// LIVRO

Vendida ao CEO.674Z

Vendida ao CEO

Quando sua esposa morreu no parto, Benjamin construiu um muro ao redor de seu coração e prometeu nunca mais se apaixonar. Mas não esperava que o destino fosse conspirar contra ele e obrigálo a precisar escolher uma mãe para sua filha, uma esposa para estar ao lado do CEO da construtora mais lucrativa da cidade. Lia, uma garota humilde do interior, estava fugindo de um noivado desastroso quando aceitou o emprego de babá da filha de Benjamin De La Roche. O que ela não sabia é que seu novo chefe seria a maior tentação que ela, virgem e inexperiente, poderia conhecer. Sedutor e misterioso, Ben tem uma oferta indecente para Lia. Um contrato, um casamento, uma filha órfã de mãe e uma única regra: não se apaixonar pelo irresistível CEO De La Roche. Será que Lia conseguirá resistir?

1
Laia
Bato três vezes na porta e aguardo. É a primeira vez que o
senhor De La Roche quer conversar comigo nessas semanas em
que estou trabalhando como babá da sua filha.
Estalo os dedos, ansiosa para ser recebida em seu escritório.
Como estou trabalhando há tanto tempo sem ser chamada por ele
ou sem ter alguma conversa com o mesmo sobre a criação de sua
filha, acabo criando várias paranoias nesse pequeno instante. Não
posso perder este emprego, a cidade é grande e nova para mim,
não tenho para onde ir e eu não posso, de maneira alguma, voltar
para o lugar de onde fugi.
Estou pensando na primeira vez que o vi. Era meu segundo
dia aqui e eu tinha ido até a cozinha buscar papel toalha para limpar
o picolé que Alicia, sua filha de 7 anos, havia derrubado no chão da
varanda frontal da mansão. Voltei correndo, tomando impulso e
deslizando os pés pelo mármore branco como uma criança levada,
escorreguei pela varanda com o rolo de papel toalha na mão e dei
de cara com ele.
Recordo-me de como fiquei constrangida pela minha chegada
desastrosa, por quase ter esbarrado nele, mas principalmente por
sua aparência ter me desconcertado. Aquele tipo de beleza que não
passa despercebida por ninguém, o magnetismo que atrai o corpo,
que nos faz querer olhar e olhar para a pessoa sem parar.
Senti-me como a “gata borralheira encontrando seu príncipe
encantado”, descabelada, de chinelos, calça legging e camiseta
regata com a gola frouxa. Ele mal olhou para mim, me encarou por
alguns segundos, fazendo meu coração martelar em meus ouvidos,
deu um aceno de cabeça e um sorriso torto.
— Você é a nova babá? — ele perguntou, e eu percebi que
jamais tinha ouvido um timbre de voz tão charmoso.
— Sim, eu sou — respondi acanhada, sem sequer me
apresentar, envergonhada pela minha voz soar esganiçada. Baixei a
cabeça e comecei a limpar o picolé derretido.
Alicia abraçava e falava com o pai com devoção, encantada
com sua presença como eu nunca me encantei com o meu pai.
— Só vim em casa buscar algumas plantas que deixei no
escritório — ele disse para a filha, beijando o topo da cabeça loira e
ficando de pé. — Preciso voltar para a empresa.
— Ah, painho… — Alicia protestou, mas não havia muito que
ela pudesse fazer.
— Prometo que vou ler para você antes de dormir — ele
disse, voltando-se para mim em seguida, usando aquele timbre de
voz macio e sedutor como se não fosse injusto. — Carol acertou
tudo com você?
— Sim, acertou — respondi, totalmente acanhada, sentindo a
injustiça de encontrar um homem como ele toda desarrumada,
enquanto ele estava elegante, de terno azul marinho, segurando
óculos escuros caríssimos e calçando sapatos lustrosos. — Ela me
explicou tudo.
Ele acenou outra vez com a cabeça, me presenteando com
outro sorriso torto de tirar o fôlego, então virou as costas e caminhou
na direção do escritório, me deixando perplexa, parada ali.
Demorei alguns segundos para perceber que estava sendo
ridícula com todos aqueles pensamentos a respeito dele. Que
diferença fazia eu estar descabelada ou não? O que iria mudar se
eu estivesse com uma roupa melhor?
Nada, absolutamente nada, porque ele era meu patrão, um
CEO multimilionário que não queria nada de mim, além de que eu
cuidasse bem da sua filha. Eu seria uma perfeita tola se começasse
a alimentar sentimentos por ele.
Sacudo a cabeça para afastar esses pensamentos
vergonhosos quando ouço o clique da porta sendo aberta e, então,
sua imagem vai surgindo na fresta que fica cada vez maior, até
conseguir vê-lo por completo. Meu coração bate mais forte quando o
senhor De La Roche me convida a entrar com um gesto da mão
direita.
Adentro seu escritório e ele fecha a porta. Me sinto estranha
por alguém como ele fechar uma porta para mim, a simples babá.
Na mão esquerda ele segura o aparelho celular preto junto ao
ouvido. Sem me dar muita atenção, gesticula para que eu me sente
na cadeira em frente a sua mesa.
Tento respirar tranquilamente para acalmar o coração que
está galopando exageradamente, enquanto faço uma prece mental
para não ser demitida, me perguntando o que posso ter feito de
errado para ser chamada ao seu escritório.
Sento na cadeira giratória e ele ocupa a poltrona atrás da
mesa, um objeto de couro preto que lembra um trono em seu
espaldar. Os olhos do senhor De La Roche estão voltados para o
iPad em sua mesa, seu dedo agora desliza pela tela.
Meus olhos acompanham seu gesto, passando pelo dedo
longo com a unha bem aparada e limpa, imediatamente escondo
meus dedos fechando as mãos em punho, lembrando que minhas
unhas estão sujas por ter raspados os adesivos que Alicia colou no
dossel de sua cama. Mas ele não está prestando atenção em mim,
por isso, continuo a observá-lo. É a primeira vez que posso olhar
para meu patrão de perto por tanto tempo. Vejo as veias saltadas no
dorso de sua mão, subindo em direção ao pulso, escondendo-se por
baixo do punho da camisa branca.
Por causa de sua posição, consigo ver o formato do seu
braço musculoso, sigo com o olhar até os ombros largos. A gola da
camisa está desabotoada, a gravata e o terno encontram-se jogados
nas costas do sofá Chesterfield de couro também preto, que está na
parede leste do escritório.
Posso ver um relance do seu peito pelo espaço aberto dos
botões. Subindo o olhar pelo seu pescoço, observo sua mandíbula
mais demoradamente, o nariz reto e, finalmente, os olhos de um
verde profundo.
O senhor De La Roche continua com sua atenção voltada
para o iPad, enquanto eu o observo sem ele perceber. É o homem
mais importante, elegante e charmoso que já vi pessoalmente. O
CEO da empresa mais requisitada no ramo de construções de
Natal, capital do estado.
Tudo que sei é que Benjamin De La Roche herdou a empresa
do pai há alguns anos e a administra com sucesso desde então.
Mas Carol, a secretária e cozinheira da mansão, me disse que ele
não gosta de ser chamado de Benjamin, apenas Ben.
Tirando os empregados, são apenas Benjamin e Alicia, sua
filhinha de sete anos. Sua esposa morreu no parto e ele não voltou
a se casar. Carol me disse que ele nunca namorou, pelo menos
nunca trouxe ninguém em casa, jamais apresentou uma mulher para
Alicia.
Mordo o lábio com força, não consigo me decidir se isso é
bom ou ruim. Bom porque ele pode ser um homem de família, não
do tipo de riquinho mimado e galinha, mas alguém que espera a
pessoa certa. Por outro lado, torna-se quase impossível chegar até
seu coração endurecido pelo luto.
Impossível chegar ao seu coração… Dou uma risadinha do
meu pensamento, como se alguém como ele não me visse apenas
como a babá de sua filha, alguém insignificante e substituível. Tento
abafar uma risada mais alta com a mão sobre a boca, mas o senhor
De La Roche me olha bem a tempo, colocando o celular sobre a
mesa.
Desvio o olhar imediatamente, o rosto ardendo de vergonha
pela gafe. Sinto seus olhos me analisando, mas não tenho coragem
o suficiente para encará-lo de volta.
— O que foi? — pergunta, sua voz soa mais aveludada agora
do que há poucos instantes ao telefone, o que me deixa ainda mais
tensa.
— Desculpe, senhor, eu estava apenas me lembrando de algo
que aconteceu pela manhã — digo cada palavra com cuidado,
evitando falar qualquer gíria do interior, para que ele não me
considere má influência para a educação de sua filha.
— Não precisa me chamar de senhor, por favor — diz com
uma gentileza que eu não esperava de alguém como ele.
Ergo o olhar para encará-lo, mas seu charme me faz desviar
rapidamente. Por dentro, a tensão toma conta de mim, por fora,
tento parecer inabalável, usando meu autocontrole desenvolvido ao
longo dos anos sob o olhar de um pai extremamente rígido e
dominador.
— Desculpe, Ben — tento soar o mais centrada possível, mas
parece errado chamá-lo assim, como se estivesse forçando uma
intimidade que ele não me deu.
Ele parece não se importar, seus lábios se curvam em um
sorriso torto e seu rosto se ilumina, como se ele gostasse de seu
apelido na minha voz.
Como sou ridícula…
— Bem melhor, “senhor” me faz parecer muito mais velho —
ele diz em tom de brincadeira. — Já termino essa ligação e
podemos conversar, tudo bem?
— É claro — respondo, aliviada por não gaguejar.
Benjamin alcança o celular na mesa e volta a conversar com
a pessoa do outro lado, parecem estar falando sobre o trabalho.
Tenho menos de um minuto para me recompor, porque ele logo se
despede da pessoa e desliga o celular.
— Desculpe pela demora, mas precisava resolver um
problema da construtora antes de encerrar o dia — ele se explica,
me deixando ainda mais encantada com sua gentileza.
Seu rosto ainda está iluminado, mas percebo que seus olhos
não, como se ele carregasse algo que não consegue se livrar.
— Não precisa se desculpar. Alicia já está fazendo as tarefas
— explico.
— Não gosto de tomar o tempo livre dos meus funcionários,
mas não tivemos oportunidade de conversar desde que começou a
trabalhar aqui.
Começo a pensar que ele ficou sabendo que vim para Natal
fugida, que escapei de um noivado indesejado e que meu pai
descobriu onde estou e está vindo me buscar.
— Não tivemos… — murmuro, abatida com a ideia de voltar
para a casa dos meus pais e ter todos os meus sonhos roubados
pelo casamento por conveniência com o filho do pastor.
Conveniência para eles, não para mim.
— Parece preocupada — Benjamin De La Roche me observa,
o que só piora meu estado. — Precisa sair? Podemos conversar
outra hora.
— Não, está tudo bem! — digo depressa. — Só estou com
receio de o senh… voc… você me demitir. Eu estou amando
trabalhar aqui, sua filha é um amor de menina, e também parece
estar gostando de mim.
— Sim, Alicia está — ele admite. — Virgília, você é a garota
com quem ela se adaptou mais rápido.
— Poderia me chamar apenas de Lia? — o pergunto, tendo a
certeza que estou passando dos limites. — Quase ninguém me
chama de Virgília, só o meu ex e isso me traz más lembranças.
Imagino que ele vai falar alguma coisa para me colocar no
meu lugar, mas Benjamin apenas me dá outro sorriso torto.
— Te entendo, também não gosto que me chamem de
Benjamin. Temos algo em comum.
— Temos — digo, relaxando os ombros, começando a confiar
que ele não vai me demitir e não ficou sabendo da minha fuga e que
minha família está me procurando feito louca.
Ele se levanta da sua poltrona e chega perto de mim,
apoiando-se na mesa à minha frente. De pé, parece ainda mais
elegante. Sinto o rastro do seu perfume amadeirado e posso até
fantasiar como ele é sem as roupas.
O pensamento momentâneo me deixa quente, ardendo como
se estivesse com febre. Meu coração bate mais rápido enquanto ele
se move charmoso, trocando o peso de uma perna para a outra.
— Quantos anos tem, Lia?
Meu nome no seu tom de voz soa sensual, preciso morder o
canto interno da bochecha e me lembrar de que ele é meu chefe,
não é digno ter esse tipo de pensamento com ele.
— Vinte e dois — respondo o olhando com o queixo erguido,
enterrando as unhas nas palmas das mãos para aguentar a tensão.
— A idade que eu tinha quando me casei. Poucos meses
depois, Alicia nasceu. Luiza, minha esposa, estava grávida quando
nos casamos — ele diz, fazendo parecer que somos íntimos.
Apesar da tensão que estou sentindo, parece fácil conversar
com ele, pelo menos Benjamin não está fazendo eu me sentir
inferior.
O que estou sentindo tem mais a ver com sua aparência, sua
beleza, que com sua posição social. Ele em si me deixa nervosa,
mas aposto que muitas outras garotas também se sentem assim
perto de alguém como Benjamin De La Roche. Ele é gostoso, ponto.
— Se casou muito novo — comento, sem saber se estou
passando dos limites.
— Luiza engravidou quando estávamos no último semestre
da faculdade, foi um “acidente” — ele explica fazendo aspas no ar
com os dedos, enquanto eu fantasio como seria cair no seu colo por
acidente. — Minha família não aceitou muito bem, mas resolvemos
nos casar assim mesmo.
— Vocês se amavam muito — acrescento, só para afastar
meu último pensamento.
— Ela foi muito importante para mim — ele admite. — Mesmo
depois de tantos anos, às vezes, ainda é difícil falar sobre.
Ben desvia o olhar, me fazendo pensar que ainda sofre pelo
luto. Engulo a saliva e, vendo a tristeza visível em seu rosto, fico
tentada a me levantar e abraçá-lo para lhe acalentar, como faço com
sua filha quando ela está tristonha.
— Mas não te chamei aqui para conversar sobre minha viuvez
— ele diz em tom de risada, disfarçando o sentimento. — Carol me
disse que é seu primeiro emprego aqui na capital.
— Sim, mas já trabalhei para outras famílias na minha cidade
do interior — explico depressa. — Tenho experiência com crianças.
— Não duvido, já vi seu jeito com Alicia, você a conquistou
bem depressa, e te garanto que ela não é assim tão fácil.
— Alicia é um amor, muito educada e calma, é um prazer
trabalhar com ela — digo, prendendo a respiração.
— Você se mudou agora para Natal apenas pelo emprego ou
tem algum outro interesse, alguma ambição, além de trabalhar como
babá? Não que esse não seja um emprego digno, só queria saber
se tem outros objetivos.
Sua pergunta me deixa curiosa.
— Eu pretendia fazer faculdade, mas o curso que sonhava é
muito caro e não consegui uma vaga na UFRN. Confesso que fui
uma tola de pensar que poderia custear meus estudos trabalhando
de babá. Não que esse não seja um emprego digno — repito suas
palavras.
— E que curso você sonhava em fazer?
— Medicina — digo com um sorriso, envergonhada por
pensar que poderia bancar a faculdade com um salário mínimo. —
Sonhei com isso a minha vida toda e não tinha outro plano, por isso
ainda não consegui me decidir o que vou fazer, mas sim, é claro que
penso em estudar, não quero trabalhar de babá para o resto da vida,
mesmo que esse seja um excelente emprego. Quero ser alguém
também, não comecei a faculdade cedo por falta de oportunidade.
— Eu sei que nem todos têm a mesma oportunidade que tive,
não vivo numa bolha — ele se defende.
— Não quis dizer isso — me apresso a esclarecer.
— Sei que não, mas é melhor ser específico quanto a isso.
Tenho uma empresa de construção civil, você já deve saber, sou
engenheiro e trabalho com vários estagiários e funcionários que
passaram e passam poucas e boas para estudar. Reconheço e
admiro o esforço de quem não nasceu com a vida ganha como eu.
Não sei se isso é uma espécie de bronca ou apenas um
desabafo, mas ele parece muito mais sério do que quando
começamos a conversar.
— Também admiro sua dedicação por administrar bem sua
empresa, nem todos os bem nascidos gostam de se dedicar ao
trabalho.
Ele dá um firme aceno de cabeça.
— Tive muitos amigos ao longo da vida que só queriam saber
de gastar o dinheiro dos pais. Não que eu não gaste, mas nunca
quis ser o filho mimado e bancado, esperando para receber uma
herança.
— Admiro você por isso — acabo elogiando antes de pesar
as palavras. — Digo, a sua dedicação. Carol me disse que La
Roche é a construtora mais solicitada da capital e que foi você quem
conquistou esse patamar.
— Meu avô começou tudo quando veio da França para cá,
meu pai seguiu seus passos e eu apenas continuei o trabalho — ele
diz, modesto.
Dou um sorriso tímido, porque não sei mais o que dizer, como
continuar a conversa sem fazer parecer bajulação da minha parte.
Ficamos ambos em silêncio, e ele continua me analisando
com seus olhos esverdeados. Me sinto inquieta e quente, ansiosa,
desejando me mover na cadeira, agir de alguma forma, mas não
consigo, fico só imóvel enquanto sou observada tão de perto.
Lá fora está quente, mas aqui dentro de seu escritório o ar
condicionado está ligado na temperatura de 23 graus, sei porque
ergo o olhar para constatar. Aproveito para olhar em volta,
guardando na mente os detalhes da decoração. Há uma obra de
arte abstrata na parede leste, bem acima do sofá Chesterfield,
passo os olhos pelas estantes de madeira escura cheias de livros,
atrás de sua mesa há portas de vidro que dão para o jardim.
Seus olhos ainda estão em mim, e sinto minha nuca
esquentar, cravando ainda mais minhas unhas nas palmas. Meu
coração está batendo forte, quero saber porque ele não para de me
olhar, que interesse ele pode ter, porém não consigo formular
nenhuma teoria.
Volto meu olhar para ele, observando a calça de alfaiataria
grafite, com as luzes claras do cômodo, posso ver a curvatura dos
músculos de suas coxas, esperando estar sendo discreta, passo os
olhos pela sua pélvis coberta pela calça, observando a marca do
zíper, percebo o volume marcado pelo tecido de linho. Engulo a
saliva, ainda mais curiosa para saber como ele é sem as roupas,
então me dou conta do que estou fazendo e desvio o olhar,
piscando para recuperar o controle dos pensamentos.
— Posso te levar para jantar? — ele pergunta, me pegando
de surpresa.
— Jan-Jantar? — gaguejo a pergunta. Sinto minha nuca
suada, resultado do poder de atração que o corpo de Benjamin
exerce sobre o meu.
— Tenho uma proposta para você — ele diz, misterioso. — A
menos que já tenha jantado…
— Não! Não jantei! — respondo depressa. — Vou avisar a
Carol que o senhor não vai comer em casa… Digo, você! Me
desculpe.
Fica claro o quanto estou nervosa, ainda mais quando ele me
dá o sorriso torto outra vez.
— Não precisa avisar a Carol, eu mesmo faço. Vou colocar
Alicia para dormir e tomar um banho. Te encontro no carro daqui a
duas horas, pode ser?
— Claro — digo, sacudindo a cabeça, ainda perplexa.
Ben se dirige até o sofá, apanha o terno e a gravata e abre a
porta do escritório. Só me dou conta do quanto minhas pernas estão
moles quando fico de pé e preciso me concentrar para passar por
ele sem tropeçar nos meus próprios pés.
— Aonde vamos — pergunto e dou de ombros —, só para
saber o que devo vestir.
— Um restaurante perto da praia.
Não sei o que esperar, não sei o que posso usar, nem sei se
tenho algo à altura, estou desesperada, mas acima de tudo: não
posso dar atenção às teorias dignas de contos de fadas que se
desenrolam na minha mente, escapando do meu controle.
2
Ben
Ela age com graça, despreocupada como se não fosse a
razão da minha insônia nos últimos dias. Os cachos castanhos
emolduram seu rosto e a fazem parecer mais jovem que seus vinte
e dois anos.
— Pode ir na frente — digo quando ela para e me olha ao
chegar à porta.
Lia coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha e sorri,
fazendo seu queixo pontudo se destacar no rosto bem desenhado.
Ela faz que sim com a cabeça e eu quase ergo a mão para tocar
sua pele marrom clara, delicada como veludo, mas me controlo. Não
posso e não vou perder o controle com alguém que mal conheço
ainda.
Ela permanece me olhando por mais um momento, com os
olhos cor de mel cheios de dúvida. Sua pele reluz sobre a luz
amarelada da varanda do escritório, então ela balança a cabeça e
se vira em direção à casa.
— Lia — pronuncio seu nome, percebendo como a ponta da
minha língua toca o céu da boca com a pronúncia. — Lia.
— O quê? — ela pergunta ao se virar para me olhar, fazendo
as ondas de cachos balançarem à sua volta.
— Nada — digo, piscando, embasbacado pelo flagrante. —
Nada, eu só estava me lembrando de não chamá-la mais de Virgília.
Só Lia.
Ela sorri outra vez e então sai correndo pelo caminho de
pedras em meio ao gramado recém aparado. Observo suas formas
curvilíneas desaparecerem no jardim, em direção à casa, usando
um jeans claro, uma regata branca e chinelos, então estou sozinho
novamente.
Parado sob a luz da varanda, a solidão é quase palpável, me
deprime. Me viro para fechar a porta do escritório, ciente de que
este sentimento de vazio vai me seguir pelo resto da minha vida.
Não o recuso, não luto contra ele, só o aceito.
Respiro fundo e sigo o mesmo caminho que ela fez. Construí
o escritório a alguns metros de distância do meu lar justamente por
gostar de privacidade para trabalhar.
Há sete anos fiquei viúvo, há sete anos enfrentei a maior dor
que já senti, prometi que nunca mais me apaixonaria novamente,
que nunca mais permitiria que outra mulher se aproximasse de mim
a ponto de entrar no meu coração. E será assim pelo resto da minha
vida.
Prefiro afogar meu desejo em corpos desconhecidos,
descarregar minhas frustrações em mulheres que não exigirão
nenhum sentimento da minha parte. Uma, duas, três, quantas mais
a minha libido desejar, conforme a noite.
É assim que levo minha vida desde que fiquei viúvo. Sexo
sujo, fantasias devassas e um coração vazio. Me conheço o
suficiente para saber que não aguentaria passar por outra dor como
aquela que senti quando Luiza faleceu. Não desejo para ninguém e
não vou me permitir senti-la outra vez. Não se pode perder um amor
se você não se apaixonar, e eu tenho total controle do meu coração
e me policio para não deixar acontecer.
Sim, o vazio é melhor que a dor terrível, uma dor para a qual
não há remédio.
No entanto, há quase cinco anos, meu pai me fez uma
proposta: me passar o poder total da empresa, em troca de eu me
casar novamente. Um homem de família e de negócios precisa de
uma mulher ao seu lado, de uma mãe para a filha — palavras de
Raul De La Roche, meu pai.
Ele foi generoso e me deu cinco anos, caso eu não me
casasse nesse tempo, tomaria a empresa de volta e entregaria nas
mãos de um primo mimado pelo meu tio a vida inteira. Um completo
desastre. E o meu tempo está acabando.
Por quatro anos fingi que este trato não existia, e segui com
minha vida sem me preocupar com um casamento, mas o tempo
não para mesmo que você deseje, ele continua passando a cada
respiração, e eu preciso encontrar alguém que aceite se casar
comigo sem envolver sentimentos, alguém que precise da minha
ajuda a ponto de encenar um romance.
Lia é perfeita, não só pela necessidade de pagar a faculdade,
não só porque ela pode ser alguém que aceitaria um contrato de
casamento, mas porque ela é maravilhosa com minha filha.
Não há nada no mundo que eu ame mais que Alicia. A amo
tanto que, algumas noites, antes de me deitar para rolar na cama e
esperar pelo sono que raramente vem, vou até seu quarto enquanto
ela dorme e procuro por sua pulsação, no pescoço, nos pulsos ou
sobre o peito, só para ter certeza que o coração de alguém que amo
tanto ainda bate, sinto suas bochechas quentes e a beijo,
implorando a Deus que não a tome de mim também. E então,
quando me afasto do meu pequeno anjo, posso me entregar à
depressão das noites em claro.
Eu sei que, por mais que dê todo amor do mundo à minha
filha, além de tudo do bom e do melhor, ela ainda precisa de uma
figura materna. Não espero que alguém vá substituir o lugar de
Luiza, mas se minha filha for mais feliz com a presença de alguém
que a ame e oriente, terei feito a escolha certa.
Vi como Alicia está desde a chegada de Lia, foram semanas
de mudanças significativas.
Entro na casa, atravesso a sala de estar, passando as mãos
pelo piano de cauda sem fazer barulho, alcanço as escadas e subo
até o primeiro andar, jogando o terno e a gravata sobre uma das
poltronas da sala deste andar. Com passos apressados, chego até a
porta pintada de branco e dou duas batidas, antes de girar a
maçaneta.
Ela vem correndo na minha direção e se joga contra mim. A
seguro nos meus braços e sinto o peito quase preenchido de amor.
Me apego a esse sentimento, ignorando o quase, e procuro
esquecer do vazio.
— Painho, por que demorou? — ela me questiona, com o seu
jeito doce de me chamar.
— Precisei resolver umas coisas com Lia, sua babá —
explico, sentindo o cheiro de jasmim e ervas do seu cabelo molhado
e a carregando até a escrivaninha. Está de pijama e suas tarefas da
escola estão sobre a mesa.
— Com Lia? Não vai demitir ela, vai? — ela me questiona
com os olhos azuis arregalados. — Painho, sabe como gosto dela.
— Sei sim — digo a colocando no chão e tocando a ponta do
seu nariz com o dedo indicador. — Você nunca brincava no jardim
depois da escola, pensa que eu não sei que as babás reclamavam
de como você ficava tanto tempo no celular, sem sair de dentro
dessa casa, nem mesmo para brincar?
A timidez fica visível no seu rosto, Alicia murcha os ombros e
balança o pezinho para um lado e para o outro com as mãos atrás
das costas.
— Antes eu não sentia vontade de brincar — se justifica, na
defensiva.
— Não vou demiti-la — garanto, acariciando sua bochecha e
procurando sua mão para lhe passar confiança. — Lia está te
fazendo bem, na verdade, talvez ela possa ser mais que uma babá
para você — acabo deixando escapar, empolgado com a ideia de
encontrar alguém que faz tão bem a minha filha.
— Como assim, painho? Você e Lia vão ser namorados? —
ela me olha com o rosto inocente, mas o olhar de uma garota
esperta e observadora.
É minha vez de dar um sorriso tímido, ainda a encarado. Às
vezes, consigo conversar com ela apenas através do nosso olhar.
— Você já me viu com alguma namorada?
— Não… — ela admite, se demorando na pronúncia da
palavra.
— Então por que pensou isso? Lia e eu namorando?
Ela dá uma risadinha meiga, colocando a mão em concha
sobre a boca.
— Porque eu nunca parei de sonhar em ter uma mãe, nem
que seja de mentirinha — minha filha admite e, apesar de ela estar
sorrindo, suas palavras partem meu coração.
Me sinto culpado por nunca ter me permitido, não ter deixado
nenhuma mulher se aproximar o bastante, ter fechado meu coração,
e sei o quanto isso a afeta, mas tenho consciência que não poderia
cuidar de Alicia se eu tivesse o coração quebrado outra vez.
Minhas narinas se inflamam e os meus olhos ardem, engulo a
aspereza na garganta e forço um sorriso amarelo.
— Gostaria que fosse Lia? — pergunto, me arrependendo no
instante seguinte. Nem sei se ela aceitará a proposta, sequer sei se
terei coragem de propor isso, não deveria dar esperanças a uma
criança que já sofreu tanto pela falta de alguém.
Ela balança a cabeça em sinal de sim.
— Eu ia amar, painho! — ela diz com aquele sorriso que
destrói todas as minhas armaduras.
— Não vamos nos empolgar — a advirto. — Vamos ver suas
tarefas?
Após ler para Alicia e ela finalmente pegar no sono, atravesso
o hall e entro no meu quarto. As cortinas estão abertas e posso ver
o jardim através da janela panorâmica. Vou direto para o banheiro,
tiro as roupas e entro na ducha.
As lembranças de Lia preenchem minha mente, enquanto a
água morna me esquenta, penso no seu sorriso, sua pele
aveludada, a forma como se move quando não sabe que estou lhe
observando. Ela é a razão de eu me demorar cada vez mais no
banheiro, ainda mais hoje que vou estar tão próximo dela e preciso
estar no controle.
Deixo a barba por fazer, porque ficar de cara lisa me faz
parecer mais vulnerável. Tento escolher uma camisa que não
demonstre meu desespero quando fizer a proposta, mas desisto e
pego a primeira a aparecer na minha frente ao perceber que não
tenho ideia do que estou fazendo. Uso uma pomada no cabelo para
mantê-lo no lugar, meu perfume favorito, coloco a carteira e o celular
no bolso e desço brincando com a chave do carro para controlar a
ansiedade.
Eu não sei mais lidar com mulheres como ela, não sei como
as conquistar. Todas as mulheres com quem fodo não precisam ser
conquistadas, só preciso fazer um sinal com o olhar para tê-las. Elas
vêm conforme chamo, me satisfazem do jeito que exijo… mas quem
eu quero enganar? Isso não me satisfaz de verdade, e eu já não sei
mais conquistar uma garota. Não que eu queira conquistar o
coração de Lia, mas seria bom, pelo menos, saber manter uma
conversa agradável.
Alcanço a área onde os carros ficam estacionados, uma
garagem aberta, coberta por treliças de madeira e trepadeiras
caindo em cascatas. Escolho o SUV preto, com receio de pegar o
conversível e parecer esnobe.
Me apoio na lataria do carro e confiro as horas no celular.
Estou adiantado e aproveito para saber como estão as finanças,
quais investimentos caíram e quais tiveram lucros. Minha empresa
está em um excelente dia.
Um vulto me chama atenção e ergo os olhos da tela do
celular para ver Lia vir desfilando pelo caminho de pedras. Preciso
respirar fundo pela surpresa de vê-la de vestido. É amarelo com
estampa de flores, de alcinhas, apertado nos seios, os destacando
perfeitamente, e solto no quadril, descendo até metade das coxas,
exibindo pernas macias que nunca vi. Usa sandálias sem salto e de
tiras e carrega uma bolsa transpassada, o cabelo castanho
emoldura o rosto bonito, caindo em volta dos seus ombros em
cachos.
Sinto algo revirar dentro de mim quando ela para na minha
frente, segurando a alça da bolsa, sem fôlego. Logo percebo que o
tempo que passei a mais no banho foi inútil, que não importa que
me descarreguei no chuveiro, não posso ficar satisfeito quando
tenho uma mulher tão sexy por perto.
Será que ela sabe de seu efeito sobre os homens? Sequer
imagina que pode ter qualquer um aos seus pés? Na minha mente
suja, penso em quantas vezes ela já deve ter sido homenageada
por caras que ela nem fazia ideia que existiam. Na minha cabeça
perturbada, mostro o dedo do meio para todos eles, porque é
comigo que essa garota maravilhosa vai jantar esta noite.
— Parece que veio correndo até aqui — comento a primeira
asneira que me passa pela cabeça, me arrependendo logo em
seguida.
Me assusta a forma como ela preenche meus pensamentos,
como faz o pau dentro das calças latejar, mesmo que eu tenha
fodido três garotas na noite anterior e me aliviado antes de
encontrá-la, mas sei que meu coração está seguro, que o muro que
construí em volta dele tem a estrutura firme com as das construções
que projeto.
Lia me desconcerta de outra forma, é sexual, despertando
meu pior lado e, nesse momento, penso em puxá-la para meus
braços, tomar sua boca, provar sua língua, morder um dos bicos dos
seios se destacando no tecido frágil do vestido. Me pergunto o que
ela pensou quando escolheu a calcinha que está usando agora, vou
ainda mais longe imaginando o que ela pensou quando estava no
banho, se suas mãos desceram até a boceta, como ela é. Há
quantos dias ela não transa? Quem foi o último cara que ela fez de
trouxa? Por que ela terminou como o noivo?
Fantasio puxá-la para o banco de trás, colocá-la de quatro e
lamber sua bunda, apertando sua pele macia e quente, a
imaginando movendo o quadril para me tentar ainda mais e então…
estou duro na sua frente e preciso disfarçar, porque não posso
deixá-la saber o que eu gostaria de fazer com ela.
Não há como fazer uma proposta dessas a alguém como Lia,
mas preciso fazer e será esta noite.
3
Laia
Ah, Deus, como ele é gostoso! Minha mente grita. Estou tão
confusa com seu convite que minha mente cria fanfics sem noção.
Me concentro em passar pelo caminho de pedras e aperto a alça da
bolsa com força. Estou cansada de criar teorias sobre o motivo de
seu convite.
Pode ser apenas um comportamento padrão, faz isso com
todos os novos funcionários, talvez. Mas Carol não me contou nada
sobre, e eu também não fui até seu quarto perguntar. Fiquei no meu
quarto pequeno da edícula dos empregados, me perguntando aonde
iríamos, sobre o que falaríamos. A frase “tenho uma proposta para
você” rondou minha mente por duas horas, enquanto eu tentava
encontrar alguma roupa legal para usar.
Para minha surpresa, Benjamin já esperava por mim quando
cheguei à garagem. Inspirei o ar com força, o mantendo preso por
quatro segundos antes de expirar. Meu coração estava acelerado de
ansiedade.
— Pensei que sempre andasse com o motorista — comento
ao me aproximar dele, observando como ele fica elegante mesmo
não estando de terno e gravata. Usa uma calça de sarja preta e uma
camisa vinho dobrada nos cotovelos. — Nunca o vi sair sem o seu
Alfredo.
Dois motorista trabalham na casa, seu Alfredo fica o tempo
todo com Benjamin e seu Roberto permanece na casa, para fazer
compras, levar Alicia na escola, essas coisas.
— Seu Alfredo está de folga hoje. Algum problema ser
apenas nós dois? — ele pergunta, algo que poderia soar irônico,
mas não soa.
— Nenhum problema, eu só não… — Sacudo a cabeça, me
lembrando que é melhor ficar calada quando não se sabe o que
dizer. — Está tudo bem.
Ele faz que sim com a cabeça, seus olhos verdes me
encaram, me analisam com um brilho indescritível, me deixando
ainda mais nervosa.
— Você está linda — ele comenta, fazendo meu coração dar
um solavanco. Passo a mão pelo vestido amarelo e umedeço meu
lábio inferior, sinto gotículas de suor se formando entre meus seios.
O clima está quente, o ar carregado, mas sem sinal de chuva.
— Obrigada.
Quero dizer que ele também está, mas Ben já está abrindo a
porta do carro e estendendo a mão para que eu suba no SUV.
Olho para sua mão estendida e engulo a saliva, quando
nossas peles se tocam pela primeira vez, digo a mim mesma que
sou muito emocionada por pensar que há algum tipo de química
nisso. Ele segura minha mão com força ao me ajudar a entrar no
veículo.
O carro tem cheiro de novo, como se tivesse acabado de ser
comprado. Os bancos são de couro bege e o painel cheio de
botões. Quando ele dá a volta, entra no carro e o liga, uma música
começa a tocar automaticamente. Já está na metade, mas logo
reconheço como Back and Black, AC/DC.
Cantarolo um trechinho.
— Conhece? — ele me pergunta, surpreso, enquanto o
portão da garagem desliza, tornando visível a rua do condomínio.
— Sim, mas por que a surpresa? — não posso deixar de
questionar. — Acha que as pessoas do interior não curtem AC/DC?
Não me ofendi, é apenas uma brincadeira, mas posso ver seu
rosto ficar sério com minha pergunta.
— Eu não pensaria uma coisa dessas! — ele se justifica bem
rápido. — Só não pensei que alguém tão jovem ouviria uma banda
dos anos 80.
E então ele me olha, parado na calçada em frente à mansão.
Me sinto inquieta.
Me pergunto há quantos dias estou sem um beijo na boca,
sem um carinho do meu noivo, um toque masculino, mas não
consigo sentir falta de Lucas, pelo contrário, sua presença me
causava repulsa. Então como posso estar sentindo falta do que não
sentia?
Pisco, mordendo o lábio outra vez, e percebo que os olhos de
Ben se voltam para minha boca. Me passa pela cabeça que ele
também pode estar se sentindo carente, mas logo descarto essa
ideia, a jogando para fora do carro. Por mais que ele seja homem,
ele não é o tipo que se sente atraído por uma empregada pobre do
interior.
De repente, me lembro do clichê do patrão transando com a
empregada, e não consigo me decidir o quanto isso me incomoda,
porque a vontade de ser tocada toma conta de tudo.
Quero perguntar aonde estamos indo, o que ele quer comigo,
mas tenho medo da resposta não ser o que meu corpo deseja,
então tento não pensar em nada, afastar o desejo, mas é difícil
estando perto de um homem tão charmoso, sim, porque ele é ainda
mais atraente de perto, e usa um perfume que me faz querer me
inclinar para cheirar seu pescoço, uma mistura de ervas que o faz
parecer selvagem.
Desvio os olhos dele e observo a rua de mansões do
condomínio fechado. Está tocando Crazy, do Aerosmith quando
chegamos à guarita. Tento me concentrar na letra da música e
esquecer do resto.
Vejo os prédios, as luzes do estádio Arena das Dunas quando
passamos pela Av. Prudente de Morais e ele pega o desvio para a
Salgado Filho. Vejo as pessoas aglomeradas nos pontos de ônibus.
