?
– Umas mil.
– É melhor eu voltar ao trabalho. –
Ben se levantou. Ele não estava
inventando desculpas: já estava cinco
minutos atrasado. – Eu volto logo, mas
chame se precisar de alguma coisa.
– Pode deixar. – Ela deu a ele um
sorriso fraco, feliz porque eles eram
amigos novamente, e agradecida a ele
pela habilidade mais cedo e pela
honestidade de agora.
E ela havia sido honesta, também.
Ela não queria um pai adotivo para o
bebê, e nem precisava estar em um
relacionamento para sobreviver…
E aquela ideia foi confirmada
quando, à meia-noite, ela finalmente
pôde segurar a menina.
Ela segurou aquele fiapinho de vida
contra o coração, e pensou que ele ia
explodir, enquanto uma onda de amor
finalmente a envolvia.
Ela olhou para a filha.
Apenas algumas horas de vida, e tão
frágil, tão vulnerável, tão dependente
dela. Não, ela não precisava de um pai
adotivo ou de um parceiro para que as
coisas dessem certo para o seu bebê.
Ela tomaria conta da criança sozinha.
Ela queria Ben pelo que ele era.
– Nós estávamos esperando por isso.
– A parteira abraçou-a, pouco mais
tarde, quando ela foi levada de volta
para o quarto e as lágrimas finalmente
começaram a rolar. – Chore à
vontade… – E ela chorou, confortada
com o fato de que aparentemente era
normal chorar, soluçar, que eram
obviamente os hormônios, combinados
com um parto prematuro, pais
indiferentes e uma mocinha doente que
estava deitada em um berço na unidade
de terapia intensiva, e que tinha um pai
que não se importava nada com ela. E
tentou convencer a si mesma que as
lágrimas não tinham nada a ver com
Ben.
– COMO ela está?
Ben havia lavado as mãos e
colocado uma bata sobre as roupas,
muito embora ele só estivesse ali para
olhar.
– Bem. – A enfermeira da unidade
de terapia intensiva olhou para ele. –
Meu nome é Bron.
– Ben.
– Você é o médico que fez o parto
dela?
– Sou. – Ben espiou para dentro do
berço. – Sou amigo da mãe dela,
também.
– Bem, ela teve uma boa primeira
noite; ela é uma coisinha agitada, não é
mesmo, Willow?
– Willow? – Ben sorriu, porque o
nome era perfeito para ela.
Ela estava com uma aparência muito
melhor do que no dia anterior. Tubos e
máquinas não assustavam Ben. Na
verdade, eles o deixavam mais
tranquilo. Ela estava com uma adorável
cor rosa-escuro agora, e empurrava a
lateral da incubadora como se estivesse
tentando cavar um buraco para escapar.
– Eu vou trocar os lençóis dela, você
quer segurá-la?
A coisa mais apropriada para Ben
fazer seria ajudar, em vez de ficar
parado, observando; e a coisa mais
natural seria segurar o bebê enquanto a
enfermeira trocava a roupa de cama;
mas, sentindo-se estranho, ele recusou.
– Não, obrigado… – Ele sabia que
parecia arrogante, mas era um preço
que ele estava preparado para pagar;
então, ele simplesmente ficou ali e
observou, enquanto a enfermeira
trocava os lençóis, e depois enrolava
cobertores como se fossem um
pequeno casulo, para que Willow
ficasse confortável.
Ela era realmente um fiapinho de
vida, toda braços e pernas, com um
gorrinho cor-de-rosa que lhe cobria os
cabelos escuros. Ela era bonitinha, mas
não mais do que as outras crianças que
ele tinha visto, ele pensou enquanto se
aproximava dela. Eles poderiam ter
mostrado qualquer bebê para ele, e dito
a ele que era Willow, e não faria
nenhuma diferença.
E então, ela abriu os olhos.
Muito embora não houvesse a menor
possibilidade daquilo realmente
acontecer, ele se sentiu como se ela
estivesse olhando diretamente para ele,
como na ambulância. Ele olhou de
volta, por um momento, e então,
novamente, foi ele quem desviou o
olhar.
– Obrigado… – Ele sorriu
brevemente para a enfermeira. –
Obrigado por ter permitido que eu a
visse. É bom saber que ela está indo
bem.
CAPÍTULO 8
BEN FOI visitar Celeste enquanto ela
ainda estava internada, e
ocasionalmente a via na cantina, e
parava para conversar um pouco e
saber como ela e Willow estavam indo.
E ela estava indo muito bem.
Celeste via progressos todos os dias.
E não apenas com Willow. O gelo
estava derretendo entre ela e sua mãe,
também. Ela fazia uma visita dia sim,
dia não, inicialmente com o pretexto de
ver a neta, depois para levar
suprimentos para Celeste, e finalmente,
apenas para levar um presente.
Também foi Rita quem mostrou ser
uma improvável fonte de conforto,
quando o leite de Celeste começou a
diminuir de repente.
– Quanto mais você se estressar com
isso, pior vai ficar – Rita disse
firmemente, enquanto Celeste chorava,
usando a bomba para tirar o leite do
seio que tanto detestava. Mas com
apenas três semanas, Willow mamava
muito pouco no seio da mãe antes de
ficar exausta, e tinha que receber a
alimentação por meio de um pequeno
tubo, que ia de sua boca até seu
estômago. Celeste estava lutando para
produzir leite suficiente, e odiava a
sala asséptica onde sentava por horas,
para produzir apenas uns poucos
mililitros.
– É importante que ela receba o meu
leite. – Celeste rangia os dentes. O
especialista em lactação havia dito
aquilo a ela.
– É mais importante que ela se
alimente. – Rita se recusou a recuar;
ela estava cansada da pressão que a
filha estava sofrendo, e frustrada por
causa de Celeste. – Eu também não
pude amamentar você, Celeste. Eu tive
que começar a dar a mamadeira quando
você só tinha quatro dias.
– E olhe só para mim agora.
Ela estava sobrecarregada; sentada
ali, chorando frequentemente, os
nervos à flor da pele, olheiras escuras e
profundas por causa das mamadas a
cada duas horas, falida, e ainda por
cima, mãe solteira. Aquela era, na
verdade, a sua primeira vaga tentativa
de brincar com a mãe nos últimos
tempos, e por um momento Rita não
entendeu. Então, ao abrir a boca para
continuar com o sermão, a ficha caiu;
ela olhou nos olhos da filha e começou
a rir, e Celeste também.
– Você se deu muito bem – Rita
disse, quando as gargalhadas
diminuíram e as lágrimas, que nunca
demoravam muito a chegar naqueles
dias, enchiam os olhos de Celeste.
Aquela era a coisa mais amável que sua
mãe lhe dizia em muito, muito tempo.
– Vá almoçar. – Rita apanhou a
mamadeira com a quantidade pequena
de leite, colou um rótulo com o nome
de Willow e colocou-a na geladeira. –
Eu termino tudo por aqui. Vá relaxar
um pouco.
Mas Celeste não conseguia relaxar.
Celeste preferia muito mais a rotina
segura que ela mesma havia
estabelecido. Vivendo na pequena área
reservada para as mães, ela estava feliz
com seu quarto espartano, e as noites
que passava conversando com outras
mães ansiosas. Seus dias eram
preenchidos amamentando Willow ou
retirando leite, ganhando mais
autoconfiança com a filha sob o olhar
vigilante da enfermeira, e demorando
horas para escolher o que comer no
cardápio que recebia uma vez por dia.
Mas de vez em quando, sua mãe
insistia para que ela fosse “relaxar”. E
Celeste detestava aquilo.
Não havia muita coisa para fazer.
Chamar os jardins do hospital assim
era um grande exagero; o estoque dos
caramelos preferidos de Celeste na
lojinha de presentes acabara havia
tempo; e ela já tinha lido cada uma das
revistas disponíveis pelo menos duas
vezes. Ela havia ido visitar o setor de
emergência algumas vezes, mas
parecia sempre chegar na hora errada, o
departamento estava constantemente
cheio e as pessoas, ocupadas; e ela
ficava sentada, sentindo-se estranha e
sozinha, na sala de convivência. Mas,
acima de tudo, ela detestava a cantina,
onde o melhor meio de se
autodescrever era “quase, mas não
exatamente”.
Quase uma funcionária do hospital.
Quase uma paciente.
Quase uma mãe.
Mas ela não usava uniforme.
Não tinha uma pulseirinha de
identificação no braço.
E nem um bebê no colo.
E o que era pior, suas colegas,
quando estavam presentes, a
chamavam para comer com elas, e
depois de alguns minutos falando sobre
o progresso de Willow, Celeste ficava
sentada, brincando com o iogurte,
ouvindo Deb tagarelar sobre o fim de
semana louco que tivera, e Meg
resmungar sobre estar de plantão
durante as noites seguintes.
E então ela o viu.
Empurrando a bandeja pelo buffet
enquanto escolhia o que comer no
almoço, e Belinda estava a seu lado,
vestindo uma saia preta justa e sapatos
de salto agulha vermelhos, seus cachos
negros caindo-lhe pelas costas
enquanto ela ria de alguma coisa que
ele estava dizendo; e Celeste sentiu
algo se apertando dentro dela.
Belinda era tão glamourosa, tão
sensual e confiante, e inteligente, e
tão… tão mais adequada para Ben.
Celeste tinha certeza de que se eles não
estavam juntos ainda, era uma questão
de tempo.
– Celeste! – Ela estava tão imersa
em seus pensamentos, que não
percebeu que suas colegas já estavam
deixando a mesa. – Você nos ouviu? –
Meg riu da distração dela. –
Precisamos voltar ao trabalho; apareça
por lá qualquer hora.
– Está bem.
– E eu tenho certeza de que você
ainda não está pensando nisso, mas
quando se sentir pronta, venha
conversar comigo. Tente não deixar
passar muito tempo antes de voltar a
trabalhar…
– Não deixarei. – Ela se despediu e
ficou sentada ali, sozinha, feliz em ter
um tempo só para ela. Belinda e Ben
não se aproximariam. As secretárias
normalmente não sentavam com as
enfermeiras, bem, na sala de
convivência elas o faziam, claro, mas
não na cantina. Meg a perturbara; claro
que era muito cedo para pensar em
voltar ao trabalho, mas em alguns
meses, aquilo era exatamente o que ela
teria que fazer; e era algo impossível
de imaginar, naquele momento.
– Como vai você? – Celeste ficou
levemente espantada com o calor na
voz de Belinda, e ainda mais surpresa
quando ela colocou a bandeja na mesa
e se juntou a ela. – Como vai Willow?
– Maravilhosa. – Celeste enrubesceu
um pouco, quando Ben também se
juntou a elas.
– Você tem alguma ideia de quando
vai poder voltar pra casa? – Belinda
perguntou.
– Em uma ou duas semanas –
Celeste disse – se ela continuar indo
bem. – Mas ela havia acabado de
perder sua plateia; Belinda se
desculpou para ir atender ao telefone, e
de repente Celeste e Ben estavam
sozinhos.
– Você estará começando a
mudança, nessa época. – Celeste forçou
a mente a pensar em algo diferente de
Willow. – Mais algumas poucas
semanas, e você vai poder se mudar
para a casa nova.
– Na verdade, eu estou me mudando
neste final de semana – disse Ben. – O
proprietário ficou bem feliz com um
acordo rápido, e eu estou pronto para
me mudar.
– Oh. – Ela estava mexendo um pote
vazio de iogurte com uma colherinha. –
Eu ia voltar para casa por algumas
horas no domingo; as enfermeiras estão
insistindo para eu tirar uma noite de
folga… eu estava pensando em fazer
uma visita e agradecer a você por
tudo…
– Eu não estarei mais lá – Ben disse,
e fez uma pausa –, mas é claro que
estou por perto, no final da rua.
Só que as coisas eram bem
diferentes.
Eles eram amigos, mas
principalmente por causa da
proximidade, e embora ela não
quisesse depender de Ben, nem de
ninguém na verdade, ela se sentia um
tanto confortada em saber que ele
estava a apenas algumas portas de
distância.
– Você tem o número do meu
telefone? – Ben perguntou. Celeste
sacudiu a cabeça, e ele anotou o
número em um cartão. – Aqui está. –
Ele entregou o cartão a ela. – Ligue, se
precisar de alguma coisa.
– Obrigada. – Ela guardou o cartão
no bolso enquanto Belinda voltava para
a mesa, mas ambos sabiam que ela não
o usaria. Oh, eles ainda iriam parar
para conversar, talvez, se ela estivesse
caminhando na praia, mas não haveria
mais visitas, nada de jantares em frente
da televisão. Ele estava se mudando, e
ela também tinha que seguir em frente;
ela era mãe agora, o que, ele próprio
havia admitido, a colocava fora do
alcance de Ben.
Belinda disse alguma coisa que o fez
rir, e eles tentaram incluí-la na
conversa, mas não adiantou. Ela não lia
um jornal havia semanas, e não estava
exatamente a par das últimas notícias;
não havia ido a lugar nenhum, com
exceção da unidade de terapia
intensiva, o que significava que ela não
fazia a menor ideia da existência do
novo restaurante de frutos do mar sobre
o qual Belinda tagarelava. Ela estava
tão por fora de tudo, que era como se
estivesse assistindo a um filme
estrangeiro; Celeste estava ocupada
demais lendo as legendas para entender
as piadas, e terminava rindo tarde
demais. Quando finalmente ela
conseguia entender o que estava sendo
dito, eles já haviam mudado de
assunto.
– Eu preciso voltar… – ela quase
acrescentou “para alimentar Willow”,
mas aquele era um detalhe do qual eles
não precisavam. O foco inteiro de sua
vida seria apenas um fato sem
importância para a conversa deles. –
Boa sorte com a mudança.
– Obrigado.
ERA UM alívio para Ben se mudar.
Estar longe dela, mesmo que fosse
apenas no final da rua, o fazia sentir-se
seguro. Não haveria visitas, nada de
ouvir o bebê chorando ao passar pela
casa dela.
Celeste o havia afetado demais.
Desde o primeiro momento em que
ele a vira na praia, ela o enfeitiçara; e
de vez em quando, com ela por perto,
de alguma forma ele esquecia suas
próprias regras. Mas ao fechar a porta
de sua unidade pela última vez, ele
sentiu algo parecido com uma dor;
quase uma onda de saudade das
semanas que ele passara ali, apesar dos
vizinhos briguentos e da falta de arcondicionado. Não havia sido de todo
ruim, Ben pensou ao apanhar seus
girassóis, que agora estavam quase da
altura de seus ombros, e colocá-los na
caçamba da caminhonete que ele
alugara, junto com o resto de seus
pertences.
Ele quase pudera chamar aquele
lugar de lar.
– EU SINTO muito por incomodar
você… – Ben acordou imediatamente,
mas como era apenas sua primeira
noite na casa nova, ele teve
dificuldades para encontrar o
interruptor. Ele podia ouvir o pânico na
voz dela, e começou a procurar seus
jeans no minuto em que atendeu ao
telefone. – Meu carro não quer pegar, e
não consigo apanhar um táxi, já faz
mais de uma hora…
– Espere do lado de fora – Ben
instruiu, sem perguntar qual era o
problema, porque certamente havia um
problema; Celeste jamais telefonaria
para ele às duas horas da manhã se não
fosse o caso. – Estou indo.
Acostumado a se vestir depressa por
causa das emergências no hospital, ele
estava de jeans, camiseta e tênis em
menos de um minuto. Mais dois
minutos e seu carro estava fora da
garagem e descia a rua, e ela estava lá,
do lado de fora das unidades, esperando
por ele.
Ela havia emagrecido tanto. Mesmo
naqueles últimos dias, o peso parecia
ter se esvaído dela, e ela estava branca
como papel, iluminada pelos faróis do
carro. Ele abriu a porta do veículo e ela
entrou imediatamente.
– Obrigada. Você vai se arrepender
de ter me dado o seu número – ela
arfou.
– De jeito nenhum; estou feliz por
você ter ligado. – Ele podia ver que ela
estava tentando não chorar, tentando
ficar calma, e ele não a pressionou com
perguntas, simplesmente continuou
dirigindo e esperou que ela lhe
contasse o que quisesse.
– O carro não queria pegar – Celeste
explicou. – Eu acho que é a bateria.
– Não se preocupe com isso agora.
– Eles disseram que ela teve duas
crises de apneia… elas não aconteciam
há algum tempo.
– Certo… – Ele esqueceu de sinalizar
na rotatória, e xingou a si mesmo
quando um carro buzinou
furiosamente; que diabos, ele fazia este
percurso quase todas as noites, quando
o hospital o chamava. Ele tinha que se
concentrar.
– A temperatura dela está alta
também, e eles estão fazendo exames
de sangue… – ele não respondeu,
apenas olhou para a estrada, enquanto
ela falava nervosamente. – Eu pedi a
eles que me ligassem… – Ela engoliu
em seco, e conseguiu prosseguir: –
Quero dizer, eu disse a eles que me
ligassem se qualquer coisa acontecesse.
Então, talvez não seja tão grave…
Ele duvidava.
Apesar de tentar não se preocupar
com Celeste, Ben estava preocupado.
Ele a havia visto brincando com o
iogurte, tinha percebido a dramática
perda de peso dela, seu nervosismo; e
ela praticamente havia dito a ele que as
enfermeiras haviam insistido para que
ela tirasse uma noite de folga, portanto
elas não iriam telefonar para ela no
meio da noite por nada.
– Ela estava indo tão bem! – Celeste
insistiu, embora ele não estivesse
discutindo com ela. – Eu não a teria
deixado, de outra forma.
Deus, quando o medo iria passar?,
Celeste perguntou a si mesma. Quando
ela deixaria de viver em constante
preocupação?
Passar pelo primeiro trimestre.
Passar pelas primeiras trinta
semanas.
Controlar a pressão.
Sobreviver a um parto infernal.
Passar por aquelas primeiras e
terríveis semanas na unidade de terapia
intensiva.
A perna dela estava balançando para
cima e para baixo.
Quando aquilo iria parar? Quando
ela conseguiria viver sem medo?
Eles haviam chegado ao hospital, e
ele poderia apenas tê-la deixado lá,
mas obviamente ele não o fez; então,
eles estacionaram na vaga do médico
da emergência e ele usou seu cartão
magnético para entrar pela porta dos
fundos, sem ter que passar pelo setor
de emergência.
– Como ela está? – Celeste estava
tremendo demais, enquanto passava
pelo ritual de lavar as mãos. A sala era
bastante iluminada, mesmo durante a
noite, mas alguns dos bercinhos
estavam cobertos com mantas, para
simular o horário noturno.
Mas não o de Willow.
Ela parecia ter mais tubos e pessoas
ao seu redor do que na noite depois de
seu nascimento, e Celeste ficou feliz
quando a enfermeira-chefe veio
diretamente até ela para dar as notícias.
