Capítulo 1
Alissa
Quando eu era criança, certo dia, acabei fugindo de casa, estava
cansada de ter as pessoas apontando para mim e criticando a minha
existência, por ser a única humana em meio aos lobos das Presas Pretas.
Enquanto corria pela floresta tentando chegar a uma cidade humana,
tinha percorrido uma boa distância, antes de dar de cara com um salgueiro
que surgiu absolutamente do nada na minha frente.
Uma forma feminina parecia presa a casca da árvore e por mais que
eu quisesse continuar em frente e ignorar a situação, não consegui, os olhos
da criatura se abriram, revelando olhos de safira que me estudaram com
atenção.
— Para onde vai com tanta pressa, pequena Blackfang? —
questionou ela com uma voz suave.
— Estou indo embora — sussurrei em resposta, muitas perguntas
surgiram na minha cabeça.
Eu queria perguntar como ela sabia quem eu era, como de repente
tinha surgido na minha frente. E, principalmente, o que era aquela criatura
diante de mim.
— Uma loba solitária pode ser perigosa, especialmente entre
humanos — ela afirmou.
— Não sou uma loba — respondi com mágoa na voz. — Eu sou só
uma humana.
A criatura se desprendeu da árvore para observar meu rosto mais de
perto, o corpo inteiro dela era coberto por casca daquela madeira escura.
— Humanos nascidos de lobos não são completamente mortais, a
mordida de um parceiro pode transformar vocês em lobos — ela disse com
a voz calma.
— A mordida… — me interrompi com confusão.
— Eu prevejo um futuro glorioso para você, Alissa — sussurrou, o
sorriso dela fez os olhos cor de esmeralda brilharem.
— O que você vê para mim? — perguntei, com a curiosidade me
vencendo.
— Eu vejo que você carregará a esperança de muitos e será uma
pessoa muito feliz.
Encarei o caminho que me levaria a cidade humana, eu tinha
estudado a rota em um mapa por dias, para não me perder na floresta, não
sabia exatamente o que esperar de uma cidade humana, mas estava disposta
a arriscar para ser igual aos outros.
— Você nunca será igual a eles, Alissa, nunca será igual a ninguém
que está do outro lado dessa floresta ou dentro dela — respondeu a mulher
na árvore, antes que eu terminasse o pensamento.
Voltei a observá-la e ela estava séria naquele instante.
— Se seguir em frente com a escolha de ir até a cidade humana, eu
vejo uma vida de cicatrizes para você — ela avisou.
— E como vou saber se não está mentindo? — perguntei. — Eu já
tenho uma vida de cicatrizes aqui.
— Existem diferentes tipos de cicatrizes, Alissa Blackfang, aquelas
que te tornam forte e aquelas que te destroem, o que vejo no mundo
humano é o segundo tipo de cicatriz.
Algo naquela mulher me fazia confiar nela, mesmo que eu não
soubesse o motivo. Meu coração estava acelerando no peito, com a
expectativa daquele futuro que ela me prometia.
— Eu vou ter um futuro aqui? — perguntei.
— Sim, um futuro muito feliz.
Suspirei, aceitando a ideia de continuar com a minha família, então a
árvore com a criatura que me deu aquele aviso, desapareceu diante de mim.
Eu olhei ao redor, esperando um pouco mais de informação, ou um sinal de
que aquela conversa não foi fruto da minha imaginação.
No chão, onde a árvore esteve, havia uma gema verde, eu não
precisava ser especialista em joias para saber o que estava ali.
Me abaixei para pegar a esmeralda e inspirei prendendo a pedra fria
na palma. Eu poderia ter um futuro, repeti as palavras dela em meus
pensamentos.
As palavras da mulher na árvore me acompanharam por dez anos,
aos vinte, eu era nada mais que um peso para a minha família, alguém do
qual queriam se livrar o mais rápido possível.
Tudo que restava do meu sonho de felicidade na infância, era uma
esmeralda que eu carregava comigo todos os dias desde então.
Como não era uma loba, eu não tinha um lugar de destaque na
família, na maior parte do tempo, apenas ajudava na cozinha e com a
limpeza da casa dos meus pais. Apesar de serem alfas, eles não tinham uma
vida muito extravagante, o que deixava todo o trabalho da casa na mão de
duas empregadas e nas minhas. Ergui a esmeralda diante do rosto,
observando-a reagir à luz dos primeiros raios de sol que entravam pela
janela.