É quinta-feira. A calçada do Natal Shopping está lotada. Não há
trânsito no Viaduto de Ponta Negra, e logo estamos na Av.
Engenheiro Roberto Freire. Me concentro nos ciclistas no calçadão
ao lado da pista, nos pedestres, nas marcas dos carros que seguem
nas pistas do lado, em tudo, menos em estar indo jantar com
Benjamin De La Roche.
Ele faz o retorno na direção leste e desce uma rua em declive
na direção do restaurante Camarões, quando o carro entra no
estacionamento privado no subsolo, estou tão ansiosa, que não sei
como conseguirei comer.
Sou de família pobre, meu pai é ajudante de pedreiro, minha
mãe sempre trabalhou de doméstica e eu prestei serviços de babá
desde que me entendo por gente, algumas vezes, trabalhei em troca
de uns trocados, e o lugar mais sofisticado que já tinha comido
antes de vir trabalhar para Ben e Alicia foi na casa do pastor da
minha congregação, justamente porque era noiva do seu filho.
Nunca um homem me levou para jantar fora, para um
restaurante, muito menos a um lugar como este. Sei que não estou
vestida adequadamente, estou usando um vestido que eu mesma fiz
e rasteirinhas baratas. A alça da minha bolsa está descascando,
porque ela é de segunda mão, era da minha ex-sogra, e eu me sinto
deslocada, olhando todos os carros chiques nas vagas do
estacionamento. Então Benjamin desce e abre a porta do
passageiro, ele é alto, mais de 1,80m, e quando estende a mão para
me ajudar a descer, estou tão nervosa que esbarro contra ele.
Me equilibro, segurando na parte superior do seu braço e
perco o fôlego ao sentir a dureza dos músculos.
— Está tudo bem, Lia? — Benjamin murmura, me segurando
pelos cotovelos. Ergo a cabeça e encontro seu olhar preocupado.
— Eu tropecei — murmuro de volta, ainda segurando seus
braços, prolongando o contato.
Ele parece não se importar. Ergue uma das mãos e afasta o
cabelo do meu rosto.
— Calma — sussurra, dando um sorriso discreto. — É só um
jantar e uma proposta, nada demais.
Sua voz é aveludada, sedutora e me envolve. Balanço a
cabeça, patética, sem querer estragar seja lá o que ele esteja
planejando.
— Só estou nervosa — admito. — Nunca fui a um lugar
chique assim. Não estou bem vestida.
Estou surpresa com o fato de conseguir ficar tão próxima de
Benjamin sem querer me afastar. Suas mãos ainda estão nos meus
cotovelos, mas eu não sinto a necessidade de me distanciar dele,
não me sinto sufocada como me sentia quando meu ex-noivo
chegava perto de mim. Eu não gostava do toque das mãos de
Lucas, do seu hálito contra minha boca e muito menos dos seus
beijos. Era como se ele me oprimisse.
É a primeira vez que estou tão próxima de outro homem
depois de Lucas, e é chocante como, neste momento, estou me
sentindo à vontade com nossa proximidade. Não tem uma única
célula do meu corpo que deseje dar um passo para trás, empurrá-lo
ou simplesmente prender a respiração para não sentir seu hálito.
Pelo contrário, inalo seu cheiro, na esperança de que fique bem
vívido na minha memória.
Durante muito tempo pensei que tinha aversão ao contato de
um homem, agora mais do que nunca tenho certeza de que eu não
sentia nada por Lucas, e que fugir daquele casamento foi a melhor
coisa que eu poderia fazer.
— Acho que não estou vestida adequadamente para um
restaurante assim — balbucio, inquieta com a confusão de
pensamentos. — Eu mesma fazia a maioria das minhas roupas e
esse…
Sem que eu preveja sua ação, Benjamin pressiona o dedo
indicador no meu lábio, calando meus lamentos.
— Shiiih — ele sussurra contra minha boca, soprando seu
hálito fresco.
Desejo com todas as minhas forças que ele não seja o senhor
De La Roche, que não seja o CEO de uma das empresas mais
lucrativas do Rio Grande do Norte, que não seja um viúvo e muito
menos o pai da menina para quem trabalho. Imploro em
pensamentos, inútil, para que ele seja um rapaz simples, de uma
família simples, alguém que eu posso beijar, porque estou
desesperada por isso, como nunca estive.
Estou com medo, muito medo do sentimento que está
crescendo no meu peito.
Ele desliza a mão do meu cotovelo até minha mão direita,
então me faz girar 180º, ficando de costas para ele e de frente para
o carro.
— Veja como você está linda — ele sussurra bem perto do
meu ouvido, e seu hálito me provoca um arrepio gostoso.
Travo os dentes para que ele não note. Não quero que ele
perceba o que está causando em mim, que meu coração está
prestes a sair pela minha boca e que seu simples toque faz meu
interior arder de excitação.
Inclino a cabeça para ver melhor nosso reflexo, e mais uma
vez lamento por ele não ser um cara comum.
— O que foi? — pergunta. Encaro seu olhar refletido no vidro
escuro do SUV. — Você é linda, seu vestido é um charme e ainda
costura muito bem.
— Obrigada — sussurro de volta, afetada pelas suas
palavras, me sentindo ridícula por permitir me iludir assim.
— Vamos?
Faço que sim com a cabeça, e deixo que ele me guie até o
elevador, enquanto tento me convencer de que só estou carente.
— Sempre tem uma fila de pessoas esperando por mesas —
Ben explica quando chegamos ao salão —, mas tem uma mesa
reservada para a gente.
Olho para a direita, ao passar pela porta de entrada, e vejo
algumas pessoas à espera na calçada.
— A comida deve ser muito boa — comento, baixinho.
— Não é só pela comida — Ben rebate. — A maioria só está
aqui por status.
— Você vem aqui pelo mesmo motivo? — o questiono, mas o
maitre vem na nossa direção, e acabo não sendo respondida.
— Boa noite, senhor. Sua mesa está o aguardando — o
homem fala com sotaque do sul, e gesticula para que o sigamos na
direção norte do restaurante.
Percebo os olhares se voltarem para nós quando Benjamin
coloca a mão na base da minha coluna para que eu caminhe um
passo à sua frente.
Me sinto observada, estudada, medida e pesada ao
atravessar o restaurante com ele. Fico tão constrangida com a
atenção inesperada que temo tropeçar nos próprios pés, como fiz
quando desci do carro.
— As pessoas estão olhando — sussurro para Ben,
segurando a alça da bolsa com força, sentindo o material sintético
se desfazendo na minha mão.
Ele dá apenas um aceno de cabeça e se vira rapidamente
para cumprimentar alguém.
Quando chegamos à mesa, o maitre puxa a cadeira para que
eu me sente, o que faço rapidamente, doida para me livrar do
constrangimento.
Só quando Ben se senta é que olho em volta, observando a
decoração chique. É fato que nunca estive em um lugar assim. As
luzes são alaranjadas, há quadros, lustres, o acento e o espaldar
das cadeiras da mesa em que estamos é acolchoado, a toalha é
bege de linho e ao nosso lado há uma janela panorâmica com vista
para o mar de Ponta Negra.
Posso ver a lua deixando um rastro prateado na água, as
ondas quebrando.
A mesa é afastada das demais, mas ainda posso sentir os
olhos das pessoas em nós.
— Querem fazer o pedido agora ou preferem que eu volte
depois? — o homem pergunta.
— Aviso quando estivermos prontos para pedir — Ben fala
com praticidade. — Só traga uma garrafa daquele vinho…
— Weinert, senhor? — o garçom se antecipa.
— Este mesmo. E para mim apenas água.
O homem faz algo parecido com uma referência, pede licença
e sai.
É tudo estranho para mim, não de uma forma ruim, mas é
diferente, é uma outra realidade. Tento guardar o nome do vinho na
memória para pesquisar o valor quando chegar em casa, mas acabo
esquecendo logo em seguida.
— As pessoas querem saber quem você é — Ben diz assim
que o maitre nos deixa.
— O quê? — questiono, embasbacada.
— Você comentou sobre as pessoas estarem olhando, elas
querem saber quem é você.
Um garçom chega com uma garrafa de vinho, outra de água e
duas taças, em seguida, nos serve.
— Por que alguém iria querer saber sobre mim? — pergunto,
assim que voltamos a ficar a sós.
— Porque você está comigo — ele diz francamente, bebe um
gole de água e abre um sorriso que chega a ser perturbador de tão
charmoso.
— Ah! — balbucio, sentindo uma pontada no coração por
pensar em quantas mulheres ele já deve ter trazido a este
restaurante.
Resolvo experimentar a bebida, porque vinho me relaxa e
estou tensa, mesmo que em momento algum ele faça eu me sentir
como uma mera empregada. Espero encontrar o gosto doce e
suave dos vinhos baratos que estou acostumada a beber — tipo
garrafão de cinco litros —, e levo um susto com o gosto seco. Tento
disfarçar, mas acabo dando um sorriso amarelo quando ele
pergunta se está bom, não vou reclamar, afinal ele diz que é sua
marca de vinhos preferida. Bebo mais um gole e cruzo as pernas
por baixo da mesa, só então resolvo pendurar minha bolsa na lateral
da cadeira, na parte que está virada para a janela, assim ninguém
vai ver alça desgastada.
— Se soubessem que sou só a babá da sua filha, perderiam o
interesse na hora.
Bebo o terceiro gole de vinho, ainda sem receber o resultado
esperado, meu coração está ainda mais apertado. Estou com raiva
por permitir que uma pequena parte da minha mente alimente a
esperança de um dia poder dar um beijo em alguém como ele.
Benjamin está me encarando, seu rosto tem uma expressão
neutra, o que me deixa ainda pior.
— Nem todas as pessoas são assim — diz.
— Assim como?
— Preconceituosas — ele explica.
— Mas é isso mesmo: sou apenas a babá da sua filha —
insisto, sem saber exatamente porque estou fazendo isto.
— Ainda assim, isso não muda o fato de que eu nunca trouxe
uma mulher para jantar aqui e, mesmo se soubessem que você tem
um emprego digno como cuidadora de crianças, não perderiam o
interesse, até porque, eu não te convidei para jantar porque você é
a babá da minha filha.
Engulo a saliva, tentando imitar a expressão intacta dele.
— Me trouxe aqui para fazer uma proposta — digo, para que
ele saiba que não esqueci e que não estou deslumbrada, muito
menos iludida.
— Eu fico chocado como você não se mostra nem um
pouquinho curiosa em saber o que tenho a dizer — Ben observa, se
inclinando para trás e apertando levemente os olhos para me
analisar.
Endireito a postura, deixando as costas retas e a cabeça
erguida, com uma força que eu nem sabia que tinha, deixando para
trás a garota que dizia sim para tudo que os pais, o noivo e o pastor
falavam, então, ainda com a taça na mão, a balanço diante do rosto
e bebo um gole generoso.
— Você não vai me contar até chegar o momento certo, por
que ficar ansiosa? — provoco, com uma das sobrancelhas erguidas,
colocando a taça devagar sobre a mesa, mascarando toda a
ansiedade que estou sentindo.
Sei que parte da minha postura inesperada se deve ao fato
de, mesmo ele sendo meu chefe “montado na grama”, Benjamin não
me oprime, não me faz parecer boba, imbecil ou apenas um troféu
para ser exibido, como Lucas sempre fez, ainda que sejam
situações completamente diferentes.
— Está flertando comigo, Lia? — ele pergunta, se demorando
na pronúncia do meu nome.
Fico pasma com suas palavras, e preciso trincar os dentes
para não desmoronar de nervosismo na sua frente. Por sorte, o
garçom aparece e pergunta se já estamos prontos para pedir.
— Nos dê mais um minuto — Ben responde, voltando a ficar
ereto na cadeira.
Estou com fome, mas a ansiedade deixa meu estômago
embrulhado.
Ele abre o cardápio quando o homem se afasta. Faço o
mesmo, tentando fingir costume, mas vejo que seus olhos estão em
mim. Tento disfarçar, seu olhar faz alguma coisa no meu interior
esquentar, um calor gostoso entre as pernas.
— O que vai pedir? — me pergunta.
— Camarão parisiense — respondo, após passar os olhos
rapidamente pelo cardápio.
Ben ergue a mão e o garçom imediatamente aparece para
anotar o pedido. Ele acaba escolhendo o mesmo prato que eu, sem
pensar muito. Não sei se isso tem algum significado.
Olho em volta, flagrando vários olhares curiosos.
— Está incomodada? — Ben questiona. — Podemos levar o
jantar e comermos em outro lugar. Não precisa ficar se não está se
sentindo bem.
— Está tudo bem — minto, não gosto de ser o centro das
atenções. — Você disse que nunca trouxe uma mulher para jantar
aqui…
— Venho sempre aqui para reuniões do trabalho, mas nunca
vim… Minto, já vim com a mãe de Alicia, mas foi há muitos anos.
Desde que fiquei viúvo, você é a primeira.
— Nenhuma namorada? Nenhum… date?
Ele faz que não com a cabeça.
— Nada.
Franzo o cenho, curiosa.
— Acho que combinamos — ele comenta, observando as
pessoas em volta.
— Combinamos em quê?
— Como casal, acho que combinamos, já que estão tão
interessados.
Fico pasma outra vez, mas endureço o coração, bloqueando
as emoções.
O silêncio se instaura na mesa por um instante, até que o
garçom aparece com nossos pratos. Ben continua conversando,
mas dessa vez faz observações sobre a comida, a maré, o mar, o
lugar, a bebida, inclusive faz algumas observações sobre o vinho.
Percebo que não entendo nada disso, não tenho um paladar
sofisticado, mas pelo menos a comida está boa, os camarões
grandes e saborosos, estou faminta e consigo comer mesmo
estando uma pilha de nervos.
Como depressa, na expectativa de descobrir logo o que
significa tudo isso: o convite, o jantar, a conversa, as insinuações e,
principalmente, que proposta é essa que ele tem para me fazer.
— O que quer para a sobremesa? — Ben quer saber, quando
acabo o prato.
Penso em recusar, mas sou uma gulosa de nascença, passei
algumas privações na infância, minha família não tinha condições de
comprar muita coisa além do básico para a sobrevivência, e muitas
vezes, no recreio da escola, nos dias em que não havia merenda,
eu ficava olhando as outras crianças comprando lanches, com o
estômago roncando, mas nunca tinha coragem de pedir, ou
recusava envergonhada quando me ofereciam. Isso ficou para trás,
mas não perco a oportunidade de comer bem e não recuso nada
que um dia já tive muita vontade de comer, portanto, aceito uma
fatia de torta alemã.
A sobremesa chega mais rápido, e já estou quase à vontade
com a situação, a ponto de não me importar tanto com os olhares
das pessoas em volta, porque ele me deixa confortável com a
situação. Quase solto os ombros e desfaço a pose de intocável, mas
não sei o que me espera, então acho melhor manter as aparências
e a armadura levantada.
Fico ainda mais ereta na cadeira quando Benjamin limpa a
garganta. Ele passa o guardanapo de linho pelo canto dos lábios
após uma última garfada da torta, me fazendo desejar por um
instante provar do sabor que a sobremesa deixou na sua língua.
Aperto a mandíbula e contraio meu interior, tentando não ter esse
tipo de pensamento logo agora.
— Eu não sei como falar isso de uma forma mais suave, mais
discreta — Ben começa, deixando transparecer que está nervoso, o
que piora ainda mais meu estado.
— Só fale — sussurro, com a ansiedade atingindo um novo
pico, apertando minhas unhas contra as minhas coxas por baixo da
mesa.
— Preciso me casar — ele diz e sacode a cabeça em gesto
de negação logo em seguida. — É uma exigência do meu pai.
— Seu pai? — não posso deixar de perguntar com surpresa.
Ele balança a cabeça, olhando para o prato sujo de chocolate,
então volta a me encarar.
— Tenho quase trinta anos e meu pai ainda tenta controlar
minha vida — murmura, parece mais um desabafo.
— Porque você deixa — comento sem nem saber o que estou
falando, não sei praticamente nada sobre a família De La Roche.
— Eu vou ser direto, Lia, e só peço que não me interrompa
até eu terminar, tudo bem?
Meus nervos estão à flor da pele, porque nada que ele diz
parece ter relação comigo, mesmo assim, me trouxe até esse
restaurante para conversar comigo sobre isso.
— Conte — minha voz é apenas um silvo baixo.
— Meu pai nunca gostou da minha esposa, essa é a verdade,
mas quando ela morreu, meu luto o incomodou muito mais que meu
casamento com Luiza. Comecei a trabalhar com ele na empresa,
porque ele já estava velho e queria se aposentar, passei dois anos
sendo criticado e repreendido como seu eu fosse uma criança, mas
ao final desse período, ele me disse que passaria a empresa para
mim com a condição de eu me casar, abandonar o luto de vez e
arranjar uma mãe para minha filha, uma mulher para me ajudar a
crescer — ele fala depressa, se perdendo nas palavras, seu olhar
encontra o meu algumas vezes, mas isso não dura muito. — Ele é
um homem muito tradicional e gosta de ser agradado, gosta dos
privilégios que sua posição lhe oferece. Para falar a verdade, meu
pai tem pedidos bizarros, como esse que ele me fez. Me deu um
prazo de cinco anos para arranjar uma esposa, caso contrário,
tomaria a empresa de volta e a passaria para meu primo, que não
entende muita coisa de negócios.
— E você não se casou — não posso deixar de comentar.
— E só me restam alguns meses — Ben acrescenta.
— Não encontrou nenhuma mulher adequada nesses últimos
anos? — meu coração dói ao perguntar, porque tenho medo da
resposta.
— Nunca procurei, a verdade é que eu agi como se os anos
nunca fossem passar, como se o prazo não fosse vencer, até que…
— ele diz e ergue o olhar para me encarar. A luz amarelada reflete
nos seus olhos verdes, a barba está por fazer, os lábios
entreabertos, o queixo quadrado, tudo nele é harmonioso.
— Até que? — insisto quando ele não continua.
— Uma mulher apareceu na minha vida há algumas semanas
— ele diz, fazendo meu coração se espremer no peito, como se ele
estivesse dizendo que não há chance para nós dois. Sou ridícula,
não tenho nada a ver com a história dele e não deveria permitir me
afetar assim. — Uma mulher perfeita para ser minha esposa, para
ser mãe de Alicia, alguém… simplesmente perfeita. Mas eu não sei
como falar com ela, como propor isso a ela…
— Vocês já saíram juntos? — o questiono, sem conseguir
disfarçar a mudança de humor, sinto os músculos do meu rosto
contraídos, estou visivelmente emburrada, mas Benjamin não
percebe, está ocupado demais com seu próprio drama.
— Só uma vez, mas eu não sei o que ela diria a respeito
disso.
— Acho que deveria falar, afinal você disse que tem poucos
meses, não é? — Tento, mas não consigo disfarçar a chateação. —
Se não se casar, seu pai vai tomar a empresa e entregar para
alguém que pode não ter capacidade de cuidar. Imagino que só por
birra.
Benjamin limpa a garganta, mas não diz nada, está
encarando o prato vazio. Estou com a barriga cheia, chateada, com
sono e quero ir embora, preciso acordar cedo para cuidar de Alicia
amanhã e não quero ficar aqui sentada ouvindo-lhe discursar sobre
a mulher perfeita, mas não posso dizer nada disso ao meu chefe.
— Lia…? — ele me chama, cravando os olhos verdes em mim
sem piedade.
— Hm — murmuro, aborrecida.
— Você aceitaria se casar comigo nessas circunstâncias? —
Sua pergunta me pega de surpresa, meu queixo cai, mas ele não
espera que eu responda, começa a falar ainda mais rápido, como se
estivesse mais nervoso e ansioso que eu. — É um contrato, você só
precisa ficar casada comigo enquanto o contrato durar, depois que a
validade acabar, você estará livre para pedir o divórcio. Só preciso
que se porte como minha esposa em público, que meu pai acredite
que é um casamento genuíno. Não vai ser de graça, pretendo
recompensá-la pagando sua faculdade de medicina, o curso inteiro,
mesmo que o casamento acabe antes. A faculdade, as despesas,
um apartamento, um carro, e o que mais você precisar. Vamos
colocar tudo no contrato, só preciso que faça parecer que você me
ama.
Quando ele se cala, esperando uma resposta, agarro a taça
de vinho amargo e viro tudo na minha boca, sentindo o líquido
descer quente pela garganta.
Minha mente está enevoada, o que diabos posso pensar a
respeito disso?
— Mas você disse que tinha encontrado uma mulher perfeita
— murmuro com voz de choro, emocionada com a possibilidade de
estudar, de me formar, mas também de ter alguma coisa com ele.
Estava mentindo para mim mesma durante toda a noite, tentando
ocultar que estou me apaixonando por Ben.
— E encontrei, Lia — ele diz com o olhar apelativo, me
fazendo morrer de vontade de me atirar nos seus braços. — Você é
perfeita, é doce e educada, mas se impõe quando precisa, sua
postura revela um poder interno, uma força de vencer na vida que é
admirável, e acima de tudo isso, você adora minha filha, você a
transformou nesse pouco tempo, a fez se abrir mais para o mundo,
ninguém melhor que você para ser uma mãe para Lia.
Pisco, respirando fundo para manter as emoções guardadas
por um instante.
— Um casamento com prazo de validade? — o questiono,
começando a analisar com a razão.
— Só se você quiser se divorciar depois, caso queira
continuar, podemos renovar o contrato, mas preciso ficar casado por
algum tempo antes do divórcio.
— Em troca, a minha faculdade… — chega a ser surreal
pensar assim. — E como ficaria meu trabalho de babá?
— Não precisa mais trabalhar se for minha noiva, minha
esposa, você não será mais uma babá, e sim alguém que ajudará
na criação de Alicia. Podemos contratar uma cuidadora, para que
isso não atrapalhe seus estudos.
Seria hipocrisia da minha parte ter escapado de um
casamento por conveniência e aceitar outro que pague mais? Me
sujeitar a outro homem só para ter uma condição de vida melhor?
Não que com Lucas eu estivesse de acordo. Lucas me paquerou
durante duas semanas de culto, quando seu pai se mudou com a
família para a minha cidade para substituir o pastor antigo na nossa
congregação. Sem perguntar se eu queria isso, foi até minha casa e
pediu minha mão em namoro aos meus pais. Eles disseram que sim
sem me consultar, porque para meu pai, eu nunca tive vontade
própria, o mesmo que ele sempre pensou da minha mãe.
Ele a traía, batia nela, a privava de administrar o próprio
salário e pagava de bom marido, indo com a família à igreja
semanalmente.
Eu estava trabalhando como babá dos filhos pequenos de
uma vereadora da cidade quando meu pai decidiu que eu namoraria
o filho do pastor. Para ele, isso por si só já era como ganhar na
loteria, mas tudo ficou ainda mais emocionante quando, uma
semana depois de ir até minha casa pela primeira vez, Lucas
resolveu que eu iria parar de trabalhar. Ele se ofereceu para pagar o
valor que eu ganhava a meus pais, para que eu ficasse em casa,
visto que precisávamos do dinheiro para a sobrevivência.
Meu pai não via dessa forma, mas me senti vendida. Sem ter
o que fazer, porque era aceitar aquele namoro ou levar uma surra,
mesmo já tendo dezenove anos, decidi tentar enxergar um lado bom
naquilo — sobraria mais tempo para estudar, já que eu tinha
fracassado no último vestibular para medicina. Mas meu pai nunca
gostou de me ver desocupada, e mesmo que Lucas estivesse
literalmente pagando para não namorar com uma garota que
trabalhava de babá, meu pai fez questão de arranjar crianças para
que eu cuidasse em casa por algumas horas por dia.
Quando Lucas descobriu que eu continuava trabalhando, me
deu um tapa no rosto e em seguida empurrou minha cabeça contra
a parede, dizendo que eu precisava aprender que alguém como ele
não poderia namorar alguém que trabalhava de babá. Ainda me
lembro como ele me desprezava por isso, me queria exclusivamente
porque me achava bonita, um troféu para exibir.
Não culpo o pastor, seu pai, não culpo a religião. Meu pai e
Lucas são homens desprezíveis, machistas, abusivos que se
escondem em pele de cordeiro, mas só quem convive com eles
sabe como realmente são entre quatro paredes. Hipócritas. Lucas
nunca insistiu em ir para a cama comigo porque queria uma noiva
virgem, mas eu sabia que ele me traía, assim como meu pai sempre
traiu minha mãe.
Vi a história se repetir, primeiro com mamãe, uma mulher
submissa, e então comigo. A única arma que eu tinha era o estudo,
mas nem isso deu certo. Do namoro ao noivado com Lucas foram
dois anos, um mês e catorze dias em que eu apanhei tanto dele
quanto do meu pai, e fui obrigada a fingir que era apaixonada por
ele em público, fui humilhada, oprimida e forçada a me comportar
como alguém que eu não era, como se eu pudesse ser moldada
para ser a esposa ideal de alguém que não passava de um babaca
mimado.
Fugi na primeira oportunidade. Carol é da minha cidade, e
acabei encontrando com ela em um culto de domingo, me perguntou
se eu conhecia alguém que gostaria de trabalhar como babá para a
mesma família que ela trabalhava na capital, a puxei para um canto,
sem pensar direito nas consequências, e disse que eu queria, mas
precisava fugir.
Deixei um bilhete sobre minha cama com a aliança em cima,
pedindo para não me procurarem. Meu coração se partiu ao deixar
minha mãe, porque eu sabia que ia sobrar pra ela, que meu pai a
castigaria pela fuga, mas se eu ficasse, se não aproveitasse a
oportunidade, acabaria como ela.
Pedi para Carol manter segredo, porque tanto Lucas quanto
meu pai poderiam vir atrás de mim se soubessem onde eu estava.
Além disso, ela ainda se ofereceu para ficar de olho na minha mãe.
Devo muito a ela.
— Estudar medicina é o meu maior sonho, maior objetivo da
minha vida — confesso, enquanto o filme da minha vida desfila pela
mente como um show de horrores.
— E posso te ajudar, se case comigo, Lia. Vai estar tudo no
contrato.
— Deve ser um contrato com muitas páginas — digo, rindo de
nervosismo. O destino me parece muito com uma armadilha agora.
Será que estou fadada a isso?
Mas Benjamin não é como Lucas. Carol teria me contato. Eu
vejo como ele cuida de Alicia todas as noites, como se importa com
a filha, como trata bem todos os funcionários. Não posso acreditar
que ele faria as coisas que Lucas fez comigo, ou que meu pai faz
com minha mãe, além disso, o que estou sentindo por ele nesse
curto período de tempo é mais forte do que senti por Lucas em mais
de dois anos.
— Só vai haver uma condição, além de ser minha esposa —
ele diz.
— Qual?
— Você não pode se apaixonar por mim.
4
Ben
Se fosse apenas por Lia, eu jamais teria feito esta condição,
mas eu sabia que era mais por mim do que por ela. Eu não quero
me apaixonar novamente, mesmo que ela seja uma mulher incrível,
não quero viver com medo de ter meu coração partido em milhares
de pedaços outra vez.
Respiro fundo enquanto ela me encara do outro lado da
mesa, os olhos cor de caramelo ficam lindos na iluminação
incandescente do restaurante.
Sinto os olhos dos outros clientes em mim e tenho vontade de
sorrir para eles e dizer, sim, ela está comigo, sim finalmente estou
saindo com alguém, e eu também sei que ela é linda e sou sortudo.
É coisa de ego, não sei explicar direito, mas eu sinto orgulho de
estar com Lia aqui, mesmo que isto não signifique praticamente
nada.
A observo franzir o cenho e respiro fundo, quero dizer algo
que a faça se sentir mais segura de embarcar nesse navio comigo,
mas o que posso falar? Eu não mereço alguém como ela, não
depois do que fiz com minha vida nos últimos anos.
— Posso saber por quê? — ela pergunta, o queixo empinado
e marcado, me faz desejar deslizar o dedo naquela linha.
— Porque as coisas serão mais fáceis se não existir
sentimentos — explico, passando a ponta do dedo indicador pela
sobrancelha que coça quando fico ansioso.
— Mas se acontecesse, se um de nós dois acabasse se
apaixonando? — ela insiste.
Meu peito infla, me arrumo na cadeira, sendo tragado pelo
pensamento, pela ideia surreal de tê-la por completo na minha vida,
mas definitivamente não posso cair nesses pensamentos tolos, eu
não suportaria passar pela dor da perda outra vez. Sei o tipo de
homem que sou.
— Eu não vou me apaixonar — minha voz soa seca, baixa, e
não estou afirmando isso para Lia, e sim para mim, porém ela me
ouve e arregala levemente os olhos.
— É claro que não — responde com o rosto sério, inclino a
cabeça para o lado, sem saber se ela está brava comigo. — Você
nunca se apaixonaria pela babá.
Levo alguns segundos para processar sua fala, Lia acha que
há algo nela que me impeça, que me afaste? O simples fato de ela
ter uma profissão que pague pouco jamais seria suficiente.
— Não é sobre você, Lia — faço questão de pronunciar seu
nome, sem motivo algum. — Se isso importasse, eu não estaria te
propondo que se casasse comigo.
Ela ergue a sobrancelha,o semblante cheio de dúvidas.
— E o que é, então?
— É complicado — sou sucinto.
— Como pode ser complicado? Moraremos na mesma casa,
não é? — ela pergunta e eu assinto. — Às vezes, precisaremos nos
beijar em público, dormir no mesmo quarto, suponho, as pessoas
saberão sobre nós, o que mais pode ser complicado?
Ela me encara, ainda brava, esperando uma resposta. Não
quero que ela desista, não quero imaginar outra mulher entrando
dessa forma na minha vida, fazendo parte da minha família, se
aproximando da minha filha, mas não posso me dar ao luxo de
desistir de um casamento, deixar meu pai pegar a construtora de
volta, e a entregá-la para um primo mimado, mal criado e que vive
de mesada. Preciso desse casamento a todo custo, e preciso que
seja Lia.
— Eu sou complicado — digo, soando o mais sério que
consigo, para que ela consiga entender. — Você não vai querer se
envolver emocionalmente comigo.
— Te vi com sua filha, vejo vocês juntos todas as noites,
alguém que trata a filha tão bem não deve ser assim tão
complicado.
— Por que insiste nisso? — pergunto sem pensar direito,
deixando a voz se elevar em um momento de descontrole. — Por
acaso está apaixonada por mim para se opor tanto a um pequeno
detalhe?
— Não — ela diz, ainda mais séria. — Não te conheço direito,
por que estaria apaixonada? Só insisti porque quero entender tudo
dessa proposta antes de pensar se vou aceitar ou não, e
simplesmente não consigo entender o que poderia nos impedir, já
que não é a diferença de classe social.
— Sabe por que eu nunca namorei, Lia? Por que eu não
encontrei uma mulher para se casar comigo da forma tradicional? —
a questiono, e ela continua me encarando, com a expressão de
curiosidade misturada ao desprezo. — Eu não permito que ninguém
chegue perto de mim dessa forma, e também não vou permitir que
você faça.
Suas narinas estão inflamadas, não consigo nem raciocinar
quando foi que perdemos o controle da conversa dessa forma,
quando nossos nervos ficaram tão exaltados.
— Então você está completamente sozinho desde que ficou
viúvo? — ela provoca.
— É claro que não. — Minha resposta a faz respirar
pesadamente, sem paciência.
Percebo meu próprio nervosismo, devo estar estragando as
coisas, mas, se tem algo que preciso deixar claro, é isto.
— Lia — baixo o tom de voz e falo pacientemente —, você é
linda, meiga, atraente, tudo que alguém poderia procurar em uma
esposa, mas eu não presto, eu não sirvo para ser o dono do
coração de alguém como você, e se não está apaixonada por mim,
não posso permitir que haja a mínima possibilidade de algo entre
nós acontecer. Quero que seja você a se casar comigo, mas você
tem que saber o tipo de homem que sou.
— E você vai me mostrar?
Sacudo a cabeça positivamente e aceno para o garçom,
pedindo a conta. Em poucos instantes, ele aparece com o recibo
contendo o valor do jantar e a maquininha de cartão. Quando
termino de digitar a senha, Lia já está de pé, segurando a bolsa
contra o peito.
Levanto-me e ela se adianta. Dou uma passada larga e
alcanço sua mão, que escapa por entre meus dedos.
— Lia, por favor — a peço, sentindo uma pontada na boca do
estômago, com a sensação de vazio dominando meu peito. Estava
feliz até pouco tempo, agora o sentimento de nada me pega de
surpresa, me puxando para o buraco.
Ela para por um instante e me olha, insisto em entrelaçar
nossos dedos e dessa vez ela permite.
— Espero que tenha gostado pelo menos da comida —
resmungo, sabendo que sou responsável pela brusca mudança de
humor e pelo fim indigesto do jantar.
Deveria ter explicado direito, ter ensaiado mais.
Ela ergue o rosto para me olhar, pequena, sua cabeça nem
chega a alcançar meus ombros, e sorri, acabando com minha
estrutura.
— Foi ótimo — diz, então sussurra: — O que mais quer que
eu finja?
Estamos diante do elevador, aperto o botão para descer e
tento pensar em algo que amenize isso, só que estou nervoso e
ansioso demais para pensar com clareza.
— Você é incrível, você é maravilhosa, adoro vê-la com minha
filha, tem tudo que eu procuraria em uma mulher, mas eu não sou
alguém que se apaixona, não depois de ficar viúvo.
Ela respira fundo, e sinto que ainda preciso acrescentar algo
na minha justificativa.
— Não posso te explicar exatamente o porquê, mas posso te
mostrar. — As portas do elevador se abrem e entramos. — Você já
foi noiva, deve entender que um relacionamento não é simples
assim.
Ela ergue o rosto e dá um aceno de cabeça, compreendendo.
— Sei melhor que ninguém — Lia afirma. — O que sabe
exatamente sobre o meu noivado?
— Que você desistiu e se mudou para cá — respondo
exatamente o que sei. Não fiz muitas suposições sobre isso, porque
sei que uma mulher como ela não se contenta com pouco, que seria
muito fácil de perdê-la. — Você merece o mundo, Lia, e não estou
me referindo a dinheiro.
— Você me entende — ela sussurra quando a porta do
elevador se abre. — Entende que o dinheiro não pode conquistar o
coração de ninguém.
Faço que sim com a cabeça, a puxando para fora do
elevador, antes que faça a besteira de quebrar minha primeira regra:
nunca beijar na boca. Eu não beijo há muitos anos, e por mais que
eu esteja sedento por seus lábios, pela língua rosada que aparece
quando ela umedece o lábio cheio, não vou me deixar levar.
Minhas extremidades latejam de desejo quando chegamos
até o carro, a mente é uma tormenta de pensamentos, mas preciso
me colocar nos eixos.
Sei que hoje mesmo posso encontrar uma mulher e afogar
dentro dela o tesão que me consome, mesmo que o alívio dure
alguns momentos, sei que tenho à minha disposição mulheres
dispostas a me satisfazer sem exigir sentimento em troca, sem o
mínimo de envolvimento emocional, elas sequer me beijam na boca,
sabem minhas regras. É assim desde que perdi Luiza, e continuará
sendo. Não vou me trair, me entregando a um sentimento que
provavelmente será efêmero, não vou quebrar minhas promessas.
Estou mais que decidido quando dou partida no carro, pelo
menos minha mente está, já o corpo… O pau lateja tanto que chega
a doer. Olho para ela, enquanto acelero pela Av. Engenheiro
Roberto Freire, tomando a direção da Via Costeira. O trânsito está
calmo. O cabelo de Lia está mais solto, os cachos contornando seu
rosto, ombros. Só quero tocar o vestido que ela mesma costurou,
tirá-lo, apertar seu corpo contra o meu, segurar um dos seios na
palma da mão e chupar o outro…
Sacudo a cabeça na tentativa de afastar os pensamentos,
mas fica difícil com ela ao meu lado.
— Aonde vamos? — ela quer saber, está olhando para fora,
através da janela do carro, para o mar escuro.
— Já vamos chegar.
— O que tem para me mostrar? — questiona.
— Você vai entender que eu não mereço alguém como você,
e vai saber separar um casamento de fachada de qualquer
sentimento que poderia vir a existir entre nós.
Desacelero para virar à direita na pequena entrada ao lado da
via costeira, tão escondida que mal pode ser encontrada por quem
não conhece o local. Abaixo os faróis enquanto desço pela rampa,
meu corpo está em chamas ao pensar no que pode acontecer
agora.
Estaciono em uma vaga distante e desço. Dou a volta no
carro depressa para abrir a porta para Lia. Ela olha para minha mão
estendida com o rosto cheio de dúvidas, mas acaba aceitando.
Adoro como minha mão se fecha em volta da sua, tão
pequena e delicada dentro da minha. Podemos ouvir as ondas
quebrando nas pedras a alguns metros dali, a maré está cheia e a
lua deixa um rastro no mar. Lia cruza os braços, incomodada com a
brisa fresca que vem da água.
— Vamos entrar — digo, meus batimentos martelam nos
ouvidos.
A puxo pela mão e sigo o caminho de britas até a entrada
discreta do clube, a guiando pelas escadas. Vejo a luz avermelhada
que vem lá de dentro, iluminando a porta como se o interior do clube
fosse o próprio inferno.
— Boa noite, senhor De La Roche — a recepcionista me
cumprimenta com um sorriso que exibe as lentes de contato
brancas nos dentes.