– Ela está estável, Celeste. – A voz
dela era amável, mas firme, e o braço
de Ben ao redor de Celeste ajudava,
aquela força ao lado dela enquanto ela
processava as notícias. – Willow nos
preocupou um pouco há algumas horas;
ela teve uma crise de apneia, o que não
é algo anormal por aqui, mas ela não
tinha uma dessas havia tempo, e depois
ela teve outra, e começou a ter
dificuldade para respirar. Nós fizemos
uma gasometria, e a colocamos de
volta no respirador, e o neonatologista
fez alguns exames de sangue…
– Ela está com alguma infecção?
– Há alguns pontos escuros no raioX dela – a enfermeira-chefe respondeu
–, e nós a colocamos em antibióticos.
Eles estavam caminhando em
direção ao bercinho dela, e Celeste
sentiu o coração apertar ao ver Willow,
aparentemente de volta para o começo,
cheia de tubos e agulhas, e lutando
tanto para respirar.
Tudo o que Ben queria fazer era dar
meia-volta e sair correndo dali, mas em
vez disso, ele ficou de pé com o braço
em volta de Celeste, observando as
máquinas, em vez de olhar para o bebê.
A cada acontecimento, ele era puxado
para mais perto, arrastado para um
mundo ao qual não queria pertencer.
– Ela estava indo tão bem… –
Celeste soluçou quando a viu; seu
único alívio era o fato de que Bron, sua
enfermeira favorita, era quem estava
cuidando da menina. – Ela ia ser
transferida para o berçário na semana
que vem…
– É só uma recaída – a enfermeirachefe disse, firmemente. – Lembre-se
de quando você chegou aqui na
unidade, e nós explicamos que estes
pequeninos têm altos e baixos. Bem,
Willow estava indo excepcionalmente
bem… – E ela continuou a falar sobre
montanhas-russas e todo o resto do
jargão que Celeste já estava cansada de
ouvir, e que havia ousado pensar que
pudesse ter deixado para trás. Tudo o
que ela sentia agora era que havia
voltado para o começo, especialmente
quando lhe disseram que não poderia
pegar Willow no colo.
– Segure a mãozinha dela, por
enquanto – disse Bron. – Nós estamos
tentando mantê-la quietinha.
E ela teve que se contentar com
aquilo.
– Heath está chegando, agora. Você
já o conheceu – disse Bron.
– Ele não é o médico dela – Celeste
observou.
– Não, ele é o clínico de plantão esta
noite. Vá sentar-se na sala dos pais, e
eu vou pedir a ele para ir conversar
com você.
– Você é o pai? – Heath perguntou a
Ben quando entrou na sala.
– Não, sou só um amigo – Ben
explicou. Então, eles perceberam que
Heath não estava mais prestando
atenção neles, quando a enfermeirachefe o chamou com urgência de volta
à área dos bercinhos. Celeste só
conseguiu sentir um alívio carregado
de culpa, ao ver que o problema não era
com Willow, mas com o pequenino no
bercinho ao lado.
– Você não é só um amigo. – Celeste
olhou para Ben. – Não existe a palavra
“só” quando se trata de você.
Ben tentou não analisar aquele
comentário demais; era mais uma
daquelas coisas… ela estava
provavelmente grata pela ajuda dele
naquela noite, e nas últimas semanas, e
sem dúvida estava feliz por não ter que
passar aquela noite infernal sozinha,
até porque não seria Celeste, na
verdade, que iria enfrentar o pior.
A espera para falar com Heath
pareceu interminável, e ela não podia ir
até Willow porque, além de estar
cuidando dela, a equipe estava
prestando atendimento intensivo para a
criancinha no bercinho ao lado. Ben
achava que seu trabalho era uma agonia
de vez em quando, mas quando os pais
do outro bebê chegaram, pálidos,
chocados e visivelmente aterrorizados,
ele não quisera estar no lugar de Heath
ou da enfermeira-chefe nem por um
milhão de dólares. Ao contrário de
Celeste, eles tiveram permissão para
segurar o filho imediatamente.
Porque já era tarde demais.
– NÓS ESTAMOS preocupados com
Celeste – disse Heath.
Ben havia permanecido ao lado de
Celeste até Heath terminar de explicar
tudo a respeito dos raios-X e exames de
sangue de Willow, e fez todas as
perguntas que Celeste estava
perturbada demais para formular, mas
que certamente se arrependeria de não
ter feito, mais tarde. Até que,
finalmente, ela foi levada para sentarse ao lado de Willow.
– Eu não sou o pai da Willow – Ben
interrompeu.
– Namorado?
– Não. – Ben sacudiu a cabeça.
– Sinto muito. – Heath franziu a
testa. – Bron me disse que você havia
vindo até aqui algumas vezes, durante a
noite, para ver Willow.
Pela primeira vez em toda a sua vida
adulta, Ben estava chegando perto de
enrubescer; ele se sentia como se
tivesse sido apanhado fazendo alguma
coisa errada. Oh, ele fora até lá
algumas vezes, mas nunca quando
Celeste estava por perto. Ele só queria
ver, com os próprios olhos, como o
bebê estava indo.
Obviamente, as pessoas haviam
percebido!
– Eu sou um dos médicos do
hospital. – Ben limpou a garganta,
sentindo-se desconfortável. – E como
eu disse antes, Celeste é minha amiga.
Eu venho até aqui de vez em quando
para ver como o bebê está. Fui eu quem
fez o parto…
– Entendo. – Mas obviamente, ele
não entendia.
– Você disse que estava preocupado
com ela? – Ben pressionou.
– Olhe, eu achei que você era o
namorado dela. Sinto muito, o erro foi
meu. Foi uma longa noite – disse
Heath.
Ben percebeu que, se quisesse,
poderia simplesmente se levantar e ir
embora; ignorar a leve indiscrição,
dizer boa noite para Celeste e cair na
cama pelo que restava da noite. Mas
ele não quis fazer aquilo.
– Nós somos muito amigos – Ben
disse. – Se eu puder ajudar, de qualquer
forma…
– Ela precisa descansar. Foi uma
coincidência excepcionalmente infeliz
Willow ter ficado doente exatamente
na noite em que nós a persuadimos a ir
para casa. E com aquele bebê morrendo
no bercinho ao lado, ela está
hipervigilante, agora – Heath explicou.
– Isso é comum em mães na situação
dela, mas infelizmente, esta noite não
ajudou em nada.
– O que eu posso fazer? – Ben
perguntou.
– Não é algo que se resolva da noite
para o dia – disse Heath, levantando-se
e apertando a mão de Ben, antes de
voltar para a unidade. – Ela precisa de
apoio constante, precisa ser encorajada
a descansar de vez em quando; assim
que Willow melhorar, é claro.
O que significava um envolvimento
maior ainda com mãe e filha, e isso era
algo que Ben definitivamente não
queria. Então, ele ofereceu a Celeste
mais praticidade, ao desejar boa noite a
ela.
– Dê-me suas chaves. Vou resolver o
problema do carro para você.
– Pode deixar que eu resolvo
amanhã – ela disse.
– Celeste. – Ele não iria discutir,
nem debater o assunto. – Você precisa
que o seu carro funcione, pelo bem de
Willow. Então, me dê as chaves, e se
for a bateria eu vou levá-la na oficina
para que ela seja recarregada ou
substituída, e se for outra coisa… – Ele
viu os olhos dela se fecharem, em
desespero, ao ver os problemas
aumentando ainda mais. Ele queria
arrancá-la dali, salvá-la da maré que
avançava, mas estava com medo
demais.
Medo de amá-la.
Só que, de certa forma, ele já a
amava.
O problema não era Celeste.
Era Willow.
CAPÍTULO 9
ELE JÁ estava de pé às seis, em um
raro dia de folga. Ele tinha caixas para
abrir, e uma cozinha para pintar, mas,
em vez disso, Ben caminhava pela rua
com as chaves do carro de Celeste na
mão. Ele daria uma olhada no carro,
iria correr na praia, e depois resolveria
o problema das caixas. Ben abriu a
garagem e, depois de ligar a ignição, o
carro começou a funcionar, fazendo um
barulho enorme. Então, não era a
bateria.
Às oito, ele telefonou para o
mecânico.
– Você quer meu conselho? – O
mecânico olhou para o que dificilmente
poderia ser chamado de motor e franziu
o cenho.
– Não. – Ben fez uma careta. – Só
conserte o carro, coloque-o em
condições de rodar, por favor.
– Os pneus estão carecas…
– Compre uns decentes, de segunda
mão – Ben disse, porque em contraste
com aquela pilha de ferro-velho, quatro
pneus novinhos chamariam muita
atenção.
Levou o dia inteiro, mas por volta
das seis ele voltou ao hospital para
devolver as chaves para ela.
– Como Willow está? – ele
perguntou a ela.
– Um pouco melhor, obrigada. –
Celeste parecia completamente
esgotada. O cabelo dela precisava ser
lavado, e havia grandes manchas
negras sob seus olhos, como se ela
tivesse passado delineador e esfregado
os olhos em seguida; só que ela não
usava maquiagem havia semanas. – O
resultado da primeira cultura de sangue
deve sair logo, mas ela está sem febre
desde a hora do almoço.
– E quanto à gasometria? – ele
inquiriu.
– Está melhor. – Ela sacudiu a
cabeça, confusa. Celeste não estava
pensando como enfermeira, mas como
mãe, ouvindo os médicos e a equipe da
terapia intensiva. – Ela vai ficar no
oxigênio…
Ele queria mais informações, queria
falar com o neonatologista, ver os
raios-X do bebê e os resultados dos
exames de sangue com os próprios
olhos.
– Eles me deixaram segurá-la – ela
disse a ele, trêmula.
– Isso é uma boa notícia.
– Minha mãe está com ela agora.
Tudo o que ele podia fazer era levála até a cantina e comprar-lhe um
chocolate quente e um pouco de cereal
da máquina; e foi apenas quando ele
lhe entregou as chaves do carro que
Celeste se lembrou do que ele estava
fazendo ali. Ele não estava ali para
saber notícias de Willow, na verdade.
– O que havia de errado com o
carro? – Ela quis saber.
– Precisava de uma bateria nova. – E
de uma ignição nova, e discos e
pastilhas de freio, e amortecedores, e…
mas ele preferiu não entrar em
detalhes.
– Quanto custou? Tem um caixa
eletrônico aqui no hospital – ela disse.
– Não foi muito caro. Nós podemos
resolver isso quando Willow melhorar
– Ben disse tranquilamente. Com um
bebê tão doente, Celeste precisava de
um carro que funcionasse
imediatamente, o tempo todo, Ben
disse a si mesmo. E ele estava
investindo na própria sanidade
também, pensou. Pelo menos ele não
seria mais acordado às duas da
manhã… Não que ele tivesse se
importado, na verdade.
Com toda a honestidade, ele teria
detestado descobrir, no dia seguinte e
por outra pessoa, o que havia
acontecido.
Ele mal havia dormido nas últimas
24 horas, mas, apesar disso, sua mente
parecia muito clara, de repente.
Celeste precisava de um amigo, um
amigo verdadeiro; e talvez ele pudesse
ser esse amigo por enquanto, talvez ele
pudesse ajudá-la, pelo menos até
Willow ir para casa.
– Eu estive pensando – Ben disse. –
Quando Willow melhorar, que tal
tirarmos um dia de folga?
– Onde? – ela perguntou.
– Podemos ir velejar – Ben sugeriu,
mas ela imediatamente sacudiu a
cabeça.
– E se acontecer alguma coisa?
Levaria muito tempo para chegarmos
aqui – ela protestou, ansiosa.
– Nós não vamos cruzar o Equador,
vamos apenas dar um passeio na baía!
Nós poderíamos ir almoçar.
– Eu não acho uma boa ideia, mas
obrigada, de qualquer forma. – Ela
sacudiu a cabeça.
– Não diga não – Ben disse. – Pense
no assunto.
Ela não pensou no assunto.
Havia muitas outras coisas no que
pensar.
Enquanto Willow se recuperava do
que acabara sendo um caso grave de
pneumonia, e começava a ganhar peso
regularmente, o dia de receber alta
ficava cada vez mais perto. O leite de
Celeste havia por fim secado
completamente, e para seu desgosto,
Willow estava agora tomando a
mamadeira; mas pelo menos aquilo lhe
proporcionava um pouco mais de
liberdade, e significava que ela podia
voltar para casa de vez em quando, e
até mesmo ir ao médico sozinha!
– Celeste?
Ben passou por ela ao atravessar o
corredor da entrada principal. Entre a
multidão, as cafeterias e a loja de
presentes, lá estava Celeste, branca
como papel e perdida em seu próprio
mundo.
– Celeste… – Ele bateu de leve no
ombro dela, para chamar-lhe a atenção.
– Está tudo bem?
Ela fez um esforço visível para se
concentrar.
– Tudo bem – ela respondeu,
finalmente.
– Willow?
– Ela está bem – disse Celeste, sem
dar os detalhes usuais das últimas
semanas. Normalmente, ela descrevia
cada progresso, e Ben viu-a umedecer
os lábios secos.
– E você?
– Eu estou um pouco enjoada – ela
admitiu. – Eu ia comprar alguma coisa
para beber, mas a fila está enorme.
– Vá se sentar. Eu vou buscar uma
bebida para você. – O simples fato de
ela não ter protestado disse a Ben que
ela não estava mesmo se sentindo bem.
Claro que havia uma fila na
cafeteria, mas ele podia ser bem
arrogante de vez em quando e
simplesmente a ignorou, indo
diretamente para frente e apanhando
duas garrafas de água e uma de suco…
oh, e um bolinho.
– Aqui está. – Ele colocou as coisas
na mesa, e Celeste tomou um grande
gole de água.
– Como você conseguiu ser atendido
tão rápido? Eu já tinha desistido.
– Vantagens do emprego. – Ben
piscou para ela. – Eu trouxe alguma
coisa para você comer, caso esteja com
fome.
Celeste franziu o nariz.
– Quanto eu lhe devo? – Ela
vasculhou a bolsa, procurando algum
dinheiro, mas Ben sacudiu a cabeça.
– Não seja boba.
– Coloque na minha conta! – Celeste
disse, e se inclinou para a frente,
descansando a cabeça no braço por um
instante, e deixando tudo passar, o
barulho, o movimento do hospital, a
luz das janelas, tudo, menos a voz
preocupada de Ben.
– Será que eu devia tomar o seu
pulso? – ele provocou, gentilmente,
para esconder a preocupação real.
– Não.
– Você não está sendo uma
companhia muito boa hoje. – Ele
levantou a testa dela um pouco, viu seu
rosto pálido, e deitou-lhe a cabeça de
volta no antebraço.
– Eles me disseram para esperar
meia hora… – Ele ouviu a voz abafada
dela responder. – Eu deveria ter
ouvido.
– Será que eu devia pedir uma maca
na emergência? – ele perguntou,
divertido.
– Por favor, não! – Ela sentou-se
lentamente, e deu um sorriso fraco.
– Melhor agora?
– Melhor. – Ela expirou
pesadamente. – Já é a segunda vez que
você me salva de passar vergonha.
– Um parto não é motivo para ter
vergonha – ele observou.
– No meio da rua, com uma
multidão em volta?
– Tudo bem. – Ele sorriu. – Então,
podia ter sido embaraçoso… se eu não
tivesse conseguido levar você para a
relativa privacidade do que agora é o
meu jardim! E talvez também fosse
embaraçoso desmaiar na frente da loja
de presentes. Mas o que aconteceu,
para você se sentir mal assim?
– Acabei de fazer o exame pós-natal.
– Oh. – Ele era médico; então, por
que suas orelhas estavam ficando
vermelhas? Ele poderia entrar na sala
de convivência da emergência naquele
exato minuto, em meio a um grupo de
enfermeiras que não iriam interromper
a conversa só porque ele estava
presente.
– Ele sugeriu que eu colocasse um
DIU, para o caso improvável de eu
querer retomar a minha atividade
sexual nos próximos cinco anos!
Ela realmente o fazia rir, mesmo das
coisas mais estranhas.
– Você vai querer, mais cedo ou
mais tarde – ele disse.
– Eu duvido! – Ela deu outro gole
grande na garrafa de água, e então
beliscou o bolinho. – Me parece muito
barulho por nada, para dizer a
verdade… bem, “nada” não seria a
palavra exata – ela observou. – Uma
briga em família, um bebê na unidade
de terapia intensiva… – Ela
interrompeu a lista de desgraças; ele
não estaria interessado em nada
daquilo, especialmente quando ela
chegasse à parte em que o pai de
Willow não queria conhecê-la. – De
qualquer modo, ele também sugeriu
que eu me deitasse por meia hora
depois do exame.
– E é claro que você não ouviu – ele
disse, um pouco severamente.
– Eu estava me sentindo bem –
Celeste respondeu.
– Bem, escute o médico da próxima
vez – ele ordenou.
A cor estava voltando para os lábios
dela agora, e para seu rosto. Tinha sido
agradável sentar e conversar, mas ela
havia estado longe por um bom tempo,
e queria voltar para dar a mamadeira
para Willow.
– Eu preciso voltar para a unidade de
terapia intensiva… – Ela ainda estava
um pouco pálida.
– Talvez fosse melhor você esperar
mais uns dez minutos – ele sugeriu.
E ela provavelmente teria esperado,
mas o pager que ela usava disparou,
alertando-a que Willow estava
acordada e pronta para mamar.
– Eu preciso ir.
– Eu acompanho você – Ben
ofereceu, ainda preocupado com a cor
dela.
Eles andaram juntos pelos
corredores para o elevador, e Ben a
acompanhou até a entrada da unidade
de terapia intensiva; e quando eles
chegaram, Celeste ficou nervosa de
repente.
– Você quer entrar? – Era uma oferta
aparentemente tão casual. – Você vai
notar uma grande diferença nela…
– Eu adoraria – Ben disse, e ela pode
ouvir o “mas” antes mesmo que ele
dissesse a palavra; sabia que iria ouvila antes de ser pronunciada. – Mas eu
realmente preciso voltar para a
emergência. Outra hora, talvez?
– Claro. – Ela não o compreendia;
simplesmente não conseguia
compreendê-lo. Ele parecia gostar da
companhia dela, estava sempre por
perto quando ela precisava, e ainda
assim, às vezes, tudo o que ele queria
era se afastar dela!
– Ei… – Ele se virou. – Você pensou
sobre aquele passeio de barco comigo?
– Eu acho que não vai dar – Celeste
recusou. – Eles estão dizendo que
Willow pode estar pronta para receber
alta na próxima segunda-feira, e eu
tenho muita coisa para organizar.