— Boa noite, Michelle — a cumprimento pelo nome. — Ela
está comigo, preciso de uma pulseira.
— É claro — Michelle diz, abrindo ainda mais o sorriso. —
Devo colocar na sua conta?
— Sim.
Alcanço a carteira no bolso e tiro o cartão preto, a entrego e
ela processa a compra da pulseira, em seguida oferece as três
opções de cores para Lia.
A preta significa que ela ficará só observado, que ninguém
deve tocá-la, a amarela diz que a pessoa está aberta a uma
aproximação, e a verde sinaliza que o usuário está disposto a tudo.
Escolho a preta e eu mesmo coloco em seu braço, sem
permitir que ela veja a tabela ao lado de Michelle, com letras
amarelo neon com os significados de cada cor. Não quero dar a ela
a opção de permitir ser tocada, algo estranho me faz sentir repulsa
pela ideia.
— Que lugar é esse? E por que minha pulseira é preta? — Lia
pergunta com os olhos curiosos.
— Você já vai descobrir — digo e seguro sua mão com força,
a puxando para dentro.
5
Laia
A única luz que ilumina o lugar vem de uma faixa de led
vermelha na junção entre o teto e a parede. Ouço uma música
baixinha, e alguns sons que me lembram gemidos. Acho que sei
onde estou, o que tudo isso significa e, por mais que a menina
criada sob os ensinamentos de uma religião mais severa queira sair
correndo dali, a nova Lia da capital decide ficar.
Os dedos de Ben estão entrelaçados nos meus com força,
como se eu pudesse escapar dele a qualquer momento. Olho para
seu rosto e me sinto mal com o que vejo, ele não é mais o cara que
sorria e brincava de flerte comigo no restaurante.
Parece que sua máscara foi tirada aqui, que foi deixada na
entrada desse lugar, ele parece alguém misterioso, que esconde
segredos e teme ser pego, seus olhos verdes, agora escurecidos
pela fraca iluminação, parecem perturbados, mas sinceros, é como
se eu estivesse vendo-o sem roupas, exposto.
Minha respiração está acelerada, a de Ben também, estou
ansiosa pelo que vou testemunhar aqui, meu coração também dói
por saber o tipo de lugar que ele frequenta, mas a curiosidade é
maior que tudo.
— Obrigada por me mostrar — murmuro, com os nervos à flor
da pele.
— Você ainda não viu nada — ele sussurra com a voz
torturada. — Lamento por não ser o homem que te oferecia um
coração, mas não poderia mentir só para te fazer aceitar o acordo,
para que você assinasse o contrato. Não seria justo com você.
Faço que sim com a cabeça.
— É por isso que estou agradecendo — digo, descendo as
escadas em caracol.
— Você merece saber onde está se metendo.
Chegamos ao andar inferior e ele abre a porta para
entrarmos. Meus olhos varrem o lugar, procuro guardar os detalhes,
pois sei que provavelmente nunca voltarei aqui. A música é
envolvente, alta, mas não o suficiente para incomodar os ouvidos,
as batidas do meu coração parecem se ajustar à melodia. Há
homens elegantes, altos, jovens e também mais velhos dançando
com garotas mais ou menos da minha idade.
Aperto a mão de Benjamin, nervosa, desejando que ele não
me deixe aqui sozinha.
Eu levaria uma surra do meu pai, independente de quantos
anos tenho, se soubesse que estou aqui. Sei também que até Lucas
me daria uns puxões de cabelo ao me arrastar para fora deste lugar,
quando ficasse sozinho comigo, me puniria da maneira que julgasse
mais adequada, só que nem isso me faz querer sair correndo, eles
não podem me machucar aqui.
As mulheres são bonitas e usam roupas provocantes, vejo
alguns casais se beijando, há cerca de trinta pessoas aqui.
Eu nunca fui a uma boate, mas suponho que seja parecido
com isso.
Ben me puxa na direção do bar, solta minha mão e a coloca
em minha cintura, para que eu caminhe ao seu lado. Me sinto
segura, mesmo que esteja receosa.
— Ninguém vai te tocar por causa da pulseira — ele diz aos
sussurros contra meu ouvido quando chegamos ao balcão, seu lábio
toca o lóbulo da minha orelha, fazendo eu me encolher para conter
os arrepios.
— Isso inclui você? — pergunto, ciente de que estou sendo
atrevida, de que fui rude e mal educada com meu chefe, como
nunca fui com Lucas, mas ele faz eu me sentir à vontade para ser
eu mesma, ainda que de um jeito estranho e difícil de explicar.
— Você quer que eu toque? — ele questiona e seus lábios
ficam entreabertos. Nossos quadris estão tão próximos que posso
sentir o calor emanar dele, sentir seu hálito, seu cheiro, meu corpo
reage furioso com a ideia de beijá-lo, de ser tocada por ele.
Não sei o que responder.
— O que vão beber? — o garçom pergunta. É um rapaz mais
ou menos da idade de Ben, moreno e de barba cerrada.
— Uma taça de vinho para ela — Ben pede, me fazendo
perceber que ele não vai consumir álcool enquanto está dirigindo.
Bebo um gole assim que sou servida, agora preparada para o
sabor seco do vinho tinto, satisfeita pela reação que ele causa no
meu corpo desta vez.
— Quer conhecer mais? — ele me pergunta.
Aceno com a cabeça e me deixo ser guiada, bebendo goles
generosos ao caminhar, largando a taça vazia sobre uma mesinha
redonda ao lado de um sofá ocupado por um trio, dois homens na
casa dos quarenta e uma ruiva de vinte e poucos anos.
Paro para olhar por um instante, Ben também para. A ruiva
está no meio, seu sutiã é de um material que imita couro, está
abaixado e um dos homens chupa seu seio, o outro beija seu
pescoço, com a mão dentro da sua saia.
Ao me ver, ela ergue a perna e coloca o pé sobre a mesa, ao
lado da taça de vinho, então me chama.
Sinto os bicos dos meus seios se enrijecendo, minha boca
seca, me pergunto qual é a sensação de ter um homem passando a
língua no meu mamilo, colocando a mão entre as minhas pernas.
Me sinto molhada, curiosa, enquanto estou parada olhando a cena,
o vinho deixando minhas pernas trêmulas.
Ben aperta minha cintura contra seu corpo, como se quisesse
me dizer alguma coisa, e volto a andar ao seu lado. Chegamos a um
corredor ladeado por quartos com paredes de vidro. Está rolando
tudo que se possa imaginar dentro dos quartos, coisas que jamais
imaginei que fosse presenciar assim, ao vivo e em cores.
Não sei como ainda estou de pé aqui, como não estou
correndo para fugir, mas os gemidos me envolvem, me fazem
querer observar. Queimo ao ver duas garotas fazendo um meia
nove enquanto um homem chupa a bunda de uma delas.
A curiosidade me faz querer saber como é. Olho para outra
cabine e vejo dois homens e uma mulher grudados, encaixados em
uma espécie de sanduíche. Me pergunto como ela aguenta a
penetração dupla, um em cada orifício, mas ela não parece
incomodada, está gemendo feito louca, até que um terceiro homem
aparece e coloca o pênis na sua boca. Ela chupa com vontade,
envolvida pelos três em uma intimidade profunda.
Passo os olhos pelas outras cabines, vendo casais, trios,
grupos, transando como se não existissem regras sociais, como se
o inferno não os esperasse.
— É aqui que venho, é com essas mulheres que eu fodo, e
não vou parar — Ben sussurra ao meu lado com o tom de voz que
chega a seu cruel. — É a esse lugar que eu pertenço, é esse tipo de
homem que sou.
É só aí que me dou conta, que sinto meu coração se
quebrando, quando tento imaginá-lo no meio daquelas pessoas,
daquelas mulheres e homens. Me sinto ridícula por não ter me dado
conta antes, por não ter estado ciente esse tempo todo. É aqui que
ele vem quando sai de casa depois que sua filha dorme, ele sai de
casa para foder como um animal irracional, e isso me destrói.
Sinto os olhos úmidos de raiva por sentir ciúme do meu chefe,
por querer dizer que ele está errado, por não saber se quero ir
embora ou se quero ficar.
Imagino que ele já beijou todas as mulheres deste lugar, que
ele as devorou, que as mãos de todas elas já estiveram no seu
corpo. Ben é sujo, e estava escondendo tudo isso de mim com uma
falsa educação, mas seu jeito sedutor escapava de vez em quando,
só eu que não quis ver.
— Quem são essas garotas — pergunto, sem conseguir
disfarçar a frustação.
— Algumas são sócias, mas a grande maioria é contratada da
boate, ganham muito bem para trabalhar aqui.
— Isso é um cabaré — comento, irritada. — São prostitutas.
— É um clube onde realizamos nossas fantasias e algumas
mulheres são pagas para participar disso — ele explica, me
deixando ainda mais nervosa.
Quero perguntar quanto ele paga por mês para ser sócio
deste lugar, para alimentar sua perversidades, quero ofendê-lo,
dizer que sua mulher teve sorte de ter morrido para não ver o tipo
desprezível de homem que ele é. Quero bater no seu peito e dizer
que ele é um babaca, e espero que ele morra sozinho, mas não
tenho absolutamente nada a ver com isso, o que só me frustra ainda
mais, então engulo todas as emoções ruins.
Vejo a ruiva se aproximando, a mesma que estava no meio
dos dois homens no sofá. Ela usa uma sandália preta de tiras, e
vem rebolando na nossa direção, olhando diretamente para Ben
com os seios redondos à vista, os bicos rosados apontando na
direção dele.
A raiva, a frustração e o ciúme é tamanho que me faz ficar na
ponta do pé quando ela se aproxima, entrando no meio do beijo que
ela vai dar em Ben.
Nunca beijei uma mulher, nunca pensei que isso fosse
acontecer e nunca desejei fazer, mas puxo seu pescoço para baixo,
com a mão pousada em um dos seus seios, o mamilo causando
cócegas na palma. Sua língua entra na minha boca, seus lábios são
macios e têm gosto de álcool, estou perdida, me deixando ser
levada pelas emoções, e correspondo como nunca sequer
correspondi meu ex.
Então sinto uma mão passeando pela minha coxa, entrando
por baixo do meu vestido. O desejo pede para que a mão continue,
que toque meu sexo pulsando de excitação, que aplaque o desejo.
Sinto os lábios de Ben no meu pescoço e me permito ser tocada por
ele. Sua mão afasta meu cabelo e sua língua lambe a pele. Me
contorço de prazer e sua mão alcança minha calcinha, deslizando
por cima do tecido, me fazendo perceber que estou molhada.
Me rendo a sensação por alguns segundos, me sentindo
desejável e sexy entre os dois, entregue ao prazer, como se eu
fizesse parte daquele mundo, até que a razão se sobressai e a
empurro para longe de mim.
Pisco, sem acreditar no que acabei de fazer. A culpa me deixa
tonta, cega.
— Ele já está acompanhado — respondo com o tom de voz
sério, como se eu tivesse algum poder de domínio sobre Ben.
— Posso acompanhá-los também — ela insiste.
— Não precisamos da sua companhia — rebato, ainda em
chamas.
A mulher dá meia volta e caminha pelo corredor. Mais
pessoas passam à nossa volta, procurando cabines para entrar,
outras se agarrando ali mesmo. Estou perdida, Ben não é o príncipe
que pensei, eu não sou a cinderela, ele é sujo e acabou de me
contaminar. E o pior de tudo é que uma parte de mim ainda continua
iludida.
Quero desaparecer dali, mas minha pele e meu corpo ainda
querem ficar.
— Quer entrar em uma das cabines? — Ben sugere. — Quer
se juntar a algum grupo? O que quer fazer? Esta noite, você pode
tudo, Lia, e ninguém vai saber, é nosso segredo, pode se entregar.
— Foi para isso que me trouxe? Para que eu realize minhas
fantasias? — o questiono, a ira perceptível na minha voz.
— Te trouxe aqui para que soubesse exatamente quem eu
sou. Mas você gostou muito mais do que eu poderia imaginar, você
beijou Julia… Eu não esperava por isso.
— Acha que beijei aquela garota por desejo? Você não sabe
de nada! — o acuso.
Não ligo mais para as pessoas nas cabines, para as que
estão passando em volta, para os gemidos.
— E por que a beijou? — ele insiste.
— Porque eu não queria que ela te beijasse, porque fiquei
com ciúmes. Tenho sentimentos, ao contrário de você, e eu não
quero que minha primeira vez seja num lugar como este.
Minhas palavras fazem alguma coisa clarear na mente dele.
Seus olhos se arregalam, mas não fico ali para descobrir o que é.
Viro de costas e sigo na direção do salão, o atravessando e
empurrando as pessoas, correndo para as escadas, enojada,
quente, úmida, me sentindo perdida.
Ele me alcança nos degraus, segura meu antebraço e me
detém.
— Você é virgem, Lia? — pergunta, o cenho franzido, o olhar
preocupado.
Puxo meu braço de volta e continuo subindo, arrancando a
pulseira do braço, a atiro contra a recepcionista e saio deste lugar,
descendo os degraus depressa, desejando nunca mais voltar aqui.
— Lia — Ben me chama, atrás de mim.
Não posso mais ficar perto dele, não posso lutar contra o que
estou sentindo, preciso encontrar algo concreto para me agarrar,
tenho que voltar aos eixos.
Passo pelo SUV parado entre os outros carros, pulo a mureta
de pedras que separa o estacionamento da praia, e desço para a
areia. Sinto seus passos atrás de mim, Ben me agarra outra vez,
apertando minha cabeça contra seu peito.
O empurro novamente, ciente de que estamos ambos
descontrolados.
— Aqui é perigoso, Lia — ele adverte.
— Mais perigoso que você? — pergunto, olhando para ele
sobre o ombro, e voltando a caminhar.
— Me deixe andar perto de você pelo menos. Eu sinto muito,
não fazia ideia de que você era virgem. Me perdoa por te trazer
aqui.
Suas palavras me fazem parar de repente, me sento na areia
e abraço meus joelhos, olhando para as ondas, me dando conta do
papel ridículo que estou fazendo de virgem assustada.
— Não preciso te perdoar de nada. Só estou nervosa, mas
agradeço por ter me mostrado esse seu lado — resmungo,
procurando me centrar outra vez.
— Eu precisava que você me conhecesse, que soubesse
exatamente quem eu sou, antes de fecharmos o contrato, antes de
se casar comigo. — ele fala depressa ao meu lado. — Agora você
entende o motivo da minha única exigência, de você não poder se
apaixonar? Entende?
— Não preciso disso — respondo, decidida.
— Vou pagar sua faculdade, você será muito bem
recompensada.
Respiro fundo, enchendo o peito de ar e de orgulho, forçando
o nó da garganta para baixo.
— Encontre outra garota. Não estou disposta.
6
n
Ela se deita na areia, há um poste de luz amarelada perto
dali, mas a área onde estamos está escurecida graças aos
coqueiros do estacionamento do clube. Posso ouvir sua respiração,
visualizar seu semblante sério.
Deito ao seu lado, rendido. É uma noite longa e meu peito
está doendo, não sei lidar com mulheres, não sei mais como
conversar com elas, só sei trepar e me odeio por descobrir isso.
— Você sentiu ciúmes de mim? — sussurro, depois de um
longo momento de silêncio. A lua está brilhando no céu, rindo da
minha cara.
— Me sinto ridícula — ela diz tão baixo que mal posso ouvir.
Me viro para olhá-la, apoiando o cotovelo na areia e a cabeça
no punho fechado.
— Por favor, me diga — insisto, você sentiu ciúmes de mim,
Lia?
— Não foi ciúmes, me precipitei em dizer que foi, eu só não
queria que vocês se beijassem ali na minha frente, que me
deixassem sozinha naquele lugar.
— Jamais te deixaria sozinha ali — murmuro em resposta,
sentindo um calor se espalhar pelo meu peito, enquanto observo ela
olhar o céu.
Mal posso ver seu semblante, mas sei que está muito
chateada, ainda assim, sinto cócegas no ego com a ideia de Lia
sentir ciúmes de mim.
— Olha — peço com a voz mais mansa possível, imaginando
que posso controlar as emoções na frente dela —, Julia não me
beijaria, ela só estava provocando.
— Como não? — ela diz, virando a cabeça para me encarar,
está tão perto de mim que sinto vontade de acariciar seu rosto, de
dizer que não vou mais machucá-la, de lhe fazer promessas que
não posso cumprir.
— Porque ela sabe que não pode me beijar — concluo. —
Você não precisava ter entrado na frente dela, não precisava tê-la
beijado.
Ouço sua respiração pesada.
— Explique melhor — sua voz soa exigente, Lia cruza os
braços.
— Não beijo as mulheres do clube, eu transo com elas, mas
não permito que elas me beijem.
Ela continua me encarando por um longo momento,
procurando descobrir alguma verdade ou lógica no meu rosto.
— É uma forma de me defender — acrescento.
— Se defender de quê?
— De me apaixonar.
— Por que ser solteiro, ter essa vida de luxúria, é muito
melhor que viver um amor — ela me acusa.
Sustento seu olhar por um segundo, sinto seus olhos
atravessarem meu peito e ferirem meu coração. Eu posso abrir a
boca e contar a verdade, que morro de medo de me envolver com
alguém novamente, que não posso passar pela dor da perda outra
vez, que sou covarde, que sou um lixo, mas até para admitir isso
sou um fraco, por isso prefiro mentir.
— A vida sem paixões é muito melhor — é o mais puro
fingimento, a vida sem o amor de uma mulher é vazia, por mais que
eu transe, que realize fantasias, que volte para casa extasiado, é
sozinho que termino todas as noites, com um vazio no coração
como companhia.
Ela se senta, cruzando os braços.
— Prometo nunca mais te trazer aqui — garanto, também
levantando. — Ninguém sabe que sou sócio desse clube, você não
vai ser vista como a esposa traída, vou respeitá-la e tomar cuidado
para que ninguém saiba, consegui manter em segredo todos esses
anos…
— Se eu recusar essa proposta, você vai me demitir? — ela
me interrompe.
— Nunca faria isso, minha filha te adora, eu…
— Então não quero — ela diz com convicção.
— Lia, você vai poder estudar medicina, fazer o que sempre
quis.
— A faculdade pode esperar. Não vou ser sua esposa de
mentirinha. Aposto que tem centenas, milhares de garotas que
aceitariam se passar por sua esposa, mas eu não estou disposta a
isso.
O silêncio se instala entre nós. Ainda estou processando sua
recusa, não contava com isso, não imaginava que ela fosse se
negar.
— Por quê? — pergunto, a voz baixa, ainda mansa.
Lia vira o rosto para o mar, esfregando as mãos nos próprios
braços. Toco sua pele e sinto como está arrepiada de frio.
— Tudo bem se não quiser se justificar — digo, fechando a
cara e abrindo os botões da camisa, percebendo que ela é ainda
mais especial do que imaginava, e não vai se vender assim.
Tiro a camisa e coloco em volta dos seus ombros.
— Não precisa — ela diz, mas insisto, e ela puxa a gola
contra o pescoço, se enroscando na peça de roupa como em um
casulo.
— Me desculpe por ter sido tão mal educada, por ter gritado
com você e por te tratar mal. Jamais deveria pensar que tenho esse
tipo de liberdade.
— Te pedi em casamento, Lia — digo, dando uma risada sem
graça —, te dei toda a intimidade para me tratar do jeito que quiser.
— Ben, vamos voltar a ser como antes, empregada e patrão,
por favor. Não importa o que diga, o que me ofereça, não vou me
casar com você — ela soa tão decidida que não me resta outra
opção a não ser lamentar. — Quero ir para casa. Quero ir agora.
Lia fica de pé, mesmo na penumbra, consigo ver a silhueta
das suas pernas. Me sinto um tolo por tê-la levado até o clube, por
ter a oportunidade de tocá-la e desperdiçar. Me sinto ridículo
porque, mesmo que esteja tentando proteger meu coração a todo
custo, ele está doendo como não doía há muitos anos.
— É só o ego ferido — murmuro para mim mesmo, tão baixo
que ela não entende. Ela não está partindo meu coração, não pode
fazer isso quando eu não a permiti entrar nele, é só meu orgulho
machucado por ter levado um fora.
— O que disse? — ela pergunta, me olhando de cima, sem
sequer imaginar que sua imagem, o que ela fez esta noite, vai me
perseguir incansavelmente.
— Nada — resmungo, me levanto e bato a areia que se
acumulou na minha roupa, mas até isso sou capaz de afastar por
completo.
A sigo, evitando olhar para seu corpo, sabendo que se fizer
isso só vai aumentar o que estou sentindo. Travo a mandíbula e
fecho a cara, não consigo mais conversar, estou decepcionado
demais para tentar ao menos ser simpático.
Só me dou conta que estou sem camisa quando o vento frio
me atinge no topo dos degraus, mas não vou pedir a peça de roupa
de volta.
Espero para apertar o botão para destravar o carro apenas
quando chegamos até ele. Abro a porta para Lia sem dizer uma
palavra.
— Quer a camisa de volta? — ela me questiona. Dou de
ombros. Uma camisa não significa nada diante do que estou
sentindo.
Dou a volta no carro com os ombros murchos. Quero
endireitar a postura, me empertigar e andar com a cabeça erguida,
mas não tenho forças agora. Fito o nada quando entro no carro,
segurando o volante, tentando focar os olhos à frente, sem
conseguir.
— Ben, não aja como se tivesse levado um pé na bunda —
ela diz ao me estender a camisa.
— Você me deu um pé na bunda, Lia — minha voz soa
rabugenta, rouca, enquanto agarro a camisa sem me importar em
olhar para ela.
Não entendo de onde vem essa dor no peito, na boca do
estômago e essa tristeza repentina, não é como se eu realmente
quisesse me casar com ela, tipo, de verdade.
— Não é bem assim — ela diz. — Era só um contrato. Sem
sentimentos, né?
— Sem nenhum sentimento — minha voz sai por entre os
dentes.
— Então por que parece que você está sentindo? — Lia
insiste, como se quisesse me humilhar mais um pouco.
— Olha, eu já pedi desculpas por te trazer até o clube,
podemos esquecer isso?
Pelo canto do olho, a vejo fazer que sim com a cabeça. Por
Deus, ela é tão linda que olhá-la de perto só piora as coisas.
Me obrigo a dirigir, a focar na estrada, a pensar no projeto de
um dos próximos prédios que minha construtora vai executar.
A via costeira está quase vazia, é como se a noite tivesse nos
dado uma oportunidade de nos acertar e uma cidade linda para
desfrutar, chega a ser ridículo. De onde tirei a ideia de levá-la ao
clube mesmo? Por que pensei que isso iria prestar?
— Você vai procurar outra esposa? — Lia me sonda quando
me aproximo da Av Lima e Silva, pegando o túnel ao lado do Arena
das Dunas.
— Não sei — resmungo. — Isso importa?
— Se você não arranjar uma, vai perder a empresa — ela
observa, como se eu não soubesse, como se não estivesse
morrendo de medo de isso acontecer.
— Isso te importa? — pergunto, com o pior dos humores.
— Não pode convencer seu pai a esquecer esse acordo
idiota? — Lia está insistindo nisso, o que me deixa ainda mais
irritado.
— Não conhece meu pai, não sabe o que Raul De La Roche
é capaz de fazer quando coloca uma coisa na cabeça.
— Está parecendo um menino mimado que não conseguiu
comprar a amizade de alguém — ela me acusa.
Aperto as mãos no volante porque, primeiro, Lia está errada,
posso não ter passado necessidade, mas nunca fui mimado,
segundo, ela não me conhece e nem tem direito de dizer algo
assim. Não respondo, não tenho força mental para continuar
discutindo com ela, prefiro deixá-la pensar o que quiser de mim.
Decido que me afastar nesse exato momento, cortar o mal pela raiz,
é a melhor opção a seguir, mas… nem esse pensamento faz a dor
no peito passar.
7
Leia
Tento a todo custo pensar que aquela noite com Ben foi uma
ilusão da minha cabeça, em parte porque não quero considerar tudo
que aconteceu entre nós, principalmente naquele clube, e também
porque não posso em hipótese alguma pensar que desperdicei o
curso de medicina inteiro e as outras regalias. Não sei o que aquilo
significaria para mim, e é melhor afastar da mente.
Torna-se mais fácil ainda quando Ben mal me cumprimenta,
mal olha nos meus olhos. Não deixa de ser educado, mas não dá
nenhum indício de que aquela noite foi real.
Consigo levar os dias tranquilamente, é a noite que minha
mente repassa tudo, cada palavra, gesto, sorriso, toque, as mãos
dadas… Travo uma batalha com meu próprio cérebro, insistindo que
posso dominá-lo, mas acabo cedendo as lembranças e me permito
relembrar, abraçando os próprios joelhos na cama de solteiro do
quarto, enquanto o ventilador gira furioso, trazendo um pouco de
alívio para o calor de Natal.
Penso nele sem camisa, no seu cheiro, o calor da sua mão,
seus lábios no meu pescoço, e fantasio que só havia nós dois
naquele clube, que suas mão entravam por baixo do meu vestido,
me tocando por cima da calcinha, passando a língua no meu
pescoço. Me contorço na cama, sem saber o que fazer com o
desejo que me castiga.
Pergunto-me se às vezes ele também se sente assim, mas
sei que não. Benjamin tem um clube cheio de mulheres para
escolher, para usar e se esbaldar.
É terrível como isso me afeta, como pensar nele com outra
me castiga. Quero estar no controle das minhas emoções, mas
acabo soluçando, rolando pela cama, agarrada no travesseiro,
trêmula, pegando fogo, furiosa por permitir que ele me afete tanto.
Ben não sabe o quanto mexe comigo e nunca vai saber. Sou
uma imbecil por ficar olhando-o quando ele brinca com a filha, sem
saber que é observado, sou ridícula por alimentar essa confusão de
sentimentos.
Não temos nada em comum a não ser o fato de sermos filhos
únicos, mas somos tão diferentes como água e vinho, e só estou
perdendo meu tempo ao deixar que ele habite meus pensamentos
dessa forma.
No primeiro fim de semana que se sucedeu a fatídica noite
em que Benjamin me pediu para casar com ele a troco de dinheiro,
ele comprou um skate cor de rosa para Alicia, joelheira, cotoveleiras
e um capacete combinando, e passou o sábado e o domingo
brincando com a filha no jardim, entrando na piscina com ela no fim
da tarde, à noite, eles saíram para o cinema ou um parque de
diversões, o que me deixou livre para estudar.
Pesquisei por valores de cursos de faculdade e descobri que,
tendo experiência com crianças, o melhor que eu poderia fazer era
esquecer essa história de ser médica e tentar pedagogia. Cabia no
meu orçamento se eu segurasse bem as pontas, e talvez ainda
conseguisse uma bolsa no ENEM, só precisava me dedicar o resto
do ano e aproveitar cada hora vaga para estudar.
Alicia era fofa, não consumia todas as minhas energias, como
acontecia com outras crianças para quem já trabalhei, então, se eu
me organizasse, poderia estudar todas as noites.
Estou considerando me matricular em um cursinho
preparatório para o ENEM, agora que posso pagar, mas sou pega
de surpresa pela notícia de que minha mãe está sem água em casa,
porque a caixa d’água rachou e eles não têm dinheiro para comprar
outra.
Carol me mantém informada sobre o que acontece com minha
mãe, porque tem uma amiga que a conheceu e lhe passa as
informações por WhatsApp, mas sem deixar meus pais saberem
onde estou.
Essa amiga contou que minha mãe ficou abatida nas três
primeiras semanas após minha fuga, mas que depois começou a se
recuperar.
Estou me habituando a viver em uma mansão de luxo, e de
repente, um problema que antes para mim era tão comum como a
falta de água no sertão do estado parece algo distante, mas é só
receber essa notícia para mergulhar de volta nas lembranças.
Só chega água uma vez na semana, no máximo duas, quase
nunca chove e ter uma caixa d’água naquela cidade é questão de
sobrevivência. Sei que o pai de Lucas poderia ajudar se eu não
tivesse fugido, mas nessas circunstâncias, meu ex-noivo
provavelmente virou as costas para os meus pais.
Não me importo com meu pai, não dou a mínima, ele não
significa nada para mim além de lembranças ruins, mas minha mãe
continua sendo tudo para mim, e não posso deixá-la sem algo tão
básico quanto água.
Junto cada centavo que sobrou do meu pagamento, depois
de comprar algumas coisas de primeira necessidade de uma garota,
como absorventes, calcinhas novas e remédio para cólicas, e peço
a Carol para fazer uma transferência para a conta bancária da
minha mãe.
— Você não pode gastar tudo que conseguiu com eles — ela
se recusa. — Não disse que ia se matricular em um cursinho.
— Sabe quanto ganha um ajudante de pedreiro no interior? —
a questiono.
— Seu pai tem que se virar — Carol não entende.
— Não é por ele, nunca será, mas faço tudo que estiver ao
meu alcance pela minha mãe.
— E se seu pai ou seu noivo descobrirem onde está
morando?
— Ex-noivo — a corrijo. — Eles não vão descobrir através de
uma transferência. E outra, se minha mãe receber dinheiro, vai
acabar chegando à conclusão de que fui eu quem mandou e que
estou bem, que estou trabalhando.
— Guarde pelo menos uma parte, vai que você precisa —
Carol insiste, me olhando como seu olhar cheio de experiência. Ela
está na casa dos trinta, mas, às vezes parece que ela é mais
madura que minha mãe.
— Tudo bem, vou guardar duzentos reais — acabo
concordando com ela. — O cursinho pode esperar mais um mês.
Ela estreita os olhos escuros, com a mão apoiada na cintura
em uma perfeita pose de xícara. Seu cabelo preto está preso em um
coque preso com uma touca de telinha, já que ela está preparando o
almoço, ela é alguns centímetros mais alta que eu, pele marrom e
seios fartos.
— Quer trabalhar em casa de família para o resto da vida
assim como eu? — Carol fala em tom de bronca, mas sei que só
está preocupada e tem carinho por mim.
— Mês que vem me matriculo no cursinho — repito, me
mostrando mais determinada desta vez.
Ela acaba fazendo a transferência porque, no fim das contas,
Carol entende de sobrevivência assim como eu. Ela tem marido e
um filho de oito anos no interior, mas só os vê a cada quinze dias,
quando tira o fim de semana de folga e só volta na segunda-feira
bem cedo. Guarda tudo que recebe para comprar coisas para o
filho. Sim, ela me entende muito bem.
Me pergunto o que Benjamin pensaria se nos flagrasse
discutindo sobre mandar dinheiro ou não para a minha mãe comprar
uma caixa d’água — algo que deve ter aos montes nos depósitos da
construtora. Imagino se ele entenderia disso, se conseguiria ter
empatia para se colocar no lugar de alguém para quem até algo tão
básico como água é escasso.
Não consigo entender o que ele sentiria.
8
É a terceira vez que estou indo ao clube desde o dia que Lia
recusou a proposta de se casar comigo.
Na primeira vez, quando cheguei à recepção, pedi para
Michelle uma pulseira preta, mesmo que eu não usasse mais as
pulseiras das intenções desde que me tornei sócio, mas queria
privacidade.
Olhar para aquela tira preta no meu pulso me fazia lembrar de
Lia, da sua presença ali, como um fantasma me acusando dos
crimes que cometi, do pecado, do fato de ter levado uma garota a
esse lugar sem ao menos verificar se ela já tinha uma vida sexual
ativa.
Pensar na sua virgindade faz minhas entranhas revirarem, me
pergunto como foi seu noivado, quanto tempo durou e por que ela
permaneceu casta até hoje. Desejo mais que tudo saber dos
detalhes, mas não sou absolutamente nada dela para perguntar
algo tão íntimo.
A verdade é que sinto como se tivesse manchado sua honra a
levando ao clube sem um aviso prévio. Tenho que admitir o quanto
ela foi paciente e cortês comigo, outra no seu lugar teria me
insultado ainda na recepção.
Não me dou ao luxo de recordar como ela entrou na frente de
Julia para que a mulher não me beijasse, sem saber que a ruiva só
estava provocando, que ela, de fato, não faria aquilo. Não consigo
lidar com essa imagem, é perturbador demais, para mim, pensar no
acontecido, em como senti seu cheiro na sua nuca, a maciez da sua
pele, o sabor salgado… Não devo e não vou me ater a isso, é mais
do que posso suportar.
Na primeira vez que voltei aqui, desde a terrível noite,
encostei no balcão e pedi uma soda, nada de álcool, estava
dirigindo. Pedir para seu Alfredo me trazer aqui, dividir o carro com
ele e meus pensamentos, era puro constrangimento. Mesmo que ele
não soubesse o que tinha acontecido entre mim e Lia, que havia
trazido uma virgem para me exibir em um clube de sexo, ainda que
seu Alfredo nunca adivinhasse, era embaraçoso demais.
Na metade da soda, quando vi que Julia e uma outra mulher
chamada Tônia, com quem sempre fazíamos ménage, se
aproximarem de mim, larguei a bebida e fui embora sem olhar para
trás, sem foder com ninguém, apenas fodido pelo peso da culpa.
Na segunda vez, alguns dias depois, não passei da recepção.
Era como se eu estivesse vendo Lia parada ao meu lado. Me
pergunto como não reparei na sua inocência, na sua delicadeza.
Naquele dia, me senti ainda mais envergonhado pelo que fiz, por
permitir que ela conhecesse meu pior lado. Planejava prender os
braços da primeira mulher que aparecesse para mim, e foder sua
buceta com tanta força que ela iria gozar feito louca. Pelo menos era
o que eu planejava. Estava enlouquecendo com o tesão acumulado,
precisava gozar e tinha várias à minha disposição, mas não
consegui passar da recepção.
Voltei para casa frustrado, irritado e com uma ereção quase
insuportável de lidar. Enchi a banheira com água gelada e fiquei lá
até meu corpo se anestesiar.
E agora, é a terceira vez que tento entrar no clube.
— Quer uma pulseira hoje, senhor? — Michelle pergunta com
uma cara de safada. Ela passa a língua nos lábios e sorri. — Ou
prefere…
Sei o que ela quer dizer. Está se oferecendo para mim, me
fazendo lembrar de como é gostoso ejacular na sua boca carnuda.
E eu quero, juro que uma grande parte de mim, a racional, só quer
isso.
— Hoje não — respondo com educação, e ela desmancha o
sorriso. Sei que gosta das minhas gorjetas, então tiro três notas de
cem da carteira e coloco à sua frente.
— É para mim? — Michelle pergunta, surpresa.
— Compre algo bonito para você — digo, guardando a
carteira e descendo as escadas, só para chegar até o salão de
dança e me dar conta de que não é isso que quero, que uma foda
qualquer não pode preencher o vazio que sinto no peito.
Observo as pessoas em volta e me pergunto quantos já se
sentiram assim, como estou me sentindo agora, e porque sempre
voltam. Quero saber quando isso vai passar, quando vou ter minha
vida de luxúria de volta.
Parado no meio do salão, pego o celular no bolso e procuro
pelo contato de Lia no WhatsApp. O salvei para emergências. Olho
sua foto e mal consigo acreditar que ela já esteve ali comigo, parece
que foi há mil anos.
Não penso muito a respeito, não analiso os prós e os contras,
só digito a mensagem.
“Boa noite” envio, sem pontuação, tentando não ser formal
demais.
Alguns segundos depois, as duas setinhas ficam azuis,
indicando que ela leu.
Demora quase um minuto até seu “Boa noite” aparecer em
resposta.
“Estava dormindo?” quero saber.
“Não, só lendo” Lia responde mais rápido. Abro um sorriso por
ela estar falando comigo.
“O que está lendo?” digito e espero sua mensagem de volta.
“Dom Casmurro” “É para o ENEM”.
“Já li na época do vestibular” envio, mas ela não volta a
responder.
Resolvo arriscar um pouco mais.
“Quer dividir uma barca de sushi comigo?” Já passa das 22h
e eu nem sei se encontrarei o restaurante aberto, mas é tudo que
me vem à mente no momento.
“Sushi?” ela envia, seguido de emoji pensativo que me faz
imaginar como está seu rosto agora. “Nunca comi sushi”.
“Hoje parece um bom dia para experimentar algo novo”
arrisco. “A não ser que já esteja muito tarde para você”, acrescento
para não parecer tão desesperado.
“Não está tão tarde assim” ela responde junto com um emoji
de sorrisos. “Quer que eu chame mais alguém? Carol? Rita, a
passadeira?”
“Ninguém, a barca é para duas pessoas” brinco. “Chego em
meia hora.”
“Tudo bem”.
Não sei o que estou fazendo quando subo as escadas, não
sei por que estou cedendo se estou tão decidido a me afastar.
Quem sabe, só preciso de uma dose de Lia, alguns minutos na sua
presença, uma conversa brincalhona, algumas das suas risadas, um
pouco do seu tempo, e eu posso voltar a ser o que era.
Estou contando com isso quando ligo para um restaurante
oriental localizado na Av. Miguel Castro e encomendo a barca. Vinte
e sete minutos depois, estou estacionando na frente do restaurante.
Ligo na recepção e logo uma garçonete passa pelas portas
automáticas carregando o pacote. Ela sorri quando me vê. Conheço
aquele sorriso e sei o que ela quer.
— Boa noite, Ben — ela faz questão de me chamar pelo
nome sempre que vou ao restaurante. — Não quer comer em casa
hoje?
— Tenho um compromisso, Bianca — a respondo. Ela sempre
parece surpresa por eu lembrar seu nome.
— Você faz eu me sentir especial — ela brinca, tocando na
minha mão ao entregar a barca.
Tiro o cartão do bolso e ela se aproveita outra vez para
segurar por cima da minha mão quando me entrega a maquininha.
Finjo não perceber suas intenções, como faço todas as vezes. Não
dou abertura, prefiro disfarçar e levar numa boa, sei que uma garota
como Bianca poderia querer mais que um encontro, uma noite de
sexo, e não tenho nada para oferecer, portanto, prefiro não dar
esperanças.
— Meus cumprimentos ao chef — digo, e ela parece frustrada
por novamente não conseguir nada de mim. — Boa noite, Bianca.
Acelero, a deixando parada na calçada com os braços caídos
ao lado do corpo. Me pergunto se devo fingir esquecer seu nome da
próxima vez ou se é muita falta de educação.
Fico pensando no que Lia pensaria se estivesse no banco do
carona, se ficaria com ciúmes como ficou com Julia. De qualquer
forma, não gosto desse tipo de situação, porque sei que está
diretamente relacionado a quem sou e a posição que ocupo como
CEO da construtora La Roche. A cada cinco dos prédios
construídos nos últimos sete anos em Natal e nas cidades vizinhas,
dois foram erguidos pela La Roche e carregam as iniciais da
empresa. A sigla da minha família está espalhada por toda Grande
Natal. E esse é o motivo das garotas darem em cima de mim tão
descaradamente.
Sei que não tem nada a ver com meu porte físico, meus olhos
claros ou minha aparência, porque eu era praticamente igual
quando Luiza era viva, e ela nunca testemunhou nada do tipo.
Meu pai não gostava dela justamente por achar que não
passava de uma interesseira. Cortou minha mesada, tomou o carro
e pediu para que eu arrumasse outro lugar para morar, tudo isso
achando que eu desistiria de Luiza quando a necessidade
apertasse. Por sorte, estudava na Universidade Federal e não
precisava dele para bancar meus estudos. Consegui estágios que
pagavam uma mixaria, Luiza me convidou para morar com ela no
quarto do apartamento que ela dividia com outras três amigas na
Zona Norte da cidade, atravessando a ponte do Igapó, no bairro
Santa Catarina.
Passei um aperto, porque estava acostumado a ter tudo do
bom e do melhor, mas não terminei com ela por isso.
Vendi algumas coisas que consegui tirar do meu quarto na
casa do meu pai, como videogames, alguns tênis de marca e um
notebook, e consegui comprar uma moto velha.
É com propriedade que digo que as mulheres não se atiravam
em mim desse jeito quando eu andava na Honda 125 cilindradas,
com Luiza na minha garupa.
Ficamos três anos morando no apartamento da Zona Norte,
nos virando como podíamos, e quando ficou grávida, sua família
pagou pelo casamento, eles gostavam de mim, me acolheram como
um filho adotivo.
Só quando ela morreu é que meu pai me procurou. Não
queria aceitar seu contato, não queria retornar uma relação com ele,
mas tinha uma filha para criar, e com o passar dos meses acabei
aceitando.
Estou recordando tudo isso quando o portão da garagem
desliza ao ser acionado pelo controle remoto justamente porque Lia
não pareceu se importar com o quanto de dinheiro valho. Ela teria
me desprezado se eu fosse pobre e me desprezou sendo rico. Não
é o dinheiro que conquista alguém, mas seu caráter.
Paro o SUV na vaga e alcanço a barca de sushi, sentindo o
cheiro do salmão fresco fazer meu estômago roncar.
A vejo encolhida em um dos bancos do jardim, ela fica de pé
quando desço do carro, está de braços cruzados, usando um
vestido azul claro estampado de arabescos brancos. Seu cabelo
está preso em um coque e sinto vontade de pedir para ela soltá-lo,
mesmo sabendo que nunca me atreveria a tanto, pelo menos não
depois do que aconteceu naquela noite.
— O que acha de comermos na sala de cinema — pergunto.
— Podemos começar a ver uma série. Tem alguma na sua lista?
Lia estreita os olhos para mim, como se me desafiasse, mas
como não dou bola, ela acaba desfazendo a cara de investigadora.
— Não conheço seus gostos, não sei o que gosta de assistir
— ela diz.
— Vamos lá, me sugira alguma coisa — tento, caminhando ao
seu lado na direção da entrada.
Os outros funcionários estão em seus quartos na edícula.
— Ouvi falar que Dark é legal. Já assistiu? — ela questiona,
ainda de braços cruzados, se virando para me olhar.
— Ouvi falar — minto.
— Podemos ver o primeiro episódio.
Caminhamos em silêncio até o segundo andar, acima dos
quartos principais. Meu coração está batendo forte como as hélices
de um helicóptero quando chegamos à sala de cinema, mas sei que
isso não se deve ao esforço físico, e sim, pela garota ao meu lado.
Virgem! Minha mente grita.
Eu nunca fui para a cama com uma virgem, não fui o primeiro
homem na vida de Luiza, e tenho medo de acabar estragando a
noite outra vez. Para falar a verdade, nem sei por que inventei isso.
Ben mudou o corte de cabelo. Fico me perguntando se ele foi
ao barbeiro na hora do almoço ou depois do expediente na
empresa.
Seu cabelo loiro acinzentado escuro tinha um corte bem
clássico, agora está bem curto nas laterais e mais comprido na parte
de cima, liso, jogado para o lado de um jeito meio bagunçado, o faz
parecer ainda mais charmoso.
Quero dizer que gostei do corte, mas sei que Ben não precisa
ganhar elogios de uma babá. Reparo que a barba está mais cheia
que costume, quase escondendo as covinhas que ele tem nas
faces. Os olhos parecem mais fundos, com olheiras arroxeadas,
como se ela não estivesse dormindo bem nas últimas noites.
Olhando mais de perto, parece abatido e pálido. Franzo o
cenho, me perguntando se há algo errado.
Ben está usando uma camisa branca, calças jeans de
lavagem escura e tênis Nike preto e vermelho, saindo
completamente do visual que costumo vê-lo usar durante a semana.
Como um cavalheiro, ele carrega a barca e me pede para ir
na frente. Nunca comi com aqueles hashis — sei o nome porque
procurei no Google antes de ele chegar, justamente por não querer
passar vergonha. Tentei ver um tutorial de como usá-los, mas não
consegui aprender muita coisa.
Tento controlar a respiração quando chego ao topo das
escadas, foram quatro lances até o andar do cinema.
— Não é um cinema de verdade — Ben comenta, como se
soubesse exatamente o que estou pensando. — É só uma sala com
estofados e um projetor.
— Já assisti a filmes com Alicia — explico.
Abro a porta para entrarmos. Ele leva a barca de sushi para a
mesa de centro que fica em frente ao grande sofá branco, retrátil,
tão grande quando está aberto que mais parece uma cama king
size, desembrulha a barca e começa a colocar os molhos em
recipientes descartáveis. Me adianto para ajudá-lo, desembrulhando
uma embalagem de hashi e engolindo em seco.
— Você disse que nunca comeu sushi… — ele me olha com
curiosidade. — Sabe usar isso?
— Não — respondo, os largando sobre a mesinha.
— Eu trouxe um adaptador — Ben me diz, agachando-se ao
lado da mesa e colocando um pequeno objeto de plástico verde nas
extremidades dos hashis, os deixando unidos.
Sentando-se com as pernas dobradas, ele pega a primeira
tira de peixe e leva a boca, mastigando de olhos fechados,
aparentando estar faminto.
O olho, embasbacada, enquanto ele come o primeiro pedaço,
mas sou flagrada assim que ele abre os olhos verdes e me encara.
— Não precisa comer se não quiser — Ben murmura,
pegando a próxima peça.
— Eu quero experimentar — digo, segurando os pauzinhos
com firmeza e os articulando, vendo que se movem com perfeição
graças ao adaptador.
Escolho uma porção de arroz envolta em uma tira de salmão,
a aperto com os hashis e levo até a boca. Para a minha surpresa,
acabo gostando. Mastigo depressa, pegando o próximo sushi e,
desta vez, passando no molho escuro antes de comer. Percebo que
fica ainda melhor.
— Acho que posso me acostumar com isso — brinco, me
sentando no chão sobre os joelhos, de frente para Ben.
Ben se estica e alcança o frigobar ao lado do sofá mais
próximo, pega duas latas de refrigerante.
— Como andam os planos? — ele puxa conversa após
termos devorado um terço da barca, pegando o controle remoto e
colocando na Netflix para procurar pela série. Com outro controle
pequeno, ele diminui as luzes do ambiente.
— Vou começar a fazer um cursinho pré-vestibular — explico,
vendo as capas das séries deslizarem pela tela enquanto ele
procura por Dark.
Ele seleciona a série, mas não dá play ainda, volta-se para
mim, apoiando o queixo no joelho e me encarando com uma
expressão que não consigo decifrar.
— Eu preciso perguntar isso — ele começa, com o tom de voz
mais sério. — Sei que já se passaram semanas desde que te fiz
aquela proposta de casamento e que, se você não disse nada, isso
deve significar alguma coisa, mesmo assim, quero ouvir você dizer.
— Pergunte — o incentivo, me sentindo ansiosa.
Uma parte de mim odeia quando ele me olha assim, com os
olhos verdes tão profundos, como se realmente quisesse enxergar
através da minha pele, a outra parte de mim é tomada por um calor
intrigante.
Nós suspiramos ao mesmo tempo.
— Você não se arrependeu de ter recusado? Em nenhum
momento pensou que seria bom fazer a faculdade, realizar um
sonho?
Não quero assumir que até hoje me sinto confusa, sem saber
se fiz a coisa certa, mas também não quero entrar em detalhes,
explicar que fugi de um casamento parecido, de ser submissa, que
não iria me vender novamente para um homem que deixou claro
não ter intenção de se apaixonar por mim.
— Algumas coisas não valem o preço a ser pago — murmuro,
antes de beber um gole do refrigerante.
— Lia… — ele começa, mas faz uma pausa, procurando as
palavras. — Só consigo ver vantagens para você. Sei que fui um
otário te levando naquele lugar, mas não era sobre virarmos um
casal e você ser traída, era sobre eu te pagar a faculdade em troca
de você fingir ser minha esposa em público.
Respiro fundo, largando os hashis, percebendo como já estou
satisfeita.
— Acho que não era só sobre fingir ser sua esposa quando
você envolveu Alicia no meio, você disse que eu seria uma boa mãe
para ela, agora vem me dizer que era só sobre fingir… — Sacudo a
cabeça em negação, é chocante como consigo falar abertamente
com ele, como me sinto à vontade para dizer o que estou pensando.
— Parece mais que eu seria a mulher que sorriria para as fotos e
ficaria em casa cuidando da sua filha, enquanto você sairia para
transar com um monte de prostitutas. Me espantaria se eu tivesse
dito sim.
Dizer estas palavras em voz alta me faz pensar que fui
certeira em recusar aquela proposta, que estou coberta de razão.
Empino o queixo e endireito a postura antes de continuar.
— E quanto a mim? Poderia sair com outros caras, já que
você não pode nem sequer me beijar? Ou teria que literalmente ficar
sozinha durante todo o tempo em que estivesse casada? Acho que
eu precisaria me anular como mulher para ser sua esposa de
mentirinha. E, francamente, Ben, nada nem ninguém vai me prender
desse jeito.
Pela forma como Ben abaixa a cabeça, sei que acabei com
ele. Me remexo sobre os joelhos, orgulhosa pela minha resposta
impecável.
— Uma faculdade não vale isso — ele murmura, ainda sem
olhar para mim, e começa a arrumar a bagunça da mesa.
Fico em silêncio, tentando adivinhar o que se passa na sua
cabeça, enquanto ele termina de juntar as embalagens e vai para o
sofá grande.
Me sento o mais distante dele possível. O ar condicionado
está ligado, e eu alcanço a manta no encosto do sofá para me
aquecer.
Com cerca de dois metros entre nós, ele aperta o play, só que
eu não consigo olhar para a tela por mais que cinco segundos,
estou inquieta, quero me convencer de que meu discurso foi sincero
e que a partir desta noite não irei mais me atormentar pensando em
Ben, mas uma parte de mim acha que a companhia desse homem
gostoso ao meu lado deve ser aproveitada ao máximo.
— Você está procurando uma nova garota para se casar? —
o questiono, só para ouvir seu timbre de voz novamente.
Como ele não responde, me estico para alcançar o controle
descansando na sua perna e dar pausa na série. Ben segura minha
mão com firmeza em cima da sua coxa e me encara. Seu semblante
agora é uma confusão que não consigo entender.
Me encara de perto, mantendo meu pulso preso, mesmo que
eu não faça nenhum esforço para recuar. O encaro de volta, sem
saber exatamente o que fazer em seguida, tomada pela atração que
seu corpo exerce sobre mim. Posso ver seu peito pelos botões
abertos da camisa, o pescoço, os pelos da barba, o queixo
quadrado, o nariz reto.
Inalo seu cheiro e percebo como meu coração está batendo
forte, tanto que não sei se vou aguentar olhar dentro dos seus olhos,
mesmo assim eu faço. Encarar Ben assim, a poucos centímetros
dele, é como um soco no estômago.
A carência que me corrói todas as noites me domina sem
avisos, e eu cedo, olhando para seus lábios, os desejando
profundamente, agoniada com o toque da sua mão sobre a minha,
sua coxa musculosa abaixo dos meus dedos. Engulo a saliva.
Quero beijá-lo, desejo que sua mão me puxe mais para perto…
— Vai arranjar outra esposa? — sussurro.
— Por que você se importa? — ele sussurra de volta,
direcionando o olhar para meus lábios.
Me sinto nua, exposta, como se ele soubesse o que estou
pensando. O vejo trincar o maxilar e endurecer o olhar, em seguida
engolir a saliva.
— Podemos só assistir a série? — Ben me pede, com seu
olhar exigente.
Se não vou me casar com ele também não saberei nada a
seu respeito?
Ele tem razão, a sua vida não é problema meu.
Frustrada, retorno ao meu lugar com as mãos fechadas em
punho, praguejando mentalmente contra mim mesma por me deixar
abater mais uma vez por este assunto.
Tento fixar os olhos na tela à frente, segurando a coberta
como um escudo, mas não consigo me conectar com a série, mal
ouço o que os personagens falam.
Não estou no clima.
— Está gostando? — o questiono.
— Sim, e você?
— Também. — Não é uma mentira, a série é boa, só não
consigo me concentrar nos dramas de outras pessoas quando tenho
meus próprios tão intensos no momento.
— Quer saber de uma coisa? — Ben murmura após um longo
momento em silêncio, então dá pausa.
— Quero — respondo, empolgada por ter sua atenção de
volta.
— Pensei que você fosse sugerir que a gente reprisasse
Grey’s Anatomy — ele fala com um tom brincalhão.
— Reprisar?
— Sim, você sonha em ser médica, imaginei que já tivesse
assistido.
— Eu poderia não ter assistido, não é pré-requisito — digo
brincando, mas me sentindo extasiada por poder conversar sobre
algo que eu gosto. — Mas já vi todas as temporadas.
— Eu também — ele diz, me fazendo sorrir. — E sofri em
praticamente todos os episódios. Você tem algum preferido?
Me viro no sofá, me arrastando discretamente para ficar mais
próxima a ele.
— Tenho dois, na verdade… — começo, mas ele se antecipa.
— O episódio da balsa? — Ben acerta em cheio.
— E o da bomba — acrescento.
Apesar de serem episódios pesados o suficiente para me
arrancar muitas lágrimas e ao mesmo tempo me fazer refletir, que
me deixaram péssima, agora estou me sentindo leve por falar do
que gosto, por descobrir algo em comum com Ben.
— São os meus preferidos também — ele comenta, com o
rosto relaxado, um sorriso brincando no canto dos lábios. Adoro vêlo sorrir assim.
— Lembra daquele episódio que tem uma estaca
atravessando o corpo de um homem e uma mulher, e que a equipe
não poderá salvar os dois, e eles precisam decidir quem morre e
quem vive? — pergunto.
— Esse é foda! — Ben exclama, dobrando a perna sobre o
sofá, ficando de frente para mim também. — Mas confesso que os
episódios com crianças são os mais pesados para mim, fodas pra
caralho.
— E mesmo assim você assistiu todos — comento e ele faz
que sim com a cabeça.
— Podemos assistir juntos quando estrear a nova temporada.
— É uma boa ideia. E dividimos outra barca de sushi? —
Sinto que acabei de parecer interesseira, mas se realmente fosse,
teria aceitado aquela proposta.
— Temos mais uma coisa em comum — Ben observa.
— Outra? — questiono, curiosa.
— Não gostamos de sermos chamados pelos nossos nomes
de batismo — ele aponta. — Se esqueceu disso, Virgília?
Recordo a conversa no seu escritório, da vez em que pensei
que ele fosse me demitir, e abro um sorriso.
— Não esqueci, Benjamin.
Sinto meu coração leve finalmente.
— Acho que tem outra coisa em que somos parecidos —
acrescento.
— O quê? — Ben também parece estar mais relaxado. Falar
sobre séries faz bem a quase todo mundo.
— Somos filhos únicos — explico, me esticando para me
alongar em um gesto quase inconsciente, chego mais perto.
— É verdade — ele diz e fica pensativo por um instante. —
Mas nem sempre foi assim. Já tive um irmão, mas ele morreu
quando eu tinha seis anos. Ele tinha dezoito anos na época. Sofreu
um acidente de moto. Meu pai o amava muito. Ainda mantém o
quarto arrumado do mesmo jeito que era antes de Brian falecer.
— Brian — murmuro. — Minha mãe sofreu muito no meu
parto, ela ficou entre a vida e a morte e os médicos decidiram que
ela não poderia mais ter filhos, fizeram uma laqueadura nela. Por
isso sou filha única, porque quase matei minha mãe.
— Não fale assim — ele pede, mas não em tom severo, pelo
contrário, usa aquela gentileza que me deixa encantada. — Luiza
morreu no parto, mas não foi Alicia que a matou, e eu sofreria
demais se soubesse que minha filha pensa algo parecido. Crianças
que acabaram de vir ao mundo não podem ser culpadas de nada.
Sacudo a cabeça em concordância, tocada por suas palavras.
— Meu pai sempre jogou isso na minha cara — explico —,
que por minha causa, além de minha mãe quase ter morrido, eles
não puderam ter mais filhos…
Mais gente para trabalhar, outros filhos para trazerem dinheiro
para casa…
— Seu pai parece ser um otário — Ben murmura,
visivelmente irritado com minha declaração. — Mas quem sou eu
para julgar, não é? Você sente falta deles?
— Só da minha mãe — afirmo.
— Lia, posso te fazer uma pergunta bem indiscreta? — ele
me questiona com o cenho franzido, o olhar estreitado e uma ruga
de preocupação entre as sobrancelhas.
— Pode perguntar — lhe dou permissão, curiosa com o que
ele pode querer saber a meu respeito.
— Na noite em que te levei ao clube você me disse que era
virgem, mas… Você era noiva, correto?
Assinto.
— Sei que não é da minha conta, e nem precisa responder se
eu estiver sendo muito invasivo, mas… como você era noiva e
virgem?
Arqueio as sobrancelhas, sustentando seu olhar por um
momento.
— Tem algo a ver com sua religião? — ele acrescenta.
— Sim, eu sou evangélica — respondo de queixo erguido. —
Mas esperar não foi uma decisão só minha. Lucas queria que fosse
assim.
— Lucas era seu noivo?
— Sim, e filho do pastor. Ele queria se casar com uma garota
virgem, pura.
Ben dá risada, um sorriso despreocupado, que exibe seus
dentes brancos e alinhados, além das covinhas quase escondidas
pela barba.
— Sinto muito pela sinceridade, mas eu não aguentaria se
fosse seu noivo, respeito a fé de vocês, só que…
— Acho que não tinha muito a ver com a fé dele — o
interrompo. — Lucas me traía com umas meninas da cidade. Sabe
como é, lugar pequeno, nenhum segredo é guardado tão bem por
muito tempo.
— O quê? — Ben se choca. — Ele te mantinha intocada
enquanto transava com outras? É isso mesmo?
Faço que sim com a cabeça, me divertindo com sua reação.
— Qual o problema desse cara?
— Sinceramente, desisti de entender faz tempo — respondo.
— Por que estavam noivos? Você fala como se nem se
gostassem.
Me coloco na defensiva, não sei se posso e se quero me abrir
sobre isto. Respiro devagar, mantendo o ar nos pulmões por quatro
segundos antes de soltá-lo lentamente pela boca.
— Não gosto de falar sobre isso — murmuro, sentindo a
leveza sumir de repente.
— Desculpe, eu só queria te conhecer um pouco melhor —
ele pede, sério.
— Você não tem amigos, não é? Nunca o vi dar uma festa,
churrasco, nada do tipo — comento para mudar de assunto, mas
sem querer parar de conversar com ele.
— Tenho alguns amigos, mas por causa de Alicia, prefiro não
receber muita gente em casa. Sabe… por mais que goste da
companhia deles, quando se é pai, você nunca está cem por cento
seguro. Como vivo muito ocupado com o trabalho, tento dar o meu
melhor para protegê-la. Já não basta ter que deixá-la com vocês o
dia todo. Não sei se estou sendo exagerado, mas sou assim, prefiro
pecar pelo excesso de proteção do que deixá-la vulnerável com uma
casa onde entra e sai muita gente.
Reflito sobre suas palavras, talvez seja por Alicia que Ben
nunca teve uma namorada ou voltou a se casar — me refiro a um
casamento tradicional —, por medo de fazer sua filha sofrer, mesmo
que tenha feito essa escolha inconscientemente, e por causa disso
e por um capricho ridículo do pai, está correndo risco de perder a
empresa.
Mordo o lábio com força, me perguntando se não aguentaria
fingir ser sua esposa sem me apaixonar, só para que ele não tivesse
que procurar outra.
— Você é um excelente pai — murmuro, sentindo um peso no
coração. Não quero aceitar essa proposta, mas também não quero
que ele se case com outra. Incrível como estava leve há poucos
minutos e agora estou perdida outra vez. — Meu pai ganha pouco e
gasta tudo com as “novinhas da cidade” — digo fazendo aspas com
os dedos e franzindo o nariz em uma expressão de nojo.
— Sinto muito — ele diz, me olhando com sinceridade,
ficando bem sério, como se o peso no meu coração o atingisse. —
Sua ida ao clube foi puro gatilho, por seu pai, por seu noivo, por
tudo.
Umedeço o lábio, me perguntando se ele tem razão.
— Sim, Ben, estar casada com alguém que me trairia dessa
forma, mesmo que não fosse um casamento de verdade, me fez ir
para um lugar que eu não queria. Foi tudo confuso.
— Sinto muito, mesmo que você não acredite, me arrependo
de ter levado você lá. E ainda tem a religião… Eu fui um imbecil.
Você deve ter pensando que vou queimar no inferno.
Me remexo no sofá. Pensei isso? Não lembro. Posso não ter
pensado exatamente dessa forma, mas sem dúvidas pensei que
Ben vivia em pecado, e talvez não seja mentira, mas não sou
ninguém para julgá-lo.
— Você deve achar que não tenho escrúpulos, que sou
exatamente como eles, mas nunca traí Luiza.
O encaro e sei que está falando a verdade.
— Não foi só por isso que recusei — murmuro. — Eu nunca
amei Lucas, nunca quis sequer namorar com ele.
— E por que iriam se casar? — Ben me investiga com os
olhos esverdeados.
Sinto vergonha pela verdade, tanta vergonha que sufoca meu
peito e trava minha língua.
Balanço a cabeça em sinal de negação, esperando que ele
entenda que é hora de encerrar o assunto, mas ele não entende, em
vez disso, se aproxima mais de mim e toca minha bochecha,
fazendo carinho.
Sinto meus olhos arderem e encaro o teto para não chorar.
— Vou te fazer mais uma pergunta muito indiscreta, Lia, e
você mais uma vez não precisa responder se não quiser, mas
preciso fazer.
— Pergunte — digo, me sentindo ridícula pela voz de choro.
— Você já sofreu algum tipo de opressão por causa da sua
classe social ou simplesmente por ser mulher?
— Opressão é exatamente a palavra — sussurro, sabendo
que se falar mais alto vou desabar. — É uma longa história e eu não
quero contá-la esta noite, só saiba que foi meu pai que decidiu que
eu iria namorar o filho do pastor, foi a meu pai que ele pediu minha
mão em casamento. Nunca quiseram saber se era isso mesmo que
eu queria e, não, não era. Mas preciso parar de falar sobre isso
agora, tudo bem?
Ele respira fundo e assente. Dou a conversa por encerrada.
Lamento que o papo sobre séries tenha se transformado
nisso. Não quero ficar fazendo drama, sei que existem muitas
garotas por aí que sofrem coisas piores, não pretendo usar meu
passado para justificar como ajo agora.
Uma parcela de mim analisa como um desafio.
Penso em Lia virgem, inexperiente, exceto pelo noivo imbecil
que preferia comer outras na rua do que ficar com ela. Tento
imaginar o que levaria um cara a agir assim, é aí que me dou conta
do quanto eu agiria parecido. Me casaria com Lia, mas era as
garotas do clube que eu iria foder.
Não tem como não me considerar um imbecil, assim como o
ex-noivo, e só posso lamentar por ela não ter encontrado alguém
que a merecesse.
Eu iria gostar se ela encontrasse alguém assim?
Absolutamente não.
O que sinto por ela, então? Por que esse sentimento de
querer mantê-la por perto? Por que não consigo ter uma noite de
sono tranquilo sem que a fantasia dela venha me perturbar.
Virgem… Esse detalhe tem me afetado mais que tudo.
Quero saber o que ela pensa, se ela se toca no banho ou
quando se deita na cama à noite, se sente desejo por alguém, se
imagina como será sua primeira vez. Quero perguntar tudo isso a
ela, porque não consigo mais suportar fantasiar tudo isso. É
perturbador, não consigo afastá-la da minha mente.
Sei que não vou recuar, não vou destruir o muro de proteção
que construí em volta do meu peito só por um capricho de querer
tirar a virgindade de alguém. Não posso estar tão obcecado assim.
Além disso, o que Lia tem que difere das outras?
Me sinto ridículo pensando assim, porque eu mais que
ninguém sei o quanto ela é especial, o quanto é meiga, mas
também decidida, bonita, sexy pra caralho, inteligente, amorosa. Ela
é o pacote completo.
Penso em baixar a guarda por um tempo, tentar pelo menos
uma vez me relacionar de verdade com uma mulher, mas logo
percebo que ela só vai me dar outro pé na bunda. Lia não me quer
nem para pagar a faculdade dela. Isso é um fato.
Bato a cabeça contra a mesa do escritório, fazendo balançar
a planta de um prédio que eu deveria estar analisando. Não são
nem cinco da manhã e já estou surtando por causa dela.
Depois do primeiro episódio da série, ela me disse que estava
com sono e que iria dormir. Feito um trouxa, perguntei se ela tinha
gostado, se queria continuar assistindo.
Ela fez que sim com a cabeça, mas parecia distante, como se
sua mente estivesse em outro lugar, talvez sofrendo pelas traições
do noivo. Tentei ter empatia com ela, mas tudo que eu queria era
puxá-la para o meu peito e consolá-la.
— Podemos continuar amanhã? — perguntei, enquanto
descíamos as escadas.
— Claro — ela respondeu vagamente, de braços cruzados
por causa do sistema de ventilação da casa.
Coloquei as sobras do sushi na geladeira da cozinha,
enquanto ela descartava as embalagens usadas no lixo, em seguida
a acompanhei até a edícula dos funcionários.
Queria entrar e ver qual era seu quarto, mas tinha medo do
que eu faria com essa informação.
Ela me deu boa noite e entrou. Fiquei do lado de fora, parado
lá, me perguntando o que havia de errado comigo, desejando que
ela tivesse me chamado para entrar também, morrendo de vontade
de…
Sacudo a cabeça para afastar as ideias, sabendo que não
vou realizar nenhuma.
Sou Benjamin De La Roche, adquiri a empresa La Roche do
meu pai e a fiz triplicar os lucros mesmo estando de luto e com uma
criança pequena para cuidar. Eu engoli a tristeza, o desespero, o
orgulho e trabalhei duro para chegar onde estou hoje, não vou
deixar que uma mulher foda com a minha mente.
Se ela não aceitou a proposta, preciso encontrar outra, não
vou perder a empresa, de jeito nenhum.
Penso em Michelle, mas sei que gente importante da cidade
frequenta o clube e a conhece, não posso me casar com ela.
Me lembro de Bianca, mas não consigo imaginá-la nessa
casa, fingindo ser minha mulher.
É frustrante. Lia seria perfeita para isso, e eu considerei isso
por tanto tempo, que é difícil aceitar que não vai ser assim.
Levanto da cadeira giratória, enrolo a planta e a coloco dentro
de um cilindro de acrílico, e coloco debaixo do braço para voltar à
casa. O sol está nascendo, já fiz alguns exercícios de musculação,
tomei banho e estou pronto para o trabalho antes de Jonathan, o
jardineiro, começar a cuidar das plantas.
Não dormi nem duas horas, mas ter pregado o olho para mim
já é um progresso.
Encontro Carol na cozinha quando dou a volta na casa e
entro pela porta dos fundos. Ela não se assusta, está acostumada
com minha rotina esquisita e minhas entradas repentinas.
— Bom dia, chefe — ela diz em tom de brincadeira.
— Bom dia, flor do dia — respondo, forçando para fingir estar
de bom humor.
Adoro Carol, ela está trabalhando comigo desde que aceitei
fazer as pazes com meu pai e tive condições de pagar uma
empregada. Me ajudou com Alicia, com os demais funcionários,
administra a casa como ninguém.
Ela liga a JBL que deixa sempre na bancada ao lado da pia, e
o som do forró enche o ambiente. Uma lateral inteira da cozinha é
de vidro, e posso ver os primeiros raios de sol banhando a piscina lá
fora.
— Vem cá — Carol diz, me olhando com aquele sorriso
brincalhão.
Sei exatamente o que ela quer, e que não vai me deixar em
paz se eu não ceder, por isso, ergo a mão direita com a palma
virada para cima e caminho na sua direção.
Ela segura minha mão e coloca a outra no meu ombro, eu
seguro nas suas costas e começo a dançar porque sei que isso
torna seu dia melhor. Ela dá risada enquanto gira comigo pela
cozinha ao som da música.
— Um dia ainda vou te arrastar para um forró na minha
cidade — ela diz entre risadas. — Minhas primas iam ficar loucas.
— Alguma delas aceitaria se casar comigo sem sentimentos?
— brinco.
Além de Lia e meu pai, Carol é a única que sabe sobre eu ter
que me casar.
— Faltam só dois meses — ela me lembra, ainda movendo os
pés para me acompanhar. — Você tem noção, Ben, que se não
estiver casado em dois meses, sua vida vai dar uma reviravolta?
— Penso nisso o tempo todo.
— E como não está surtando? Me pergunto se pelo menos
você se esforça para encontrar… — ela não termina de falar, a
música é interrompida pelo som da chamada do seu celular, tocando
alto na caixa de som.
Carol me larga e corre para atender. Alcanço a garrafa de
café sobre a bancada de mármore branco e me sirvo de uma xícara,
prestando atenção no seu semblante que vai ficando cada vez mais
chocado.
Dou um gole de café e a observo levar a mão até o peito.
Murmura algumas palavras e desliga, focando os olhos negros em
mim como se tentasse me contar algo sem usar as palavras.
Nesse momento, Lia surge na cozinha com cara de sono, de
quem dormiu muito pouco. Está usando uma bermuda de lycra que
vai até o joelho e uma camiseta de algodão neon. O cabelo parece
bagunçado, preso por um elástico na nuca.
— Bom dia — ela diz alto, a música está tocando novamente.
— Bom dia — Carol e eu respondemos juntos.
Ela atravessa a cozinha e sai na direção das escadas para ir
preparar Alicia para a escola.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto assim que voltamos
a ficar sozinhos.
Carol desliga a música e se aproxima, agarrando meu
antebraço com força, levando a mão ao coração outra vez.
Encaro seus olhos e sinto um mal-estar, com medo que algo
possa ter acontecido com seu filho pequeno que mora no interior.
— O que foi? — minha voz sai em um sussurro.
— A mãe de Lia sofreu um acidente — ela murmura de volta,
os olhos arregalados, como se estivesse me perguntando “e
agora?”.
— A mãe de Lia? — pergunto, com o coração se apertando
no peito.
— Sim. Ela se chama Luciana. Sua vizinha acabou de me
contar.
— Acidente de carro? Foi grave?
— Sim, ela foi atropelada ontem à noite, quando voltava do
culto, o motorista fugiu, parece que o estado é grave. Minha amiga
só soube agora porque dormiu cedo hoje.
— Lia ainda não sabe — constato, me lembrando de como
ela parecia calma quando passou pela cozinha há poucos instantes.
— Não! Ela não tem contato com os pais desde que fugiu
para trabalhar aqui.
— Fugiu? — pergunto, surpreso.
— Sim, ela veio fugida, para não se casar com um tal de
Lucas, que de bom só tem a aparência, por isso ela não sabe ainda.
Não fala com a mãe desde que veio trabalhar aqui.
Tento processar as palavras, mas as informações estão vindo
rápido demais. Perdi minha mãe na adolescência, e saber que a
mãe de Lia está em estado grave toma meu fôlego.
— Como eu vou contar? — Carol me pergunta, mas não
espera que eu responda. — Vou esperar Alicia ir para a escola, aí
eu conto.
Engulo em seco, enquanto a assisto se virar e começar a
separar as coisas para o café da manhã da minha filha com as
mãos trêmulas.
Lia desce acompanhando Alicia assim que a mesa da sala de
jantar está posta. Ocupo a cabeceira e tento comer uma torrada,
mas há um nó rígido na garganta que mal me permite engolir.
Minha filha usa o uniforme da escola, Lia conversa com ela
sobre um sonho engraçado que teve. Tento dar risada, porque Alicia
para e me cutuca o tempo todo, mas meus olhos se fixam no nada a
todo momento.
Estou rezando para minha filha ir logo para a escola, para
saber o que realmente aconteceu, para que seja um engano, que
tenha sido um acidente leve, nada grave. Meu coração está
contraído no peito vendo Lia sorrindo, sem saber o que aconteceu.
Quando finalmente Alicia termina a refeição e Lia a guia para
o carro, onde o motorista já está esperando, eu sinto como se o café
da manhã tivesse durado uma eternidade.
Ouço o som do portão eletrônico abrir, ouço seus passos lá
fora voltando para dentro de casa. Me levanto e vou para a cozinha,
preciso estar ao seu lado agora.
Os olhos de Carol ainda estão arregalados. Ela pede para Lia
se sentar à mesa redonda da cozinha, e começa a falar, mas não
consigo prestar atenção no que ela está dizendo, alcanço um copo e
o encho de água. Vejo o rosto de Lia mudar para curiosidade,
depois susto e finalmente desespero.
— Eu preciso ir para lá agora mesmo! — sua voz soa
perturbada, ela olha pra mim e seu semblante me destrói. Fico ao
seu lado e entrego o copo d’água.
— Beba um pouco — peço com gentileza, colocando a mão
livre no seu ombro.
— Eu posso ir ver minha mãe? — ela me pergunta, me
pegando de surpresa. Não esperava que ela fosse imaginar que eu
iria me opor.
— Nem precisa perguntar.
— Você vai encarar seu pai? — Carol a questiona.
— Ele não pode me impedir de vê-la, não pode me bater na
frente de todo mundo, pode? — Lia diz olhando para Carol, suas
palavras são como um soco no meu estômago. Sou pai também e
não consigo imaginar um motivo que me faria levantar a mão para
Alicia.
— Você o conhece — Carol murmura.
— Mas eu preciso ver minha mãe — ela lamenta. — Ele não
pode me pegar pelo braço e me obrigar a voltar para casa, não com
minha mãe assim.
— Eu vou com você, não vou te deixar sozinha — a garanto,
sem saber no que estou me metendo. Tudo que sei é que ela
precisa estar com a mãe. — Vou ligar para o hospital para saber
como ela está.
Lia me diz o nome completo de sua mãe enquanto procuro
pelo número do hospital de traumas no Google. Encontro o número
e ligo, colocando o celular no modo viva-voz, uma mulher atende no
segundo toque.
— Preciso de informações sobre Luciana Pereira da Silva —
peço depressa. — Ela sofreu um acidente e foi encaminhada para
aí.
— Só um minuto — a mulher diz com a voz isenta de emoção.
Me pergunta se ela trabalha há tanto tempo ali que esqueceu que os
hospital atende seres humanos e não coisas descartáveis.
Ouço seus dedos teclarem, os ruídos à sua volta, enquanto
sou assistido por Lia e Carol, o tempo parece passar devagar
demais.
— Encontrei — a mulher volta a falar, parece estar mascando
chiclete — ela está no quarto andar, no corredor da enfermaria,
aguardando vaga.
— Como assim, no corredor? Essa mulher sofreu um
acidente.
— O hospital está cheio, senhor, todos os leitos estão
ocupados, ela vai precisar de cirurgia, mas tem outras nove vítimas
de acidente aguardando na frente dela. Enquanto não desocupar
um leito da enfermaria, ela vai esperar no corredor.
Pisco, sem conseguir olhar para Lia.
— Ela pode receber visitas? — questiono, sentindo o peso da
indignação.