– Bem, eu estou de folga neste final
de semana – disse Ben. – Então, a
oferta está de pé… qualquer coisa, me
avise.
ELA ESTAVA pronta.
Bem, tão pronta quanto era possível!
Todas as roupinhas novas de bebê
haviam sido lavadas com sabão neutro,
havia fraldas e lenços umedecidos e
mamadeiras e leite em pó, o bercinho
que Ben havia montado, e que Celeste
havia forrado com pequenas mantas.
Tudo o que faltava agora era Willow; e
ela chegaria amanhã.
As enfermeiras tinham praticamente
empurrado Celeste para fora, insistindo
para que ela passasse um dia em casa, e
sugerindo enfaticamente que ela não
voltasse antes da manhã seguinte; que
ela aproveitasse uma última noite de
sono sem interrupção, enquanto podia.
Os pais dela, tendo-a ajudado a se
instalar, haviam voltado para casa; e
sem nada para fazer, Celeste havia
decidido descer a rua para comprar
uma revista, com a intenção de sentarse na praia para ler. Na verdade, aquela
era a desculpa que ela havia para passar
pela casa nova de Ben!
Era estranho, estar do lado de fora,
ao ar livre; estranho, estar caminhando
ao sol da tarde, em vez de ficar de
vigília no berçário. Mas as enfermeiras
não tinham lhe dado opção, e ela
decidiu aproveitar.
Ela estava vestindo shorts jeans e
uma blusa branca de amarrar no
pescoço, roupas de antes da gravidez
que na verdade estavam um pouco
grandes para ela agora. Ela calçava
sandálias de couro vermelho, e a
sensação do sol a bater-lhe nas pernas
era deliciosa; era delicioso andar pela
rua, embora ela tivesse a impressão de
que esquecera alguma coisa, e checava
o telefone constantemente para ver se o
hospital havia ligado e ela não havia
ouvido, ou vasculhava a bolsa para
verificar se trouxera as chaves. Para
ela, já era completamente anormal
estar ali sem Willow.
Mesmo assim, o mundo havia
continuado a girar muito bem sem ela.
As árvores estavam carregadas de
flores, a baía estava azul e brilhava no
horizonte; e lá estava Ben, com seu
novo barco preso ao parachoques de
seu carro.
– Lindo – Celeste comentou,
andando em volta do barco e
inspecionando o novo bebê dele. –
Lindo mesmo.
– Eu acho que estou apaixonado. –
Ben sorriu, passando a mão pelo novo
brinquedo de forma afetuosa, e Celeste
só pôde rir. – Como está Willow?
– Muito bem. Ela parece uma
verdadeira fraude: está saudável
demais para permanecer no hospital.
– Tudo pronto para amanhã? – ele
perguntou.
– Mais pronto do que nunca.
– Você vai ficar muito bem – ele
disse, para incentivá-la.
– Então, você vai velejar? – Ela não
iria pedir para ir com ele, Celeste
decidiu, mas se ele a convidasse
novamente…
– Eu acabei de voltar – Ben disse. –
Eu saí com um amigo; ainda não estou
muito seguro para velejar sozinho.
– Oh, não! – Celeste concordou,
sorrindo, mas seu coração se apertou
um pouquinho, percebendo que havia,
literalmente, perdido a chance com ele.
– A rampa não é o lugar certo para
praticar.
– Bem, eu ainda sou um novato, mas
é bom velejar de novo. Eu havia
esquecido como é bom.
– Há outra rampa de partida perto do
riacho – Celeste disse – caso você
queira sair com o barco sozinho.
Provavelmente, ela é a menos
movimentada por aqui, e você não vai
atrapalhar os outros.
– Você já fez isso antes, então? – ele
perguntou, curioso.
– O tempo todo – Celeste disse, com
um sorrisinho prepotente. – Bem,
quando papai e eu ainda nos falávamos,
eu costumava ir pescar com ele.
– Você? – Ben levantou as
sobrancelhas. – Pescando?
– Não, sonhando – disse Celeste. –
Mas estou “pescando” agora…
Levou um segundo para Ben
entender o que ela queria dizer, e
quando entendeu, ele sorriu.
– Vamos, então.
Era a tarde perfeita para velejar com
um barco novo; a baía estava calma,
com pouquíssimo vento. Para um
iniciante, ele fez um trabalho bem
decente, dando ré com o carro para
encaixar o barco na rampa, e saindo
para lidar com o barco enquanto
Celeste assumia o volante, exatamente
como ela fazia quando saía com o pai.
Depois de estacionar o carro, ela
caminhou até a água, e Ben segurou sua
mão enquanto ela subia no barco. O
motor novo começou a funcionar, e ela
estava muito feliz por ter aceitado o
convite, muito feliz, enquanto Ben
manobrava o barco, de sentir a brisa
em seus cabelos e simplesmente
respirar novamente, depois daquelas
últimas semanas.
Ben observava, enquanto lentamente
ela relaxava.
Ela havia perdido muito peso desde
o nascimento de Willow, e vendo a
silhueta esguia dela aparecer, ele
percebeu o quanto ela estivera doente,
e provavelmente desde o dia em que
ele a conhecera. Muito tempo passado
no hospital, tanto como paciente
quanto cuidando de Willow, havia
deixado Celeste com uma cor pálida,
nada saudável. Mesmo assim, o ar do
oceano estava trazendo de volta um
pouco de vida ao rosto dela, e quando
ela não checou o telefone durante dez
minutos seguidos, Ben soube que
finalmente, mesmo que por pouco
tempo, a Celeste de antes estava de
volta.
Eles pararam um pouco e Ben serviu
a comida que eles haviam comprado
durante uma parada rápida na
delicatessen. A distância, Melbourne
tinha um brilho dourado, iluminada
pelo sol do final da tarde. Willow
estava indo para casa amanhã, e tudo
estava certo no mundo; mesmo que às
vezes as coisas parecessem diferentes.
– Assustada a respeito de amanhã? –
Ben perguntou.
– Assustada, mas pronta – Celeste
admitiu.
– Você vai ser uma ótima mãe –
disse Ben.
– É melhor que eu seja… – Celeste
sorriu. – Ela estará em casa em poucas
horas.
Ele desembrulhou galinha ao molho
de estragão e maionese, que estava tão
deliciosa quanto da primeira vez em
que eles haviam compartilhado aquela
refeição, acompanhada de água mineral
com gás. Para Celeste, era uma grande
felicidade simplesmente fazer uma
pausa, fugir um pouco antes que sua
vida mudasse mais uma vez, no dia
seguinte.
– Você tem como buscá-la, está tudo
resolvido? – Ben verificou.
– Papai e mamãe estão chegando –
Celeste informou. – Apareça lá em casa
à tarde, se você quiser; eu convidei
alguns amigos, e nós vamos fazer um
churrasco.
– Você não deveria ir devagar nos
primeiros dias? – Ben perguntou, em
dúvida.
– Esse é o plano – Celeste disse,
com uma fagulha de sua antiga verve. –
Eu vou me livrar de todos de uma só
vez!
Eles poderiam ter ido para casa
depois do jantar, mas não foram. Ben
estava brincando de marinheiro,
enquanto Celeste ficava deitada no
convés do pequeno barco, os pés
apoiados nas bordas, e escutava o som
calmante das ondas. Ela não se
lembrava de relaxar assim desde o
nascimento de Willow, desde antes de
Willow nascer; talvez, na verdade, ela
jamais houvesse relaxado assim na
vida.
Quando ela abriu os olhos para dizer
isso a Ben, de repente não se sentiu
mais relaxada. Porque ele a estava
observando, simplesmente sentado
quieto, olhando para ela. Quando os
olhos de Celeste se abriram, ele não
desviou os seus, apenas continuou
olhando, e ela olhou para ele de volta,
para aqueles olhos verdes
contraditórios, que ao mesmo tempo
procuravam por ela e resistiam a ela.
Eles olharam um para o outro em
silêncio, revivendo aquele primeiro e
único beijo em suas mentes, e aquilo
tudo só serviu para confundi-la, porque
naquele segundo ela teve certeza de
que, sem Willow, haveria amor entre
eles.
Sem Willow.
Era uma hipótese impossível, que
ela jamais desejaria imaginar. Ela viu
algo brilhar nos olhos dele, e poderia
ter sido o vento ou o ofuscar do sol, ou
poderia ter sido uma lágrima, porque
havia arrependimento gravado nas
feições dele, e arrependimento
misturado com raiva nas dela.
Porque sem Willow, eles seriam
meros colegas, agora.
Sem Willow, ela jamais teria ido
morar do outro lado da rua dele.
Não podia haver “sem Willow”, e
não poderia haver “Ben e Celeste”.
– O momento não poderia ser pior,
não é? – Ela não estava brincando, e
não estava dando um tiro no escuro a
respeito dos sentimentos dele; porque
ali, na água, quando estavam apenas os
dois juntos, sem passado, sem futuro,
apenas aquele momento no tempo, não
havia a menor possibilidade de um dos
dois negar o que estava acontecendo.
– É verdade – Ben disse, e não teve
que continuar; ele havia colocado as
cartas na mesa desde o começo.
– Então, eu não estou louca, nem
imaginando coisas?
– Você não está ficando louca… –
Ele tocou no cabelo dela, apenas
segurando um cacho nos dedos, e como
ele gostaria de contar tudo a ela, de
explicar, mas de que jeito? O alerta de
Heath ecoava em seus ouvidos. Aquele
era o dia de folga dela, quando ela não
deveria estar se preocupando com nada,
e ele não queria estragar tudo com a
dor dele, não podia obrigar aquela
jovem mãe a carregar o peso dos seus
medos por ela, por aquela criança.
– Eu simplesmente não posso. –
Aquilo tinha que ser suficiente.
– Eu sei.
– Eu disse a você, desde o começo.
– Você me disse.
– Ainda podemos ser amigos? – Ben
perguntou, e a resposta dela foi a
mesma que estava gritando em sua
própria mente.
– Eu não sei.
Talvez aquele fosse o último beijo
deles, mas foi o mais doce de toda a
vida dela.
Ele abaixou a cabeça e encostou os
lábios nos dela, e se homens de verdade
não choram, então, o grupo excluía
Ben, porque ela sentiu a umidade dos
cílios dele em seu rosto quando ele a
beijou. Foi o mais suave dos beijos,
mas estava tão misturado com
arrependimento e amor, que a
lembrança ficaria com ela para sempre.
Ela não precisou pedir a ele que a
levasse para casa depois; ele
simplesmente ligou o motor do barco.
Enquanto Ben dirigia, Celeste colocou
óculos escuros enormes e tentou não
chorar. A viagem para casa não foi nem
agradável nem desastrosa; e nem
aconteceram outros beijos.
– Você quer entrar? – ela ofereceu,
quando ele estacionou em frente à casa
dela. Ela sabia exatamente o que estava
oferecendo, sabia por que o ar estava
tão pesado com desejo, que não poderia
haver dúvidas na cabeça de nenhum
dos dois.
– Celeste… – As articulações da mão
dele estavam brancas, por causa da
força com que ele segurava o volante. –
Vá para dentro.
– Só esta noite – ela pediu. Ela
queria um beijo de verdade, de
despedida; ela queria mais, e estava
tentando convencer a si mesma de que
conseguiria lidar com a manhã
seguinte. Rejeição era certamente a
especialidade dela: e ela odiava isso,
agora.
– Boa noite, Celeste – ele respondeu.
CAPÍTULO 10
ELE PROVAVELMENTE deveria ter ido
visitá-la.
Tentado consertar as coisas.
Voltado ao ponto “apenas amigos”.
Mas era tarde demais para isso,
agora.
O outono estava chegando. Todas as
noites, o vento arrancava mais algumas
pétalas dos girassóis. Chegando à casa
do trabalho, quase uma semana depois,
e cansado das lembranças constantes,
Ben arrancou as flores do vaso e jogouas no lixo reservado para material
orgânico. Centenas de sementes se
espalharam pelo jardim quando ele fez
isso, e Ben rangeu os dentes. Que jeito
ótimo de esquecer! Se ele não
apanhasse as sementes, ele precisaria
de uma foice no ano seguinte, só para
chegar à porta da frente!
Ela estava em toda parte.
Em sua cabeça, em seus sonhos, e
enquanto ele entrava em casa e subia as
escadas para trocar de roupa, seus
olhos se dirigiram para a praia, para
onde ele havia visto Celeste pela
primeira vez, e não para a fotografia de
Jen na mesinha de cabeceira.
“O que eu devo fazer?” Ele apanhou
o porta-retratos de prata e olhou para
os olhos claros de sua esposa, e desejou
ter apenas mais dois minutos com ela.
Dois minutos dos conselhos lógicos
e práticos dela, o que era uma coisa
idiota de se desejar; como se ele
pudesse perguntar a Jen como agir com
Celeste!
Ele queria que ela lhe mandasse um
sinal, um pequeno sinal, mas nem
sequer sabia o que estava pedindo. E
então ele olhou para a fotografia
inteira, e não apenas para o rosto de
Jen. Ben correu o dedo sobre a barriga
dela, onde o bebê deles vivera; tocou-a
através do vidro, tocou o que nunca,
nunca pudera segurar nem por uma
única vez. Mas não havia tempo para
lamentações. Ele tivera visitas naquela
noite, o que já havia sido difícil, e
depois ele fora chamado ao hospital
para lidar com uma emergência às dez
horas da noite. Ele pôde ouvir a música
muito alta que tocava na casa dos
vizinhos de Celeste quando passou pela
unidade dela, e, apesar de suas
melhores intenções, aquilo foi difícil
de ignorar. Contudo, ele continuou a
dirigir com determinação, esperando
que a festa acabasse logo, ou que ela
tivesse levado Willow para a casa dos
pais. Certamente, uma festa na casa ao
lado era a última coisa de que uma mãe
recente precisava, poucos dias depois
de trazer o bebê para casa.
Mesmo assim, não era problema
dele agora.
– Eu sinto muito! – Belinda olhou
para ele em meio ao setor de
ressuscitação lotado, enquanto Ben
abria caminho. – Eu acabei de lhe
enviar uma mensagem dizendo que não
estamos mais precisando de você.
– Você tem certeza? – Ben
perguntou, porque o lugar estava
movimentadíssimo.
– Nós recebemos um aviso de dois
traumas múltiplos – Belinda explicou –
além dessa montanha de pacientes, e eu
pensei que podíamos chamar alguma
ajuda extra, embora você não esteja de
prontidão.
– Onde estão as vítimas de trauma?
– Uma morreu a caminho, e a outra
não está seriamente ferida. Eu vou ligar
para os pais; quem quer ter filhos
adolescentes? Talvez eu devesse ter
esperado antes de chamar você.
– É sempre melhor não esperar para
ver. – Ben realmente não se importava
de ser chamado; aquilo era parte de seu
trabalho. – Eu vou te ajudar, agora que
estou aqui.
– Não, não vai – Belinda retrucou,
examinando alguns raios-X no
computador. – Vá dormir um pouco;
esta é apenas uma noite normal de
sexta-feira.
– Eu realmente não me importo – ele
insistiu.
– Mas eu me importo – Belinda
disse. – Você vai me substituir amanhã,
lembra?
– Ah, sim!
– E eu realmente espero que você
não precise me chamar. – Ela piscou
para ele.
– Vai a algum lugar especial? – ele
perguntou.
– Um hotel fabuloso na cidade. –
Belinda sorriu. – A milhares de
quilômetros de distância daqui.
– Você e Paul estão bem, então?
– Com certeza. Você sabe, Ben, que
não devia descartar a possibilidade da
internet.
Ben simplesmente grunhiu; ela
jamais desistiria.
– Tudo bem, então, vou voltar pra
casa. Mas avise se você precisar de
ajuda.
Ele, na verdade, preferiria estar
trabalhando; gostaria que Belinda lhe
tivesse entregado uma pilha de
prontuários e pedido a ele que cuidasse
dos pacientes, porque ao virar para a
sua rua, em vez de diminuir a
velocidade, ele acelerou um pouco e
ligou o rádio do carro. De fato, o que
quer que estivesse acontecendo nos
apartamentos não era problema dele.
Havia festas quase todas as noites, e ele
não poderia estar sempre verificando se
Celeste estava bem…
Um grupo de adolescentes estava
saindo para a rua, e apesar do volume
do rádio do carro estar alto, ele podia
ouvir o barulho da música. Embora ele
tivesse passado direto, sentindo
arrependimento, mesmo remorso, ele
fez um giro de 180 graus, piscou os
faróis para os idiotas bêbados, e
estacionou. Abrindo o portão e
aproximando-se da casa dela, ele
percebeu que as luzes estavam acesas.
Ouvindo os gritos de Willow, ele bateu
na porta.
Quando não houve resposta, Ben
imaginou o quanto ela deveria estar
assustada.
– Celeste – ele chamou, durante um
pequeno intervalo na música. – Sou eu,
Ben.
– O que você quer? – Ele podia ver
que ela estivera chorando, quando ela
abriu a porta.
– Eu ouvi o barulho quando estava
chegando do trabalho. Você não vai
conseguir acalmá-la no meio dessa
bagunça. Você deveria ter me ligado…
– Você não estaria em casa – Celeste
observou, mas apesar da resposta
atravessada, ele podia ver que ela ainda
estava à beira das lágrimas. – É só uma
festa…
E era; uma festa muito barulhenta,
mas na casa vizinha havia um bebê
recém-nascido e uma mãe recente, que
não precisavam realmente daquilo,
naquela noite.
– Eu não consigo alimentá-la, e as
enfermeiras disseram que ela tem que
mamar a cada três horas, pelo menos –
ela disse, desesperada.
– Vamos – ele disse. – Vamos pegar
as coisas dela, e vocês duas podem
dormir na minha casa.
Ela ia dizer não, ia fechar a porta,
mas estava acontecendo uma briga na
casa ao lado, e por mais que ela não
quisesse precisar de ajuda, naquela
noite ela precisava.
– Por favor, Celeste… – Mesmo
dentro do apartamento dela, a música
estava altíssima! – Arrume as coisas e
venha ficar comigo esta noite – ele
pediu novamente.
Ela teria protestado, mas estava
aliviada demais. Ela não tinha certeza
se era a sua própria tensão ou o barulho
que estavam incomodando Willow,
mas depois de seis semanas de
cuidados afetuosos na unidade de
terapia intensiva, Celeste estava
assustada o suficiente só de estar
sozinha com ela, sem o barulho e o
caos da casa vizinha.
Ela estava tentando prender Willow
na cadeirinha para levá-la para o carro,
mas Ben tinha outras ideias.
– Coloque-a no carrinho. Vai ser
mais fácil andar… e ela pode dormir
nele.
Ela jamais teria saído de sua casa,
com a multidão da festa espalhada na
rua, mas com Ben ela se sentia segura.
Ele empurrou o carrinho e o carregou
pelas escadas, enquanto Celeste
trancava tudo. Os portões que davam
para as unidades já estavam abertos, e
com o braço dele em volta dela, eles
caminharam em silêncio, para longe do
barulho, descendo a rua; e somente
quando o som da música havia
desaparecido na distância, eles
conversaram.
– Você deveria ter chamado a
polícia.
– E fazer com que meus vizinhos me
odeiem? – Celeste disse, tristemente,
enquanto eles caminhavam. A lua
estava quase cheia, e havia bastante
luz; a música era apenas um som
abafado ao longe, e ela podia ouvir o
som acolhedor da água, agora. – Foi só
uma festa… – ela disse novamente.
– Aquilo não é lugar… – Ele não
terminou a frase, mas Celeste sabia o
que ele ia dizer.
– É só o que eu tenho condições de
pagar, Ben – ela disse, baixinho.
– Eu sei disso.
– Havia uma casinha na cidade, por
um preço parecido; eu devia tê-la
alugado, mas queria ficar mais perto da
praia. O apartamento pareceu bom,
quando eu o inspecionei. Eu não pensei
em pedir para vê-lo às onze da noite de
uma sexta-feira… – Ela tomou o
carrinho das mãos dele, e começou a
caminhar mais rapidamente agora.
Willow, cansada demais, ainda estava
chorando, e Celeste estava irritada,
com ele e com ela própria. Ela estava
tentando com todas as forças aguentar,
fazer a coisa certa para sua filha, mas a
cada curva do caminho ela encontrava
um obstáculo, a cada curva a vida lhe
atirava outra prova. – Eu estou fazendo
o melhor que posso – ela disse, quando
chegaram à casa dele. – Mas tenho
certeza de que você não acha que é o
suficiente…
– Eu nunca disse isso! – Ben
interrompeu.
– Não, mas é isso que você pensa! –
ela retrucou. Ela estava zangada com
ele, e sabia que não tinha motivos para
estar. Não era culpa dele; ele estava
sendo extremamente bom com ela, mas
a ordem da vida dele, a casa dele, tudo
a respeito dele parecia apenas aumentar
as falhas dela.
– Por que você não a alimenta? –
Ben sugeriu, suavemente. Ele carregou
o carrinho com o bebê pelas escadas, e
passando pelo espetacular quarto dele,
eles chegaram a um quarto de hóspedes
bastante confortável, onde ele travou o
carrinho. – Descanse na cama, a vista é
linda. Você pode relaxar, acalmar
Willow…
– … e a mãe dela… – Ela estava um
pouco envergonhada com sua explosão.
Afinal de contas, ele não tinha culpa de
como a fazia se sentir.
– Eu vou deixar você à vontade –
disse Ben. – Vou procurar alguns
lençóis para forrar a cama.
– Obrigada – ela disse, constrangida.
– Desça quando estiver pronta.
– Eu preciso… – Ele estava se
virando para sair, e ela o fez parar,
vasculhando a bolsa de Willow. – Há
algum lugar onde eu possa esquentar a
mamadeira dela?
– Claro – ele disse.
– Na verdade… – Ela pegou no colo
o pacotinho que era a sua filha que
soluçava. – Você pode segurar Willow
para mim?
– Eu esquento a mamadeira – disse
Ben, com uma voz irritantemente
calma, que apenas a fazia parecer mais
agitada. – Eu sei onde as coisas estão.
Ele pegou a mamadeira, e ela trocou
a fralda de Willow, enquanto os gritos
da menina quadruplicavam. Ela queria
berrar também. Celeste sabia que ele
estava esperando que ela simplesmente
deitasse na cama e colocasse o seio de
fora, para amamentar o bebê…
Ela se sentia um grande fracasso, e
estava tão perto de chorar que mal
conseguiu agradecer a ele quando ele
voltou alguns minutos mais tarde, com
uma mamadeira quente. Ele ficou por
perto por alguns momentos, enquanto
ela se sentava desajeitadamente na
beira da cama, e pegava a mamadeira
das mãos dele. Então, a boquinha de
Willow grudou-se ao bico da
mamadeira, como se ela estivesse
passando fome há uma semana, e o
único som que se ouvia no quarto era o
dos goles e soluços de um bebê
extremamente cansado, que finalmente
era alimentado por sua mãe esgotada.
Embora Willow estivesse devorando
a mamadeira, ela continuou a pular e se
agitar enquanto mamava. Celeste tirou
as sandálias e deitou-se na cama,
apertando Willow mais perto de seu
peito, mas sempre que estava quase
relaxada, o bebê de repente se agitava
como se o barulho, a tensão, o pânico
de sua mãe fossem começar de novo.
Aquilo não era algo estranho para
Celeste.
A festa havia sido apenas a gota
d’água. Durante os poucos dias em que
ela estivera em casa, depois de chegar
do hospital, praticamente todas as
vezes em que ela se sentara para
alimentar a filha sossegada, sua mãe
havia “aparecido”, oferecendo todos os
tipos de sugestões: “Troque a fralda
dela primeiro”, ou “Troque-a depois
que ela mamar”, ou “Segure a
mamadeira mais alto”, ou “Ela precisa
arrotar”. Cada uma das bemintencionadas sugestões de Rita servia
apenas para exacerbar mais ainda a
tensão.
Celeste queria desesperadamente
voltar para o hospital, queria estar
alimentando Willow perto da equipe
experiente que lhe oferecia um
incentivo discreto, ou mesmo levar o
bebê para o hospital durante a noite e
voltar para casa, como havia feito no
domingo anterior; ela sentira saudades
da filha, mas sabia que ela estava sendo
bem cuidada… não, que Willow estava
sendo melhor cuidada do que ela
jamais conseguiria sozinha.
– Está tudo bem, Willow, está tudo
bem, Willow – ela disse suavemente,
várias e várias vezes, até que
finalmente os pequenos saltos e pulos
pararam, e as lágrimas diminuíram.
Celeste teve uma sensação estranha de
triunfo, enquanto o bebê relaxava
contra seu peito; ela quase tinha medo
de se mexer, enquanto Willow parava
de resistir e ficava passiva, quase
entorpecida; aparentemente
adormecida, mas ainda mamando.
Ela estava realmente dormindo,
Celeste percebeu ao tirar a mamadeira
vazia da boquinha de Willow e
observar suas pequenas pálpebras
tremerem.
Dormindo tão profundamente, que
se a festa no final da rua se transferisse
para o lado de fora da janela do quarto,
Celeste tinha certeza de que Willow
não acordaria.
E ela havia feito tudo sozinha.
Ela nunca havia estado tão sozinha
com o bebê, e se sentido tão mãe, ao
mesmo tempo.
Celeste olhou para as feições
perfeitas de sua filha, as pequenas
sobrancelhas escuras que pareciam ter
sido desenhadas a lápis, o pequenino
nariz arrebitado, a boquinha de botão
de rosa, e pensou que seu coração iria
explodir, de tanto amor que sentia pelo
seu bebê.
Um amor assustador, que não tinha
limites; e mesmo assim, ela se sentia
tão inadequada…
Aquele fiapinho de vida era tão
completa e totalmente dependente dela,
e não deveria haver espaço para nada
mais na mente de Celeste.
Mas havia.
Ela não queria se mover, não queria
colocá-la no carrinho. Ela só queria
ficar ali, segura na cama dele,
abraçando o bebê, olhando para a baía,
com Ben perto o suficiente para ouvi-la
chamando. Simplesmente se agarrar
àquela primeira sensação de paz.
“Não adormeça segurando o bebê.”
Ela podia ouvir a voz de sua mãe
como se Rita estivesse no quarto com
elas.
E ela estava certa, Celeste pensou,
suspirando, e gentilmente colocando
Willow no carrinho.
Quando ela desceu para o salão, Ben,
esparramado em um dos sofás, desviou
os olhos do programa de televisão que
estava assistindo e serviu uma taça de
vinho para ela.
Foi a segunda e pequenina sensação
de paz para Celeste. Pela primeira vez
desde que Willow recebera alta do
hospital, ela se sentia em casa.
– Ela adormeceu – Celeste disse a
ele.
– Muito bom. Como você está? – ele
perguntou.
– Melhor. – Ela se sentou na beirada
do sofá à frente dele. – Você sempre
parece estar me salvando. Não vai ser
por muito tempo.
– Eu sei – disse Ben, sugerindo
depois que ela escolhesse um filme, e
enquanto examinava a coleção dele,
ajoelhada no tapete, ela lhe contou as
últimas notícias.
– Eu quero dizer, você não vai mais
precisar me salvar, porque eu vou
voltar a morar com os meus pais.
A taça de vinho que ele estava
segurando parou antes de chegar-lhe à
boca.
– Quando? – ele perguntou, e então
tomou um longo gole, segurando o
vinho na boca até que ela respondeu:
– No próximo final de semana. –
Grandes olhos castanho-dourados se
viraram para ele, e depois olharam para
longe. – Papai e mamãe estão pintando
o quarto de hóspedes para ela, e nós
vamos fazer a mudança na semana que
vem. Não está dando certo, morar aqui.
Você sabe como é, e agora que eu e
mamãe estamos nos dando bem
melhor… – ela se interrompeu.
– Como você está se sentindo a
respeito disso? – ele perguntou,
astutamente.
Celeste olhou para a caixa do DVD
que estava segurando, sem realmente
enxergar.
– Para ser sincera, eu não tinha
parado para pensar muito sobre isso.
Então, ela pensou. Sentou-se nos
calcanhares e pensou.
Em voz alta.
– Não é o que eu quero, na verdade –
ela admitiu. – Eu pedi a eles há
algumas semanas, mas foi quando eu
ainda estava grávida. Eu nunca quis
viver lá com o bebê, mas é melhor para
Willow. Nós poderíamos nos virar
sozinhas, mas desse jeito… – Celeste
respirou fundo. – Ela já tem quase dois
meses; parece inacreditável. Eu poderia
colocá-la na creche no mês que vem e
voltar a trabalhar.
– Sua mãe vai cuidar dela para você?
Celeste assentiu.
– Só enquanto eu trabalho; ela já me
avisou que não é babá, e nós
concordamos que será só por um ano. –
E então ela contou a ele as outras
notícias. – Eu conversei com Meg, e
ela vai me ajudar com a documentação
para minha transferência de hospital.
– Vai voltar para o antigo?
– Não… – Ela sacudiu a cabeça
instantaneamente. – Vou para o
Melbourne Central…
– Meu antigo território – Ben disse.
– É muito mais perto de casa. De
qualquer modo, eu vou estar atolada até
o pescoço para terminar o último ano
da graduação na emergência, e então
vou fazer tantos plantões quanto for
possível, para economizar…
Ela parecia tão jovem às vezes. Ela
era muito jovem, Ben lembrou a si
mesmo. Mas não era aquilo que ele
queria dizer. Ela parecia tão livre e
cheia de vida, às vezes, mas mesmo
assim havia um lado mais profundo
nela, que o encantava; uma resistência
inata, que escondia sua aparente
fragilidade.
E ela claramente havia pensado
bastante no que iria fazer.
– Você estava me dizendo que está
se dando melhor com seus pais agora?
– As coisas estão bem melhores do
que antes. – Ela havia escolhido o
filme, e colocou-o no aparelho. – Eu
não consigo imaginar morar com eles
de novo, contudo. Eu mal podia esperar
para sair de casa, da primeira vez! –
Ela revirou os olhos e continuou: –
Eles são realmente rígidos. – Ela sorriu
para ele, e desta vez foi sentar-se no
sofá ao lado dele. – Não vai haver nada
parecido com isto…
– O quê?
– Sentar no escuro com um homem,
bebendo vinho!
– Você tem 24 anos – Ben sorriu. –
E nós estamos assistindo a um filme.
– Eu não me importo com a sua
idade, mocinha. – Ela balançou um
dedo na direção dele. – Enquanto você
estiver sob o nosso teto, você obedece
às nossas regras.
– Você está falando sério? – ele
exclamou, meio horrorizado, meio
divertido.
– Absolutamente. Vai ser ainda pior
desta vez, porque… – Ela fez um
movimento com a cabeça, apontando
para cima.
– Ela não pode ouvir você! – Ben
riu.
– Eu não me importo se ela pode
ouvir ou não. Eu já disse a mamãe e
papai que não vai haver nenhuma
conversa do tipo “a encrenca em que eu
me meti”, ou “um acidente” perto dela;
é a minha única regra, quando eu me
mudar para casa. Eu posso aguentar
qualquer coisa por um ano, se isso
significa um começo melhor para ela,
mas quero contar a história para ela do
meu jeito e no momento certo.
– Parece bastante justo.
– Não é culpa dela se eu não sabia
que o pai dela era casado…
Ela parou de falar então, grata pela
escuridão da sala, porque seu rosto
ficou vermelho de repente, não de
vergonha, mas porque ela estava quase
chorando. Eles ficaram sentados em
silêncio por algum tempo; as palavras
que nunca haviam sido ditas por Ben
pairando sobre eles…
– Como, Celeste? – ele finalmente
perguntou. – Como você não sabia?
– Eu simplesmente não sabia.
– E quanto a noites como esta?
– Como o quê?
– Como isto. – Ben fez um gesto,
indicando a simplicidade de tudo. –
Você nunca imaginou porque vocês
sempre se encontravam na sua casa?
– Ele não ia à minha casa. – A voz
dela estava estridente. – Nós saíamos,
estávamos namorando…
Ele não entendeu, mas não se sentiu
à vontade para pressionar; ele já havia
passado do limite, portanto Ben
preferiu deixar o assunto de lado, e
ficou surpreso quando foi Celeste quem
quebrou o silêncio desconfortável entre
eles.
– Eu dividia o apartamento com
outras duas estudantes. Eu sabia que o
que nós estávamos fazendo era errado…
– Ela se interrompeu novamente, e
ficou olhando de um jeito vazio para a
tela da televisão.
– Errado? – Ben franziu a testa. – Eu
pensei que você não sabia que ele era
casado!
– É mais do que isso. Eu não posso
falar sobre o pai de Willow com
ninguém… iria causar muitos
problemas.
– Você pode falar comigo – Ben
disse, porque embora sentisse a
indecisão dela, também podia sentir o
peso que ela carregava.
– Você não vai dizer nada a
ninguém?
– Nunca.
– Porque as fofocas…
– Eu não faço fofoca.
Ela olhou para ele, para seu rosto
reservado e distante, mas que de vez
em quando era suavizado pela ternura;
e agora, ela era a sortuda que era o alvo
daquela emoção. Ela viu a honestidade
e a integridade que existiam nele,
também, e isso fez com que ela ficasse
ainda mais envergonhada, tanto que
não conseguia olhar nos olhos dele,
enquanto lhe contava a verdade.
– O nome dele é Dean. Ele era meu
professor na universidade. – Como Ben
não respondeu nada, ela não teve
certeza se ele entendera o problema. –
É proibido para um professor ter um
relacionamento com uma aluna…
– Eu sei.
– Mas acontece – ela tentou
racionalizar. – O tempo todo. Quero
dizer, é uma relação consensual entre
dois adultos, e é uma regra idiota, na
verdade… – Ele podia ver as lágrimas
escorrendo dos olhos dela, e, como
sempre fazia, ela os fechou, tentando
impedi-las de cair.
“Talvez não seja uma regra tão
idiota”, Celeste admitiu. “Ele deve
escolher os alvos; quero dizer, ele tinha
uma história inteira pronta. Ele me
contou que dividia uma casa com outro
professor, e era por isso que não
podíamos nos encontrar lá. E como eu
morava com outros estudantes, sempre
íamos para lugares a quilômetros de
distância. Obviamente, imaginei que
isso era para evitar que alguém da
universidade descobrisse sobre nós. Ele
me disse uma vez que assim que eu
passasse na qualificação, nós
poderíamos sair em público…”
– Você nunca desconfiou? – Ele
ainda não conseguia entender. Embora
ele e Celeste participassem pouco da
vida um do outro, aquela informação
sobre o outro eles já tinham.
– Eu nunca tinha tido um namorado
sério – ela revelou, dando de ombros. –
Como eu disse, mamãe e papai eram
realmente rígidos, e quando eu saí de
casa, não perdi o controle, nem nada do
tipo. Sinceramente, eu nem sabia se
nós estávamos tendo um
relacionamento de verdade logo no
começo; era só uma bebida, ou um
jantar… – ela estava praticamente
tremendo agora, de tão constrangida. –
E nós fomos para um hotel algumas
vezes… devia ter sido óbvio para mim
– Celeste admitiu. – Quero dizer, ele
nunca atendia ao telefone; a ligação
sempre caía na caixa postal.
– Oh? – Ben franziu o rosto. – Isso
deve significar alguma coisa?
– Ele também nunca atendia ao
telefone quando estava comigo.
– Certo… – disse Ben, não que ele
estivesse realmente entendendo.
– Você é honesto demais – Celeste
conseguiu dar um sorriso fraco. – E eu
também, eu acho, porque nunca
imaginei que ele estivesse mentindo.
Ele nunca atendia ao telefone porque
podia ser outra de suas amantes, ou
mesmo sua esposa.
– Como você descobriu que ele era
casado?
– Ele estava fora um dia, e outro
professor veio substituí-lo… explicando
que estava dando a aula aquele dia
porque, aparentemente, a esposa de
Dean estava doente.
– Oh, Celeste – Ben lamentou,
suavemente.
Os comerciais antes do filme
haviam terminado, então, ela colocou
os pés para cima, na mesinha de centro,
porque Ben estava fazendo o mesmo;
tomou um gole do vinho e ficou ali,
sentada, tentando assistir ao filme e ao
mesmo tempo recordando a dor, a dor
muito real, e o medo de algumas
semanas depois, quando ela descobrira
que estava esperando um filho de Dean.
Ela havia escolhido um filme
engraçado, ou pelo menos ela havia
achado engraçado quando assistira pela
primeira vez; só que não parecia tão
divertido agora. Na verdade, era uma
comédia de erros romântica, que lhe
dava vontade de chorar. Ben estava no
sofá ao seu lado, grande e sólido e tão
confortador, mas havia uma fotografia
de Jen perto da televisão. Ela não podia
ver a imagem, apenas o contorno do
porta-retratos; mas aquilo também lhe
dava vontade de chorar. Era como se o
universo tivesse feito algo
terrivelmente errado, como se tivesse
jogado todos eles para cima e eles
tivessem aterrissado nos lugares
errados, nas salas erradas, e com as
pessoas erradas. Só que ela gostava de
estar com ele.
Ela precisava de um lencinho,
Celeste percebeu; ela havia fungado
quatro vezes nos últimos quinze
segundos, e já estava ficando
envergonhada, mas tinha que se esticar
por cima dele para pegá-los, então, não
se mexeu.