— Só no horário das 15h às 16h. Uma pessoa por vez.
Desligo, envergonhado pela situação.
Lia está chorando e preciso tomar uma decisão agora
mesmo, não posso pensar na sua mãe sofrendo com dor em um
corredor de hospital. A saúde pública do estado é uma vergonha.
— Não adianta você ir agora — ouço a voz de Carol —, não
vão te deixar entrar.
O soluço de Lia corta meu coração remendado em vários
pedaços.
Procuro pelo nome “pai” nas últimas ligações e o chamo, sem
saber exatamente o que estou fazendo.
Ele demora, mas acaba atendendo com um bom dia
empolgado, parece estar de bom humor.
— Você ainda é amigo do diretor do hospital de traumas? —
pergunto.
— Sim, joguei três partidas de buraco com ele na terça —
meu pai diz como um típico idoso aposentado, gozando dos
privilégios da meia idade.
— Preciso que ligue para ele, a mãe da minha namorada
sofreu um acidente e está aguardando cirurgia no corredor, porque
as enfermarias estão lotadas.
— Você disse mãe da sua namorada? — ele questiona.
— Sim, pai — confirmo, sentindo os olhos de Lia e Carol em
mim.
— E quando ia me contar que tem uma namorada? — ele
insiste, o tom de voz demonstrado que está mais interessado de
repente.
— Escuta, preciso que arrume a transferência dela com
urgência do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel para a Promater
— exijo. — Imediatamente.
— Vou ligar para ele, não se preocupe. A sogra do meu filho
será bem atendida. É grave?
— Parece que sim — respondo sentindo o nó na garganta.
— Quero conhecê-la hoje à noite — meu pai inquire.
— Hoje não pai, a mãe dela sofreu um acidente — me
defendo.
— Então na sexta-feira, vocês vão passar o fim de semana
aqui.
Penso em argumentar que na sexta Luciana ainda estará no
hospital, mas sei com quem estou lidando.
— Lia — ouço a voz de Ben no carro, enquanto ele dirige pela
Rua São José —, vai dar tudo certo. Fique calma.
— Estou tentando — murmuro, sem ao menos pensar em
afastar sua mão que está na minha coxa, seu toque me acalma em
meio a essa confusão.
— Você não vai precisar ver seu pai e vai poder ficar com sua
mãe, confie em mim, não vou permitir que nada de ruim aconteça
com você, nem que sua mãe piore.
Respiro fundo, meu coração está abalado, cheio de
preocupações e culpa por ter fugido para uma vida melhor,
enquanto minha mãe permaneceu lá com um marido… abusador. É
isso que meu pai é.
Sinto a mão de Ben fazer carinho na minha coxa exposta pelo
vestido e me encolho, afetada por sua presença. Ninguém jamais
me disse que ia cuidar de tudo, que iria me proteger do meu pai e
tomar conta da minha mãe.
Tento fechar meu coração contra isso, mas é impossível
quando ele está tão machucado. Descruzo os braços e pouso minha
mão sobre a dele, sendo tomada pela sensação doida das nossas
mãos se tocando.
— Você não precisava ter assumido tudo, ajudado minha
mãe, fingido para o seu pai que somos namorados. Ele vai acabar
descobrindo que sou apenas a babá de Alicia — digo, e faço uma
pausa, umedecendo o lábio, tentando controlar o desespero que
estou sentindo, e tentando soar o mais centrada possível. — Você
não precisava, mas estou muito grata por colocá-la em um hospital
particular. Não quero nem pensar em quanto vai ficar as despesas.
Eu aceito a proposta de ser sua esposa, se você ainda não arranjou
alguém melhor.
Ele está estacionando na calçada de um prédio chique de
vários andares com o nome Promater em letras de aço quando olha
para mim.
— Eu diria que não fiz por isso, mas também não estou em
condições de ser orgulhoso, não tenho ninguém, Lia. Fiquei
esperando que você mudasse de ideia — ele diz com um sorriso
triste.
Me inclino na sua direção e beijo a covinha escondida na sua
barba, é um gesto de agradecimento, mas Ben fica de queixo caído,
me encarando. A luz da manhã atravessa o parabrisa e ilumina seus
olhos, os deixando mais claros que o comum.
Ele abre a boca para dizer algo, mas contrai o maxilar e sai
do carro. Pego minha bolsa no chão do carro, aquela de alça gasta,
e espero que ele abra a porta do carro para mim.
Vejo meu pai assim que desço, ele está na calçada, parado
ao celular, usando uma camisa xadrez, calças jeans dobradas na
barra e chinelos artesanais de couro, o rosto queimado do sol, o
semblante preocupado, passando a mão pelos cabelos grisalhos e
escassos. É quase tocante, mas sei muito bem o que ele esconde
por trás da figura de sertanejo sofrido. Aperto os lábios em uma
linha fina e me agacho atrás das costas de Ben.
— O que foi? — ele murmura.
Estou ridícula, envergonhada, com medo de ser arrastada de
volta para casa debaixo de pancadas, puxões de orelha e cabelo,
me encolho como uma criança que sabe que vai ser punida.
— É seu pai? — Ben sussurra, segurando nos meus ombros,
tentando me passar segurança pelo olhar. — Vem, eu não vou
deixar ele encostar em você.
Me deixo ser guiada pela rampa de acesso. Enquanto Ben
fala ao telefone com a recepcionista para saber em que andar minha
mãe está, meu pai me reconhece, vindo atrás de mim, chamando
pelo meu nome e me acusando de uma série de coisas.
Outra pessoa esqueceria as desavenças, tentaria me abraçar
e lamentar o acidente, mas meu pai só sabe me chamar de
rapariga, puta e desgraçada. Não viro para olhar, mas dói. Posso
sentir os olhos das pessoas na recepção em mim. Ben segura na
minha cintura com firmeza, me mantendo junto do seu corpo, e me
guia diretamente para o elevador, puxando minha cabeça contra seu
peito quando entramos.
Sinto o elevador subindo, com as palavras do meu pai
rondando minha mente. Sim, eu sou a desgraça da família. Minha
cabeça dói, meu coração diminuiu tanto de dor e eu temo que ele
tenha ficado do tamanho de uma ervilha, que nada mais o faça
crescer de novo. Sei que meu rosto está molhado, mas não tenho
forças para secá-lo. Estou arrependida de ter fugido, de saber que
sempre terei que passar por isso para ver minha mãe.
— Por que nunca me disse que seu pai era assim, que você
fugiu dele, que fugiu para não se casar? — Ben questiona, sei que
não tem intenção, mas suas palavras me ferem ainda mais.
— Lucas era pior — consigo murmurar. Estamos em um
corredor branco e gelado agora. Ele me faz sentar em uma fileira de
cadeiras junto a parede e se encaminhar até o bebedouro mais
próximo.
— Você está aqui por quem? — uma enfermeira pergunta,
sentando ao meu lado com o olhar gentil.
— Luciana, ela foi transferida para cá há pouco tempo, sofreu
um acidente. É a minha mãe.
— Ah, sim. Não chore, fique calma, o médico cirurgião já está
com ela. Sua mãe está sendo bem cuidada, eu acabei de sedá-la
para a cirurgia, ela não está sentindo mais dor.
O ar fica preso na minha garganta. Ben está ao meu lado,
estendendo um copo de água. Aceito e bebo um gole. Não quero
pensar em como ela deve ter sofrido naquele outro hospital,
provavelmente sozinha, porque eu sei que não deixam ficar
acompanhantes.
— Podemos vê-la? — É Ben quem pergunta, só por um
instante, para ela ficar mais calma.
A enfermeira olha para ela, o analisando, provavelmente o
reconhecendo de alguma manchete de jornal sobre o bem sucedido
Benjamin De La Roche.
— Venham comigo — ela diz e me levanto imediatamente
para segui-la. — Ela já vai entrar em cirurgia, o doutor só está
esperando um novo raio-x. Posso mostrá-la pelo vidro, mas não
podem entrar.
Faço que sim com a cabeça.
Olho os médicos jovens passando, as enfermeiras, e tento me
imaginar assim. Suspiro, sem saber o que vai acontecer daqui para
frente.
Paramos ao lado de uma sala com uma vidraça, vejo minha
mãe na maca, com a cabeça imobilizada, os cabelos castanhos e
crespos bagunçados ao redor da cabeça, a pele negra marcada por
cortes, e meu coração se contrai outra vez.
— Mãe — murmuro, colocando as mãos no vidro, desejando
poder chegar mais perto.
— Quais foram os danos? — ouço a voz de Ben perguntar a
enfermeira, mas não quero tirar os olhos da minha mãe.
Quero dizer que vai ficar tudo bem, que tenho fé que os
médicos e Deus vão cuidar dela, porque eu não aceito menos que
isso, não aceito que a ideia de perdê-la preencha meus
pensamentos, isso não pode acontecer.
Vejo quando um homem vestido com roupas verdes entra e
começa a puxar a maca, fazendo o suporte do soro balançar. Ele
abre a porta e passa por nós. Posso ver minha mãe bem de perto
quando o enfermeiro passa por nós. Me lanço contra a maca, mas
Ben me segura com firmeza contra seu peito.
— Calma, Lia — ele diz com a voz estranha. Ergo a cabeça
para olhá-lo e vejo que está chorando também.
Sinto minhas entranhas se revirarem com isso.
— Tem algum quarto livre onde podemos ficar enquanto ela
está em cirurgia? — Ben pergunta a enfermeira.
— Venham — ela diz com gentileza, e eu percebo que, por
ser quem é, ele consegue tudo nessa cidade.
É um quarto pequeno, mas limpo e decorado, com uma cama
de hospital, os aparelhos de oxigenação e os suportes para o soro.
Ben fecha a porta e me puxa para a poltrona do acompanhante.
— Obrigada — murmuro. — Mas eu preferia esperar no
corredor.
— A cirurgia vai demorar, a enfermeira vai nos chamar para
falar com o médico assim que acabar. É melhor descansar — ele
explica com a voz gentil, se esticando para alcançar o cobertor que
está nas costas da poltrona.
Deixo que ele me puxe para seu peito e me aninho contra seu
corpo, abraçando seu tórax, o sentindo me abraçar de volta. Deixo
minhas emoções saírem em forma de lágrimas.
Lia cochila no meu peito, é uma das melhores coisas que
experimentei nos últimos anos, ter o calor dela junto ao meu corpo,
sua respiração contra meu peito. Tento dormir, mas a imagem dela
caminhando na minha direção, vestida de noiva, me persegue. Sei
que não é o momento, mas não consigo controlar a mente, a
imagino de lingerie na minha cama, gemendo enquanto arranco as
tiras de renda, enquanto devoro seu corpo virgem e ela pede mais,
a fantasio sentada no meu quadril, cavalgando com os seios
balançando diante de mim, dizendo o quanto me quer, me imagino a
penetrando com força, tentando aplacar o desejo… Aperto a borda
da poltrona, com uma ereção insuportável e latente. Já passa do
meio dia e nada da cirurgia acabar.
Estou aqui desde cedo, com o corpo em chamas, pensando
nas mil formas de tirar a virgindade dela, aliviado por ela ter
aceitado se casar, perdido entre o desejo, a preocupação com sua
mãe e a vontade de confrontar seu pai.
Preciso dizer a mim mesmo que nada entre nós vai acontecer.
É só um contrato, um negócio. Vou ligar para meu advogado e pedir
para preparar o contrato de casamento assim que tiver notícias de
sua mãe. Estará tudo especificado, tudo que ela terá que fazer e o
que receberá em troca.
Por mais que meu corpo e a parte irracional da minha mente
esteja rastejando por ela, não vou ceder. A vida é frágil demais, em
um segundo você está bem e no outro é atropelado, bate o carro,
um prédio explode, um vírus letal te pega, uma bala, veneno,
afogamento… Há tantas formas de perder alguém que se ama.
Prefiro queimar todas as noites de desejo do que lidar com a
dor de perder outro amor. Isso não posso aceitar.
Olho para sua coxa dobrada sobre a minha, lisa, macia, a
pele marrom clara, a linha mais clara de uma cicatriz na lateral, sinto
o cheiro do seu cabelo, posso ver uma parte dos seios pelo decote
do vestido que ela colocou antes de sair de casa. Seria terrível se
apaixonar por ela. Não vou me permitir isso.
— É só um contrato de casamento — murmuro por entre os
dentes, o mais baixo possível, só para que eu possa ouvir as
minhas próprias palavras e fixá-las na mente.
Tento me levantar devagar, preciso de um ar que não tenha
seu cheiro gostoso e tentador, sua respiração, seu calor. Com
cuidado, consigo colocá-la de lado na poltrona inclinada que ajustei
a ponto de quase virar uma cama. A cubro com o cobertor felpudo
do hospital e deixo o quarto.
Ando pelo corredor, peço informações da cirurgia, só para
saber que ainda não acabou. A enfermeira, melhor informada, me
explica que ela teve múltiplas fraturas e alguns coágulos no cérebro.
Assinto, perturbado com a notícia. Meu estômago vazio revira.
Me afasto da enfermeira sem sequer agradecer pela
informação. Ligo para meu advogado e peço que ele adiante a
papelada, e entre em contato com o cartório.
Meu pai me liga em seguida, mas não estou pronto para
conversar com ele, não quero responder suas perguntas ainda. Já
foi um custo falar com Carol e meu assistente na La Roche.
Pego o elevador para descer, fecho os botões da camisa até
o colarinho e arrumo a gravata no lugar. O cheiro de Lia está
impregnado no terno, mas ignoro. Passo pela recepção e vejo seu
pai sentado na fileira de cadeiras mais distante. Atravesso a porta
de entrada e saio para a calçada, onde um sol de setembro faz o
asfalto queimar. Procuro pelos meus óculos nos bolsos internos do
terno, mas não os encontro. Caminho até o carro para pegá-los.
Na volta, o vejo parado na calçada, me esperando.
Me lembro de quando conheci o pai de Luiza, mas desta vez
não estou nervoso, não devo nada a esse sujeito. Reconheço
alguns traços de Lia em seu semblante, o nariz, o formato dos
lábios, a cor dos olhos.
Trinco a mandíbula, coloco os óculos escuros e caminho na
sua direção.
— Quem é você? — ele me pergunta.
— Sou o noivo de Lia — respondo. Não é uma mentira, se eu
a pedi em casamento e ela aceitou, mesmo que tenha levado
semanas para fazer isso, sou sim o seu noivo.
— Ela já tem noivo, e ele está procurando por ela desde a
noite em que aquela vagabunda fugiu.
Não penso, não olho ao redor para saber se tem alguém
assistindo, só fecho a mão em punho e defiro um golpe contra seu
maxilar.
— Ninguém chama minha noiva de vagabunda — rosno.
O sujeito me olha como se não pudesse acreditar que fiz isso.
— Vá embora. Ninguém aqui precisa de você. Quando
Luciana receber alta, é com Lia que ela vai ficar. As duas em
segurança, onde nem você e nem ninguém poderá encostar um
dedo nelas.
— Você não sabe do que sou capaz — ele ameaça vir pra
cima de mim, mas algo na minha expressão o faz desistir.
Meu estômago está ainda pior quando me viro e volto para
dentro do hospital, ignorando tudo à minha volta.
Encontro Lia sentando-se na poltrona, acabando de
despertar.
— O que aconteceu? — Lia choraminga ao ver minha
expressão. — A cirurgia acabou?
Tento disfarçar, não quero contar que bati no seu pai.
— Só umas questões da La Roche, nada com que precise se
preocupar.
— Teve alguma notícia da minha mãe?
— Ela quebrou alguns ossos e a pancada causou pequenos
coágulos cerebrais — explico com a voz mais controlada, não quero
esconder isso dela.
Ela arfa, colocando a mão no peito. Quero puxá-la para os
meus braços, quero aninhá-la e confortá-la, mas estou perdendo o
controle. Me sento na cama e a observo.
— Não sei o que aconteceria se você não tivesse ajudado —
ela murmura.
— Vai dar tudo certo.
Mil coisas diferentes passam pela minha cabeça, me fazendo
desejar poder tirar folga de mim mesmo.
— Liguei para meu advogado, ele vai redigir o contrato de
casamento — explico, perturbado demais para notar que agora não
é hora. Lia me encara, não sei se mudou de ideia, não consigo ler
sua expressão. — Tem alguma ressalva?
— Quanto tempo você tem até o prazo vencer?
— Cinquenta e três dias. Podemos nos casar na casa do meu
pai, ele mora na praia, convidamos os amigos mais próximos. Ou
você prefere uma grande festa?
Ela se levanta e vem até mim, colocando as mãos nos meus
ombros.
— Por que você tem que ser tão complicado? — pergunta.
— Não é complicado. É só você me dizer como quer e eu
farei.
Ela tira as mãos de mim, me encarando com tanta força que
me faz perder o fôlego, então cruza os braços, fazendo os seios se
apertarem um contra o outro.
Quero afundar o rosto entre eles, chupá-los, apertar sua
bunda…
Me odeio por pensar isso logo agora, nessas circunstâncias.
— Eu quero que você não vá mais aquele clube — ela diz de
queixo erguido —, que cancele sua sociedade, ou sei lá como
chamam.
— Vou cancelar — assinto. — Só voltei lá três vezes depois
daquela noite, mas não fiquei com ninguém, eu juro. Seu pescoço
foi a única coisa que beijei.
Ela dá risada, e é tão bom vê-la relaxada, que eu me derreto.
— Por que faz isso comigo? — pergunto.
— Isso o quê?
— Você entra na minha mente e me fode de tantas formas
que nem sei mais como reagir — murmuro.
— E por que luta contra isso?
A encaro, fechando a cara.
— Sabe quantas pessoas eu perdi? Minha mãe, meu irmão,
Luiza… Pode me garantir que vai ficar comigo até ficarmos bem
velhinhos? Pode me prometer que não vou sentir aquela dor outra
vez?
Ela me abraça de repente, bem forte, como eu não esperava.
Posso sentir sua pele quente contra meu pescoço, as batidas do
seu coração contra meu peito. Ela me aninha, segurando na minha
nuca para que eu não me afaste. Sinto seus lábios contra minhas
têmporas e desejo mais que tudo que eles encontrem minha boca,
quero tanto seus lábios que preciso cerrar as mãos em punhos.
— É por isso que você nunca procurou ninguém, é por isso
que precisa de um casamento por contrato? — ela me interroga com
a voz gentil. — Por que tem medo de perder mais alguém?
Sacudo a cabeça, sem dizer nada, a puxando para meu colo,
a razão pedindo para me afastar, mas o corpo implorando por ela.
— Não faça eu me apaixonar por você — imploro contra sua
clavícula, cedendo a vontade de provar da sua pele outra vez.
Passo a língua pelo seu pescoço, enquanto minhas mãos seguram
seu quadril com força, a colocando entre as minhas coxas. — Não
faz isso comigo.
— É você que procura — ela se defende com a voz manhosa,
virando o rosto para me encarar.
Meu corpo queima, meu coração está pegando fogo, minha
boca seca de desejo, meus olhos ardem ao olhar para Lia.
— Tenho lutado contra isso todos os dias, você fez da minha
vida um inferno, anjo — assumo pela primeira vez, me
arrependendo logo em seguida.
— Eu nunca quis ninguém como eu quero você — ela
também confessa. — Como vamos nos casar, dividir a mesma
cama, e não acontecer nada? Como vou dormir ao seu lado sem me
apaixonar?
Sua pergunta faz meu coração latejar, porque tenho medo da
resposta.
— Não precisamos dormir juntos — resmungo, me odiando
com todas as forças.
— Só isso vai resolver? E se precisarmos beijar em público?
Você disse que não beija ninguém, que é uma regra.
— Ninguém vai pedir que a gente se beije, não somos mais
crianças.
— E você não quer, Ben?
Trinco a mandíbula, porque é exatamente o que quero, não só
seus lábios como ela toda.
Ouço uma batida na porta, me salvando daquela pergunta.
Ela se afasta, me deixando com uma sensação de vazio.
Parece que ficar sem Lia pode ser tão doloroso quanto perder
alguém. Vê-la e não desejá-la é impossível.
— A cirurgia acabou, deu tudo certo — a enfermeira diz,
colocando a cabeça no espaço que abre da porta.
Lia vai correndo ao encontro dela, me deixando naquela
cama, tremendo de desejo, desesperado para fugir dela.
Minha mãe se recupera bem. O médico pede para que ela
fique em repouso absoluto por duas semanas, tomando
medicamentos para que os coágulos sumam sem precisar de
cirurgia.
Estou tão feliz por tê-la perto de mim que mal consigo me
conter. Passo as manhãs com ela todos os dias, mas as enfermeiras
pedem que a deixe descansar na parte da tarde, então Ben passa
no hospital e me pega.
Ele está mais calado que de costume, e eu tento não pensar
em todas as coisas que falamos. Assino o contrato de casamento,
sem me preocupar em ler os termos, e recebo uma aliança de ouro
branco no dia em que precisamos conhecer seu pai.
Ocupo o assento da frente, Alicia está no banco traseiro,
enquanto ele dirige rumo ao litoral sul. Penso que será assim pelos
próximos anos, fingindo sentir por ele algo que realmente sinto. É
confuso, mas tento me apegar às partes positivas.
Ben está decidindo se contratará outra babá ou se Alicia já
está bem crescida para precisar de uma.
Ainda não sei como me comportar pela casa, Carol me trata
como se eu realmente fosse a senhora De La Roche, me
perguntando o que quero comer, como quer que arrume tal coisa,
mas não sei se ela está debochando ou falando a verdade, visto que
ela é a única que sabe sobre o contrato, além do advogado de Ben.
Não sei como é Raul, o pai de Ben, não sei nada sobre seu
temperamento, me sinto ansiosa no carro, não sei quem vai estar lá.
Ele não me diz nada.
— Eu posso chamar sua mãe de tia? — Alicia pergunta, me
puxando dos pensamentos confusos.
— Claro, meu amor — respondo, me virando no banco para
olhá-la, com um sorriso, esticando a mão para tocar seu joelho
coberto pela calça jeans.
— E você? De que devo te chamar, Lia? — ela me pega de
surpresa.
Olho para Ben, mas ele está concentrado na estrada.
— Do que você quer me chamar? — respondo com outra
pergunta.
— Quero continuar te chamando de Lia, por enquanto — ela
responde com as covinhas aparecendo no meu rosto.
— Então assim vai ser.
— Painho disse que você não é mais minha babá, que vai ser
a esposa dele — Alicia continua. — Que vai estudar e não vai ter o
dia inteiro livre para cuidar de mim, mas quer saber, é muito melhor
assim. Já estou crescida para ter uma babá, e meu pai não vai ficar
mais solitário.
Sorrio com a sua conclusão.
— Sabe o que acho engraçado? — Alicia volta a falar, olho
para ela e a vejo com o dedo indicador batendo no queixo, curiosa.
— Você ainda dormir na casa dos funcionários.
— Pensei que você fosse mais conservadora — Ben
comenta, entrando na conversa pela primeira vez, quando o carro
passa pela guarita do condomínio.
— O que isso quer dizer? “Conservadora”?
Ele dá risada, parecendo leve e relaxado. Tento me acalmar
também.
— Olha, meu amor, painho não dorme com Lia ainda porque,
de acordo com a religião em que ela foi criada, ela só pode dormir
com um homem quando já está casada com ele — Ben explica da
forma mais prática possível.
Espero pelo meu momento de falar, mas Lia começa a
comemorar quando vê a casa do avô.
Visualizo vários carros parados ao lado de uma mansão.
Engulo a saliva sem saber o que me espera. Ben desce e abre a
porta para que eu desça, estendo a mão para mim como de
costume.
Aceito sua ajuda e desço do carro, voltando a ficar uma pilha
de nervos.
— Seu pai não vai implicar por você estar namorando a ex
babá? — questiono, enquanto ele abre a porta do carro para Alicia.
— Ei, filha, não comente com ninguém que dormimos em
quartos separados, tá bom? É um segredo de Lia. Tudo bem?
— Sim, painho, — ela diz, antes de sair correndo na direção
da casa.
— Meu pai só exigiu que eu me casasse, não tinha nada
sobre a profissão da minha noiva — Ben diz e pega minha mão,
passando o dedo polegar pela aliança de ouro branco. Ele está
usando uma bem parecida, na mão esquerda, como os noivos
fazem.
Um funcionário aparece e pergunta pela nossa bagagem. Ben
aponta para o porta-malas e destrava o carro. Vamos passar o fim
de semana, mas ele vai me levar todas as manhãs para ver minha
mãe, que ainda está no hospital.
A mansão é cercada de palmeiras que estão iluminadas por
refletores verdes, possui três andares, com varandas em todos eles,
toda branca, com colunas que a fazem parecer um castelo.
Somos recebidos por outro funcionário usando uniforme que o
faz parecer um mordomo dos filmes americanos, segurando uma
bandeja com taça de uma bebida que lembra champagne.
— Onde meu pai está? — Ben quer saber.
— Por aqui, senhor — o funcionário diz.
A casa é pelo menos três vezes mais luxuosa que a de Ben,
só não saio correndo porque ele está segurando na minha mão bem
firme.
Me pergunto como é crescer cercado de tanto luxo, como é
jamais desejar alguma coisa e não poder ter. Então me dou conta
que a coisa que Ben mais queria era sua esposa, sua mãe e seu
irmão vivos, mas nem todo dinheiro do mundo pode comprar uma
vida. É confuso, não se pode ter tudo.
Encontramos Raul em uma antessala, conversando com
outros homens que aparentam estar na casa dos sessenta anos.
Velhos elegantes e sorridentes, que se viram para me olhar assim
que Ben pigarreia para chamar a atenção deles.
Todos eles ficam de pé. Sei qual deles é Raul porque ele é a
versão mais velha de Ben, a mesma textura de cabelo, formato do
rosto, olhos, altura.
Estico a mão para cumprimentar meu sogro assim que Ben
me apresenta como sua namorada. Me sinto mal vestida, mas Ben
jurou que todos os vestidos que costuro são lindos.
— Então é você que conseguiu domar o coração do meu filho
— Raul De La Roche diz com um sorriso largo. Tento encontrar
ironia no seu olhar, mas não acho nada. Parece estar genuinamente
feliz. Chego a conclusão de que ele realmente se importa com a
solidão do filho.
— Sou eu — respondo, abrindo um sorriso, como eu fazia
quando ia à casa de Lucas e precisava fingir que era apaixonada
por ele. Se eu não me saísse muito bem, se não fosse simpática e
meiga na medida certa, era punida com tapas e xingamentos
quando ficávamos sozinhos, por isso, aprendi a fingir muito bem. —
É um prazer conhecer vocês. Ben e Alicia me falam tanto do senhor,
estava ansiosa para conhecê-lo.
— Eu convidei para virem, mas sua mãe sofreu aquele terrível
acidente. É lamentável — Raul parece realmente mexido.
— Ela está se recuperando rápido — mantenho o sorriso —,
sou muito grata a vocês.
— Eu que sou grato por ter dado uma oportunidade para o
meu filho, já estávamos perdendo as esperanças — Raul diz, e
todos que estão com ele dão risada.
Fecho a cara automaticamente por ele usar uma dor do filho
como piada, mas desfaço a carranca rapidamente.
— Ele estava esperando por mim — declaro, mordendo o
lábio e fazendo uma cara que sei que vai agradar esses homens.
— Sem dramas — um dos amigos de Raul comenta, o
reconheço imediatamente, porque já o vi inúmeras vezes —, gostei
de você.
— Conhece Isaac Duarte, prefeito de Natal? — Ben pergunta,
ao meu lado, parece acanhado.
O fato é que todos nós somos como crianças assustadas
perto de pais que nos oprimem.
— Já o vi nos jornais — respondo, esticando a mão para
cumprimentá-lo.
Percebo que há outros deputados presentes ali, rindo comigo,
debochando de Ben.
Eles se sentam novamente, e Raul aponta com o queixo para
um sofá vazio. Ben segura minha mão com força enquanto nos
acomodamos.
— Vai ficar tudo bem — sussurro para que só ele ouça,
esfregando o nariz no seu pescoço em um gesto de carinho,
desejando que fôssemos um casal de verdade, mas ciente que vou
respeitar sua vontade.
Ele se encolhe, como se estivesse contendo um arrepio,
então beija minha testa e minha mão agarrada à sua para que todos
vejam. É o máximo de carinho que ele me dá nos últimos dias.
— Saiu! — ouço a voz de um dos homens dizer, enquanto
passa um iPad para Raul.
Estico a cabeça, mas não consigo ver do que se trata.
— É a lista — Ben murmura, me explicando.
— Que lista?
— A lista das dez pessoas mais ricas do estado.
— Você entrou, Benjamin — Raul soa imparcial, como se não
esperasse mais que isso. — Está em sétimo lugar.
Eles se encaram por um longo momento, me deixando
agoniada.
— É o primeiro De La Roche a entrar na lista dos mais ricos
do nosso estado, meus parabéns, filho. — Só quando Raul diz
essas palavras é que os homens se levantam para cumprimentar
Ben.
Ainda estou chocada demais para pensar em alguma coisa
concreta. O homem ao meu lado conseguiu colocar sua empresa
entre as mais importantes do Rio Grande do Norte em apenas sete
anos, enquanto enfrentava a dor do luto e criava sua filha pequena.
Ben se levanta para receber os parabéns dos amigos do pai,
mas tudo soa tão superficial que ele não consegue dar um sorriso
genuíno. Me passa pela cabeça que seu pai está com inveja, porque
era seu nome que ele queria nessa lista, que era ele quem deveria
receber os cumprimentos dos amigos ricaços.
— Meus parabéns, meu amor — digo para que todos ouçam,
colocando a mão na sua bochecha e puxando seu rosto para perto
do meu, de modo que eles não podem ver que estou beijando o
canto dos seus lábios invés de sua boca.
Ben arfa, ficando ainda mais tenso. O encaro com um sorriso
por alguns segundos, antes de soltá-lo e voltar a atenção para seu
pai.
— Tenho certeza que ele não conseguiria se o senhor não
tivesse deixado tudo encaminhado — bajulo Raul, porque sei que é
exatamente o que ele quer. — Ben nada mais fez que seguir seus
passos.
Raul me encara, estufando o peito e assentindo, mas faz cara
de modesto quando os amigos dão tapinhas em suas costas.
— Você é uma estrela — Ben sussurra enquanto beija minha
orelha.
— Acho que é um bom momento para estourar uma garrafa
de champagne — um dos ricaços sugere.
Rapidamente, um garçom aparece e Raul dá instruções para
ele trazer uma determinada garrafa. Quando a bebida é trazida, eles
se encaminham para uma área externa, onde há uma piscina
imensa com borda infinita. Pisco, perplexa com a arquitetura e o
luxo do lugar. A luzes de led dentro da piscina, fazendo a água
parecer ainda mais azul. O vento sopra da praia, trazendo o cheiro
de maresia. Me faz lembrar a noite em que Ben me propôs em
casamento, mas o garçom me entrega uma taça e volto a prestar
atenção em volta.
Meu “noivo” retira a proteção, gira a chave de lacre,, algumas
vezes a empurra com o polegar, que faz um barulho oco,
semelhante a um suspiro. Todos os homens em volta seguram suas
taças, mas é a minha que ele enche primeiro.
Algumas mulheres começam a se aglomerar em volta de nós,
enquanto os outros são servidos.
— Você tem o dom da oratória — o pai de Ben diz, mas não
sei se está me elogiando ou me testando.
Ergo a cabeça e endireito os ombros, experimentando um
gole da bebida, mas uma vez me surpreendo com uma bebida cara,
o sabor é efervescente, seco, ressaltando teor alcoólico, bem
diferente das cidras que eu bebia nas viradas de ano.
— Obrigada — respondo o elogio.
— Ouvi falar que você era apenas uma babá até pouco tempo
— Raul comenta. Mas uma vez, não sei onde ele quer chegar.
— Pai — Ben o chama, com um olhar de advertência.
— Está tudo bem — assumo. — Trabalhei como babá, sim.
— Admiro pessoas trabalhadoras e honestas — Raul
continua. — O que está vestindo?
Ele passa os olhos pelo meu vestido off-white, com decote
redondo e sem mangas, justo até os joelhos. Me faz parecer mais
alta, pelo menos é o que gosto de pensar.
— Ah, eu mesma faço meus vestidos, gostou?
— Assim você tem modelos exclusivos. É lindo.
Estou tanto tempo fingindo ser uma mulher de postura, que
minhas costas começam a doer. Não sei quando suas perguntas
vão acabar, não sei nem se um dia irão cessar.
— Quer dar uma volta? — Ben me salva.
— Quero — respondo depressa, mas antes de nos liberarem,
Raul nos apresenta a cada uma das mulheres que estão à nossa
volta, elogiando meus dotes como costureira.
O fato de não saber se ele está debochando ou sendo sincero
me deixa agoniada.
Quando finalmente termino de distribuir sorrisos para cada
uma delas, deixo que Ben me guie até a lateral da piscina. Estou
usando um sapato de salto alto nude, que faz um som de toc toc
enquanto caminho sobre o piso de madeira. Encontramos a escada
e descemos.
Sinto o cheiro de churrasco aumentar a cada degrau. No
andar de baixo, há mesas com convidados mais jovens e um
funcionário no comando da churrasqueira.
— Está com fome? — Ben me pergunta, mas antes que eu
possa responder, um homem mais ou menos da mesma idade que
ele chama por seu nome. — Você tem muito mais classe que todos
aqui — ele murmura por entre os dentes, parece tão exausto quanto
eu.
O homem se levanta e vem nos cumprimentar.
— Não posso acreditar que você vai se casar, primo — ele
diz, pegando minha mão sem nenhum aviso. — Deixa eu ver a
aliança. Ouro branco e um diamante negro? Muito expressivo, o
anel perfeito para um viúvo pedir a mão da noiva.
Meu Deus, o cara não sabe calar a boca!
— Já soube que Ben está na lista das dez pessoas mais ricas
do Rio Grande do Norte? — digo para mudar o foco da conversa.
— Não brinca! Ah, me chamo Franco.
Me vejo na obrigação de cumprimentar todos que estão ali,
mas peço licença assim que nos apresentamos, porque Ben parece
estar sofrendo de indigestão.
Ele segura minha mão como se eu pudesse lhe dar suporte,
colocamos nossas taças sobre a mesa e caminhamos na direção de
uma cerca de madeira pintada de branco, que separa a área externa
da praia. Retiro os sapatos e caminho ao lado de Ben até não
conseguirmos mais ouvir as vozes dos convidados.
— Pensei que seria apenas um jantar — comento quando ele
senta na areia.
Me sento ao seu lado e suspiro.
— Foi pior do que eu pensava, mas você se saiu muito bem.
Onde estava escondida essa sua personalidade? — Ben me olha
com as sobrancelhas franzidas.
— Meu ex praticamente me adestrou, acho que aprendi bem.
Ele não queria que ninguém soubesse que eu era muito pobre.
— O que quer dizer com “praticamente me adestrou”? — Ben
continua me olhando com curiosidade. Me pergunto se um dia irei
me acostumar a receber esses olhares sem ter o coração
disparando feito doido. — Ele te dava uma recompensa quando
você se saía bem?
Meu humor muda rapidamente. Parece que, por mais que eu
tente escapar, essas questões sempre vêm à tona.
Estico as pernas, ciente que meu vestido vai ficar manchado
de areia, e flexiono os dedos dos pés, doloridos pelos saltos altos.
— Acho que é melhor eu te contar de uma vez — murmuro,
relaxando a postura, voltando a ser quem realmente sou.
— Também acho — ele concorda.
— Eu nunca quis namorar Lucas, já te expliquei que foi meu
pai quem arranjou tudo, considerava um bom negócio que eu me
relacionasse com o filho do pastor — digo e Ben assente, me
incentivando a continuar. Agarro um punhado de areia e a deixo
escorrer pelos meus dedos. Os dias passam, as semanas, os
meses, penso cada vez menos sobre isso, mas as feridas ainda não
cicatrizaram direito. — Lucas me exibia como um troféu. Me achava
bonita, não sei…
— Você é mais que bonita, é maravilhosa, Lia — Ben me
elogia.
Meus lábios se abrem em um sorriso, mas logo volto a ficar
séria.
— Só que ser bonita não era o suficiente. Ele pagava meu
salário de babá ao meu pai para que eu não trabalhasse mais nas
casas de família, não queria que sua namorada tivesse um emprego
“tão baixo”. — Faço aspas com os dedos. — Meu pai viu isso como
uma oportunidade de ganhar mais dinheiro, e começou a arranjar
crianças da vizinhança para eu tomar conta, como uma creche, mas
quando Lucas descobriu, me bateu, me humilhou…
Faço uma pausa para engolir o nó na garganta.
— Ele fez o quê? — Ben pergunta como se a informação
fosse demais para que ele pudesse acreditar.
— Era assim que ele me adestrava. Me tratou como se eu
tivesse culpa de precisar trabalhar, como se eu tivesse escolhido
essa vida — continuo, ainda que queria parar de falar, é melhor que
Ben saiba logo de tudo e pare de fazer perguntas. — Ele costumava
agarrar meu cabelo e bater minha cabeça contra a parede, acho que
ele adorava o som oco que fazia.
Me encolho, relembrando as dores de cabeça que isso me
causava.
O rosto de Ben está mortificado.
— Por que você não terminava? Por que continuou com ele?
Dou de ombros, não sei bem o que responder.