– Aqui está. – Ele apanhou um maço
de lencinhos da caixa na mesa de
centro, e Celeste conseguiu dar uma
risada seca.
– Você chora frequentemente
enquanto assiste a filmes em casa?
– Não. – Ben sorriu ao pensar na
cena que ela havia imaginado. – A irmã
de Jen esteve aqui mais cedo.
Oh, Deus!
Ela não comentou nada, mas se
envergonhou da própria
insensibilidade. Mergulhada nos
próprios problemas, era tão fácil se
esquecer de tudo o que ele havia
enfrentado.
– Ela só passou para dar um oi, mas
não tinha visto a casa ainda.
– Deve ter sido difícil para você –
ela disse.
– E foi – Ben admitiu. – Graças a
Deus, eu fui chamado pelo hospital.
– Obrigada. – Ela olhou para ele. –
Falando sério, de verdade, obrigada por
tudo.
– Fico feliz em ajudar.
– E eu sinto muito.
– Por quê? – Ben perguntou,
sentindo-se um pouco desconfortável
com a possível resposta dela.
– Porque as coisas andam difíceis
entre nós…
– As coisas não estão difíceis – ele
mentiu.
– Estão, sim – Celeste discordou –,
porque eu quero ser sua amiga, Ben,
mas não sei como… – Ele podia ver as
lágrimas correndo pelo rosto dela,
agora. – E, por favor, não se sinta
culpado pelo que eu vou dizer a você,
mas esse é um dos motivos pelos quais
eu estou voltando para casa também;
talvez as coisas fiquem mais fáceis,
talvez nós encontremos um jeito de ser
amigos.
– Eu acho que não. – Os dedos dele
queriam tocar os cabelos dela
novamente, ele queria abraçá-la, beijála, mas seria algo cruel para os dois.
Mas então ela olhou para ele, bem
nos olhos dele, e disse aquelas palavras
que às vezes ele desejava também;
como se enfiasse o pé numa porta que
se fechava, forçando-a a permanecer
um pouco aberta.
– Eu gostaria que tivesse sido você.
Gostaria que Willow fosse sua.
Ela estava sendo sincera, realmente
honesta, e o nariz dela estava
escorrendo porque ela estava sendo tão
franca.
Ela queria que tivesse sido Ben; que
tivesse sido ele a fazer amor com ela.
Queria, queria, queria tanto mais do
que o pouco que eles haviam tido.
– Jamais teria sido eu – Ben disse,
então. – Porque eu teria cuidado tão,
tão melhor de você do que ele.
Ele não conseguia aceitar o fato de
que ela estava se mudando, não
suportava a ideia de não vê-la
novamente, não podia resistir a tocá-la
um pouco mais.
– Venha cá. – Ele a puxou pelo
pulso, de forma que ela ficasse apoiada
nele, e foi como subir no barco dele
naquele dia.
Como se ela estivesse longe de tudo.
Era bom ficar abraçada a ele
enquanto ela chorava; ele era tão
grande que ela tinha de se apoiar nele,
ou terminaria caindo! E foi bom
quando ele passou o braço ao seu redor
e manteve-a segura ali.
Realmente, realmente bom.
E foi bom para Ben, também.
Dificilmente Ben era indulgente;
mas na semana seguinte, ela estava
indo para um lugar onde não queria
realmente ir. E iria deixá-lo em um
lugar onde ele não queria realmente
ficar.
Naquela noite, eles estavam juntos.
E era bom.
Era bom deitar no sofá com ela.
Era bom ouvir os soluços dela
diminuindo, e sentir o peito dela se
movendo enquanto ela ria com o filme.
Aquele tinha sido um dia infernal.
Mostrar a casa para Abby e seu marido,
Mick, e ver Abby chorar a cada cinco
minutos; e ainda oferecer um passeio
de barco.
O problema era que Abby se parecia
demais com Jen, e haveria três pessoas
no barco, em vez de quatro; ele tinha
ficado muito feliz quando o hospital o
chamara.
Tinha sido um daqueles dias, e
poderia ter sido uma daquelas noites.
Mas Celeste estava lá, e tudo estava
bem. Ele estava hesitando, à beira da
indecisão, assustado, mas quase pronto,
de verdade, para um novo começo.
Um começo muito novo.
Certos filmes não deveriam ser
assistidos na companhia de uma
suposta amiga, que na verdade era
muito mais do que isso.
Eles estavam assistindo um beijo
apaixonado na tela, que pareceu durar
muito mais do que Celeste se lembrava
da primeira vez que havia assistido ao
filme.
Foi como daquela vez quando, com
catorze anos, ela estava assistindo a um
documentário sério com os pais, e de
repente eles estavam vendo cenas de
sexo explícito.
Uma situação estranhamente
desconfortável; mas por motivos
completamente diferentes, naquela
noite.
A mão dele estava levemente
apoiada em seu estômago, mas ela
estava perto demais da beirada do sofá,
e precisava de um pequeno movimento,
um pequeno impulso dele para trazê-la
para mais perto, o que ele não fez;
então, Celeste se afastou um pouco.
Só um pouquinho.
Como o cavalheiro que era, Ben se
moveu um pouco para trás e a segurou,
com a mão ainda em seu estômago,
para que ela não caísse; e ela teve
vontade de pular, porque ele a tocara.
Ela não conseguia se lembrar de como
respirar, porque havia essa sensação,
leve como uma pena, dos dedos dele
lhe acariciando o estômago, uma
daquelas carícias quase imperceptíveis,
e uma leve irregularidade na respiração
dele, enquanto eles continuavam a
assistir o beijo na tela.
– Quando você se mudar… – a voz
dele estava hesitante, levemente rouca
– que tal se nós fôssemos devagar… –
Ela mal podia respirar, quase não
ousava ter esperanças, tinha medo de se
mover e de que ele parasse de falar. –
Que tal se nós saíssemos juntos…
– Eu não vou ter uma babá… mamãe
disse que só vai cuidar dela enquanto
eu trabalho – ela murmurou em
resposta.
– Você pode vir para cá, nós
podemos jantar, começar do começo,
conhecer um ao outro direito…
– E Willow? – O coração dela estava
na boca.
– Se nós formos devagar, talvez… –
Ele podia ouvir o sangue martelando
em seus ouvidos, enquanto oferecia a
ela muito mais do que tinha jurado que
jamais faria. – Talvez com o tempo…
Ele estava lhe oferecendo esperança;
oferecendo esperança a eles… de que o
impossível pudesse acontecer.
CAPÍTULO 11
CELESTE NÃO se importava mais com
o filme, de repente; ela queria vê-lo, e
se virou no sofá, de modo que as pernas
dele tiveram que prender as dela para
evitar que ela caísse. Ele podia ver os
lindos olhos dela brilhando na
escuridão, e queria protegê-la,
inclusive de si mesmo, mas por Deus,
ele também queria beijá-la, mergulhar
de cabeça naquele prazer, e ao mesmo
tempo tinha que deixar as coisas bem
claras.
– Nós vamos devagar.
– Eu sei.
E então, ele podia beijá-la; beijá-la
de verdade, desta vez, e ela podia beijálo também, um beijo lento e delicioso
que não era estranho, apenas exigiu um
pouco de ajuste, porque ela estava
abaixo dele e mal equilibrada. Ele a
puxou contra si um pouco, e a perna
nua dela ficou presa entre as dele,
vestidas em um jeans apertado; e
enquanto a língua dele deslizava para
dentro de sua boca, enquanto seus
lábios se apertavam com mais força,
Celeste percebeu que se quisesse
permanecer no sofá teria que entrelaçar
a outra perna à dele.
Ele cheirava como Ben… como o
primeiro beijo, mas desta vez ela se
sentia sensual, em vez de cansada, se
sentia viva, em vez de esgotada, e se
sentia desejada, em vez de protegida.
Ela estava ficando tonta.
Ela estava mordendo o lábio inferior
de Ben, sua pequena mão passeava
pelas costas largas dele, e a sensação
do jeans áspero dele em sua virilha…
– Celeste… – Ele se afastou um
pouco, enquanto ela se apertava mais
ainda contra ele. – Eu pensei que
estávamos indo devagar!
– Não com esta parte – ela
murmurou.
Eles se beijavam como adolescentes,
sem uma intenção real: só que,
diferente do resto de seu corpo, o braço
de Ben começou a ficar dormente,
então, ele a virou, de forma que ela
ficasse deitada de costas, e ele pudesse
ficar por cima dela, seus cotovelos
afundando no sofá, enquanto ele a
beijava profundamente.
Aquele não era um beijo perigoso,
porque eles não planejavam progredir
para nada mais sério naquele momento.
De certa forma, os dois sabiam disso,
mas mesmo assim, precisavam de uma
confirmação verbal.
– Nós não podemos – disse Ben,
quando a coxa de Celeste deslizou por
entre suas pernas, e a mão dela
escorregou para dentro de sua
camiseta, acariciando-lhe as costas e
sentindo a maciez de sua pele, a
firmeza de seus músculos, e ela
arqueou o corpo contra o dele. – Eu não
tenho nada aqui comigo.
– Eu sei – ela arfou. – Mas eu
coloquei um DIU…
– Não. – Ele parou, então, porque ela
era preciosa demais para correr riscos.
– Você não pode confiar apenas nisso.
– Então, vamos continuar só com os
beijos… – A boca de Celeste estava
colada à dele, e seu corpo era uma
massa vibrante de desejo sob o dele. Já
era muito mais do que apenas um beijo,
mas Deus, como era bom.
– Eu acho que podemos ir um pouco
além disso – ele prometeu. A mão dele
estava afastando a blusa dela agora, os
seios dela macios e quentes sob seus
dedos. Isso era tão mais do que um
beijo, enquanto os dedos dele
acariciavam os seios dela com
habilidade.
Ela sempre havia considerado seus
seios inúteis, e agora eles eram como
pequenos fracassos murchos, já que ela
era incapaz de amamentar Willow; mas
agora, eles cresciam sob os dedos dele,
e a sensação da boca e da língua de Ben
sobre eles era sublime.
Ela apertou o corpo ainda mais
contra o dele, podia sentir a ereção
dele, e queria chegar mais perto…
– Ben… – ela murmurou,
suavemente. – Ela podia sentir
pequenos espasmos de prazer em seu
estômago, e aquilo a alarmou, porque
ele a estava virando de lado e ela não
tinha para onde ir, exceto o encosto do
sofá, com o peso maravilhoso de Ben
sobre ela. A mão dela deslizou para o
zíper dos jeans dele, e ela sentiu sua
solidez, ouvindo-o gemer. – Ben… – ela
não sabia por que continuava a repetir
o nome dele, mas não conseguia evitar.
Seus dedos começaram a abrir a fivela
pesada do cinto de Ben, mas a mão dele
a interrompeu.
– Não, isto é só para você – ele
disse. Ele não tinha a intenção de
bancar o mártir; também estava
perdido, mas bem lá no fundo queria
que ela soubesse que aquele momento
podia ser só dela, que podia ser simples
assim…
Ele a estava beijando com força, um
beijo molhado e delicioso, e tão
profundo que ela não queria se mover,
nem respirar novamente.
Haveria algum lugar melhor do que
aquele sofá, com ela? Ben estava se
sentindo com 18 anos de novo; mas não
havia sido tão bom assim, naquela
época.
Ele estava abrindo o zíper dos shorts
de Celeste, puxando-os pelo quadril.
Enquanto ele apertava o corpo dela
contra o seu, sua boca passeava pelo
pescoço dela, beijando-a, tentando se
lembrar de não deixar nenhuma marca,
porque era a última coisa de que ela
precisava, indo para a casa da mãe. Ele
estava feliz de não ter um preservativo
em casa, porque queria tanto
simplesmente mergulhar nela. Ele
estava segurando os quadris dela agora,
guiando-a contra sua ereção, ainda
escondida seguramente sob seus jeans.
Ben pensou que explodiria com a
pressão deliciosa que aumentava, mas
estava determinado a não deixar isso
acontecer; porque mesmo naquele
momento, ele estava pensando nela.
Porque Celeste estava perdida em si
mesma, saboreando a experiência e
compensando por tudo o que havia
perdido; aqueles pequenos espasmos de
prazer dentro dela estavam
aumentando, como a música de uma
orquestra. Ela podia ouvir um
murmúrio, e percebeu que era ela,
murmurando enquanto contornava a
cintura dele com as pernas, chegando
ao clímax só com um beijo, e só para
ele.
– Willow… – ela balbuciou,
sentindo-se como se estivesse bêbada,
quando o som estridente do choro de
seu bebê a trouxe de volta para um
lugar maravilhoso. O beijo dele deu-lhe
as boas-vindas, lentamente, até que ela
percebeu que podia, de fato, respirar; e
depois, com as pernas trêmulas e toda
desarrumada, ela ficou de pé na frente
dele, puxando os shorts para cima
novamente, mais do que um pouco
envergonhada, mas ao mesmo tempo
relaxada.
E então ela sorriu para ele, aquele
sorriso maravilhoso, e ele sorriu de
volta, e ela decidiu que mesmo que
aquele abraço fosse tudo o que ela
podia ter por enquanto, já era mais do
que suficiente. Aquele momento havia
sido, simplesmente, a melhor coisa que
já acontecera a ela.
Ben jamais havia esperado sentir
algo novamente. Com o passar dos
anos, ele havia tentado, e durante as
últimas semanas, ele havia resistido;
mas sentimentos não ouvem a voz da
lógica.
Finalmente, ele estava começando a
acreditar.
Havia duas taças no escorredor, e o
som dos passos dela ecoou pelas
escadas enquanto ela descia ao
encontro dele depois de acalmar
Willow; e havia essa presença adorável
que enchia cada cômodo da casa. Pela
primeira vez em anos, ele podia
vislumbrar um futuro; não feito de
tijolos ou jardins, ou de horas
preenchidas com trabalho, mas de
horas, e noites, junto dela.
Talvez ele pudesse se acostumar
com isso.
– Oi. – Ela estava de pé na cozinha,
as mãos para trás das costas, os cabelos
longos e castanhos quase negros, com a
baixa iluminação da sala. Os olhos dela
estavam brilhando, e ela estava
sorrindo de um jeito provocante, que
exigia cautela.
– Como está Willow? – ele
perguntou.
– Dormindo, de novo – disse
Celeste. – Como você está?
– Bem – ele disse, porque era
verdade. Ter Celeste por perto estava
fazendo com que ele se sentisse
maravilhosamente bem.
Deus, ela estava linda, de pé ali,
simplesmente sorrindo, com o rosto
enrubescido, os olhos brilhando e o
botão dos shorts ainda aberto.
Ele estava excitado novamente, e se
virou, fazendo um grande espetáculo ao
lavar as duas taças, para dar a si
mesmo um pouco de tempo para se
recuperar.
Ela caminhou até ele e beijou-o na
boca, e ele retribuiu o beijo, seus
braços envolvendo-lhe a cintura, as
mãos molhadas e ainda cheias de sabão
segurando-a; mas ela não o abraçou de
volta, apenas continuou beijando-o.
– Qual mão você prefere? – Ela
interrompeu o beijo e sorriu para ele
maliciosamente.
Ele franziu a testa.
– O que você está aprontando?
– Qual mão? – ela repetiu.
Ben estava sorrindo e franzindo a
testa ao mesmo tempo. Ele estava
começando a ter uma ideia de para
onde aquilo estava indo, mas decidiu
ignorá-la, porque havia descartado a
hipótese com determinação.
– Esquerda ou direita? – Celeste
provocou.
– Esquerda.
Ela ofereceu a ele a mão que
estivera atrás de suas costas, sem
revelar o que estava escondido nela.
– Abra.
Ben abriu os dedos dela, e viu a
pequena embalagem prateada, a chave
para o paraíso, e ficou muito tentado a
agarrar a oportunidade.
– Celeste…
– Antes que você diga qualquer
coisa – ela riu – eu nem sabia que os
tinha. Eu ganhei uma sacola de
amostras grátis do hospital, e estava
procurando por uma pomada contra
assaduras para Willow… – Ela não
tinha que explicar mais nada, e ele
sorriu e a interrompeu, puxando-lhe a
outra mão e abrindo-a, para revelar o
mesmo conteúdo.
– Isso é trapaça – Ben disse.
– Por quê?
– Porque eu não posso perder.
– Talvez você mereça ganhar.
Deus, desde a morte de Jen, sexo
para Ben havia sido apenas… sexo.
Bom, ruim, ou indiferente, era tudo o
que havia sido. Mas com Celeste?
Ele olhou para aqueles olhos cor de
mel, seu corpo carregado de
eletricidade com a lembrança do antes
e a possibilidade do depois, o gosto do
beijo dela ainda em seus lábios.
– Eu não quero apressar você – ele
disse, com a voz meio rouca.
– Eu quero que você me apresse –
ela murmurou em resposta. Como ela
poderia explicar a ele como ele a fazia
se sentir diferente? Sexo havia sido um
mistério para Celeste até que ela
conhecera Dean, e mesmo assim, tudo
o que ela havia tido com ele fora
completamente diferente do que havia
experimentado com Ben até então.
Com Dean, havia sido um ato lógico,
planejado. Eles reservaram um hotel
para uma noite de sexta-feira, e ela
havia se preparado para a ocasião
durante toda a semana, o nervosismo
aumentando como a maré, da mesma
forma que a decepção depois do fato.
Mas naquela noite, com Ben, seu
corpo apertado contra o dele, beijandoo, ignorando o filme como dois
adolescentes se agarrando no cinema,
ela tivera mais consciência do próprio
corpo do que em toda a sua vida; do
êxtase de um beijo, e da intimidade de
duas pessoas bloqueando o mundo lá
fora e não deixando ninguém mais
interferir. Não era nem lógico, nem
planejado. E ela certamente não estava
em forma, nem bronzeada!
Mas tudo parecia certo.
– Você sabe que eu estou me
mudando de volta para casa, Ben, e nós
não vamos poder nos ver com tanta
frequência, mas só por esta noite…
– Você tem certeza?
Ela ficou tentada a dar uma resposta
cínica, mas pensou melhor, olhando
para aqueles olhos verdes tão lindos, e
não havia outra resposta possível; era
assim que deveria ser, aquilo era tudo o
que importava, porque era Ben quem
estava ali, e ela sempre, sempre o
desejara. Agora, finalmente, ela podia
tê-lo. A simples ideia de que ele queria
construir algum tipo de futuro com ela,
independentemente de como aquilo iria
acontecer, a deixava atônita.
– Totalmente – disse Celeste. –
Embora… – Ela fechou os olhos.
– Diga-me – ele pediu.
– Eu não quero decepcionar você.
– Você jamais poderia me
decepcionar – ele disse, enfaticamente.
– Oh – ela deu uma risadinha seca –,
eu posso surpreender você.
Ela podia ser mãe, mas tinha pouco
mais experiência sexual do que uma
ameba; e a maior parte dessa
experiência havia sido adquirida
naquela noite, na sala da casa de Ben.
Ele a beijou até eles chegarem ao
quarto, e continuou depois; mas aquilo
não acalmou os nervos dela.
Enquanto Celeste corria para o
banheiro, Ben aproveitou o momento…
para virar rapidamente a foto de Jen
para a parede.
Celeste estava de pé em frente ao
espelho, falando consigo mesma e
amaldiçoando sua falta de preparação
para o que estava para acontecer. Ela
não se depilava havia semanas, e, por
mais magra que estivesse, graças a
Willow havia partes de seu corpo que
estavam bastante flácidas, de um modo
que ela jamais vira antes. Mesmo que
Ben assegurasse a ela que não a estava
comparando com a esposa, Celeste
estava; imaginando os tops esportivos
perfeitos de Jen, em comparação com o
seu, um desbotado sutiã de
maternidade.
Ela respirou fundo, reuniu coragem
e voltou para o quarto, onde Ben estava
esperando por ela. Ela tremeu de
nervosismo e pensou em celulite
enquanto se despia, dividida entre a
vergonha e o desejo, mas então Ben
começou a beijá-la de novo, suas mãos
acariciando-a, parecendo não se
importar com o estado pós-gravidez do
corpo dela. Aparentemente gostando do
que via, como Celeste logo percebeu.
Então, por que desperdiçar duas mãos
tentando se esconder, quando havia
quase dois metros de um corpo de
homem pressionado contra o dela?
– Nós vamos bem devagar… – ele
disse, deitando-a na cama
cuidadosamente. Ele se deitou também,
de frente para ela, e beijou-a. As pernas
dele, agora sem os jeans, se
entrelaçaram às dela; pernas longas,
musculosas; e ela se viu, de repente,
tremendo com uma mistura de
excitação e medo, sentindo-se como se
estivesse para virar a página de uma
prova e rezando para ter estudado o
bastante…
– Do que é que você está com medo?
– ele perguntou, arqueando uma
sobrancelha para ela.
– Eu não sei – ela sussurrou em
resposta, fechando os olhos novamente.
Ben odiava o homem que havia
tirado a autoconfiança dela, antes
mesmo que tivesse tido tempo de se
fortalecer. Odiava as dúvidas dela, mas
ele tinha certezas suficientes para os
dois. Mas o fato dela ter medo de algo
tão maravilhoso o entristecia, também.
Ela estava tremendo de nervosismo
quando ele a tomou nos braços. Aquilo
era tão diferente de antes, porque desta
vez ela sabia para onde as coisas
estavam indo. Era tão adorável estar
deitada ali com ele, tão grande e
masculino… e todo dela. Enquanto eles
se beijavam, ela explorava o corpo dele
lentamente, suas mãos correndo pelos
braços dele, sentindo-os sólidos e
fortes. Depois ela acariciou seu peito,
musculoso e ao mesmo tempo suave. A
boca de Celeste acompanhou suas
mãos; ela beijou a pele dele enquanto
ele a acariciava e acalmava. Envolvida
na proteção quente de pele e músculo e
Ben, as mãos dela desceram pelos
quadris dele e encontraram coxas
sólidas. Ela podia senti-lo acariciando
sua cintura e seus quadris, e então era a
boca de Ben que a estava explorando,
beijando seus seios, uma das mãos
deslizando para baixo e tocando seu
estômago em carícias circulares. Se
houvesse um músculo sequer em forma
ali, talvez ela tivesse pensado nisso e
contraído a barriga, mas não havia, e de
qualquer modo, Celeste não estava
realmente pensando, sua garganta
apertada de nervosismo, enquanto a
mão dele descia ainda mais. Então, ele
a estava acariciando e ela deu pequenos
gemidos, fingindo estar gostando, mas
estava envergonhada demais para
aproveitar o momento. Ele a beijou de
novo, e ela parou de fazer todos os
ruídos certos e o beijou de volta,
concentrando-se no beijo, e tentou não
resistir quando ele escorregou os dedos
para dentro dela, enquanto seu polegar
a tocava suave e ritmicamente. De
repente, ela não conseguia mais
respirar, tentou puxar o ar, e tentou
novamente, fazendo o mesmo tipo de
barulho de antes, mas agora ele vinha
de um lugar diferente, de um lugar
involuntário que também a fazia
suspirar e gemer e esquecer de tudo o
que não fosse Ben, e como ele a fazia
se sentir.
Ela finalmente teve um homem em
sua mão, pela primeira vez,
explorando-o, sentindo-o deslizar por
entre seus dedos, simplesmente
tocando-o e experimentando, deliciada
com o que havia encontrado.
Ben foi paciente até que não
conseguiu mais se segurar. A
inexperiência dela o preocupava, não
por ele mesmo, mas por ela; ela
confiava demais, era ingênua demais.
Ele entregou o preservativo para ela;
aquilo era algo que ela deveria saber
como fazer. E foi ele quem acabou
guiando os dedos desajeitados dela,
enquanto ela tentava colocar o
preservativo nele, mas, ansiosa e
nervosa demais, acabou rasgando-o.
– Nós só temos mais um! – ela
choramingou, envergonhada com sua
falta de jeito. Ela preferia que ele
próprio colocasse o preservativo, mas
Ben foi insistente.
– Eu vou até o posto de gasolina se
for preciso, e compro mais, se você
rasgar este – ele grunhiu. Deus, ele
esperava não precisar! A prática, às
vezes, não garante a perfeição, mas um
professor paciente ajudava, e Celeste
ouviu o gemido de prazer de Ben
enquanto ela colocava o preservativo
nele, lentamente. Apavorada com suas
unhas, ela desenrolou a camisinha com
as palmas das mãos, e então ela o
estava segurando carinhosamente,
orgulhosa de seu trabalho, enquanto os
dedos dele deslizavam ainda mais
profundamente dentro dela.
– Eu não quero machucar você… –
ele arfou. Ele estava, de repente,
posicionado no lugar exato, e ela ficou
tensa com expectativa e medo. Mas
logo ele estava dentro dela, só um
pouquinho, suas mãos segurando os
quadris dela e ajudando-a a relaxar até
que o medo se desvaneceu e ela
permitiu que ele continuasse. Mas ele
foi tão incrivelmente delicado, tão
forte e seguro que só havia puro êxtase
em ir devagar. Sempre houvera, no
vasto repertório de exatas duas vezes
dela, um momento em que ela se
perguntara “É só isso? É com isso que
o mundo inteiro se importa tanto? É só
isso que existe?”
Não, aquilo era tudo o que existia.
Tudo o que ela queria, e tudo o que
ela queria ser…
Ele a estava deitando de costas
agora, seu corpo esbelto movendo-se
sobre ela, e era sublime… até que ela
perdeu o ritmo, e Ben lidou com a
situação facilmente.
– Fique parada. – As palavras dele
eram um sussurro baixo em seu ouvido.
Parada? Ela não deveria estar se
mexendo? Certamente, ficar parada não
era…
“Fique parada”, ele disse
novamente, e ela obedeceu. Ela
simplesmente ficou ali, deitada,
experimentando a sensação
maravilhosa de tê-lo dentro dela, do
cheiro dele ao redor dela, e ela
realmente tentou ficar parada, mas seus
quadris continuaram a mover-se, e seu
corpo continuou se arqueando para
encontrar o dele.
“Fique parada…”, ele repetiu, e ela
tentou mais ainda, mas não conseguia,
e de repente estava se movendo junto
com ele, ajustando o ritmo, e Ben não
estava mais lhe dizendo o que fazer,
porque com aquela pausa ela
finalmente acertara. Sem precisar de
muito esforço; de repente, tudo ficara
fácil.
Os lábios dela percorriam a pele do
peito dele, e ela explorou-o com a
língua, suas pernas entrelaçadas com as
dele, e seus tornozelos tentando
encontrar um apoio, mas ele era tão
largo que ela mal conseguia. Foi então
que ela sentiu algo mudando nele, algo
que ela jamais esperara do reservado e
reticente Ben, porque ele estava
perdido naquele lugar mágico também.
Não havia um modo de definir o que
estava acontecendo; nada específico
com o que medir a mudança; mas de
repente, ele estava gemendo o nome
dela e esquecendo a gentileza por
completo. Celeste o incentivava, não
com palavras, mas com beijos em seu
peito e com as mãos que deslizavam
pelos quadris dele, puxando-o para
mais perto. Ele estava totalmente
concentrado nela, tanto que ela se
sentia tonta com a intensidade do foco
total dele no prazer dela; até que ela
atingiu o clímax, um orgasmo profundo
que o convidou a unir-se a ela. E ele o
fez, sucumbindo, tremendo com a
liberação, e levando Celeste a um lugar
onde não havia som nem silêncio,
pensamento ou desejo, somente eles e o
ritmo de seus corpos se encontrando e
mentes se fundindo. Ela havia
vislumbrado pura magia, e não queria
voltar, nem deixar aquele lugar, nunca
mais.
Ele a beijou enquanto ela se
recuperava e voltava para o mundo
real, e então Ben rolou para o lado e
Celeste estava subitamente assustada,
com medo de perder o que quer que
eles tivessem acabado de encontrar,
com medo de se afastar daquele lugar.
E ela o beijou. Deitando-se sobre ele,
ela o beijou profundamente, sua mão
acariciando-lhe o cabelo, num pedido
silencioso para que ele não a deixasse,
para que ele não retornasse para aquele
lugar distante dentro de si mesmo;
porque ela havia visto o Ben real agora,
havia visto os dois, talvez,
vislumbrando a maravilhosa
possibilidade de uma vida juntos, e não
queria que aquilo desaparecesse.
CAPÍTULO 12
– BEN RICHARDSON.
Ela não ouviu o telefone tocar,
apenas a voz de Ben quando ele o
atendeu.
– Belinda Hamilton está de plantão
neste final de semana. Não, eu a vi, ela
estava no hospital mais cedo. – Ela
sentiu os lençóis se movendo, Ben
levantando da cama, ouviu o som do
chuveiro ligado antes que a conversa
estivesse terminada, e dois minutos
depois, Ben, ainda molhado do banho,
estava ao lado dela, vestindo os jeans.
– Eu preciso ir ao hospital.
– Algum problema?
– Talvez; Belinda não está
atendendo às chamadas. – Ele a beijou
e aquilo a confortou; mas de forma
quase sincronizada, no momento em
que ele saiu, as horas de sono dela
terminaram, porque Willow acordou.
Celeste desceu as escadas e preparou
uma mamadeira para a menina, e então
a colocou na cama para alimentá-la.
Foi a mamada noturna mais fácil da
vida de Willow; a mamadeira estava
vazia em poucos minutos, e ela
adormeceu novamente. Willow
merecia um abraço por ser uma menina
tão boa, pensou Celeste, e arrumou os
travesseiros, aconchegando-se à filha e
determinadamente ignorando a voz de
sua mãe em sua cabeça, que lhe dizia
que ela não deveria deitar-se na cama
com o bebê.
E foi aquela cena que Ben encontrou
quando voltou para casa. Depois de
lidar com o problema no trabalho, ele
passara no posto de gasolina, comprara
suprimentos e estava pronto para cair
na cama de novo. Durante o caminho
de volta, tudo havia parecido lógico, e
ele se sentira tão seguro. Ele havia ido
até a casa de Belinda. Certo de que ela
estava em casa, ele havia esmurrado a
porta, e sentira uma pontada de medo,
o mesmo medo que sentira quando
chegara à casa e encontrara Jen. A casa
silenciosa, e uma sensação horrível de
que algo estava errado.
– Belinda! – ele gritara. – Eu vou
chamar a polícia se você não abrir a
porta.
– Desculpe! – A porta se abriu, e ele
viu que os olhos dela estavam inchados
de tanto chorar. – Eu não posso ir
trabalhar.
– O que aconteceu? – ele perguntou,
espantado.
– Você pode cobrir por mim hoje?
– Claro.
– Você pode ligar para a recepção do
hospital e pedir a eles que avisem a
você, se houver algum problema?
– Vou fazer isso agora – Ben disse,
impedindo que ela fechasse a porta,
quando ela tentou dispensá-lo. –
Belinda, o que está havendo?
– Infecção intestinal.
– Não me venha com essa! – ele
exclamou.
– Por favor, Ben.
Não era da conta dele. Desde que ela
estivesse bem, era o que importava,
mas o coração dele ainda estava
acelerado quando ele entrou em casa, o
gosto metálico do medo permanecia
em sua boca, e ele tomou um copo de
água e mais outro antes de subir as
escadas.
E então ele viu as duas na cama,
enroscadas como duas gatinhas,
dormindo tão tranquilamente, tão
perfeitas e inocentes. Mas ele havia se
reconectado com o passado naquela
noite, havia sentido o gosto do medo
novamente ao bater à porta de Belinda;
e talvez aquele, Ben decidiu, tivesse
sido o sinal que ele pedira a Jen. Talvez
aquilo tivesse sido um aviso.
Celeste se mexeu, acordou, e viu
Ben sentado na beirada da cama.
– Como estão as coisas?
– Movimentadas. Eu tive que
resolver algumas pendências, já que
eles não conseguiram encontrar
Belinda.
– Isso não é típico dela – Celeste
comentou, franzindo a testa. – Você
acha que ela está bem?
– Ela está bem – disse Ben. – Bem,
não exatamente. Eu passei pelo
apartamento dela no caminho de volta.
Ela disse que está com infecção
intestinal, mas eu acho que… – Ele não
terminou. A vida pessoal de Belinda só
dizia respeito a ela, e não devia ser
comentada. – Não importa.
Celeste sentiu que havia acabado de
ser relegada a um segundo plano; sabia,
embora fosse algo quase indefinível,
que o que ela mais temia, perder o que
acabara de encontrar, já havia
acontecido.
– Eu vou colocar Willow de volta no
carrinho. – Ela pensou que Ben iria
pegar o bebê no colo, mas ele não o
fez, então Celeste levantou da cama e
foi para o quarto de hóspedes, onde
acomodou a filha no carrinho. Como
Willow acordou e começou a
resmungar, ela levou o carrinho de
volta para o quarto de Ben, e encostouo em um dos cantos enquanto ele se
despia e ia para a cama.
Ela levou alguns minutos para
acalmar Willow, e quando ela voltou
para a cama, Ben estava dormindo. Ou
fingia dormir.
Ela ficou olhando para as chaves e
para o telefone dele, e para o pequeno
embrulho de papel do posto de
gasolina, sabendo o que ele continha e
percebendo que eles não precisariam.
E ficou pensando no que poderia ter
acontecido para mudar tanto as coisas
em tão pouco tempo. Ela disse a si
mesma que estava imaginando coisas,
que estava exagerando.
Talvez ele estivesse mesmo
dormindo, e não apenas fingindo. A
vista da cama era mágica, e deveria têla acalmado, quando ela se deitou ao
lado dele; mas não acalmou.
Eles haviam concordado em ir
devagar, jantares e encontros; e o sexo
certamente não havia sido um
problema. Mesmo inexperiente como
era, Celeste sabia com certeza que o
que havia compartilhado com Ben era
muito mais do que ela jamais esperara
ou imaginara. Então, o que estava
acontecendo de errado entre eles?
Embora agir de forma fria e
sofisticada não fosse exatamente o seu
forte, embora ela quisesse abraçá-lo,
acordá-lo com o beijo que o corpo dela
exigia que ela lhe desse, rolar na cama
macia e sentir os braços dele ao redor
dela, Celeste resistiu à tentação.
Aquilo era importante demais para
julgar mal. Então, ela levantou da
cama, com relutância, e verificou como
estava Willow, ainda adormecida, antes
de aproveitar o momento de paz para
tomar um banho, porque se
permanecesse deitada certamente
quebraria aquele silêncio tenso.
Ele ficou deitado, imóvel, à beira de
tomar uma decisão. Ben sabia que ela
estava acordada, sabia que ela estava
esperando por ele, sabia que a noite
passada a havia deixado confusa. Ele
estava confuso, também.
Com Willow no quarto, ele não
conseguira pregar o olho. Não eram as
pequenas fungadas da menina que o
mantinham acordado; era o silêncio
que o atormentava.
Ele atravessou o quarto, verificou se
ela ainda estava respirando, e é claro
que estava. De fato, quando ele olhou
para Willow, ela imediatamente abriu
os olhos e sorriu para ele.
Mas Ben lutou para retribuir o
sorriso. Em vez disso, ele tentou voltar
para a cama, mas ela o tinha visto
agora, e estava começando a chorar.
Deus, ele esperava que Celeste não
demorasse muito no banho. Ben desceu
as escadas, fez café para os dois e
preparou a mamadeira de Willow,
rangendo os dentes quando o choro
dela ficou mais forte, e imaginando se
Celeste já teria saído do chuveiro
quando ele voltasse para o quarto.
Esperando que ela tivesse saído.
Ele voltou para o quarto, e colocou a
mamadeira e as xícaras em uma
mesinha, tentando ouvir por detrás da
porta do banheiro; ele percebeu que o
chuveiro ainda estava ligado. Será que
ela não estava ouvindo Willow chorar?
Certamente que estava!
Ben olhou para o carrinho, pegou a
chupeta do bebê e colocou-a em sua
boca; mas Willow cuspiu-a, revoltada,
com os olhos fixos nele, as lágrimas
escorrendo, como se estivesse pedindo
a ele para pegá-la no colo. E ele tentou,
dizendo a si mesmo para fingir que
estava no trabalho, onde ele operava no
piloto automático; mas não estava
funcionando.
Ele queria pegá-la no colo, e até
mesmo colocou as mãos no carrinho,
pronto para fazê-lo… mas se afastou, e
tentou balançar o carrinho em vez de
segurar o bebê, rezando para Celeste
sair do chuveiro e vir acalmar a filha.
De que diabos ele tinha tanto medo?
Irritado consigo mesmo, Ben andou
pelo quarto. Ele iria até lá, pegaria o
bebê no colo, e acabaria logo com
aquilo. Foi então que ele ouviu o bip do
telefone de Celeste.
Dean
Ele não leu a mensagem; mas sentiu
um arrepio, como uma sombra, como
um grande pássaro preto no céu, que
pudesse, num voo rasante, tirá-las dele
a qualquer momento…
– Willow! – Ainda molhada,
enrolada em uma toalha, Celeste correu
para o carrinho, pegando a filha no
colo, sentindo seu rostinho quente e
vermelho e voltando os olhos
acusadores para ele. – Ela estava
soluçando!
– Eu ia bater à porta e chamar você –
ele disse, pateticamente.