— Vi meu pai bater na minha mãe a vida toda, e me tratava
ainda pior do que Lucas fazia. Não digo que estava acostumada a
apanhar, porque acho que ninguém se acostuma com uma vida
dessas, mas era tudo que eu conhecia. Não consegui passar no
vestibular e não tinha outra expectativa. Mas fugi na primeira
oportunidade.
— Eu dei um soco no seu pai na frente do hospital, no dia em
que sua mãe fez cirurgia — Ben me conta. — Ele te chamou de
vagabunda e eu não iria deixaria barato. Fiquei mal depois, mas
agora acho que fiz pouco. Esse tal de Lucas ainda mora na mesma
cidade?
Ergo as sobrancelhas, entendo o que ele quer saber.
— Você não vai atrás dele, Ben!
— Acha que tenho medo de dar uma lição no filhinho mimado
de um pastor?
— Não quero que perca seu tempo com um desgraçado feito
ele, muito menos que suje suas mãos — digo o mais séria que
consigo, esperando que ele entenda.
— Ele te machucou por dois anos — Ben praticamente rosna.
Observo suas mãos e noto que estão fechadas em punho,
tremendo, os antebraços cruzados sobre o joelho direito, que está
dobrado.
— Te contei só para encerrar esse assunto, não porque quero
que você me vingue. Por favor, vamos deixar o passado bem onde
ele deve ficar.
— Se um dia ele cruzar meu caminho, não vai sobrar muito
dele para contar histórias desse tipo — ele resmunga.
— Você é o primeiro e único que já me defendeu até hoje —
admito. — E quero que saiba que significa muito pra mim, que serei
eternamente grata, mas não quero que bata em alguém por minha
culpa. Sou totalmente contra a violência.
Ele abaixa a cabeça e remexe a areia por alguns minutos.
Quero me inclinar e fazer carinho na sua nuca, tocar o lóbulo da sua
orelha, o provocar arrepios, mas sei que não posso me atrever a
tanto.
É difícil estar tão perto dele, fingir sermos um casal
apaixonado, e nunca sequer ter encostado dos lábios nos dele,
ainda mais quando sou completamente atraída por Ben.
— Acha mesmo que me saí bem com seu pai e aqueles
senhores? — pergunto para ter sua atenção de volta.
— Muito bem. Meu pai estava te testando na maioria das
vezes. Quando ele perguntou sobre seu vestido, certamente achou
sua roupa chique, considerou que uma babá não teria condições de
comprar algo assim e só queria confirmar que eu já estava te
bancando. Você foi perfeita contando que faz suas próprias roupas.
Ele deve estar nesse momento se gabando do meu nome naquela
lista e de como arranjei uma noiva tão batalhadora. Ele ama essas
histórias de pessoas que vencem na vida contra todas as
adversidades.
— A romantização da pobreza — resmungo, revirando os
olhos e deixando o ar escapar pesado pelo meu nariz. — Então ele
não se importa que eu seja de uma classe social muito inferior à
sua?
— A menos que te considere uma oportunista… Você marcou
muitos pontos com a questão do vestido, e ainda teve toda aquela
história de que só entrei na lista graças a ele.
— Só falei aquilo quando percebi que ele parecia estar com
inveja.
— Você observa tudo muito bem — ele diz.
— Estava certa? — o questiono.
— É claro que ele gostaria que fosse o nome dele na lista,
mas você se saiu muito bem dando os créditos do meu sucesso ao
meu pai.
— Não era para te ofender — trato logo de explicar.
— Eu sei que não era.
— E quanto a você estar pagando as despesas médicas da
minha mãe? Ele não vai achar oportunismo?
— Meu pai é excêntrico, orgulhoso, mas não acredito que ele
seja má pessoa. Entendeu que te ajudei em um momento difícil.
Balanço a cabeça, concordando.
— Lembra de Franco, aquele primo que nos cumprimentou na
área de churrasco? — Ben me questiona.
— O que fez comentários sobre a aliança? Pensei que ele
fosse querer tirar do meu dedo para investigar se era verdadeira.
— Um sem noção. Era para ele que meu pai iria entregar a
empresa se eu não me casasse.
Sacudo a cabeça, chocada. Não quero tirar conclusões
precipitadas, mas seu primo não parecia uma pessoa muito
centrada.
É engraçado como sempre vi Ben como um homem
poderoso, um magnata, mas diante do seu pai, ele não parece nada
além de um garoto esperando por aprovação. É estranho conhecer
esses dois lados, mas o faz parecer mais humano e, infelizmente,
dez vezes mais atraente. Pelo menos para mim.
Quero aninhá-lo no meu peito, beijá-lo apaixonadamente, tirar
camisa azul e ver seu abdômen outra vez, como vi naquela noite,
em que ele tirou a camisa para que eu me aquecesse. Quase chego
a cogitar a ideia de fingir estar morrendo de frio, só para ser
agraciada com aquele gesto de novo.
— Deve ter sido uma vida boa — comento, só para ouvi-lo
falar novamente, estou ficando viciada no timbre da sua voz —, bem
mais interessante que a minha.
— Nem sempre foi assim — ele murmura. — Não vivi a vida
toda nesse conforto. Meu pai me expulsou de casa quando mais
precisei.
Ergo as sobrancelhas, perplexa com essa informação.
— Você vai ter que me contar!
Tiro os sapatos e as meias para poder sentir a areia entre
meus dedos.
Sinto os olhos de Lia em mim, esperando que eu comece a
falar. Sou péssimo para falar de mim mesmo. Só com ela, com
todas essas conversas francas, é que me dou conta de que tive
amizades superficiais por toda a minha vida.
Lia é diferente de todas as pessoas que já conheci. Ela tem
uma história de vida miserável, mas em nenhum momento se faz de
coitada. Ainda estou surpreso com seu jogo na frente do meu pai, se
saiu muito melhor do que eu poderia cogitar.
Luiza era muito especial, e eu a amei com todo meu coração,
mas confesso que não me lembro de ter ficado tão boquiaberto
assim como Lia me deixa.
Com Luiza era fácil, simples, calmo, com Lia é como se
estivéssemos sempre pulando para o próximo nível, e ela nunca
cansa de me surpreender.
Me sinto um crápula só por fazer essas comparações
mentais. Luiza e Lia nunca, jamais deveriam ser comparadas, até
porque eu não tenho nada com a segunda.
— Seu pai te expulsou…? — Lia fala para chamar minha
atenção, visivelmente impaciente por eu não começar a contar logo.
— Me expulsou — confirmo, catando algumas pedrinhas no
chão e as atirando onde as ondas quebram.
— E…? — Lia está curiosa, consegui atrair toda sua atenção.
Tenho medo do que ela pode pensar sobre mim quando lhe
contar a história, mas parece que já temos certa intimidade para se
abrir um com o outro.
— Quando comecei a namorar Luiza, meu pai enfiou na
cabeça que ela não passava de uma interesseira, só porque aceitou
alguns presentes caros que lhe dei. Celular, roupa de marca, jóias,
como se ela tivesse pedido por isso. Estávamos na faculdade, Luiza
era da minha turma de Engenharia Civil na UFRN. Eu tinha vida
boa, um carro do ano, mesada, tudo que alguém daquela idade
poderia sonhar, e estava apaixonado por ela — conto, enquanto ela
ouve em silêncio, atenta. — Quando meu pai cismou com ela, exigiu
que eu terminasse o namoro, alegando que ela iria me dar o golpe
da barriga, coisa do tipo. Não aceitei terminar e ele exigiu que eu
saísse de casa.
Atiro outra pedrinha na água, olhando a espuma branca que a
onda faz quando se aproxima.
— Ele te expulsou? — Lia pergunta, me incentivando a
continuar.
— Sim. Fui morar com Luiza. Ela dividia um apartamento
pequeno com algumas amigas, na Zona Norte. Foi lá que morei até
depois da formatura. Perdi mesada, carro. Só consegui pegar um
laptop, um videogame, minhas roupas de marca, vendi e comprei
uma moto. Arranjei alguns estágios e me virei pelo resto do curso.
Quando Luiza ficou grávida, foi um sufoco porque a gente não tinha
dinheiro. A nossa sorte é que a família dela ajudou com o enxoval e
ela tinha plano de saúde para o pré-natal e o parto. Fiquei anos sem
falar com meu pai.
Quero encerrar a conversa por aqui, não quero contar a parte
em que fazemos as pazes. Lia é muito mais orgulhosa que eu e
pode me julgar como um fraco. Não quero que ela pense isso de
mim.
— Alicia sempre visita os avós maternos, não é? — Lia
pergunta, me fazendo respirar aliviado por desviar do assunto.
Estamos tão próximos que o ombro dela toca o meu.
— Sim, nas suas folgas que, a propósito, você nunca
aproveita — brinco, cutucando suas costelas com meu cotovelo.
— Não tenho para onde ir. Prefiro ficar em casa estudando —
Lia se justifica.
— Agora sua agenda vai ficar cheia — brinco. — Jantares,
almoços, festas.
Ela suspira, olhando para o mar com os olhos brilhando, tão
perto que me faz pensar que ela pode ler o que estou pensando,
nas coisas que poderia fazer com ela agora mesmo.
— E o que aconteceu quando ela partiu? — Lia pergunta ao
se virar para me olhar.
Engulo a saliva e atiro outra pedrinha na água.
— Ele foi ao hospital conhecer a neta, não sei como ficou
sabendo, talvez estivesse sempre de olho em mim. Insistiu em me
convencer a voltar para sua casa, essa mesma que você acabou de
conhecer, disse que iria dar tudo que Alicia e eu precisássemos, que
necessitava da minha ajuda na construtora, mas eu mandei ele se
foder — finalizo com um risinho sarcástico.
— E quando foi que você voltou atrás? — Lia quer saber.
— Fiquei alguns meses no apartamento da Zona Norte. Tinha
me formado há poucos meses e estava estagiando em uma
construtora pequena. Ganhava pouco, só conseguia comprar as
fraldas, comida e pagar as despesas do apartamento. Umas das
meninas me dava carona, elas revezavam para me ajudar com
Alicia quando eu não estava, mas a coisa foi apertando cada vez
mais. Os pais de Luiza começaram a insistir que eu entregasse
minha filha para eles, que eu não tinha condições de cuidar sozinho.
Eles me ajudavam a comprar leite, roupas, remédios, mas ficaram
cada vez mais insistentes em relação a pegar minha filha. Comecei
a ter medo que eles tomassem a guarda de mim. Sabia que, no
fundo, eles estavam certos, eu não tinha condições de cuidar da
minha própria filha, mas não queria me separar dela, eu já tinha
perdido meu irmão, minha mãe e minha esposa, ela era a única
pessoa que eu amava no mundo, não aguentaria perdê-la também,
por isso continuei insistindo. Enquanto isso, meu pai me perturbava
para voltar, mandava presentes, cheques. No começo, por orgulho,
recusei tudo, mas cheguei ao ponto que foi preciso engolir o orgulho
ou passar necessidade.
— Você fez as pazes com ele para dar uma vida melhor à sua
filha — ela sussurra.
Viro o rosto para encará-la e sinto o coração disparar.
— Sei que fui covarde, que deveria ter batido o pé…
— Você não foi covarde — ela me interrompe. — Qualquer
pai que ame os filhos faria o mesmo. Lembra como só aceitei sua
proposta quando você ajudou minha mãe? Somos orgulhosos, mas
esse orgulho não está acima de quem amamos.
— Pensei que você fosse me julgar — comento, coçando a
sobrancelha com a ponta do dedo indicador.
— Você tomou a decisão certa. Hoje Alicia tem uma vida boa
e você colocou a empresa no topo da lista das mais lucrativas do
estado. Trabalhou duro para merecer o que tem hoje.
Cruzo os braços, não sei o que dizer.
— Quer voltar agora? — pergunto, porque meu coração está
batendo de uma forma estranha, de um jeito que repudio.
Nunca pensei que teria que planejar um casamento tão
sofisticado. Será apenas uma cerimônia simples, só com as
pessoas mais íntimas, nada de salão de festas ou igreja. O
casamento acontecerá na casa de Raul De La Roche, e um juiz de
paz conduzirá a cerimônia, já que sou evangélica e, a família de
Ben, católica. Por mais que os De La Roche estejam em maioria,
Ben decidiu não escolher entre uma das religiões.
Me mudei para um quarto ao lado do de Ben há três dias.
Minha mãe recebeu alta para continuar o tratamento em casa e está
hospedada no andar de baixo, para que não precise subir escadas.
Divido minha atenção entre ela, Alicia, os preparativos do
casamento e ler notícias sobre Ben na mídia. Os holofotes se
voltaram para ele desde que entrou naquela lista de ricaços e
anunciou nosso noivado.
Saiu até no Tribuna do Norte, um dos jornais mais
importantes do estado, não só uma manchete, mas na primeira
capa. Carol comprou o jornal e me trouxe. O escondi embaixo do
travesseiro porque Ben está insuportavelmente lindo na foto. Estou
ao seu lado na imagem, mas sua beleza me ofusca.
“Parece um conto de fadas” retrata o título da manchete em
letras garrafais. A matéria diz que Benjamin De La Roche se
apaixonou por Lia Pereira quando a jovem começou a trabalhar
como babá de sua filha. Fala sobre o acidente da minha mãe e
como sou sortuda de estar me casando com o viúvo e
multimilionário mais cobiçado de Natal.
Suspiro, eles nem fazem ideia que ele vai se casar sem ao
menos ter dado um beijo na boca de sua noiva. No canto da página
há uma foto do anel de noivado na minha mão, avaliado em alguns
milhares de reais. Ele não poupou dinheiro com seu teatro. No fim
da reportagem, eles dizem que, para a tristeza da mídia, a cerimônia
será simples e reservada para os amigos mais próximos.
Não me sinto uma noiva, mal consigo me conectar com as
coisas ditas nos jornais, mas aquela foto na capa também está no
meu Instagram, que eu havia desativado antes de fugir.
Ben postou a foto no seu perfil, que foi tirada no jantar na
casa de seu pai, e eu repostei após apagar tudo que tinha a ver com
Lucas do meu Instagram.
Pego meu celular e procuro seu perfil outra vez. Ele tem
milhares de seguidoras, que fazem comentários nada discretos em
suas fotos. Na sua bio está escrito “pai de Alicia e noivo de Lia” em
vez de algo como “o quarto homem mais rico do estado” ou “CEO
da construtora La Roche”. Acho fofo o jeito que ele falou de nós ao
invés de se gabar do seu sucesso financeiro.
Deslizo o dedo pela tela, olhando as fotos de suas viagens,
paisagens de tirar o fôlego, pratos exóticos.
Ele ainda não disse nada sobre a lua de mel. Não sei se
vamos ter uma, afinal, é só pelas aparências. Sequer teremos uma
noite de núpcias de verdade.
Sei que ele tem seus motivos, que após perder o irmão, a
mãe e a esposa, tudo que ele menos quer é amar mais uma pessoa
e viver com medo de perdê-la. É uma ideia um pouco idiota, se
retrair desse jeito por medo de sofrer, mas respeito isso. Ainda
assim, tem um pedacinho minúsculo de mim que questiona o que há
de tão errado em mim que ele não pode ao menos se arriscar a me
beijar. Tenho consciência que estou sendo tola quando deixo um
pensamento assim vir à tona, apesar disso, machuca.
Ouço uma batida na porta, me puxando desses pensamentos
nada construtivos.
— Entra — digo, escondendo o jornal embaixo do travesseiro.
Ben entra em silêncio, carregando duas sacolas grandes de
plástico. Ele caminha até minha cama, onde estou sentada. Me
pergunto se um dia meu coração vai parar de acelerar assim
quando ele aparece.
A claridade que passa pelas grandes janelas ilumina seus
olhos, os deixando ainda mais verdes. Ele coloca as sacolas sobre a
cama e as abre.
— Comprei uma máquina de costura e alguns tecidos — fala
com um sorriso acanhado, fazendo as covinhas aparecerem sob a
barba. — Imaginei que iria querer fazer alguns vestidos para a lua
de mel.
Abro um sorriso, feliz por ele pensar em algo assim.
— Não acredito que você pensou nisso — digo, abrindo a
caixa da máquina; é muito mais moderna do que a da minha mãe.
Ele empurra a outra sacola cheia de tecidos e se senta perto
de mim, então pega a carteira no bolso do terno e pega um cartão
de crédito.
— Chegou hoje no banco — ele diz me estendendo o cartão.
— Fui buscá-lo antes de vir pra cá. É um cartão de débito. Pode
usar o quanto quiser.
— Tem meu nome — digo, analisando, passando os dedos
nas letras douradas sobre o fundo preto.
— Você não precisa fazer vestidos, se não quiser — ele diz,
como se estivesse arrependido da sua compra. — Pode ir ao
shopping e comprar o que quiser. Só trouxe a máquina porque acho
que você costura muito bem, e adoro tudo que usa… Pensei que
fosse gostar.
— Eu amei! — digo, empolgado. Quero beijar seu rosto, mas
no momento estou com medo da sua reação. Temo que ele se
afaste. — Teremos uma lua de mel?
Ele abre o sorriso novamente.
— Para qual lugar do mundo você gostaria de viajar?
Mordo o lábio, refletindo por um instante.
— Paris é muito clichê? — pergunto e Ben faz que não com a
cabeça.
— Paris está ótimo — ele diz com a voz aveludada.
— Não prefere escolher outro lugar que você não conhece?
Viu no seu Instagram que já conhece a França — comento,
colocando uma mecha de cabelo atrás da orelhas.
— É você quem escolhe para onde vamos. Falando em
Instagram, vi que você ganhou muitos seguidores e que estão te
chamando de cinderela.
Dou de ombros.
— Desde que não comecem a jogar hate… — respondo
despreocupadamente.
— Você não é nem um pouquinho deslumbrada — Ben
observa, esticando a mão e colocando de volta a mecha que
escapou da minha orelha. — Preciso voltar ao trabalho.
— Nos vemos à noite?
— Acho que não. Vou sair com uns amigos — Ben informa.
— Hm — balbucio, sem querer demonstrar estar afetada.
Passo o resto do dia com minha mãe, escolhendo flores,
tecidos, cardápios. Ela ainda precisa usar as muletas por causa das
fraturas, mas todos os coágulos desapareceram.
Não falamos do meu pai nem se ela vai voltar para casa
quando sarar. É como se nossa vida no interior nunca tivesse
existido. Seu rosto está mais brilhante e ela sorri como não estava
acostumada a ver antes.
— Não me canso de agradecer ao seu noivo por tudo que ele
fez por mim — ela diz, segurando minhas mãos e me encarando. —
Você vai ser muito feliz com um homem como ele.
Minha mãe nem desconfia que esse casamento é uma farsa.
Me sinto mal por não contar nem mesmo para ela, mas é melhor
assim. Se ela acredita nisso, significa que as pessoas de fora
também vão acreditar.
— Vamos a Paris na lua de mel — lhe conto.
Minha mãe ergue as sobrancelhas, toda boba.
— Isso é muito mais do que Lucas poderia te oferecer — ela
toca no nome dele pela primeira vez, desde que fugi de casa.
— Você sabe que não estou com Benjamin pelo que ele pode
me oferecer — minto descaradamente.
— É claro que sei. Vocês dois se amam, dá para ver só de
olhar.
Minha mãe é uma pessoa muito humilde, assim como eu, a
diferença é que ela se deslumbra com tudo, fica encantada, acha
tudo muito chique, fascinante. Ao contrário dela, não me deslumbro
porque sei que nada disso é meu.
Me sinto ridícula, completamente surtada por estar na porta
do quarto de Ben, com o ouvido colado na madeira, tentando
escutar algum som vindo lá de dentro.
Se Alicia abrisse a porta do seu quarto e me pegasse aqui,
tiraria sarro de mim pelo resto da semana.
Estou me sentindo como uma esposa desconfiada de traição,
mas não consigo me controlar. Quero ver como Ben vai sair vestido,
o quanto vai estar cheiroso, porque tenho quase certeza que ele vai
àquele clube de putaria.
Quando ouço seus passos se aproximando da porta,
desbloqueio a tela do celular e corro para as escadas, desço um
lance às pressas, dou meia volta e começo a subir os degraus outra
vez, enquanto mexo no celular. Consigo esbarrar com ele na
metade do lance.
— Já vai? — pergunto como quem não quer nada.
Ele está usando uma bermuda jeans, chinelos e camiseta.
Quase nunca o vejo de bermuda, na maioria do tempo, suas coxas
grossas estão escondidas nas calças de alfaiataria. Para meu
choque, ele também está usando óculos de grau. Está tão bonito
que meu coração chega a doer.
— Moro aqui há meses e nunca te vi usando óculos —
comento, esperando que ele fique tempo suficiente para que eu
possa deduzir onde está indo.
— Só uso para descanso. Fiquei muito tempo revisando
algumas plantas, minha vista está cansada.
— Ah… — Preciso ser rápida, mas não consigo pensar em
nada inteligente para dizer. — Posso saber aonde vai?
Ele me encara por um instante, posso notar o sorriso que ele
tenta disfarçar. Gostaria de dizer a Ben que usar óculos de grau
assim é covardia, mas me limito a esperar sua resposta.
— Vou na casa de um amigo da época do colegial — ele diz
finalmente. — Nos reunimos uma vez a cada seis meses.
Estreito os olhos. Quero saber se só vão homens ou se tem
mulheres também, mas o que diabos tenho a ver com isso?
— Boa reunião — murmuro, tentando mostrar simpatia, mas
tudo que consigo externar é um sorriso amarelo. Por dentro, sinto
meu coração rachando.
Ele desce dois degraus, então se detém e vira para me olhar.
Se Ben soubesse o que faz com meu coração quando me olha
assim, será que ainda faria?
— O que vai fazer? — ele pergunta. Por um instante, imagino
que vai me convidar para ir com ele.
— Combinei de assistir a um filme com Lia, minha mãe e
Carol. Noite das garotas.
Ele dá um sorriso torto, assente e se vai.
Me sinto murcha, sozinha nas escadas, ridícula pelo papel ao
qual me prestei.
Subo as escadas de novo e vou ao quarto da minha futura
enteada. Bato três vezes na porta antes de entrar. Ela está
terminando de colorir um desenho. Me aproximo para olhar sobre
seu ombro. Vejo que ela desenhou o pai usando uma gravata,
segurando na minha mão, ela está do outro lado, segurando uma
flor. Minha mãe também está representada no desenho, usando o
gesso na perna e tudo. Acima das nossas figuras está escrito: amo
vocês.
Me agacho e beijo seu rosto.
— Também amo você, princesa — sussurro, colocando as
mechas do cabelo loiro e liso atrás da orelha.
Ela se vira, girando na cadeira, e me encara com os grandes
e expressivos olhos azuis.
— Acha que tia Lu vai gostar? — pergunta, se referindo à
minha mãe.
— Vai amar — respondo com sinceridade. — Faz muitos anos
que ela não ganha um desenho tão lindo.
Alicia fica séria de repente, pega o desenho e o dobra, o
segurando junto ao peito.
— Como é ter uma mãe? — me pergunta. Seus olhos me
encaram com tanta força que me sinto exposta.
Suspiro, não sei exatamente o que dizer.
— É mágico. É a pessoa que mais vai te amar no mundo.
— Mais do que meu pai me ama? — Alicia insiste.
— Seu pai te ama mais que a própria vida — digo, sentindo
um caroço se formar na minha garganta.
— Você vai ser minha mãe para sempre, Lia?
Seu comentário faz o caroço aumentar. Não sei exatamente
quanto tempo seu pai vai querer ficar casado comigo. Meu coração,
antes rachado, se parte pela ideia de fazer um anjinho inocente
como Alicia sofrer ainda mais.
— Vou te amar para sempre, princesinha e, sim, sempre serei
como uma mãe para você. — Não sei para quem essas palavras
podem significar mais, a Alicia ou a mim, mas enchem meu coração
de um sentimento feroz.
Quero prometer a ela que estarei ao seu lado a cada
descoberta, que serei sua melhor amiga, sua companheira, que ela
poderá me contar tudo e sempre terá meu amor, mas o nó está
tapando minha garganta e, se eu tentar falar agora, vou acabar
chorando.
Estico meus braços e ela se aninha neles, então a tiro do
chão, a balançando como se estivesse ninando um bebê.
— Eu te amo muito, Lia — ela diz contra meu pescoço. —
Podemos assistir ao filme agora?
Faço que sim com a cabeça, a coloco no chão e descemos
para o segundo andar de mãos dadas.
Há uma TV de cinquenta polegadas de frente à cama da
minha mãe. Carol já está lá quando chegamos, deitada ao lado de
mamãe. Corro para a cama, o ar condicionado está ligado em uma
temperatura que faz o quarto parecer uma geladeira. Me enfio com
Alicia embaixo das cobertas, a abraçando de conchinha. Carol
aperta o play e nos oferece pipoca em uma tigela grande, enquanto
o filme Enrolados, da Disney, começa.
Antes mesmo de Flynn Rider aparecer, alguém bate na porta.
— Entre! — é Alicia que diz.
A porta se abre devagar e Ben aparece. Me ergo nos
travesseiros para vê-lo melhor, sentindo o coração bater furioso pela
surpresa.
— O que foi? — sussurro quando ele se aproxima da cama.
— E o encontro com os amigos?
— Shiiih! — Alicia pede, indignada pelo silêncio interrompido.
Ele senta ao meu lado e, imediatamente, as garotas se
espremem mais. Estou chocada quando Ben se acomoda ao meu
lado, me puxando para escorar a cabeça no seu peito.
— Resolvi sair mais cedo — ele murmura tão baixo que só eu
posso ouvir, então passa um braço ao redor da minha cintura.
Engulo em seco, com medo que ele consiga ouvir as
marteladas do meu coração. Olhando em volta, percebo como
assistir a um filme com as pessoas que eu amo pode ser bom. Não
que eu ame Ben, nada disso, mas…
Poxa, Lia! Você gagueja até em pensamentos!
— Me caso amanhã — murmuro sozinho, segurando um
buquê de rosas vermelhas, sentado sobre a lápide de granito,
olhando para sua foto na placa oval de mármore.
O cemitério está vazio, são quase seis da tarde de um
novembro muito quente aqui em Natal, e o sol já está se pondo. Os
postes de luz amarelada estão acesos, deixando sombras
distorcidas dos galhos das árvores no muro.
— Me lembro da primeira vez em que estive aqui, no enterro
de Brian. Eu era só um garotinho e minha filha estava tão
perturbada com sua morte que esqueceram de mim. Acabei me
perdendo entre as fileiras de túmulos. Fiquei apavorado com medo
de um esqueleto vir rastejando pelo chão e agarrar meu tornozelo —
conto, dando um risinho sem graça. — Brian era o filho preferido,
aquele no qual meu pai depositava toda a confiança. Eu sou o filho
que restou, a sobra. E é por isso que meu pai esqueceu de mim
naquele dia, por isso ainda mantém o quarto do meu irmão
arrumado, mesmo depois de tantos anos.
Coço a sobrancelha, ciente de estar só enrolando, como se
precisasse fazer rodeios para conversar com uma cruz e um monte
de pedra gelada.
Passo a mão no granito e aspiro o perfume das rosas, não
gosto muito desse cheiro, me faz lembrar de todos os cortejos
fúnebres que já acompanhei. Coloco o buquê sobre a pedra, entre
as argolas de metal cromado. Mordo o canto interior da bochecha e
respiro fundo.
— Me caso amanhã — repito as palavras, desta vez mais
alto. — Não é um casamento tradicional, não me apaixonei por uma
mulher e a pedi em casamento. Meu pai exigiu que me casasse
novamente, em troca de me passar a construtora. Sei exatamente
por que ele fez isso. E é por esse motivo que levei cinco anos para
te contar. Ele não gostava de você quando estava viva, e não gosta
de como você ainda está presente na minha vida, não gosta do luto,
não suporta saber que você permanece como minha esposa mesmo
depois de morta e enterrada. É revoltante, mas é a verdade. Raul
nunca iria gostar de você, Luiza, e sabe Deus o porquê. Não me
importo se você for até o quarto dele e puxe seu pé quando estiver
dormindo.
Preciso rir desse meu último comentário. Na minha cabeça
atormentada, Luiza também ri. A risada dela é doce, aquece o
coração.
Passo a língua nos lábios, os sentindo rachados.
— Não vou me casar por amor, mas vou precisar beijá-la na
cerimônia. Ainda estou pensando a respeito disso, de como vou me
sentir. Não venha puxar o meu pé à noite por te contar isso, mas Lia
é maravilhosa. Alicia a ama e está desesperada para ter uma mãe.
Por essa razão, a escolhi.
Me calo, pensando em tudo que aconteceu, nas semanas que
se seguiram ao jantar na casa do meu pai, nas vezes em que fui até
sua porta, sedento de vontade de tomá-la nos braços, de beijá-la e
devorar seu corpo, mas não bati.
No fundo, sei por que estou aqui e, se Luiza ainda existisse
em espírito, flutuando ao meu lado, ela também saberia.
— Alicia está cada vez mais parecida com você — continuo,
adiando o tema principal. — Ela começou a fazer balé e fica
igualzinha a você nas roupas. Ainda guardo as fotos que sua mãe
me deu, de você como bailarina quando era criança. Nossa filha é
mais inteligente do que eu era na mesma idade. Lê um livro
pequeno todas as noites e, antes de dormir, o coloca embaixo do
travesseiro, exatamente como você fazia. Você tinha que ver.
Espero que não fique chateada por Alicia querer tanto ter uma mãe,
ela não tem culpa de a vida ter sido tão injusta conosco.
Solto o ar pesado dos pulmões, sentindo meu peito contraído
de tristeza. Arrumo o buquê de flores, mexo nos puxadores do
túmulo e toco a foto de Luiza. Meu coração dói, estou envergonhado
pelo que vou dizer, por precisar estar aqui, e pelo evento mais
importante da véspera do meu casamento ser uma visita ao túmulo
da minha esposa no cemitério.
— Que bela despedida de solteiro — brinco, puxando o
cordão de ouro de dentro da gola da camisa, onde carrego as duas
alianças do meu casamento com Luiza.
Mordo o lábio rachado e beijo sua aliança estreita. Meu
coração queima, meus ombros se curvam com a dor.
— Você consegue me ouvir? — minha voz agora é só um
murmúrio. — Não estou aqui apenas para te contar essas coisas.
Mas acho que você sabe. Estou aqui porque, no dia do seu funeral,
depois de segurar na alça do seu caixão da igreja até o carro
funerário, e do carro até este túmulo, depois que até mesmo seus
pais já tinham se despedido e ido embora, eu fiquei aqui com você.
Fiquei até a noite cair… e quando a noite caiu e as estrelas
apareceram, eu te fiz uma promessa.
Fungo para afastar o desconforto no nariz, que arde.
— Você está perto de mim? — pergunto para sua foto. —
Você se lembra? Eu prometi que nunca mais deixaria alguém
ocupar o lugar que foi seu no meu coração, que preferia viver com o
vazio do que amar outra mulher novamente.
Limpo a garganta, chegou o momento.
— De todas as vidas que foram afetadas com sua morte,
acho que eu fui o que mais me puni — continuo a conversa
unilateral, nervoso, com receio de verbalizar à uma lápide o que
estou sentindo. — Você poderia, se não for pedir muito, me liberar
dessa promessa?
O silêncio é interrompido apenas pelos roncos distantes dos
motores dos carros que passam lá fora. Me empertigo e olho em
volta, observando as lápides solitárias, recordando como me senti
na noite em que tive que deixar minha esposa sozinha aqui.
Uma lágrima cai sem que eu perceba de antemão. A seco
depressa e engulo o nó na garganta.
— Me sinto a pior pessoa do mundo por estar aqui te pedindo
isto — lamento. — Mas não queria liberar meu coração para outra
mulher sem sua aprovação.
Solto outra risada esquisita.
— Luiza, pode me ouvir? Saiba que não tenho medo de
fantasmas. Você pode aparecer e me dar uma resposta? Se estiver
perto de mim…
Me calo, estreitando os olhos, focando nas sombras dos
lugares mais escuros do cemitério, procurando qualquer coisa que
possa significar um sinal. Olho, até meus olhos arderem e
lacrimejarem, mas nada acontece.
A casa está silenciosa quando chego.
Procuro por Lia, mas só encontro os livros de estudo sobre a
escrivaninha do quarto. Quero dizer algo a ela, pedir sua opinião,
perguntar se ela poderia dar uma chance a um coração destruído,
mas encaro sua ausência como um sinal e que, não, Luiza não me
liberou da promessa.
Engulo a saliva, respiro fundo, aspirando seu perfume doce
impregnado no quarto, e desisto da ideia ridícula de me permitir
amar outra vez. Não seria justo com Luiza.
Desço de volta ao andar de baixo, estranhando a ausência de
sua mãe, da tia e das primas de Lia que vieram para o casamento e
estão povoando a casa com suas risadas há uma semana.
Odeio com todas as forças essa sensação de vazio e solidão.
Quero a família dela de volta, toda a cacofonia de garotas
empolgadas pela prima estar vivendo um conto de fadas. Desejo a
presença constante da sua família materna pela casa, que minha
filha cresça cercada de tanta vivacidade.
Me encaminho para a cozinha, onde encontro Carol dando
comida para Alicia.
— Onde estão as outras? — pergunto, com medo que Carol
possa sentir o cheiro de cemitério nas minhas roupas se eu chegar
muito perto.
— Sequestraram Lia — Alicia diz com o sorriso e os olhos
grandes. — Disseram que você não pode vê-la até o casamento.
— Vai ter que dormir sozinho — Carol me provoca, como se
não soubesse que tudo não passa de um casamento por contrato.
— Meu pai não pode dormir com Lia até eles estarem
casados — Alicia explica, com a inocência infantil. — É por causa
da religião.
Dou um meio sorriso para minha filha e subo para tomar um
banho.
No chuveiro, tento aliviar o desejo feroz que castiga meu
corpo, sabendo que a beijarei no dia seguinte.
Sei que é só um beijo, mas deveríamos ter conversado sobre
isso.
Durante toda a minha vida, mesmo quando os homens que eu
conhecia me tratavam como lixo, eu esperei que um dia fosse
encontrar alguém para amar de verdade. Mesmo quando o amor de
um homem parecia tolice, não deixei de esperar.
Meu coração está acelerado, minha garganta trancada pelo
nó. Sinto o toque do vestido de noiva na minha pele, os grampos do
penteado no meu couro cabeludo, o peso dos brincos de diamante.
A luz brilhante do céu azul beijando o mar ofusca minha visão, o
cheiro da maresia me entorpece. Me concentro no barulho das
ondas arrebentando há poucos metros daqui.
Dou mais um passo e me viro, segurando o buquê com minha
mão direita, enroscando o braço da minha mãe com a outra. Ela diz
alguma coisa, mas não posso ouvir nada agora. Os convidados são
apenas um borrão ao meu redor. Alicia começa a caminhar na
minha frente, carregando as alianças, o cabelo loiro modelado em
grandes cachos, o laço do vestido branco nas suas costas. Ao seu
lado, está o filho de Carol, vestido como noivinho, uma cabeça mais
alto que Alicia.
Mordo o lábio com força, antes de erguer a cabeça e olhar
diretamente para ele.
Por mais que eu tenha todos os motivos para não acreditar
mais no amor, acabo de me dar conta que eu o amo.
Mas como posso amar alguém que tem medo de se
apaixonar?
Sinto as lágrimas se formando, não pela felicidade de estar
me casando com ele, mas pelo desespero de saber que terei que
matar esse amor um dia após o outro.
Meus ombros murcham, aperto o braço da minha mãe.
Preciso me recompor, mas estou desabando pela dor de um amor
não correspondido.
O que estou fazendo da minha vida? Como aceitei me casar
com alguém com o coração trancado?
— Vai — ouço o comando da cerimonialista, que cobrou
milhares de reais para organizar este falso casamento.
Dou mais um passo, me odiando por ser incapaz de segurar
as malditas lágrimas. Cercada de pessoas que não sabem que isso
é apenas um teatro. Me pergunto se elas se emocionariam assim se
soubessem, se pediriam os presentes de volta, se iriam me xingar
por terem gastado dinheiro com roupas e salão de beleza para
estarem aqui.
Me sinto vulnerável, exposta, como se todos aqui estivessem
julgando minha atuação.
Um passo mais perto do homem do outro lado do corredor.
Almas gêmeas são reais?
Não estou atuando, eu o amo, mesmo que estas lágrimas não
sejam da emoção que os convidados acreditam que estou sentindo.
Outro passo.
Como a vida pôde ter me presenteado com um homem para
ser meu marido se ele não quer me amar?
Eu vou enterrar esse amor todos os dias, prometo a mim
mesma, repetindo as palavras em pensamentos enquanto completo
o caminho pela passagem entre os bancos dos convidados.
Como você se atreve a me olhar assim se não vai me
corresponder?, pergunto mentalmente ao homem que me recebe no
altar com os olhos marejados, que só me fazem amá-lo ainda mais.
Ele se inclina na minha direção e beija o canto dos meus
lábios demoradamente.
— Por favor, não desista agora — Ben sussurra para que só
eu o escute.
Me viro para o juiz, sentindo os nervos à flor da pele.
Carol está com o marido ao meu lado, como meus padrinhos.
Ben escolheu aquele primo idiota e sua namorada, talvez para
combinar com a falsidade deste casamento.
Todos os meus convidados ocupam apenas uma fileira. Não
tenho intimidade com o resto das pessoas presentes aqui, ainda
assim, me sinto uma traíra por estar enganando a todos. Só Carol
sabe.