– Bater? – Celeste olhou para ele, de
boca aberta. – Você nem pensou em
pegá-la no colo?
– Eu estava fazendo café – Ben
disse, na defensiva. – E a mamadeira
dela.
O que parecia bastante lógico e
razoável, percebeu Celeste; mas bebês
não eram nem lógicos, nem razoáveis,
e Willow precisava de colo.
– Você pode segurá-la para mim? –
A voz de Celeste trazia uma ponta de
desafio. – Eu preciso me vestir…
– Eu preciso tomar banho e me
vestir também – Ben mentiu. – O
hospital acabou de ligar, eu preciso ir
trabalhar.
– Ben… – Para alguém normalmente
tão emotiva, a voz de Celeste estava
assustadoramente calma. – Eu não
estou pedindo a você que a alimente
nem que a troque; eu estou pedindo a
você para segurar Willow por dois
minutos.
– Desculpe. – Ele sacudiu a cabeça.
– Eu tenho que me arrumar.
– Ben? – Ela não conseguia
acreditar; não conseguia acreditar na
maneira com que ele estava agindo. –
Eu não estou lhe pedindo que…
– Olhe – Ben interrompeu – ela não
é minha… – Ele não terminou; sua boca
se fechou, antes que aquela manhã se
tornasse um pesadelo, mas Celeste
terminou por ele.
– Não é sua o quê? Não é problema
seu? – Ele não quisera dizer aquilo,
mas era mais fácil concordar do que
explicar. – Deus. – Celeste deu uma
risada seca. – Eu realmente sei escolher
cretinos, não é?
Ben não respondeu, e ela continuou:
– O que exatamente você queria
dizer com ir devagar, Ben? Que quando
ela fosse para a faculdade nós
poderíamos ir morar juntos? – ela
disse, sarcasticamente.
– O pai de Willow acabou de mandar
uma mensagem…
– Não ponha a culpa disso nele! –
Celeste retrucou. – Você está estranho
comigo desde a noite passada. –
Quando ele não respondeu, ela
perguntou novamente: – O que você
queria dizer com ir devagar, Ben?
– Eu não sei.
Ela olhou para a filha, a pessoa mais
importante do mundo para ela, e soube
o que precisava fazer.
– Eu não vou fazê-la passar por isso.
– Willow estava começando a
choramingar. O colo de sua mãe era um
lugar bom, mas seria ainda melhor com
a mamadeira. – Eu deveria ter ouvido
você desde o começo. Você não quer
filhos, e eu tenho um bebê. – O
telefone dela fez outro bip, e Celeste
rangeu os dentes. Que diabos Dean
poderia querer?
– É melhor você ver o que o pai dela
quer! – Ben já estava perdendo a
paciência. Ela estava certa, Willow
merecia coisa melhor do que ele, e a
única forma de aquilo acontecer era
terminar tudo; terminar de verdade. –
Afinal, ela é responsabilidade dele.
– Correção! – Celeste cuspiu,
odiando-o demais naquele momento
para chorar. – Ela é minha
responsabilidade.
Ele não respondeu; simplesmente foi
para o chuveiro.
– Você pode até ficar feliz de se
livrar de mim e de Willow, Ben – ela
gritou para as costas dele. – Mas não
faz ideia do que acabou de perder. –
Ele fechou a porta atrás de si e soube,
porque conhecia Celeste, que ela teria
partido quando ele saísse do banho, que
ela não ficaria ali para discutir. Ele
ligou o chuveiro no máximo e rezou
para que ela fosse embora logo, porque
apesar da água abafar o som do choro
de Willow, não abafaria o som do
choro dele.
Não era Willow o problema dele.
Ele se sentou no chão do chuveiro e
segurou a cabeça entre as mãos.
O problema era a sua própria filha.
ERA UMA dor como Celeste jamais
havia experimentado.
A rejeição não era somente a ela; ela
podia lidar com isso, já havia lidado
com isso no passado, e poderia lidar
novamente agora. Era a rejeição a
Willow que a machucava, uma dor tão
aguda quanto a de uma ferroada, mas
que não desaparecia.
Seria aquele o preço da
maternidade? Que o homem de seus
sonhos pudesse se afastar dela tão
facilmente? Bem, que fosse assim,
então.
– QUANTO tempo você vai demorar? –
Sua mãe estava parada à porta,
segurando Willow no colo.
– Eu não sei – Celeste estourou.
Depois de semanas insistindo para que
Celeste falasse com o pai de Willow,
agora que o momento chegara, sua mãe
estava exigindo prazos! Será que ela
não percebia o quanto aquilo era
difícil? – Tem mamadeiras prontas na
geladeira.
– Você vai voltar para buscar
Willow, não vai? – Aquilo nem sequer
merecia resposta, e Celeste rangeu os
dentes. – Talvez você devesse levá-la…
– Mãe! – Não era um estouro desta
vez, mas um pedido para que ela
parasse de se preocupar, de interferir…
e então, Celeste entendeu, teve a
resposta da pergunta com que lutava
havia semanas, não, meses, agora. Sete
semanas como mãe, e Celeste estava
começando a compreender como as
coisas funcionavam; aquela
preocupação interminável, dolorida,
duraria mais do que a gravidez, mais
do que os primeiros dias ou meses. Ela
estava condenada, para a vida inteira, a
sentir aquele temor pela filha; da
mesma forma que ocorria com sua
própria mãe. E quando sua voz voltou,
estava mais gentil, mais razoável, mais
amistosa, até. – Eu não vou desfilar
com Willow na frente dele; ele nem
sequer pediu para vê-la. Eu só vou ver
o que ele quer.
– O que você quer?
– Eu não sei – Celeste admitiu. –
Algum tipo de pai para Willow, eu
suponho…
– E se ele a quiser de volta? – Era a
primeira conversa real que elas tinham
em anos, e Celeste estava finalmente
pronta para responder honestamente.
– Ele me perdeu há muito tempo,
mãe. Eu só vou me encontrar com ele
pelo bem de Willow.
– Tenha cuidado – Rita disse, e
Celeste assentiu.
– Não se preo… – As palavras
morreram em seus lábios, e Celeste
sorriu. – Tudo bem, preocupe-se à
vontade, mas você realmente não
precisa. O que quer que ele tenha a
dizer, Willow e eu vamos ficar bem.
OLHANDO PARA ele novamente,
Celeste se sentiu mais velha, e talvez,
possivelmente, um pouco mais sábia.
Não havia mais nada daquele pico de
adrenalina que ela sentira, como aluna,
a cada vez que ele entrava na sala de
aula; ela não enrubesceu quando ele
falou, nem esperou ansiosa por cada
palavra dele. Querendo ou não, ela
havia verdadeiramente amadurecido, e
podia ver Dean exatamente como ele
era agora: uma triste caricatura de
homem, que havia abusado da
ingenuidade dela, que havia tirado
vantagem da paixão perfeitamente
normal que ela sentira, quando era ele
quem deveria ter pensado melhor.
As regras existiam por um motivo.
Foi um encontro muito rápido, e
nem um pouco agradável. Ele queria
certificar-se de que sua vida perfeita
não estava para acabar, e de que
Celeste não iria, de repente, mudar de
ideia e bater na porta dele; uma certeza
que ela ficou bem feliz de dar a ele!
– O que você vai dizer a Willow? –
ele perguntou, desconfiado.
– A verdade – Celeste olhou para
ele, friamente. – Provavelmente, uma
versão mais positiva. Eu vou omitir a
parte em que você se ofereceu para
pagar por um aborto; mas ela vai
crescer sabendo a verdade. E quando
ela tiver idade suficiente, o que ela vai
fazer com essa verdade será decisão
dela, Dean.
E então, não havia mais nada a dizer,
absolutamente nada, e ela não se
importava mais.
Celeste se levantou e saiu da
cafeteria; respirou fundo, e respirou
fundo de novo. Até que finalmente ela
se acalmou, e conseguiu deixar Dean
no passado, de uma vez por todas. Ela
colocou um pé na frente do outro, e
repetiu o processo; continuou a colocar
um pé na frente do outro, e percebeu
que estava andando.
Caminhando e prosseguindo com o
resto de sua vida.
CAPÍTULO 13
– O QUE está acontecendo, Belinda?
– Ben só conseguiu falar com Belinda
às cinco horas da tarde da segundafeira. Ela o havia evitado durante todo
o dia, e, obviamente imaginando que
ele já havia ido para casa, entrou na
sala e ia se virando para sair quando
Ben a impediu.
– Nada.
– Eu preciso saber por que você não
atendeu às suas chamadas na sextafeira à noite.
– Eu realmente sinto muito por
aquilo. Sinceramente, eu estava me
sentindo tão mal que…
– Belinda, eu cobri você, mas não
vou ser tapeado – ele avisou.
– Ele ainda está casado. – Belinda
desabou, ao admitir. – Eu descobri no
sábado à noite… aquele garoto todo
machucado…
Ben franziu o rosto.
– Era o filho dele.
– Oh, Belinda.
– Eu liguei para a casa dele, mas
acabei falando com a esposa… eu
reconheci o sobrenome, e depois ela o
chamou ao telefone… – Ela mal
conseguia articular as palavras, de
tanto chorar. – Eu simplesmente não
consegui ficar no hospital e vê-la,
encará-la. Você deve achar que eu já
deveria estar acostumada com esse tipo
de coisa agora…
– Acostumada com o quê?
– Decepção. – Ela mal podia
acreditar na mudança que se operara
nela, da mulher confiante e
extrovertida que ele conhecia. – Estou
tão envergonhada.
– Envergonhada? – ele perguntou,
espantado.
– Eu me sinto uma completa idiota –
Belinda admitiu. – Eu sabia que ele era
um homem ocupado, e por isso
inventei desculpas para ele… que ele
estava no trabalho, ou com os filhos…
acho que dei a ele um milhão de
motivos para justificar por que só
podia passar tão pouco tempo comigo.
– A culpa não é sua – Ben disse, e
não era culpa de Celeste, também. Se a
exuberante, experiente Belinda podia
ser enganada, que chance Celeste
tivera? – Você só estava… – ele sacudiu
os ombros, sentindo-se desconfortável,
já que analisar emoções não era seu
ponto forte – tentando ser feliz…
– Como todos nós – respondeu
Belinda. – Mas nós acabamos
magoando várias pessoas enquanto
isso. – Ela tomou um gole de café. – Eu
me sinto uma completa idiota – ela
disse novamente, em desespero.
– Ele é o idiota – Ben insistiu.
– Não é assim que parece, do meu
lado. – Ela deu a ele um sorriso triste. –
Eu vou ficar bem… só preciso me
recuperar, lamber as feridas.
– Eu posso imaginar.
– Mas vou chegar lá. – Belinda
respirou fundo. – E vou sair para o
mundo de novo muito em breve…
Ben percebeu que jamais entenderia
algumas pessoas; ele nunca
compreenderia alguém que tivesse sido
tão magoado e estivesse disposto, em
pouco tempo, a falar sobre começar de
novo, abrir o coração, só para quebrá-lo
mais uma vez.
Por quê?
Mas ele suspeitava que estava
começando a descobrir a resposta. Era
ele, na verdade, quem era o idiota; ele
percebeu aquilo ao dirigir para casa,
naquela noite.
Havia todas aquelas pessoas lá fora,
procurando a felicidade, fugindo da
solidão, enquanto ele tivera tudo, não
apenas uma vez, mas duas; bem ao
alcance dele. Ele simplesmente havia
tido medo demais de se magoar de
novo, para seguir em frente e aceitar o
que lhe era oferecido.
Ele queria um mundo que viesse
com garantia total de segurança; e
como aquilo era impossível, bem, ele
havia se afastado do planeta. Havia
feito uma meia tentativa de seguir em
frente com sua vida, mas de acordo
com as suas próprias regras de
segurança. Ele preferia ter um
relacionamento sexual a um
relacionamento afetivo, e quanto
menos significado a relação tivesse,
melhor, porque não havia como se
machucar. E nada de filhos nem de
sentimentos envolvidos, por favor,
porque aquilo também podia machucar.
Tanto quanto pais biológicos
aparecendo do nada…
Mas ficar sozinho machucava mais
que o medo de amar.
E agora, ele a havia perdido,
também.
Ao chegar à sua rua, Ben viu-se
preso no trânsito enquanto um pequeno
caminhão de aluguel encostava ao lado
dos apartamentos, pronto para levá-la
para longe dele. Ele viu o carro dela na
garagem, e sabia que ela estava em
casa, organizando a mudança para a
casa dos pais, naquele final de semana.
Ele sabia que se ela fosse mesmo
morar com os pais, a perderia para
sempre.
Ele finalmente percebeu que aquele
era o seu momento.
Que um momento era tudo o que
qualquer pessoa tinha.
E ele precisava começar a viver o
momento. Respirou fundo e se
encaminhou para a porta dela.
– Este não é um bom momento, Ben.
Ele podia ouvir o choro de Willow,
enquanto ela tentava fechar a porta.
– Preciso falar com você.
– E eu preciso alimentar meu bebê!
– Ela abriu a porta, com uma expressão
zangada no rosto. – Então, eu espero
que você aguente ficar na mesma sala
que ela, enquanto diz o que quer que
tenha a dizer.
Os gritos de Willow estavam
ficando cada vez mais altos, quando
Ben entrou no pequeno apartamento
dela. Tudo o que pertencia a elas já se
fora: o berço, as flores, os tapetes, a
tábua de passar perto da parede.
Apenas a mobília sem graça
permanecera, e enquanto ele a seguia
pela casa, percebeu que até mesmo a
cozinha estava vazia; tudo o que
restava era uma chaleira, uma jarra e
um aquecedor de mamadeiras.
– Estou indo, Willow… – Ele podia
ouvir a tensão na voz dela, ainda que
ela tentasse disfarçar, pelo bebê. – O
micro-ondas já foi, com a mudança… –
Ele observou enquanto ela testava a
temperatura do leite em seu pulso, e
colocava a mamadeira de volta na
água; e então, ela estourou: – Eu só vou
dar a mamadeira dela e vou embora. Eu
decidi ir antes do final de semana. Não
há motivo para eu ficar aqui agora.
– Não vá embora.
– Que diabos você quer, Ben? – ela
perguntou, cansada.
– Você.
– Bem, eu sinto muito, mas já estou
comprometida… – Embora ela
estivesse na sala, Celeste tinha que
gritar para ser ouvida, por causa do
choro de Willow. – E não escolheria
nada diferente.
– Eu não quero nada diferente – ele
disse, desesperado.
– Ela não vai desaparecer, Ben. E eu
não vou fingir que ela não existe só
para dormir com você algumas vezes
por semana!
– Eu quero Willow também… – Ela
não tinha ideia do quanto era difícil
para ele dizer aquilo, não tinha ideia do
terror daquela admissão, e zombou
dele.
– Oh, então você pretende tolerá-la,
para poder ter a mãe dela.
– Não, eu vou tentar de verdade. Eu
a quero também – ele disse novamente.
– Esqueça, Ben!
– Jen estava grávida quando morreu.
– Uma dor real exigia respeito. Uma
dor real podia ser sentida, e ouvida, e
reconhecida, mesmo quando não
sabemos como, porque até mesmo
Willow ficou em silêncio. – Ela estava
mais ou menos no mesmo estágio que
você quando Willow nasceu.
– Você deveria ter me contado –
Celeste disse, chocada.
– Como? – Ben sacudiu a cabeça. –
Esse não é o tipo de coisa que se
menciona casualmente numa conversa;
especialmente porque você estava
grávida… – ele deu um pequeno
sorriso – e não precisava ouvir isso.
– Não – ela admitiu que ele tinha
razão. Ela já estava tendo dificuldades
suficientes.
– Eu quis contar a você depois que
Willow nasceu… mas… eu perdi meu
bebê, Celeste, e não podia fazer isso
com você. Fazer você ter medo de
perder o seu, também.
– Como aconteceu?
– Uma hemorragia subaracnoide.
Simples assim – ele estalou os dedos, e
aquilo a fez dar um pulo, mas o gesto
pareceu apropriado. Ela havia
aprendido sobre aquilo na faculdade;
uma dor de cabeça aguda, súbita… e
teve vontade de chorar, mas não era
direito dela, naquele momento.
– Eu cheguei à casa e a encontrei… –
E então, ele se corrigiu, porque não era
exatamente Jen a fonte do problema;
ele a havia amado a havia perdido e
sentiria saudade dela para sempre.
Mas, quanto a isso, ele havia superado;
estava quase chegando ao ponto da
aceitação. – Não, eu cheguei à casa e as
encontrei. Ela foi enterrada dentro de
Jen, e eu nunca pude segurá-la no colo,
nunca consegui chorar a morte dela; e
não sei por onde começar.
– Você acabou de fazer isso.
Ele assentiu, fechou os olhos com
força, e pressionou os dedos contra
eles, enquanto as imagens passavam
em sua mente como um carrossel, e ele
tentava fazer com que parassem.
– Conte-me – ela implorou.
– Não posso – ele disse, porque era a
verdade. – Eu não quis amar você,
Celeste, mas amo, e não quero amar
Willow, mas sei que amarei. Eu estou
com tanto medo de perder você…
– Mas você já me perdeu, Ben. – Ela
ainda estava zangada, muito zangada
com ele. – Você não quer se apaixonar
com medo de que algo aconteça, e
então prefere se afastar de nós…
– Eu estou aqui agora.
– Metade de você! – Celeste
exclamou. – E a outra metade está
presa em um lugar onde ninguém mais
pode ir. Ben, Willow e eu merecemos
mais do que isso.
– Eu posso dar mais do que isso –
ele prometeu.
– Quando? – Celeste exigiu, e Ben
não conseguia acreditar no que ouvia.
– O que você está pedindo, Celeste?
– O seu amor – Celeste disse, e seu
coração estava se partindo, mas ela
estava resolvida a ser muito, muito
forte.
– Eu acabei de dizer. Eu disse que
amo você…
– Não, Ben.
– E eu vou amar Willow.
– Não. – Ela estava decidida.
– Eu não sei o que você quer,
Celeste! – Era Ben quem estava
zangado agora; ele jamais havia sido
mais franco, mais honesto, nunca
revelara seu coração desde que Jen
morrera, e agora sabia o motivo. – O
quê? Você quer que eu diga que amo
Willow?
– Qualquer um pode dizer isso – ela
observou.
– Tudo bem? – Ele pegou a
mamadeira. – Eu devo segurá-la no
colo, alimentá-la?
– Eu sou perfeitamente capaz de
fazer isso.
– O quê, então? – Ben exigiu saber,
porque não sabia o que ela queria dele,
não sabia que teste estava na mente
dela e que ele precisava passar.