O Juiz começa, quero que ele pare de falar, que diga que é
um engano, que alguém está lhe chamando e ele não pode
continuar aqui, não pode dar continuidade a esse teatro ridículo.
Não consigo prestar atenção nas suas palavras. Sinto a
tensão de Ben ao meu lado, mas ele está fingindo muito bem.
Minhas mãos tremem quando preciso pegar os anéis no porta
alianças bordado que Alicia estende para nós. Dou a punhalada final
no meu coração no momento do sim.
— O noivo pode beijar a noiva — o juiz diz sorridente, sem
saber que, para mim, este casamento se transformou em um
enterro.
Nos viramos para ficar de frente um para o outro. Meu
vestido, os brincos e a aliança pesam, o penteado incomoda.
Detesto com todas as minhas forças que o primeiro beijo que
Ben me dá — e provavelmente o último — seja uma mentira com
tantas testemunhas.
Quando seu rosto se aproxima do meu, fecho os olhos
tentando recordar em que momento me apaixonei por Benjamin.
Deve ter acontecido no primeiro dia em que o viu.
Nossas bocas se tocam, meu corpo inteiro se arrepia. Quero
odiar o toque dos seus lábios, mas só consigo amá-lo ainda mais. É
macio, quente. Ben suga lentamente meu lábio inferior, abro a boca
em um instante de fraqueza, e ele toca minha cintura, se demorando
ao deslizar a língua contra minha, fazendo cada centímetro da
minha pele arder, como se estivesse aproveitando a oportunidade.
Quando se afasta, deixa uma terrível sensação de vazio.
Pisco, me sentindo ridícula por estar chorando novamente.
Acho um absurdo ter que jogar o buquê. Não me importa
quem o pega. Não ligo para as pessoas nos dando parabéns, para
as ameaças que recebo dos parentes e amigos de Ben para nunca
machucar o coração dele. Ironicamente, ninguém aqui se importa
com o meu.
É um peso muito grande ser a noiva contratada para se casar
com o CEO. Me faz desejar ter recusado, mas como poderia?
A noite cai enquanto os convidados se divertem. Minha
pequena família parece estar vivendo um conto de fadas.
O jantar não tem sabor, os bem casados parecem areia na
minha boca. A primeira dança dos recém-casados é uma música
escolhida por mim, mas nem isso consegue melhorar meu humor.
Ele me abraça ao final da dança, como se também estivesse
sofrendo com essa palhaçada. Apoio minha testa contra seu peito e
desejo que seu ombro não seja apenas um lugar para encostar a
cabeça, mas um porto seguro para onde eu possa correr quando
estiver despedaçada.
— Quer ir embora? — ele sussurra, com os dois braços em
volta da minha cintura.
— Quero — digo, sentindo o coração bater mais rápido.
Partimos o bolo, cortando de baixo para cima, como manda a
tradição, mas agora o toque da mão de Ben parece mais real.
Quando ele coloca uma garfada de bolo na minha boca, enquanto
seu primo sem noção grava um boomerang para postar no
Instagram, consigo sentir meu paladar novamente.
Ben enche duas taças de champagne e cruzamos os braços
para beber, dando risada da cena ridícula. Quero odiá-lo por ser
capaz de mudar meu humor tão drasticamente, mas só consigo me
sentir grata por ele estar me levando embora daqui.
Minha mãe coloca bolo em um recipiente de plástico para
levarmos ao hotel, enquanto Ben se despede de Alicia, prometendo
voltar logo. Agarro uma garrafa de champagne lacrado pelo gargalo
e encontro os olhos de Raul De La Roche. Ele acena para mim com
a cabeça, antes de partirmos, me fazendo imaginar que acreditou
em toda a encenação.
Há uma limusine nos esperando no estacionamento da
mansão de Raul. Caminho para lá segurando a mão de Ben, muito
mais consciente do seu toque agora. Ao longe, percebo que, mesmo
contra todos os protestos, minhas primas penduraram latinhas
pintadas de branco na parte de trás do carro.
Reviro tanto os olhos que temo eles saírem de órbita.
O motorista abre a porta, os convidados estão gritando frases
de incentivo para a noite de núpcias. Ben me ajuda com o vestido
para que eu não tropece. É um Carolina Herrera de vários milhares
de reais, um completo desperdício.
Respiro aliviada quando ele fecha a porta ao entrar, abafando
a algazarra dos convidados.
— A bagagem já está no porta-malas — o motorista nos
informa, antes de fechar o vidro fumê, que nos dá privacidade.
— Quer que eu abra o lacre? — Ben perguntando, empinando
o queixo na direção da garrafa de champagne.
A aperto contra o meu peito, como se ela funcionasse como
um escudo para me proteger da atração que Ben causa no meu
corpo.
— Não, é para o hotel — explico.
Ele se levanta e vai para o banco lateral, apoiando o rosto na
janela.
Frustrada, sacudo a cabeça em negação.
— Acha que fomos bem? — murmuro a pergunta, mas sai tão
baixa que ele não escuta. Se eu falar mais alto, vou chorar de novo.
Na minha cabeça está tocando Born To Die, de Lana Del Rey.
Acho que a música combina muito com o que estou sentindo agora.
Ben alugou um chalé em um hotel cinco estrelas. É claro que
alugou.
O chalé tem sala, cozinha e uma varanda com vista para o
mar, além da suíte master. Acho um desperdício, já que só vamos
ficar uma noite.
Os funcionários do hotel encheram o quarto de velas
aromáticas e pétalas de rosas. O mensageiro espera na porta por
uma gorjeta, olhando com uma cara de quem pensa que vamos
fazer amor a noite inteira.
Apago todas velas assim que Ben dá a gorjeta e o funcionário
sai. Há uma banheira de hidromassagem cheia em frente à cama,
mas, por sorte, o chuveiro fica dentro do banheiro.
— Pode abrir o zíper — peço para Ben, já que não consigo
abrir sozinha, mas evito encará-lo agora que sei que estou
apaixonada.
— Claro — ele diz.
Sinto o calor da sua mão, e me pergunto como meu corpo
não consegue me obedecer. Por que preciso me arrepiar desse
jeito?
Cruzo os braços e tento me segurar, mas não sou capaz de
controlar o espasmo quando seus dedos puxam o zíper e deslizam
pela minha pele.
Sem agradecer a gentileza, pego uma camisola na bagagem
e vou para o banho. Tento me demorar o máximo, aproveitando a
água morna para colocar a cabeça no lugar. Passaremos três dias
em Paris e não sei o que faremos lá.
Sei que é a França e é um sonho poder conhecer o país, mas
nessas circunstâncias chego a desejar não ir. Além de tudo, ainda
temo que minha mãe vai voltar para o interior na minha ausência,
para meu pai.
Temo por sua segurança, não sei o quanto ela gosta dele.
Não tocamos no assunto durante as semanas em que ficamos
juntas no hospital e na casa de Ben. E meu pai não deu sinal de
vida. Não sei como ela se sente em relação a ele, não sei se ela
ainda o ama, se sequer um dia amou.
— O amor é uma flor roxa que nasce no coração de um
trouxa — resmungo, dando um risinho sarcástico para o espelho,
enquanto tiro a maquiagem.
Olho para meu reflexo, pensando em como tudo isso é
confuso.
Exausta de pensar, retiro os grampos do cabelo e me arrasto
de volta ao quarto.
Encontro Ben comendo amendoins enquanto vaga pelos
canais com o controle remoto. Está sem camisa, usando apenas a
calça de alfaiataria grafite. Vejo os músculos de suas costas na
claridade pela primeira vez, os ombros largos, os bíceps
destacados, a cintura estreita e as covinhas na região lombar me
fazem desejar agarrar seu corpo.
Quero voltar ao banheiro, para o chuveiro, mas tento dominar
os sentimentos e caminho até a cama.
Ele se vira assim que entro embaixo das cobertas, sem fazer
ideia do que a visão do seu abdômen sarado me causa. Me imagino
o tocando, deslizando os dedos pelos gomos, encaixando as mãos
no seu peito rígido, indo além e abrindo o botão da calça…
As portas de vidro que dão para a varanda estão
escancaradas, deixando a brisa de verão entrar pelo quarto. Me
pergunto se um mergulho na água fresca aplacaria o fogo que me
castiga.
— Acho que nos saímos bem — ele diz, despreocupado, se
arrastando na cama e sentando-se ao meu lado, com as costas
apoiadas na cabeceira estofada de capitonê.
— Também acho — digo, mordendo o lábio, aceitando os
amendoins que ele me oferece.
Ben se cala, prestando atenção no telejornal ou, pelo menos,
fingindo prestar. Quero dizer mais alguma coisa, mas não sei o quê.
Meu corpo vai ficando mais tenso conforme ele relaxa ao meu
lado. Meu coração bate ensandecido quando seu ombro toca o meu.
Sua pele parece arder em chamas.
— O que vamos fazer a lua de mel inteira? — resolvo
perguntar.
— Tenho uma ideia, mas imagino que não vá gostar muito —
ele murmura.
Viro o rosto na sua direção e percebo sua mandíbula trincada,
os músculos se tensionando. Ele volta a cabeça para me encarar. É
covardia como seu olhar me desestabiliza.
— Diga — sussurro com a boca seca, o ar chegando com
dificuldades aos meus pulmões.
— Sexo — Ben explica. — É o que os casais fazem na lua de
mel, não é?
Engulo em seco, sem saber mais o que pensar.
— Somos um casal? — minha voz sai rouca.
— Um casal de mentirinha.
— E vamos fazer sexo de mentirinha? — rebato. Sinto alguma
coisa no meu estômago, temo que sejam as famosas borboletas.
— Sexo de verdade — Ben murmura, seus olhos verdes
oscilam entre meus lábios e meus olhos. Acho que estou pegando
fogo, arfando. — Isso, se você prometer que não vai se envolver…
Sinto minhas narinas se inflamarem, minhas mãos fecharem
em punho. Fecho a cara e faço um bico. Como ele pode ter medo
que eu me envolva quando já estamos casados? Como pode um
casal se envolver mais que isso?
— Quem disse que quero transar com você? — minto. Minha
cara nem queima.
— Iria querer se já tivesse experimentado — Ben tem a
audácia de dizer.
Sou tomada por uma raiva inesperada.
— Minha virgindade te incomoda? — rosno, enfurecida.
— Esse é o problema de esperar muito tempo para fazer, a
importância da primeira vez vai ficando cada vez maior — ele
resmunga e parece se arrepender imediatamente de suas palavras,
mas já é tarde demais, estou lhe chutando para que ele saia da
cama.
Ben se levanta e deixa o quarto.
Preciso de muito mais que alguns minutos para me acalmar.
Meu coração bate furioso, partido, maltratado.
Olho para a garrafa de champagne caro e penso em esvaziála, bebendo diretamente do gargalo, mas temo que a situação piore.
Deixo a ira sair em forma de lágrimas, em seguida me odeio por
permitir que aquelas palavras me afetem tanto.
— Ele agiu como um cretino — murmuro, esfregando as
costas das mãos pelas bochechas molhadas.
Desligo a TV, levanto e caminho pelo quarto, indo até a
varanda, tentando raciocinar com clareza.
Como ele pode me querer como esposa, desejar transar
comigo, mas não permitir que eu me envolva emocionalmente?
— Se não fosse pela ajuda que deu à minha mãe quando
mais precisamos, Benjamin De La Roche, eu iria embora agora!
Sinto a lua no céu me encarando, me julgando.
Murcho os ombros, abraçando-me, percebendo o quanto o
quarto ficou solitário sem sua presença. Odeio constatar isso, que
mesmo com raiva ainda quero sua companhia.
Derrotada pelos meus próprios sentimentos, pego meu celular
na bolsa e volto para a cama. Penso em entrar nas redes sociais
para tentar distrair a cabeça, mas não posso ficar online na noite de
núpcias.
Digito seu nome no Google e corro os olhos pelas notícias do
nosso casamento, mas isso perturba ainda mais minha mente,
então abro o YouTube e procuro por uma vídeo aula pré-vestibular.
É tão ridículo estudar na noite de núpcias que dou risada, um
riso amargurado.
— O vestibular está chegando, não é, Lia? — murmuro com a
voz carregada de sarcasmo.
Só percebo que peguei no sono com as aulas de Biologia
quando sinto o peso de Ben deitando-se na cama. Pisco,
percebendo que as luzes estão apagadas e que a única iluminação
do quarto vem da lua lá fora.
Fico tensa, mas permaneço quieta, fingindo que estou
dormindo.
Ben se aproxima, posso sentir o calor do seu corpo
encostando no meu, o cheiro do seu perfume misturado a uísque.
— Eu sou um babaca, Lia. — ele murmura bem perto do meu
ouvido. — Eu te daria meu coração se ainda existisse alguma coisa
boa dentro dele.
Meu coração reage enlouquecido com sua declaração. Quero
me virar e dizer que não me importo, podemos cavar bem fundo e
encontrar os sentimentos que ele enterrou. Penso em dizer o quanto
seu coração ainda é bom, por tudo que ele fez por minha mãe, pelo
pai que é para Lia, mesmo assim, ainda estou magoada.
Ben fica em silêncio por um momento. Ainda sinto o calor e a
presença do seu corpo junto ao meu.
Quando volta a falar, é como se ele estivesse quebrado.
— Não tenho nada para te oferecer, e você merece o mundo.
É um castigo assisti-la dormir. Não tenho sono, quase nunca
tenho, mas esta noite o sono faz mais falta que de costume.
Sozinho, observo a madrugada se transformar em dia,
torturado pela vontade de tê-la, envergonhado pelo que fiz.
Quando o sol nasce, providencio para que tragam um café da
manhã, mas eu mesmo arrumo a mesa, colocando algumas flores
para agradar Lia. Precisamos estar no aeroporto às dez, por isso
vou até a cama para acordá-la.
Ela parece um anjo dormindo, mas a visão do seu corpo só
desperta em mim o pecado. Há um travesseiro entre as coxas
expostas, a camisola erguida até o quadril, o lençol enrolado na sua
cintura. Posso ver a calcinha, boa parte de um dos seios, mas tento
não ficar olhando. Puxo outro lençol e a cubro antes de chamá-la,
para que não fique constrangida por ter ficado tão exposta.
Lia pisca os olhos castanhos quando escuta minha voz, então
se levanta, perguntando se perdeu a hora.
— Não são nem sete — respondo.
De cara fechada, ela vai para o banheiro. Volta alguns
minutos depois, de rosto lavado, com as sobrancelhas úmidas.
Quando se senta à mesa que preparei, vejo que uma das
sobrancelhas grossas está bagunçada. Estico a mão para arrumá-la
com cuidado, recebendo seu olhar penetrante.
Recolho a mão e limpo a garganta.
— Me desculpe por ter te ofendido ontem à noite. Fui um
completo imbecil.
Lia ainda me olha, como se pudesse saber todos os meus
segredos apenas com seu olhar.
— Sua virgindade não é da minha conta — continuo quando
ela não responde. — Jamais poderia ter falado daquela forma. Não
foi um momento de raiva, mas sim de infantilidade. E eu ao menos
sabia que ainda era infantil. Fui um babaca.
Ela me encara por instante, perturbadora. Só faz eu me odiar
ainda mais pelas coisas que disse.
— Você foi mesmo — diz, finalmente.
— Pode me perdoar pelas ofensas?
Meu coração se contrai enquanto espero a resposta. Ela
assente com a cabeça, então começa o desjejum.
Percebo seu nervosismo no caminho para o aeroporto,
estalando os nós dos dedos e mordendo o canto do lábio carnudo.
Os melhores lábios que já tive o privilégio de beijar…
Quero manter firme o muro em volta do meu coração, mas
sinto que ele está prestes a ruir quando olho para ela assim.
— Ben? — ela me chama, virando-se para ficar de frente para
mim no banco, enquanto me encara com a força do seu olhar, me
enfeitiçando de uma forma que eu desejo desviar, mas não consigo.
— Oi — murmuro, com medo de falar mais alto e estragar o
momento.
— Por que me beijou daquele jeito quando o juiz nos declarou
casados? Você poderia ter me dado apenas um selinho. Acabou
quebrando sua primeira regra de não beijar.
Levo alguns segundos para pensar em uma mentira.
— Não quebrei regra nenhuma — digo, fazendo um esforço
tremendo para permanecer com o coração frio, mesmo que sinta o
calor se espalhando pelo meu peito. Preciso morder com força o
canto interno das bochechas para não sorrir com o jeito meigo que
Lia me olha. — Estávamos fingindo, não é? Você não queria
realmente me beijar, e eu estava só encenando. É como se o beijo
nunca tivesse acontecido, não é?
Torço para que Lia negue, que diga que estou errado, que
sim, ela queria me beijar.
— Tem razão — ela murmura, passando a língua no lábio
tentador. Está pensativa.
Passo a ponta no dedo indicador, coçando a sobrancelha,
odeio imaginar que nosso beijo teve mais química que todos os
outros beijos que já dei na vida. Luiza me vem à mente, mas a
afasto porque não quero que ela seja testemunha dessa minha
traição.
— Ben, você tem medo de voar de avião? — Lia me
questiona, sem fazer ideia das coisas que estão passando na minha
cabeça.
— Não tenho. É sua primeira vez?
— Sim — ela responde com um sorriso tímido. — Estou
nervosa.
— Vou estar lá com você — digo, tentando soar o mais gentil
possível — e você pode segurar minha mão se sentir vontade.
— Não estou vestida à altura — Lia reclama, parecendo
apreensiva, quando chegamos ao aeroporto e nos dirigimos ao
espaço reservado à primeira classe.
— Você está linda, suas roupas são praticamente alta costura
— elogio seu trabalho.
Lia está usando uma saia preta de pregas e uma camisa
branca, com o cabelo preso em um coque no alto da cabeça e os
brincos de diamante que comprei para que ela usasse no
casamento. As roupas foram feitas com os tecidos e a máquina de
costura que lhe dei, mas parecem ter sido comprados em uma loja
de grife.
— Meu Deus, é muito chique! — ela exclama para que só eu
escute, enquanto uma recepcionista nos leva até as mesas onde o
check in é feito.
A funcionária nos paparica, oferecendo bebidas e petiscos,
mas estamos cheios do café da manhã. Após o check in, ela nos
guia para os demais procedimentos.
— Ela precisa se atirar tanto para cima de você? — Lia
pergunta bem perto do meu ouvido quando chegamos ao lounge
onde esperaremos pelo voo, sem pegarmos fila por voarmos de
primeira classe.
A encaro, percebendo que está incomodada quando nem eu
notei que a mulher poderia estar dando em cima de mim.
— Não se estresse com isso.
— É uma falta de respeito! — ela protesta. — Sou sua
esposa, mesmo que de mentirinha. Não era obrigação dela tratar
todo mundo da mesma forma?
Engulo a saliva, recordando de dois comentários maldosos
que vi na foto que minha social media postou no Instagram do nosso
casamento.
“Vocês não combinam.” — o primeiro dizia.
“Poderia ter escolhido alguém mais clara.” — o segundo
estava acompanhado de um emoji de nojo.
Apaguei os dois comentários e enviei uma mensagem para
minha social media ficar de olho.
Na hora, me incomodou muito, mas não tanto quanto está
incomodando agora, porque dói saber que Lia sentiu que a
funcionária estava dando em cima de mim, sem respeitá-la, apenas
pelo tom de pele da minha esposa.
Se eu estivesse com uma loira, tenho certeza que ela teria
respeitado.
— Mas, já estou acostumada com isso. Lucas também era
branco. As pessoas costumavam dizer que a gente não combinava
— Lia diz, como se lesse meu pensamento.
Sua fala é como um soco no estômago, porque nenhum ser
humano deveria se acostumar a ouvir comentários desse tipo.
Quero voltar até lá e reclamar com a funcionária, mas já
passamos pelo controle de segurança e não há como retornar.
Pegamos um voo de Natal à São Paulo. Lia fica tensa, mas
acaba relaxando após algum tempo de decolagem.
Uma funcionária da Air France nos recebe no desembarque,
mas esta volta sua atenção para Lia, gesticulando para que ela siga
na frente, explicando tudo que há disponível no lounge do espaço
Premier da Air France. Quando ela nos deixa a sós, me ofereço
para tirar fotos de Lia nos espaços mais chiques.
Para meu alívio, ela está toda animada, parece ter se
distraído do que aconteceu no outro aeroporto. Decidi que vou
retratar o acontecido diretamente à empresa, mas não vou lhe
contar isso agora, não quero estragar seu bom humor.
Quando chega a hora de embarcar, a comissária de voo nos
leva em um carro até o avião, já que o aeroporto é enorme. Somos
recebidos pela tripulação que cuidará de nós durante o trajeto.
Eles falam em francês, mas traduzo tudo para Lia,
principalmente a parabenização pelo nosso casamento.
O comissário pergunta como Lia e eu gostaríamos de sermos
chamados, monsieur at madame De La Roche, senhor e senhora
De La Roche…, mas peço que nos chamem apenas de Ben e Lia.
Após isso, ele nos acomoda na suíte e nos deixa a sós, só voltando
após a decolagem, para nos servir champagne e castanhas.
Lia não consegue esconder o quanto está chocada com tudo,
por saber que viajaremos em uma suíte, que teremos um jantar
completo, pijamas personalizados e que nossas poltronas serão
convertidas em camas.
— Tenho medo de perguntar quanto custaram essas
passagens — ela brinca.
— Está valendo a pena? — pergunto, ciente de que o valor
poderia pagar tranquilamente um ano de todas as suas despesas no
curso de medicina na universidade particular.
— Não sei quanto custou, mas nunca vou esquecer.
— Vou fazer uma reclamação sobre o tratamento daquela
funcionária em Natal — resolvo contar.
Ela me olha por um instante, seu semblante fica sério, então
assente.
O chef nos serve uma refeição impecável, depois bebemos
algumas taças de vinho branco, enquanto degustamos alguns
queijos franceses.
Percebo que Lia está relaxada após o vinho. Me sinto grato
por poder dar a ela a oportunidade de desfrutar alguns dos
privilégios que o dinheiro pode oferecer.
Nos trocamos, um de cada vez, no toalete, e nos
acomodamos nas camas arrumadas pelo comissário, cada um na
sua, mas ela vem para a minha assim que as luzes diminuem.
A abraço de conchinha, sentindo seu cheiro doce. Penso que
não vou conseguir dormir, mas acabo adormecendo, sendo
presenteado com uma longa noite de sono.
Chegamos ao hotel pela manhã. Está muito frio em
comparação ao calor que deixamos em Natal. Lia se troca, mas logo
percebe que as roupas que trouxe não são quentes o suficiente.
— Te disse que não precisava trazer muita coisa — comento
—, que você poderia fazer compras aqui.
— Não pensei que estava falando sério — ela diz, com as
sobrancelhas erguidas. — Essa é uma realidade completamente
diferente da minha, Ben. Sei que você já gastou comigo dezenas de
vezes mais do que meus pais gastaram em toda a nossa vida.
Entenda, não estou acostumada.
Assinto.
— Quer conhecer a Torre Eiffel antes do almoço?
Lia faz que sim com a cabeça, se enroscando no meu braço
para descermos até o carro.
— Não acredito que seu avô migrou daqui para o Brasil — ela
comenta, enquanto o carro segue pelas ruas parisienses. — E muito
menos que ele nunca quis voltar.
Sorrio para ela. Adoro sua simplicidade, seus comentários,
como ela consegue enxergar beleza em tudo que vê por onde
passamos.
— Meu Deus, é a ponte onde Adele gravou Someone Like
You — ela observa ao passarmos pela Ponte Alexandre III, quando
estamos esperando pelo barco que faz o passeio pelo rio Senna. —
Ben, estamos caminhando pela mesma ponte que Adele caminhou
enquanto cantava. Você tem noção do que isso representa?
— Você tem noção do quanto adoro fazer você feliz? —
pergunto, com o coração tomado de sentimentos positivos.
— Me sinto em um filme — ela diz. — Só tenho medo de estar
parecendo uma boba deslumbrada.
— Você tem direito de aproveitar cada momento, Lia — a
incentivo, apontando a câmera do celular para filmá-la.
Faço vários vídeos e fotos da minha nova esposa. Quando a
noite cai e estamos andando no barco pelo rio, resolvo gravar um
boomerang com a Torre Eiffel iluminada às nossas costas.
A abraço por trás e, enquanto ela sorri para a câmera, faço a
ousadia de beijar o canto dos seus lábios. Sinto o coração perder o
freio, desejo com todas as forças ir adiante, mas consigo me
controlar.
Deixo Lia ver como o vídeo ficou, esperando que ela vá fazer
algum comentário ou peça para que eu apague.
— Você sabe fingir muito bem estar apaixonado.
Talvez porque eu realmente esteja, minha mente responde
sua observação.
A marco no boomerang e posto.
Desejo receber um sinal de que Luiza me liberou da
promessa, talvez um sonho, uma manifestação espiritual, um raio
caindo perto de mim, qualquer coisa, mas nada de notável
acontece.
Preencho os dois dias seguintes com visitas a museus,
pontos turísticos e compras. Os dias voam, mas as noites, lutando
contra a tentação que só cresce, parecem intermináveis.
Lia diz que já somos adultos e que não preciso dormir no
sofá, que podemos dividir a cama de hotel. Não posso fazer nada a
não ser concordar. Ela adora dormir de conchinha comigo, gosta
que eu mexa no seu cabelo até ela pegar no sono, mas não faz
ideia que a razão de eu colocar um travesseiro entre nossos corpos
seja para que ela não sinta meu pau duro contra sua bunda.
A lua de mel é curta porque Lia precisa se preparar para o
vestibular, que ela tira de letra. Vem o aniversário de Alicia com o
tema de Alice no país das maravilhas, as festas de fim de ano e
finalmente o primeiro dia de aula de Lia no curso de medicina na
UNP.
Sua mãe está tão orgulhosa da filha, que organiza uma
pequena comemoração com bolo, balões e doces, um fim de
semana antes das aulas começarem. As duas encontraram uma
igreja não muito longe de casa e vão aos cultos regularmente, duas
vezes na semana. Raras vezes, as acompanho, mesmo sendo
“católico não praticante” — entre várias aspas.
São muitas mudanças na minha vida, mas o que não muda é
a paixão que me castiga, consome meu corpo, meus dias, minha
mente.
O desejo é tanto que já não sei mais o que fazer. Tê-la perto
de mim é o pior dos castigos. Vê-la todos os dias e não poder tornála minha esposa é quase insuportável de conviver.
Me pergunto quanto tempo mais ainda posso aguentar.
Mesmo que ela não peça por isso, a busco na universidade
no seu primeiro dia. Suas aulas são à noite, e as noites são
traiçoeiras, me fazem pensar que, se não recebi nenhum sinal de
Luiza, é porque minha vida deve continuar, que estou me apegando
a uma promessa que fiz quando ela já estava morta.
Sei que estou enlouquecendo. Tento a todo custo manter o
muro erguido em volta do meu coração, mas minhas forças estão
acabando.
A carência, o tesão e o desespero são como o diabinho no
meu ombro.
A espero no salão de entrada da universidade, já passa das
vinte e duas horas. Estou no limite do meu juízo, e sinto o muro ruir
quando Lia vem vindo, desfilando na minha direção.
Meu coração fica desprotegido… finalmente.
Espero encontrar Roberto, o motorista da família, no
estacionamento da UNP, mas antes mesmo de chegar ao carro, dou
de cara com Ben parado no salão da universidade.
Meu coração dispara ao vê-lo aqui, parado com os braços
caídos ao lado do corpo. Sua postura de homem de negócios se foi
e, no momento, ele parece tão… vulnerável.
Franzo o cenho, segurando contra o peito meu caderno com
as anotações do primeiro dia de aula, e caminho até ele.
Sinto que alguns dos alunos que estão na minha turma viram
as cabeças para nos olhar. Principalmente algumas garotas, mas
não ligo mais, aprendi a aceitar que Benjamin, gostoso e CEO da
construtora La Roche, chama a atenção por onde passa.
Endireito os ombros e empino o queixo, para que saibam que
não ligo sobre o que devem estar pensando.
— Como foram as primeiras aulas? — Ben pergunta ao beijar
minha testa.
— Empolgantes. Sinto que estou realizando um sonho, mas
ainda não consegui decidir qual especialização vou fazer.
— Ainda em dúvida entre dermatologia e obstetrícia?
— Sim, mas acho que mais opções ainda vão surgir. Nos
deixaram conhecer o laboratório de anatomia — tagarelo,
enroscando o braço no seu. — Não sabia que você viria me buscar.
— Resolvi fazer uma surpresa — ele diz. Acho seu tom de
voz peculiar, diferente dos outros dias.
— Se está pensando em me levar para jantar, para tirar fotos
e postar sobre minhas primeiras aulas — ironizo —, saiba que comi
na cantina, não estou com fome.
— Na verdade, vou te levar para dar uma volta — ele diz,
muito sério.
Meu coração gela. Minha cabeça começa a desenrolar várias
teorias. A julgar pelo seu timbre de voz, temo que ele esteja aqui
para dizer que não precisa mais me ter como esposa. Não consigo
me lembrar do que estava escrito no contrato de casamento.
— Tudo bem — murmuro.
Sou guiada por Ben até o carro. Ele dirige pela Av. Salgado
Filho em direção à Ponta Negra, mas toma a direção das praias do
litoral sul.
Fico em silêncio, enquanto ele dirige, sem saber onde
estamos indo, temendo pela nova reviravolta que estou sentindo
minha vida prestes a dar.
Ben estaciona ao lado de uma antiga igreja em Pirangi do Sul.
Estalo os dedos, enquanto ele dá a volta para abrir a porta do carro.
Desço, imaginando que ele vai dar as costas e começar a descer a
escada de acesso à praia, mas Ben se mantém parado na minha
frente, me encarando. Seus olhos verdes parecem soltar faíscas,
noto que seu corpo está tenso, sua cabeça se inclina e,
inesperadamente, ele aperta os lábios contra os meus.
Sou pega de surpresa, mas ele se afasta antes que eu possa
reagir. Fico parada, com os braços caídos ao lado do corpo,
pensando em algo coerente para dizer.
Seus olhos me analisam. Meu cérebro não consegue
processar direito o que acabou de acontecer.
— Você quebrou sua regra — murmuro.
Meu coração explode quando ele se inclina para mim outra
vez, agora, passando os braços em volta da minha cintura.
— É só uma regra idiota, não é mesmo? — ele sussurra com
a voz rouca, aveludada, charmosa. Então sua boca encosta na
minha outra vez.
Me agarro ao seu corpo, ansiando por isso, desesperada para
não deixá-lo escapar. Sinto sua língua no meu lábio inferior, antes
de ela invadir minha boca. Ele me aperta contra o carro, provando
meus lábios depressa, faminto, sinto suas mãos tocarem minha
bunda, e deslizo as mãos pelos seus braços, extasiada por
finalmente poder tocá-lo dessa forma. Posso sentir seu quadril, sua
ereção rígida contra a minha barriga. É chocante saber que ele está
assim por mim. Permito que ele segure meu rosto entre suas mãos,
que se esprema ainda mais contra mim. Deixo que ele sugue minha
língua, meus lábios, gemo contra sua boca, agoniada com o desejo
que ao invés de diminuir, só cresce.
— Não sabe o que quero fazer com você agora — ele
murmura contra minha boca, com a voz rouca.
Me movo, apertando as coxas, desesperada por mais.
— O quê? — arrisco a pergunta.
— Quero arrancar esse vestido e te comer agora mesmo, no
chão, dentro do carro, você não pode nem imaginar o quanto quero
isso.
— Eu também quero — assumo, arfando, o puxando contra
mim novamente.
— Eu lutei contra isso por muito tempo, Lia, mas acontece
que eu já estava apaixonado por você quando te fiz aquela
proposta. Não sabe como lutei, como fui covarde, com medo de ter
o coração destruído outra vez, quando ele nem tinha se recuperado.
Só que eu já estou cansado de resistir, não consigo mais suportar
uma noite sem você. Juro que vou enlouquecer.
Pisco, procurando algum pensamento coerente ao qual me
concentrar. Não quero acreditar que ele está cedendo, mas não
posso negar o desespero e a sinceridade no seu tom de voz.
Meu coração está explodindo, é tudo que eu mais desejei.
Meu nariz arde, sinto que vou começar a chorar de emoção, com o
peito explodindo de paixão, de uma felicidade que rouba até o ar
dos meus pulmões.
— Você me deixou de pau duro, Lia, faz isso comigo o tempo
todo — ele diz, apertando o quadril contra minha pélvis, permitindo
que eu sinta sua ereção. — Desculpa pelo linguajar.
Engulo em seco, tentada a tocá-lo lá embaixo.
— Não me importo com sua boca suja. — sussurro, com
medo de acreditar nas suas palavras, temendo estar apenas
sonhando. Não quero acordar, desejo com todas as minhas forças
que este momento seja real. — Se você diz que já estava
apaixonado na noite em que me fez a proposta, por que estava
fingindo todo esse tempo? Se passaram meses.
— Porque sou um idiota.
— E vai deixar de ser?
Ele não responde essa, segura a minha mão e me puxa na
direção das escadas.
— Pensei que você iria dizer que o casamento acabou, que
não precisava mais dessa farsa — digo quando chegamos à areia.
A maré está cheia, a lua crescente brilha no céu.
— Não é mais uma farsa. Você aceita ser minha de verdade,
por inteiro?
Pisco, entorpecida pelas emoções, tentando me agarrar à
razão.
E se Ben mudar de ideia amanhã, se for só uma brincadeira?
Não posso me dar ao luxo de me entregar desse jeito, tão fácil. Não
posso acreditar que a vida está sendo tão boa comigo, sei que não
mereço tanto, não depois de ter mentido sobre esse casamento até
para minha mãe.
— Eu ainda preciso refletir sobre algumas coisas, preciso ficar
sozinha e pensar — digo, satisfeita por ainda conseguir raciocinar.
— É por isso que eu construí um muro em volta do meu
coração, porque toda vez que eu deixo uma mulher se aproximar de
mim, machuca. Eu destruo o muro, abro tudo para você, me
entrego, e você diz que precisa pensar.
— Não é bem assim, Ben. Você passou esse tempo todo
dizendo que nunca iria se apaixonar por mim. Como acha que me
senti? Foi confuso, e você sabe que só aceitei esse contrato pelo
acidente da minha mãe.
Minha garganta dói, meu coração também, porque eu sinto
que, no fim das contas, Ben tinha razão, não deveríamos misturar
as coisas. Somos de mundos diferentes, isso é apenas um
casamento por conveniência, é a minha sina, por mais que eu tenha
fugido disso, e misturar sentimentos não pode acabar bem.
Eu insisti nisso, permiti me apaixonar, alimentei as fantasias
de Cinderela e agora estamos nos machucando.
Engulo o nó e ergo o queixo, formulando uma frase que dê
um fim a essa bobagem, mas Ben dá um passo à frente,
encostando o corpo no meu, olhando para baixo, fitando meus
olhos.
— Não quero brigar — ele sussurra, tocando meu maxilar.
Meu coração e meu interior começam a esquentar quando ele se
inclina para colocar o rosto na altura do meu. Sua mão sobe, quase
forte demais, até minha nuca, onde seus dedos se entrelaçam aos
meus cabelos.
Estou encurralada, mas não exatamente por ele, e sim pelo
desejo insano.
Ergo a mão, tremendo, encontro seu ombro e o aperto por
cima da camisa, sentindo seus músculos, buscando me agarrar a
algo duro e concreto.
— Também não quero brigar — acabo confessando sem
pensar.
Seus lábios se abrem um pouco, posso sentir seu hálito, ver
sua língua, seus dentes, e quero tudo isso desesperadamente
contra minha pele. Quero me sentar sobre ele e me mover, quero
que ele aperte nossos quadris um contra o outro quando estivermos
assim, quero que essa agonia entre as minhas coxas diminua, que
cesse.
Me pergunto se ele sente um quinto do desejo que estou
sentindo. Chega a doer.
— Não vamos brigar, anjo — diz, me deixando ainda mais
louca.
É recíproco, não posso fingir que ele não sente nada por mim.
Estamos ambos lutando para não nos entregarmos, para não nos
jogarmos no precipício, mas até quando será recíproco? Até irmos
para a cama?
Me afasto de suas mãos. Preciso de um segundo para
raciocinar sem o toque do seu corpo contra o meu.
Sento na areia, passando os dedos pelo chão, à procura de
pedrinhas para jogar no mar.
— E se você mudar de ideia — o questiono.
Ben senta ao meu lado.
— Não vou — ele garante. — É por isso que demorei tanto
tempo, Lia. Precisava ter certeza. E agora, será para sempre.
Fecho os olhos, sentindo os seus dedos apertarem minha
nuca numa massagem sensual. Estou desesperada por mais uma
dose do seu beijo, da sua língua na minha, do seu corpo encostado
ao meu.
Ele se inclina, se debruçando na minha direção. Quando sua
língua encontra a minha, sou só desejo. Minha mente se enche de
ideias, de formas e posições para aplacar a vontade. Chupo seu
lábio, enquanto ele desliza a mão pela minha coxa, escorregando
por dentro do vestido.
— Ben… — Gemo contra seus lábios, quando ele aperta
minha bunda.
Ele me empurra contra a areia, me fazendo deitar de costas,
então se deita sobre mim. O calor do seu corpo por cima do meu é
tão abrasador que perco o controle, puxando seu quadril com força
contra o meu. Minha pélvis encontra a sua e posso sentir o volume
duro, grande e quente contra mim. Latejo de desejo, implorando
para saber como é tê-lo se movendo dentro de mim, me penetrando
com força.
Os pensamentos vão de mal a pior. Ergo a mão, a colocando
embaixo da sua camisa e encontrando a base da sua coluna. Sinto
a pele quente e deixo meus dedos entrarem pelo cós da calça.
— Eu estou apaixonado por você — ele admite, afastando os
lábios dos meus. — Não me apaixonando, mas totalmente
apaixonado e rendido, e não sei mais o que fazer com esse
sentimento.
— É assim que me sinto também, e você sabe — sussurro,
mansa, tentando parecer sensual, sem me dar conta de que a razão
já me abandonou.
— Meu coração doía só de pensar em não ser correspondido,
Lia — ele reclama. — Por favor, seja minha.
Ben não espera resposta. Ele agarra meu corpo, encaixandose entre as minhas pernas.
A calça, sua cueca, minha calcinha e minha virgindade nos
separam.
— Benjamin… — sussurro seu nome quando ele me encara,
afastando os cachos do meu rosto.
— Virgília — ele rebate, como uma pequena vingança.
Ignoro isso. Fecho os olhos e viro o rosto de lado. Ele
entende o que quero como se lesse meus pensamentos. Sua boca
quente e faminta alcança meu queixo, descendo pelo pescoço. E o
seu quadril começa a se mover contra o meu. Sinto seu pênis duro
se friccionando contra minha calcinha. Estou úmida, ficando
encharcada, mas não consigo e nem quero me afastar, não posso
lutar contra o prazer que ele me dá. Minhas coxas se fecham em
volta dele, com força, encontrando o ritmo para acompanhá-lo. O
prazer é doloroso, cruel e acolhedor ao mesmo tempo. Não posso
parar.
Seus lábios escorregam pelo meu colo até alcançarem meu
seio. Estou com um sutiã sem bojo e o sinto morder meu mamilo, a
sensação é ainda mais devassa. Me contorço embaixo do seu
corpo, destruída pelo prazer que só aumenta a cada movimento.
— Ben — chamo seu nome, me perdendo na loucura.
— Lia, eu não aguento mais — murmura contra meu pescoço.
Sinto sua mão na lateral da minha calcinha, então ele a puxa
para baixo, erguendo o meu vestido até minha cintura, tocando meu
sexo em seguida. Solto um longo gemido com o desejo acumulado
por meses.
— Você está tão molhada — Ben comenta, se inclinado entre
as minhas pernas.
Sua boca toca minha vulva, e meu corpo se move com um
espasmo. Meu interior se contrai quando ele abocanha toda minha
intimidade, sugando com voracidade, me levando ao delírio.
Sua língua contra meu clítoris provoca sensações que eu
nunca imaginei sentir. Agarro seu cabelo, pedindo por mais,
totalmente entregue, apertando minhas coxas contra sua cabeça
quando não consigo mais me dominar. Sou apenas uma mulher
morrendo de tesão, sendo chupada pelo homem mais gostoso que
já conheci.
Ele suga, morde e lambe, em movimentos irregulares, que
arrancam de mim uma nova sensação a cada toque. Estou em um
incêndio, as chamas vão me consumindo, quente, frio, se misturam
com dor e prazer. Vou sendo puxada para o turbilhão de sensações,
gemendo, apertando os seios, beliscando meus mamilos,
implorando por mais e mais, com o coração no céu da boca,
martelando, até que algo irrompe dentro de mim, uma sensação tão
poderosa que me faz gritar, arqueando as costas, me deleitando
com o momento.
Dura alguns instantes, e quando consigo voltar ao eixo, sei
que algo se transformou dentro de mim.
Ben está me encarando com aquele sorriso torto, safado.
Levo as mãos à boca para esconder minha risada de satisfação.
— Agora é a minha vez — murmura, se erguendo, levando as
mãos ao cós da calça.
Trêmula, ainda perplexa, me apoio nos cotovelos para assistilo tirar a camisa, depois a calça. Quando a cueca se vai, sinto as
batidas do meu coração falharem. É rígido, longo e grosso.
Deveria temer, mas não estou no meu juízo perfeito. Lambo o
lábio enquanto Ben coloca uma camisinha.
Abro bem minhas pernas quando ele se deita sobre mim
novamente. Com a mão entre nossos corpos, ele se posiciona.
Gemo, sem conseguir controlar. Ben me beija quando começa a
empurrar.
A sensação é nova, me sinto sendo preenchida, mas também
rasgada. Arfo com a dor, mas não consigo desejar que ele pare. É a
dor mais prazerosa que já senti.
— Devagar — murmuro contra seu lábio, só para que o
momento se prolongue.
— Estou tentando — Ben diz com a voz rouca. — Você não
sabe o quanto eu esperei por isso.
Encosto os lábios no seu ombro, mordendo a pele, passando
a mão em cada músculo do seu corpo, me entregando à loucura
quando ele começa a se mover.
— É tão gostoso te sentir dentro de mim — sussurro, mansa,
entregue.
Ele rosna, como um animal, se movendo mais rápido.
— Eu não coloquei tudo — Ben admite, me fazendo arfar,
chocada. Então ele para e me puxa, sentando-se e me fazendo
montar nele.
A penetração fica mais profunda nessa posição, seu membro
vai me dilatando ainda mais para recebê-lo e temo que não vai mais
caber. Sinto meu interior se abrindo, queimando. A dor volta, perco o
fôlego, percebendo sua imensidão me tomando, me preenchendo.
Sua boca, língua, dentes, estão por toda a parte. Minhas
mãos estão em seus cabelos, sinto a aspereza da sua barba contra
minha pele acesa.
— Rebola pra mim, vai — Ben pede, me encarando com seus
olhos verdes, antes de baixar a cabeça e morder meu mamilo.
Seu pedido é uma ordem. Me movo lentamente sobre seu
quadril, montada nele.
Gemo quando suas mãos beliscam minha bunda, apertam
minhas costas, me puxando mais para baixo, depois me erguendo
novamente do seu colo. Seguro em seus ombros, quando ele me
força ainda mais para baixo, me rasgando.
— Acho que não vai caber — murmuro, quando a dor vence.
— Vai sim, anjo.
Me apoio nos seus ombros, desesperada por mais, e ao
mesmo tempo com medo de não aguentar. Alcanço seu lábio e o
mordo com força, cravando as unhas na sua pele, então Ben me
puxa ainda mais, se enterrando todo dentro de mim. Solto seu lábio
e grito contra seu queixo.
Minhas paredes internas queimam. Meu corpo demora a se
acostumar com ele dentro de mim, duro feito pedra. Ben me dá
alguns segundos para me adaptar, então começa a erguer meu
quadril, o baixando em seguida. Forte e duro.
Reviro os olhos quando o prazer sobrepõe a dor, e solto um
gemido, me sentindo dele.
— Rebola pra mim — Ben pede outra vez, e eu obedeço,
movendo meu quadril devagar sobre o dele, começando a
enlouquecer outra vez de prazer. — Assim…
É a sensação mais profunda que já senti, me preenche, me
completa. Acelero o movimento, iniciando uma cavalgada frenética,
sendo dominada pelo tesão que me faz latejar, delirar, querer mais e
mais.
De repente, Ben solta meu cabelo do coque, as mechas
deslizam pela minha pele, suave, contrastando com a sensação
dura no meu interior. Jogo a cabeça para trás, oferecendo meu
pescoço para ele.
Nossas peles começam a produzir um som ao se chocarem, o
que só me incentiva a ir mais rápido, ficando ainda mais presa à
sensação. Perco o controle, sentindo um novo clímax se
aproximando.
Agora é Ben que se move, enterrando-se e saindo bem
rápido, grunhindo como um animal, me quebrando, provocando um
prazer ainda maior a cada movimento. Entrando e saindo, indo cada
vez mais forte.
Me concentro na sensação quando Ben grunhe mais alto,
como um rosnado que se prolonga contra meu pescoço. Me agarro
ao seu corpo com todas as minhas forças, recebendo a nova
explosão de prazer, muito mais devastadora que a primeira.
Grito junto com ele, como se não existisse mais ninguém além
de nós.
Ficamos abraçados assim, um segurando o outro, agarrados
como se fôssemos nos perder caso nos soltássemos.
Respiro com dificuldades, mas preciso dizer. Esse é o
momento.
— Eu te amo, Ben — admito sem medo.
— Eu também amo você, Lia, sempre amei.
— Vai ser para sempre?
— Vai — ele garante.
Ben me puxa, me apertando contra seus braços, me
aninhando no seu peito musculoso, suado.
— E se alguém tiver nos flagrado? — pergunto, a ficha
caindo, estamos na praia, é um local público!
— Estaremos ambos fodidos — ele diz, mas não parece
preocupado. Pelo contrário, Ben parece mais tranquilo que nunca.
Deslizo a ponta do dedo pelo seu maxilar e lambo seu
pescoço bem devagar, sentindo sua pele salgada de suor e
maresia.
— Podem ter feito um vídeo — digo lentamente, me sentindo
sexy em seus braços, desejada.
— Vão saber o quanto somos safados — ele murmura com o
timbre de voz rouco, envolvente, fazendo a chama se reacender.
Me levanto depressa, consciente de que não tenho condições
físicas de fazer de novo.
— Ei! — Ben protesta, agarrando minha coxa, já dolorida. —
Volta aqui, anjo?
— Tenho pretensões de continuar andando, Benjamin. Não
quero ir amanhã para a faculdade de cadeira de rodas — brinco,
mas a ardência no meu interior e a dor nos músculos internos das
coxas diz que, talvez, tenha um fundo de verdade.
Ele ri, roçando a barba na minha perna, depois pegando
minha calcinha para me ajudar a vesti-la. Arrumo o vestido no lugar,
o observando de cima, me sentindo dominadora, mesmo que tenha
sido ele quem me dominou durante toda a experiência.
Observo seu abdômen, as coxas grossas e definidas, os
braços e peito marcados pelos músculos, sua pele branca iluminada
pela luz da lua e dos postes a alguns metros dali. Estico meu pé, o
passando na sua barriga, mordendo o lábio, entendendo que este
deus grego aos meus pés é meu homem. Isso me excita de tantas
formas que não consigo descrever.
— Viramos a página? — sussurro, enquanto Ben pega suas
roupas e começa a vesti-las.
— Começamos um novo capítulo — ele diz. Nunca vou me
cansar de ouvir esse timbre de voz sexy e aveludado. — Eu vou te
amar muito, Lia, vou te fazer a mulher mais feliz do mundo.
Pisco, sem saber o que dizer. Não consigo expressar o
quanto sou louca por ele.
Ben veste a calça e me puxa outra vez, de encontro a seu
peito. Há areia em sua pele, grudada no suor. Ele pega meu cabelo
e o enrola no seu pulso, o puxando, fazendo minha cabeça tombar
para trás.
— Tenho muito tempo de tesão acumulado — ele confessa
com sua voz máscula, saindo do fundo de sua garganta. — Tem
ideia das coisas que vou fazer com você?
— Não — respondo, manhosa. — Mas quero experimentar
tudo.
Ele solta algo parecido com um urro, me fazendo arrepiar,
então morde o lóbulo da minha orelha.
— Vamos embora, caso contrário, vou te comer novamente.
— Ben, posso te perguntar uma coisa? — Lia murmura,
acariciando minha barriga com a ponta do dedo, provocando
arrepios.
Estamos no Lago de Como, na Itália. É carnaval no Brasil,
mas aqui é o auge do inverno. Estamos em um chalé, enroscados
um do outro, deitados no chão, ao lado da lareira.
— Pergunte o que quiser, anjo.
Fazem seis semanas que transamos pela primeira vez, na
praia, sem ao menos pensar que poderia ter alguém olhando. Lia
chama de fazer amor, eu chamo de foder, combina mais com a
intensidade.
— Você ainda pensa naquelas mulheres do clube? — ela me
questiona, de repente, tocando em um assunto que pensei estar
enterrado.
Franzo o cenho, segurando sua mão que me acaricia, me
perguntando o quanto ela teve que pensar antes de me fazer essa
pergunta.
— Eu nunca vou voltar lá — não precisa ocupar sua mente
com esses pensamentos.
— Mas… — ela diz, mas se detém, apoiando-se no cotovelo
para se erguer, me encarando com os olhos cor de mel.
Quase não consigo olhar de volta, porque minha atenção se
volta para seu corpo nu a todo momento. Nunca vou me cansar de
olhá-la assim, toda minha.
— Mas o quê? — ouso questionar.
— E se você acabar se cansando de mim? Sei que está
acostumado a coisas muito mais… pervertidas.
— O clube sempre foi uma tentativa frustrada de preencher
um vazio — digo com firmeza. — Você sabe como eu era, como me
sentia. Não há nada que faça eu querer voltar lá. Tenho você, Lia, e
é tudo que me basta. Já esqueceu as loucuras que fazemos? Acha
mesmo que eu vou abrir mão de você em troca de frequentar aquele
clube?
Ela não diz nada, me beija e volta a deitar no meu peito.
Daqui, consigo ver o lago através das vidraças, a neve está caindo,
fazendo tudo parecer mágico.
No segundo dia, antes do almoço, dirijo até Milão, na
província da Lombardia. Lia quer conhecer o Duomo di Milano.
Resolvemos almoçar antes, em um restaurante no
Quadrilatero d’Oro, ao lado da catedral, onde se concentram as
lojas de grifes mais caras da capital da moda.
Escolhemos um restaurante, pedimos um vinho e uma massa.
Lia reclamou de se sentir enjoada durante a viagem de carro, mas
atribuí isso aos trechos sinuosos. Só quando ela começa a comer e
tem que correr ao banheiro para vomitar, é que a realidade cai sobre
mim.
Faço os cálculos mentais da única vez em que não usamos
camisinha, duas semanas após a primeira transa. Me levanto e a
sigo para o banheiro, sem me importar de invadir o toalete das
damas.
Ela está em uma das cabines, agachada ao lado do vaso,
colocando tudo para fora. Me ajoelho ao seu lado e seguro seu
cabelo, puxando o papel higiênico para limpar sua boca.
Lia crava os olhos em mim quando para. Dou descarga, meu
coração está congelado.
— Você tomou a pílula do dia seguinte daquela vez? — a
questiono, minha voz soa fraca.
Ela faz que sim com a cabeça, os olhos vidrados.
— Mas eu não menstruo desde o começo de janeiro.
Estamos apavorados por motivos diferentes. Lia está no
primeiro semestre do curso de medicina, uma gravidez agora
mudaria todos os seus planos. Eu, por outro lado, estou
experimentando o medo puro de perder outra esposa no parto.
Tento controlar a respiração, mas é impossível. Não sei se
quero ter outro filho, talvez até queira, mas não posso conviver com
o medo que tenho de perder a mulher que amo.
— Consegue ir à farmácia e comprar um teste rápido? — Lia
sugere. — Acho que é melhor fazer logo.
Assinto, beijando sua testa e saio do banheiro. Atravesso o
restaurante e caminho pelas ruas do Quadrilatero d’Oro, à procura
de uma farmácia, sentindo o coração maltratado de dor.
Se acontecer alguma coisa com ela, nunca vou me perdoar
por ter esquecido a camisinha, mesmo que tenha sido apenas uma
vez. Não consigo pensar nas vantagens da família aumentando, não
sou capaz de visualizar o rostinho de um bebê, só consigo sentir
medo.
Encontro uma farmácia, compro o teste e volto depressa ao
restaurante. Lia está sentada à mesa, espetando o que sobrou da
massa com a ponta da faca. Seus olhos penetrantes me encaram
quando estendo a sacola.
Ela volta para o banheiro e a sigo, por sorte, os garçons não
reclamam da movimentação.
Lia entra na cabine e pede que eu aguarde, mas logo aparece
com o copinho de urina com o bastão dentro.
Precisamos esperar o tempo de ação.
— Você quer outro filho? — ela me questiona.
Estou tão ansioso que temo ter um ataque de arritmia.
Quero dizer que não, pelo menos não agora, mas temo que
ela fique magoada. Não posso, em hipótese alguma, partir seu
coração.
Seguro sua mão e a puxo para os meus braços.
— Tenho medo pela sua vida — murmuro contra seus
cabelos. — Ainda assim, é claro que quero ter um filho com você.
— Não vou morrer no parto, Ben.
— Você pode me prometer? — imploro.
— Não, mas não deveria se torturar agora.
Ela não entende o quanto temo perder mais alguém que amo.
A vida me tomou quase todos.
Sinto seu braço esticar para alcançar o bastão. Meu coração
está ameaçando explodir no meu peito.
— Ben — Lia me chama. — Deu negativo.
Eu a encaro, antes de olhar para o teste de gravidez na sua
mão, só então me permito relaxar os ombros.
Sob seu olhar, faço uma prece silenciosa, agradecendo pela
chance que a vida está me dando. Percebo que a última coisa que
quero agora é uma gravidez sem planejamento.
— Precisamos rever nossos métodos — comento, enquanto
ela descarta os objetos usados na lixeira e lava as mãos e o rosto.
— Precisamos — Lia concorda, se virando para me olhar com
o rosto úmido. — Não quero passar por isso outra vez, Ben! O que
faríamos se eu estivesse grávida? E a faculdade? Eu teria que
trancar ou enlouquecer para me desdobrar.
O choque de realidade cai sobre ela, seus olhos cor de mel se
arregalam.
— Eu estaria ferrada! Tem noção? — diz, levando a mão em
concha até a boca. — Quer dizer, é claro que você tem noção, afinal
foi pai na minha idade, mas…
— Eu sei que são circunstâncias diferentes — digo, passando
o dedo para arrumar sua sobrancelha cheia e bagunçada,
respirando fundo, escavando meu coração à procura de coragem
para lhe transmitir a segurança que ela precisa nesse momento. —
Mas pode ter certeza que, independente do que transcorra, eu
estarei sempre ao seu lado, te apoiando em tudo. Caso aconteça
um acidente e você fique grávida quando ainda estiver estudando,
serei eu quem tomarei conta do bebê para que isso não te
prejudique, não precisa ter medo. Já cuidei sozinho de uma criança,
não se esqueça, e eu nem podia pagar uma babá na época.
Engulo a saliva, emocionado com a forma como ela me olha.
Tento ser forte, mas ainda há uma pontinha de desespero,
pressionando meu peito — o terrível medo de que algo de errado
acontecesse na hora do parto ou até mesmo durante a gravidez.
Engulo em seco novamente, tentando afogar o pavor crescente.
Lia entrelaça nossos dedos e me beija profundamente. Seus
lábios são capazes de fazer milagre com meu humor. Sinto o pau
ficando duro quando ela passa a língua na minha.
— Será que um dia você vai reagir diferente a um beijo meu?
— pergunta, soltando minha mão e me tocando por cima da calça,
me dominando na palma da sua mão.
— Isso — gemo, trincando a mandíbula com o tesão
aumentando. — Não há como reagir diferente, você fode comigo.
Ela se detém, tirando a mão do meu pau, me encarando com
a cara de inocente e mordendo o lábio carnudo bem devagar.
— Podemos ir até o Duomo di Milano agora? — pede,
sussurrando com uma falsa inocência que ela usa quando quer me
controlar.
— E como eu fico?
— Você será muito bem recompensado quando voltarmos à
suíte — Lia promete.
Respiro fundo, balançando a cabeça com um fantoche nas
suas mãos.
A levo para fora do toalete. Lia bebe o que sobrou do vinho e
pega sua bolsa e nossos casacos, enquanto pago a conta, sem
querer esperar que o garçom me atenda na mesa.
Quando saímos para a rua, a neve está caindo.
— Quer ir a um hospital? — pergunto. — Você passou mal.
— Deve ter sido por causa das curvas no caminho. Acho que
não preciso me preocupar.
— Tem certeza?
Lia assente.
Caminhamos de mãos dadas, em silêncio, pela Via Monte
Napoleone, em direção a Galleria Vittorio Emanuele II, onde
tomamos sorvete, antes de chegarmos à Catedral de Milão.
Lia está bem novamente. Segura minha mão bem forte,
olhando encantada para construção gótica, as milhares de estátuas
esculpidas em mármore no exterior da construção, a beleza da
arquitetura, que teve o início da sua construção no século XIV.
Aproveito para tirar fotos com Lia no exterior, antes de
adentrar a catedral pela porta principal. Seu interior é pouco
iluminado, mas não decepciona. Já visitei o lugar antes, quando
minha mãe ainda era viva, mas com Lia, pareço ver tudo com outros
olhos. A acompanho para ver as estátuas nas diversas capelas,
para depois visitarmos a cripta, onde fica a Capela de São Carlos
Borromeu, com o caixão de cristal que abriga o corpo do santo.
Antes de subirmos aos telhados, mesmo que não seja
religioso, me afasto de Lia e acendo uma vela em agradecimento.
Meu coração se enche de gratidão quando me dou conta da
sorte que tenho. Em pensamento, agradeço de todo coração pela
minha filha, meus negócios, e pela mulher que amo, enquanto
observo a vela começar a derreter. Então, faço uma prece
silenciosa, implorando com todas as forças para poder ficar com ela
para sempre, até ficarmos bem velhinhos.
Pergunto se Lia quer subir aos telhados de elevador, mas ela
opta por ir pelas escadas, como forma de mostrar gratidão. Admiro
seu gesto e o quanto ela respeita a história e a simbologia da
catedral, mesmo não sendo católica.
Finalizamos o passeio de frente para a estátua dourada da La
Madonnina.
De volta ao Vista Pallazo Hotel, tomamos banho juntos.
Me delicio com Lia ensaboando meu pau, o massageando,
me fazendo pulsar, enquanto suga minha língua. A viro de costas,
apertando sua bunda redonda, espalmando minha mão contra ela,
empurrando seu corpo contra o box.
Alcanço o shampoo, coloco um pouco nas mãos e espalho
pelo seu couro cabeludo, esfregando, fazendo espuma.
Ela geme, preguiçosa, adorando a firmeza do toque.
Com a outra mão, toco seu seio direito, o apertando entre
meus dedos, correndo a mão pela sua barriga, pelo baixo ventre,
até alcançar a boceta quente. Enfio os dedos pelos lábios,
alcançando o clitóris, ardendo com a luxúria.
— Ben — ela chama meu nome, manhosa, enquanto afasta
as pernas.
Puxo seu cabelo para trás e cravo os dentes no seu ombro,
enquanto puxo seu quadril na minha direção, a fazendo arquear as
costas e empinar a bunda.
Solto um palavrão quando ela se esfrega contra meu pau, me
atiçando ainda mais.
— Lia! — digo, em forma de advertência, entrando no seu
jogo.
— Quero seu pau dentro de mim — ela pede, me olhando
sobre o ombro, passando a língua lentamente no lábio superior, me
levando à loucura.
Seguro seu quadril, pressionando seu clitóris enquanto
penetro com dificuldade sua boceta apertada.
— Isso — ela geme, empinando ainda mais a bunda.
— Quer que eu coloque meu pau todo dentro de você? —
pergunto, tirando a mão da sua boceta e a levando até seu pescoço,
o apertando levemente.
Lia faz que sim com a cabeça, me olhando como uma vadia.
Sou tão louco por ela, não consigo controlar. Empurro de uma vez,
sentindo sua boceta fervendo, engolindo meu pau.
A água continua caindo pelo nosso corpo, começo a entrar e
sair, segurando mais forte no seu pescoço, a fazendo gritar de
prazer.
Ela me xinga, geme, diz que sou gostoso. E, quando está
enlouquecida, perdida na luxúria, tiro meu pau de dentro dela e me
ajoelho, abrindo sua bunda, enchendo minha boca com seu mel, me
deliciando.
Lia segura forte nos meus cabelos, mantendo minha cabeça
contra sua bunda. Mordo seu lábio e ela delira.
— Se vira — exijo, me afastando por um instante.
Ela obedece, ficando de frente para mim, com a boceta na
altura da minha boca. Me detenho por um instante, extasiado com a
visão do seu corpo molhado, então afundo minha língua nela outra
vez, rígido, faminto, devorando seu clitóris, o chupando com força.
Suas mãos estão no meu cabelo, e ela implora por mais,
alucinada de tesão. Chupo uma última vez, antes de ficar de pé e a
pegar nos meus braços.
As pernas me agarram, circulando minha cintura, as mãos
nos meus ombros. Desligo o chuveiro e a penetro outra vez, a
levando para fora do banheiro, agarrada a mim.
Aperto sua bunda e a faço quicar sobre mim, gemendo outra
vez, então a coloco no chão. Ela se agacha perto da lareira, fica de
quatro e empina a bunda. Fico de joelhos e me enfio outra vez em
sua boceta, começando a entrar e sair depressa, forte, seguindo
meus impulsos.
Lia geme, balbuciando palavrões que eu não consigo
entender direito, então começa a rebolar, e eu sei que está vindo.
Tento afastar o pensamento, me concentrar em outra coisa, para
adiar o clímax, mas não sou capaz de segurar por muito tempo, não
com ela rebolando assim, dizendo que adora meu pau, gemendo
gostoso.
— Goza comigo — ela pede, antes da sua boceta se contrair
em espasmos, apertando meu pau.
Me debruço sobre ela, acelerando o movimento, apoio a mão
no chão e seguro seu pescoço com a mão livre.
— Goza gostoso — murmuro contra sua pele quente, sobre
seus gemidos selvagens de prazer. Seguro até não aguentar mais
de tanto tesão, então gozo também, forte e intenso.
Os seis anos da universidade são exaustivos, mas nada se
compara a pressão da Residência Médica na Maternidade Escola
Januário Cicco.
Após a formatura da minha turma, onde meu principal
homenageado é meu marido, Benjamin De La Roche, mergulho de
cabeça na minha especialização em ginecologia e obstetrícia.
Passo a acordar cedo, até mesmo antes de Ben, que dorme
feito pedra desde a nossa primeira vez, sem mais vagar pela casa
nas madrugadas, vencido a insônia.
Ele nunca me disse isso, mas imagino o quanto se mantinha
preso à memória da primeira esposa, como se fosse sua obrigação
moral preservar o coração de se apaixonar novamente. E essa
situação acabava com ele. Só quando Ben aceitou e entendeu que
merecia seguir em frente, pôde dormir uma noite inteira de sono.
Ben é meu fiel aliado na educação de Alicia, na administração
da casa e da agenda social, que às vezes fica lotada de jantares e
eventos, além da jornada exaustiva de mais ou menos setenta horas
semanais na maternidade.
Dou plantões de doze horas, geralmente diurnos, mas pelo
menos uma vez na semana é necessário dar plantão à noite.
Preciso me dedicar cada vez mais para aguentar a jornada que
ainda é dividida com aulas teóricas.
Dou meu sangue para continuar me dedicando, empolgada
com a vida em um hospital, onde posso lidar na prática com o que
estudei teoricamente em seis anos de sala de aula.
Muitas vezes, o cansaço é meu companheiro durante os
turnos de doze horas seguidas, mas não permito que ele atrapalhe
meu desempenho. Procuro manter meu corpo e meu psicológico
preparados para lidar com o milagre no nascimento e a fatalidade da
morte prematura de um bebê ou de sua mãe e, na pior das
hipóteses, de ambos.
Ao final de algum plantão que desgasta meu emocional,
quando uma vida se vai diante de mim, só desejo me deitar no peito
de Ben e desabafar o que se passou, mas tenho ciência de que não
posso trazer para ele a tristeza por uma mãe que morreu no parto
ou um bebê natimorto. Sei que isso é gatilho para meu marido, e eu
tento preservá-lo dessas informações o quanto posso.
Apesar de tudo isso, em cada parto, a cada vida que ajudo a
trazer ao mundo, vou alimentando o desejo de ser mãe.
Conversamos várias vezes sobre isso. Também tenho
consciência do medo que Ben sente de me perder, mas seu amor
por mim é tão intenso que ele engole esse medo e aceita ter um
filho comigo.
— Tentaremos outra vez — ele diz, beijando minha testa
quando saio do banheiro, enrolada no roupão, sem dizer uma
palavra, após fazer o sexto teste de gravidez desde que terminei a
Residência Médica. — Temos muito tempo pela frente.
Deixo que ele me embale em seus braços, que diga palavras
amorosas e me mime, enquanto experimento o nascimento de um
sentimento que vai me acompanhar para o resto da vida.
— Somos jovens — Ben murmura e dá risada —, pelo menos
você é. Vamos conseguir engravidar, tenho fé.
Me afasto, retirando o teste do bolso do roupão e o erguendo
diante dele. Apenas quando os olhos de Ben se arregalam, é que
me dou conta da imensidão do sentimento. Toma conta de cada
célula do meu corpo, e me faz a mulher mais feliz e assustada do
mundo.
Solto um riso nervoso, enquanto ele se ajoelha diante de mim,
passando os braços em volta da minha cintura e beijando minha
barriga, balbuciando uma prece que não consigo ouvir.
— Lia — ele sussurra —, por que escondeu de mim?
Deslizo as mãos no seu cabelo loiro acinzentado escuro e o
encaro, transbordando de amor.
— Só escondi por um breve momento — digo, sentindo a
garganta doer, sabendo que estou à beira das lágrimas. — Estava
tentando pensar em um modo marcante de te contar.
Ben ri e abraça minha barriga outra vez.
— Se lembra daquela nossa primeira viagem à Itália? — ele
pergunta e faço que sim com a cabeça. — Lembra quando
pensamos que estava grávida? Você consegue recordar do que eu
mais tinha medo naquela época?
Assinto, mas não quero dizer as palavras.
— Vai ser a gravidez mais tranquila que já acompanhei, vou
trabalhar menos e me cuidar ao máximo. Não tenho como te
prometer aquilo que me pediu naquele dia, mas posso te garantir
que darei meu melhor, que cuidarei da minha saúde e da…
Abaixo a cabeça, trêmula, me dando conta de que sou
responsável por uma vida que cresce dentro de mim. Arfo, sentindo
a primeira lágrima cair, então toco minha barriga, fazendo carinho.
Ben continua beijando meu ventre conforme ele cresce, se
dedicando a atender tudo que peço, me presenteando com
roupinhas de bebê, comidas deliciosas e massagens nos pés, além
dos orgasmos intensos que funcionam como o melhor dos
relaxantes.
Ele está ao meu lado quando o bebê mexe pela primeira vez,
mas é tão fraco que Ben não pode sentir.
Quando as semanas se passam, descobrimos que estamos
esperando um menino.
Vou ficando maior, e Ben está sempre com as mãos fazendo
carinho na minha barriga, conversando com nosso filhinho a cada
chute.
Juntos, escolhemos o nome Nicolas, que significa vitorioso.
Minha mãe está toda empolgada com a gravidez e Alicia,
mesmo estudando para o vestibular, me acompanha nas compras
de todo o enxoval.
O CEO da construtora La Roche não contrata ninguém para
montar o quarto de Nicolas. Ele mesmo pinta, instala as molduras
de gesso, os papéis de parede e o móveis, enquanto acompanho
tudo, com pés inchados e costas doloridas. Apesar do desconforto
crescente, que começa a dificultar minha respiração nas últimas
semanas, sei que vai valer à pena.
Escolho a saída da maternidade com a ajuda de Alicia, Carol
e mamãe terminam de fazer nossas malas.
Apesar de desejar um parto normal, minha médica sugere
uma cesariana, devido às oscilações da minha pressão arterial. Ben
mão me dá brecha para pensar a respeito, se há algum risco, ele
não vai me deixar correr.
No dia marcado, ele não pode esconder o nervosismo. Vamos
todos para o hospital, e ele acompanha em todos os momentos,
segurando minha mão, enquanto a obstetra abre minha barriga. Na
verdade, acho que sou eu quem estou segurando sua mão trêmula.
Ben me beija quando ouvimos o primeiro choro. A emoção é
tanta que não consigo descrever com palavras.
— Ele é lindo — Ben me conta, o vendo primeiro que eu. —
Muito lindo.
Espero, agoniada, até receber meu menininho no meu peito.
Ele chora sem parar e quase não consigo ver que seus olhos se
parecem com os do pai. Choro junto, mas minhas lágrimas são de
felicidade, lhe prometendo que vou amá-lo com todas as minhas
forças e para sempre.
— Conseguimos, Ben — murmuro, quando a enfermeira leva
Nicolas para o primeiro atendimento.
— Sim, anjo, conseguimos — ele diz, as lágrimas de alívio
escorrendo dos seus olhos verdes.
Somos uma família completa agora.
Comemoramos o primeiro mês de Nicolas no mesmo dia em
que Alicia foi aprovada para estudar Literatura na Universidade de
Paris.
Mesmo orgulhosos, sentimos nosso coração se partir um
pouquinho com a ideia da nossa menina, com agora de dezoito
anos, se mudando para outro continente. Ben consegue esconder
melhor que eu, mas sei que ele sente o mesmo.
Estou amamentando Nicolas, o bebezinho mais foto que já vi,
enquanto Ben está ao telefone organizando os últimos detalhes da
nova morada de Alicia. Coruja, ele quer se certificar de tudo, mesmo
que Alicia garanta que já é capaz de se virar sozinha.
Passo o dedo na bochecha de Nicolas, e ele para de mamar
para me olhar, dando um sorriso sem dentes, fazendo meu coração
se encher do mais puro e grandioso amor que já senti.
Ben desliga o telefone e senta ao meu lado, na cama.
— Preciso te agradecer todos os dias por ter me dado este
presente — ele murmura, se inclinando para beijar a cabeça do
nosso bebê.
Mordo o canto do lábio, sabendo o quanto foi difícil para ele
passar pela gravidez, o quanto deve ter sentido medo, depois de ter
perdido tantas pessoas importantes na sua vida. Mas ele foi forte, e
não deixou transparecer o que sentia, estando ao meu lado em
todos os momentos em que precisei.
— Veja pelo lado bom — digo, para animá-lo. — Vamos poder
visitar Alicia e relembrar nossa primeira lua de mel.
— Relembrar? — ele diz e dá risada, parecendo mais
relaxado. — Recordar três dias em que fingimos não nos amarmos
na cidade mais romântica do mundo?
— Vai ser diferente — o animo.
Nossa conversa é interrompida com uma batida na porta. Ben
diz para entrar e minha mãe aparece, elegante nas roupas de sua
marca, só para dar um beijo no neto, antes de ir para a fábrica.
Estou tão orgulhosa dela. Quando se recuperou
completamente do acidente, ela começou a costurar na minha
máquina. Como estava sempre ocupada com a faculdade, minha
mãe é quem fazia minhas roupas, que foram ficando famosas tanto
na minha turma quanto nas redes sociais.
Os primeiros pedidos começaram a chegar. Carol passou a
ajudá-la na confecção das peças e, algum tempo depois, as duas
resolveram abrir uma empresa, que só cresceu desde então.
Me sinto realizada, tenho a família perfeita, consegui me
especializar em ginecologia e obstetrícia, vi minha mãe superar um
relacionamento abusivo, me tornei mãe, tenho uma filha de coração
que está indo para a universidade e sou casada com o homem mais
gentil e gostoso do mundo.
Não tenho mais pedidos, só gratidão.
— Ei — sussurro para Ben, quando ficamos sozinhos outra
vez, Nicolas pegou no sono. — Conseguimos colocar uma filha na
universidade.
— Ainda falta mais um — ele diz sorrindo, fazendo a covinha
ficar visível, mesmo com a barba por fazer.
Renovamos nossos votos antes de Alicia mudar para a
França. No mesmo lugar em que nos casamos, na casa de Raul De
La Roche, de frente para o mar.
Estou usando um vestido Off White, justo e longo, costurado
pela minha mãe.
Mais uma vez, é ela quem me carrega pelo corredor entre os
bancos. Estou menos ansiosa que da primeira vez, e imensamente
mais feliz. Agora, os amigos da época da faculdade, da Residência
Médica, as funcionárias da clínica onde trabalho, além das minhas
pacientes e primas, preenchem algumas das fileiras de bancos.
O sentimento ruim que me acompanhou no nosso casamento
ficou no passado. Agora me sinto amada, acolhida, e só quem já
sofreu por rejeição sabe o quanto isso é importante.
Do outro lado do corredor, o homem mais lindo e gostoso do
mundo me espera, para jurarmos mais uma vez que vamos nos
amar até que a morte nos separe. No primeiro banco, Alicia está
sentada com Nicolas dormindo nos seus braços.
— Você está linda, mãe — Alicia sussurra, quando passo por
ela. Emocionada, jogo um beijo no ar para minha eterna
princesinha.
Ben me recebe com um beijo apaixonado, sem se importar
com as pessoas à nossa volta.
Olho em volta, estou finalmente desfrutando da felicidade
plena. Ainda sinto o toque do vestido contra minha pele, os grampos
no meu cabelo, mas me acostumei ao peso dos brincos de
diamante. O mar e o céu se beijam, brilhando intensamente, e o
cheiro da maresia não me entorpecem mais.
Este é o tipo de felicidade que me faz pensar que estou
sonhando, mas o homem diante de mim é real, assim como seu
sentimento.
Eu sofri por muitos anos, mas o destino me presentou com
um porto seguro, um marido, um companheiro, um amante para
toda a vida.
Estou tão feliz que não consigo segurar as lágrimas.
— Anjo — Ben sussurra, passando a mão no meu rosto. —
Eu amo você.
— Eu também te amo, meu amor. Para sempre.
FIM!

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