– Eu quero que você se permita amála. – Ela só estava conseguindo
confundi-lo ainda mais, porque ele iria
amá-la; com o tempo, ele sabia que o
amor iria aparecer. – E quando você
fizer isso, nós estaremos esperando por
você.
– Eu não entendo você, Celeste.
– Bem, eu não entendo você. – Ela
apanhou a mamadeira, caminhou até a
sala e pegou Willow no colo,
alimentando-a em silêncio, enquanto
ele observava da porta.
– Você não pode exigir amor
imediato – protestou ele.
– Posso – respondeu Celeste,
imediatamente. – Ela já tem um pai
que é um total fracasso, e não precisa
de outro por perto, esperando que o
amor apareça.
– Você é impossível! – ele grunhiu.
– Na verdade, eu sou bastante direta
– ela respondeu calmamente. – Diga
tchau para o Ben. – Ela se levantou,
segurou a mãozinha de Willow e
acenou para ele. – Nós o veremos
quando ele estiver pronto. – Ela
colocou Willow no carrinho e cobriu a
menina. – Agora, se você me der
licença, preciso terminar a mudança.
– Isso é tudo? – ele perguntou,
incrédulo.
– Isso é tudo – ela confirmou.
– Eu vim até aqui, contei-lhe tudo,
disse a você que a amo e que farei tudo
o que puder por Willow, e não é o
bastante? – Ele se aproximou dela e
olhou-a nos olhos. – Não é o bastante
para você?
– Não.
Ela estava segura do que dizia, e ele
sabia disso, mas não compreendia.
– Eu não entendo você, Celeste – ele
disse, impotente, e a beijou no rosto. –
Eu vou embora.
– Por favor.
– Eu nunca irei entender sua mãe –
ele disse, olhando para Willow. Ben
acariciou-lhe o rostinho e, novamente,
foi Willow quem o olhou nos olhos, da
mesma forma que havia feito quando
havia nascido, e na manhã seguinte. E
mais uma vez, Ben fechou os olhos; só
que desta vez, ele os abriu de novo, e
ela ainda estava lá, sorrindo, esperando
pacientemente que ele a amasse.
Ele não queria fazer aquilo; sentiase como se estivesse morrendo, e de
fato, tinha certeza de que teria sido
mais fácil morrer.
– Ela foi feita para você, Ben –
Celeste disse suavemente, ao lado dele,
olhando para a filha e compreendendo
o mundo agora. – Porque você jamais
teria feito isso sozinho; jamais teria
feito isso de novo.
Ela estava certa; e em algum lugar,
bem lá no fundo, algo finalmente fez
sentido. Porque mesmo com Celeste, se
não fosse por certa mocinha que
nascera pelas mãos dele, debaixo de
uma árvore, ele jamais teria corrido
aquele risco novamente, jamais, jamais
teria arriscado ter outro filho. E estava
arriscando agora.
Ele olhou para aquela pequenina e
nova vida, e se lembrou de todo o
amor, de toda a esperança, de toda a
promessa que ele havia tido um dia…
– Ela nunca chegou a nascer. –
Aquilo provavelmente não fazia o
menor sentido para Celeste, mas era
tão vital para ele. Ele podia sentir o
rostinho de Willow, macio como uma
pétala de flor, e parecia que estava se
esvaziando por dentro. Ele ainda queria
correr, mas não havia praia longa o
bastante, nem um universo que pudesse
conter a dor que o dividia no meio. –
Não houve certidão de nascimento, e
nós não tínhamos escolhido um
nome… – Não lhe parecera certo
batizar a filha sem Jen.
Ele jamais pudera separar as duas; e
sofrera por Jen e pelo bebê, mas nunca
as havia realmente separado, e nunca se
permitira sofrer apenas pela filha.
– Ela nunca chegou a nascer.
– Mas ela existiu – Celeste disse,
sua voz ali, bem ao lado dele, e seu
braço em volta de Ben. E se ele a havia
ajudado antes, ela o estava ajudando
agora. – Ela ainda existe.
– Daisy.
Ele acariciou o rostinho de Willow,
e finalmente deu um nome para a filha
que deveria ter tido. E da mesma forma
que havia cortado o cordão umbilical
de Willow, Willow o deixara cortar o
de sua filha; suas pequenas mãozinhas
em forma de estrela segurando as suas,
enquanto a dor o envolvia. Segurando
Willow, ele conseguia segurar seu
próprio bebê; pressionando os lábios
contra seu rostinho macio, era como se
ele estivesse beijando Daisy por um
momento, e então ele pôde deixá-la ir,
e descansar com sua mãe.
– Eu amo você – ele disse para
Willow, que estava lá agora, mas não
foram somente palavras; ele sentiu o
que dizia, também. Ele a segurou junto
a si, mas não a pegou no colo
simplesmente; finalmente, Ben se
permitiu ama-lá, finalmente se
permitiu ter esperança, e prometeu a
ela, em silêncio, que sempre estaria ao
lado dela. – E amo sua mãe, também.
– Ela sabe disso – disse Celeste.
– Não vá morar com os seus pais. –
Segurando no colo a filha dela, ele se
virou para Celeste. – Venha para casa.
E era realmente sua casa; embora ela
jamais houvesse morado lá, a casa dele
já era também a dela.
– Eu já arrumei toda a mudança. –
Ela estava sorrindo e chorando ao
mesmo tempo, e se sentia tão, mas tão
orgulhosa; e segura, também, e pela
primeira vez em muito tempo,
absolutamente certa do que fazia. – É
melhor eu telefonar para a minha mãe e
contar a ela. Ela deve estar vindo para
cá logo.
– O que será que ela vai dizer?
– Provavelmente, vai ficar aliviada.
– Celeste riu. – Eu não sou a pessoa
mais fácil de conviver.
– Eu mal posso esperar – ele
murmurou.
Ben não queria que ela ficasse – não
– que elas ficassem naquele
apartamento velho e vazio por mais um
minuto sequer. Ele as queria em casa,
com ele, o lugar onde elas pertenciam.
As caixas, o bercinho, as malas e a
banheira do bebê, o carro, tudo podia
esperar até depois; então, Celeste
telefonou para Rita, e Ben arrumou
uma pequena mala para Willow, e eles
desceram a rua empurrando o carrinho,
mas desta vez como uma família.
Ela era uma criança tão boazinha, e
dormiu por algumas horas muito
necessárias, enquanto Ben e Celeste se
beijavam, e faziam as pazes, e
choravam um pouco também; e quando
Celeste finalmente adormeceu em seus
braços, Ben ficou acordado, só para
poder sentir o calor da pele dela. E
quando ele ouviu Willow, que estava
começando a se mexer no carrinho,
sentiu finalmente o que faltara em sua
vida por todos aqueles anos.
Paz.
Uma paz que não fora perturbada
pelo choro de Willow; que
permanecera, enquanto Celeste
tagarelava incessantemente ao preparar
a mamadeira, e entregava a ele um
pacotinho zangado, porque decidira que
em vez de alimentar a filha ela mesma,
ele podia muito bem fazer isso,
enquanto ela aproveitava o spa no seu
novo banheiro!
Paz, enquanto alimentada, trocada e
contente, Willow era colocada de volta
no carrinho e Ben montava o móbile
para ela.
PAZ. PERFEITA paz, Celeste ponderou,
deitada no spa, os dedos de seus pés
enrugados com a água quente,
pensando em como ele amava as duas,
mãe e filha. Ela olhou para a paisagem
gloriosa na janela e viu um futuro
maravilhoso, também.
– Case comigo! – Celeste gritou para
o silêncio.
– Eu estava para sugerir a mesma
coisa – Ben disse, parado na porta,
rindo. – Nós poderíamos nos casar na
praia, onde nos conhecemos…
– Presumo que isso seja um “sim”?
– É um sim… – Ben olhou para a
praia lá fora, e quase podia vê-los; ver
o casamento deles, Celeste segurando
Willow, o celebrante, as famílias e os
amigos reunidos em volta, e quase
podia ver Jen, com Daisy no colo,
sorrindo. E aquilo era uma bênção, uma
bênção muito esperada; poder pensar
nelas, nas duas, e sorrir.
– Oh, bem, se você insiste… – Ela
riu.
Perdido em pensamentos, ele não
fazia ideia do que ela estava dizendo.
– Como?
– Eu acho que não há como
convencer você do contrário… – Ela
deu um suspiro dramático. – Acho que
é melhor você entrar aqui e me atacar.
Ele jamais comparara as duas,
porque não havia comparação possível;
ele nunca poderia imaginar duas
mulheres mais diferentes, e mesmo
assim, amava ambas. Mas foi então,
quando ele menos esperava, que ele
teve o sinal que queria; aquele que
estava esperando, o sinal de Jen;
porque, por um segundo, ele podia
jurar que a ouvira rir, podia jurar que a
ouvira, deixando-o ir graciosamente,
incentivando-o a prosseguir e viver
uma vida maravilhosa.
E Ben riu, também.
Riu, ao entrar na banheira e juntar-se
a Celeste, para fazer exatamente o que
ela ordenara.
Atacá-la.
EPÍLOGO
NUNCA, NEM por uma vez sequer, ela
vacilou, ou duvidou.
Nem mesmo um pouquinho.
Apesar das previsões negativas de
sua mãe, apesar do que ela lera sobre as
“famílias agregadas” em um livro
sobre psicologia infantil, que Celeste
acabara atirando na parede, nem por
uma vez sequer ela pensou que o bebê
deles iria mudar os sentimentos de Ben
por Willow.
Porque sem Willow, eles não
existiriam.
– Não falta muito agora – Ben
apertou os ombros dela, deitada na
mesa de cirurgia, com toda a paixão de
um médico por uma paciente, mas era
aquilo que ele fazia, às vezes. Eles
haviam, somados, passado por três
gestações, e todas haviam sido bem
diferentes.
Aquela havia sido uma gravidez
exemplar (descontando o grande ganho
de peso que ela tivera), e tinha ido
excepcionalmente bem até o último
momento; mas depois de oito horas de
trabalho de parto, respirando e fazendo
força, o bebê ainda não queria nascer!
Ela trabalhara meio-expediente até o
sétimo mês, porque escolhera assim.
Celeste havia contado a Ben sobre a
dor nas costas, e os tornozelos inchados
e doloridos, mas quando tivera uma
enxaqueca fortíssima, preferira
conversar com o obstetra, e não com
ele.
E Ben havia massageado seu
estômago, e beijado sua barriga, e feito
todas as coisas certas, durante toda a
gravidez. Os dois tinham feito tudo
certo. Incentivado um ao outro ao
longo do caminho, e assegurado um ao
outro que tudo daria certo.
– Eu estou com medo… – Ela não
estava nem sequer sedada; os médicos
haviam sido tão mesquinhos a respeito
da anestesia que ela estava pensando
em escrever uma carta de reclamação.
Do que adiantava ser a esposa de um
médico? Uma epidural podia anestesiar
seu abdômen, mas não anestesiaria o
cérebro dela.
– E se as coisas mudarem agora?
Não importa quão bem você a
arrume e o quão segura você a
mantenha, sua bagagem sempre viaja
com você; e de vez em quando, você
tem que pagar pelo excesso, ou
observar impotente enquanto o pessoal
da alfândega abre o zíper e exige que
você explique o que uma barra de
chocolate estava fazendo escondida no
seu sutiã.
Como se você pudesse explicar
como ela fora parar lá.
E como se você tivesse pensado em
contrabandeá-la para o outro lado do
mundo.
Só que você tinha.
– Eu não quero que nada mude – ela
chorou.
– A mudança pode ser uma coisa boa
– ele disse, tentando confortá-la.
Eram só os três; Ben, ela e Willow.
E ela temia por eles, e temia pelo bebê
que estava chegando; temia a mudança.
Mas aquilo estava acontecendo, não
importava se ela gostasse ou não.
– Eu estou com medo, Ben – ela
disse novamente.
– Eu sei.
Ela podia ver lágrimas nos olhos
verdes dele.
– Lembre-se de Willow… ela era tão
pequena e estava tão doente… e olhe
para ela agora.
Ela sabia que os médicos estavam
fazendo a incisão, porque o obstetra
havia dito a ela, mas só tinha olhos
para Ben. E podia ouvir o barulho,
enquanto eles aspiravam o líquido
amniótico, e ficou petrificada de medo.
– Como poderei amá-lo tanto quanto
amo Willow?
– Espere para ver – ele disse,
gentilmente.
Era mesmo um menino.
Um menino gorducho, que os
médicos seguraram por sobre os
lençóis, com um narizinho achatado e
uma testinha franzida, que gritou e
chorou e esperneou até que eles o
colocaram no bercinho.
– Não admira que eu tenha precisado
de uma cesariana. – Celeste tinha que
sorrir, tinha que chorar, tinha que olhar
para o bebê com admiração. E, claro,
Ben fazia o mesmo.
Ele se aproximou do filho e olhou
para ele; imprimiu a marca dos
pezinhos dele em sua camiseta, e
voltou para o lado de Celeste.
– Você precisa ver o tamanho dele!
– Ben disse, espantado.
– Você entende agora porque eu
gemia toda vez que ele chutava?
Ela ganhou um beijo rápido, quando
eles trouxeram o bebê, todo
embrulhado; mas ela também estava
imobilizada, e não podia abraçá-lo. E
havia gente demais em volta, para que
ela chorasse de verdade.
– Vá com ele… – Celeste disse para
o marido.
As coisas ficaram um tanto
confusas, dali em diante. Os médicos
foram um pouco mais generosos com
analgésicos agora, a incisão foi fechada
e ela foi levada para a sala de
recuperação, e depois para o quarto. E
Celeste se lembrava vagamente de sua
mãe chegando, e da mãe de Ben
chegando, e de muito barulho…
E mais tarde, bem mais tarde, ela
acordou.
E lembrou de tudo.
Ela não estava com medo dos
sentimentos de Ben, nem um pouco.
Tudo bem, talvez só um pouquinho…
Mas ele estava de costas para ela e seu
filho, e tinha uma agitada garotinha de
um ano presa à sua cintura, e estava
mostrando a lua para ela; e aquilo a
deixou em paz, para olhar para seu
novo bebê.
Ela estava com medo dos próprios
sentimentos.
Ele era tão pequeno.
Um bebê grandão, mas tão novinho,
e enrugado, e perfeito, e ela estava com
tanto medo de não fazer as coisas
certas. E então ele abriu os olhos…
simplesmente olhou diretamente nos
olhos dela, e exigiu que ela o amasse.
Ela o amaria muito em breve; só que
estava realmente cansada.
– Ashley…
Ela estava dolorida demais para
segurá-lo no colo, e Ben o fez por ela,
equilibrando Willow, ainda presa à sua
cintura, enquanto pegava o filho nos
braços e o entregava a ela.
– Significa “das cinzas” – Celeste
disse. – Eu pesquisei.
– Aposto que sim.
– Bebê! – Willow se esqueceu, por
um momento, do quanto estava
cansada, deliciada com o irmãozinho,
finalmente acordado, e com suas
próprias cordas vocais, já que
recentemente começara a cantar. –
Bebê, bebê, bebê! – E ela subiu na
cama, e por cima do cateter, chegando
perigosamente perto de uma incisão
cesariana, e então sufocou o irmão com
beijos e germes, seguidos de mais
beijos babados.
Depois, Ashley ganhou um beijo do
papai.
E então, Celeste ganhou um beijo de
uma Willow repentinamente carente e
chorosa.
Havia amor quase demais ao redor,
Celeste pensou, à beira das lágrimas
também.
– Eu vou levá-la para casa – Ben
disse a Celeste.
Ele havia percebido as lágrimas nos
olhos dela, e compreendeu. Ele sabia
quando ela precisava dele, mesmo
quando ela não admitia. E sabia quando
ela precisava ficar sozinha.
As parteiras entraram na hora em
que ele estava beijando Celeste, mas
estava tudo bem, porque haveria tempo
para muitos beijos mais tarde; ela
precisava de mulheres experientes
perto dela, agora.
Aquela noite era o momento de
Celeste conhecer Ash.
Ben compreendia isso.
Aquela noite era o momento para
Celeste descobrir que tinha muito a
oferecer.
– Aperte o botão… – Ele entrou no
elevador, e guiou a mãozinha de
Willow para o botão “T”; mas ela
conseguiu errar e eles foram para a
cobertura do prédio!
– Você é tão imprevisível quanto a
sua mãe! – ele bufou.
– Papai! – Ela havia dito a palavra
muitas vezes antes, mas disse de novo;
começou a cantar, e continuou durante
todo o caminho até o estacionamento,
enquanto ele a colocava na cadeirinha,
e a levava para casa. – Papai, papai,
papai!
Ele era dela, e ela era dele, e que
ninguém nunca dissesse nada em
contrário.
Ele preparou o leite para ela,
colocou Willow no berço, deu-lhe um
beijo de boa-noite e ligou o móbile.
Depois, ele telefonou para tios e tias,
primos e primas, amigos e amigas, e
apagou o texto que queria mandar para
Celeste, para não perturbar o sono dela;
ele diria a ela pessoalmente, pela
manhã.
Então, ele foi checar como estava
Willow, mudou de ideia, e mandou o
texto para Celeste.
Willow dormindo. Dê um beijo no
Ash. Eu amo você.
E no meio de uma tentativa frustrada
de amamentar um bebê zangado e
faminto, com seios doloridos, uma
parteira sorriu e estendeu o telefone
para Celeste. Ela leu o texto, mas não o
respondeu. Ele já sabia que ela o
amava, e ela fez o que Ben havia
pedido. Ela se inclinou e encostou os
lábios na testinha franzida, acalmando
a irritação do bebê, e sentiu o coração
derreter quando Ash se aconchegou
mais a ela; e, depois de uma pequenina
pausa, Celeste começou a confiar
novamente. Sentiu o peso doce de um
novo bebê em seus braços, e queria
aquilo, podia fazer o certo, estava
fazendo o certo agora…
Era realmente bastante simples.
O amor cresce, se você deixar.
// LIVRO
Os Braços do Impossível
Passaram-se quatro anos desde que o
médico Ben Richardson perdera sua
esposa grávida. Mas ele ainda não
conseguira superar a dor. A fim de buscar
um recomeço, aceitou trabalhar na
emergência. Um dia, durante uma
caminhada pela praia, ficou estarrecido
ao ver uma bela grávida. Logo descobre
que ela se chama Celeste, e que é
enfermeira no hospital onde Ben trabalha.
Ficar perto dela era uma constante
lembrança de todo o sofrimento que
passara. Por isso, decidiu manter-se
distante. Entretanto, Celeste enfrentava
sozinha uma gravidez de risco, e Ben
sabia que precisava ajudá-la. Presenciar o
milagre do nascimento da filhinha de
Celeste o faz perceber que ele ainda pode
ser feliz… se estiver preparado para
entregar o seu coração.