— Felicidade? — resmunguei sorrindo com sarcasmo.
Me levantei e fiz a cama, a camisola que usava era larga demais para
o meu corpo, mas a tirei e me enfiei na calça escura e na blusa regata,
depois disso, saí do quarto e caminhei até a cozinha.
Abri as janelas do lugar, recebendo o sopro frio daquela brisa de
início de primavera. Meu corpo estava agitado, talvez por ser meu
aniversário, fui até a geladeira e peguei alguns ovos para adiantar o café da
manhã.
Delphine e Gwen eram as funcionárias da mansão, mas elas já
estavam em idade avançada e por mais que lobos tivessem vidas longas,
com a quantidade de magia que possuíam, as duas não estavam mais com as
mesmas forças de meio século antes.
Por mais que não fosse bem-vinda no resto da casa, eu sempre era
tratada com gentileza naquela cozinha, talvez isso fosse uma forma de
permanecer de pé.
— Já de pé, Alissa? — Delphine me perguntou ao entrar na cozinha.
— Já, eu não consegui dormir muito bem — expliquei.
Encarei a mulher, o rosto coberto por rugas e o cabelo escuro
manchado de diversos pontos cinzas, Delphine era a funcionária mais antiga
dos meus pais, ela tinha visto meu nascimento.
Talvez por isso ela tivesse se aproximado com os braços abertos.
Sorri a abraçando.
— Feliz aniversário, minha querida! — ela disse, me apertando com
força suficiente para não me machucar. — Que a deusa Caer abençoe sua
vida.
A deusa do outono era a guardiã da nossa cidade, eu sempre me
perguntava se ela me amaldiçoou por ter nascido na primavera, mas tentava
não dar muita importância para isso.
— Obrigada! — respondi forçando um sorriso.
— O que será que seus pais vão dar a você de presente, Srta. Alissa?
— Gwen perguntou ao entrar na cozinha no meio das felicitações.
A mulher de pele escura e sorriso gentil era sempre uma entusiasta,
ela estava sempre vendo o lado bom de tudo que acontecia, era uma pessoa
agradável de se ter por perto.
— Eu não sei, Gwen. Talvez nem lembrem — comentei, mantendo o
sorriso no rosto.
— Como não? É o aniversário de vinte anos da filha mais velha
deles!
— Bem, bem, chega disso, ou o café da manhã vai atrasar! Alissa,
pode pôr a mesa enquanto cuidamos de tudo por aqui? — Delphine falou
interrompendo o que Gwen dizia.
— Claro — respondi indo até o armário.
Peguei os pratos e talheres para montar a mesa de café da manhã e
saí da cozinha com pressa, organizei tudo na mesa e senti a presença do
meu irmão mais novo antes de me virar.
— Feliz aniversário, Ali! — ele disse me envolvendo em um abraço
e erguendo meu corpo do chão.
— Obrigada, Alan — respondi, retribuindo ao abraço dele.
— Aqui, isso é para você — ele me entregou uma caixa.
Abri a tampa verificando o conteúdo, havia doces dentro. O aroma
chegou ao meu olfato enchendo minha boca d’água.
— Pedi na confeitaria, pedi todos os doces que conseguissem pensar
com recheio de abóbora — ele sorriu.
Sempre que eu pensava nas razões para nunca ter deixado tudo para
trás, o rosto de Alan surgia em meus pensamentos. Meu irmão mais novo
era a pessoa mais doce e gentil que eu conhecia, e tentava cultivar isso nele,
já que nosso pai não perdia uma oportunidade de fazer o garoto crescer.
— Pelo visto, as comemorações começaram cedo — ouvi a voz do
meu pai e cobri a caixa de doces que Alan me deu com a tampa, encarei o
homem mais velho com o queixo erguido.
— Bom dia, alfa — sussurrei.
— Feliz aniversário, Alissa — ele disse enfiando as mãos nos bolsos
da calça. — Sua mãe está preparando um vestido para que você use hoje a
noite.
Inclinei a cabeça demonstrando minha confusão. Eu nunca
participava de eventos públicos, e há muitos anos não tínhamos
comemorações para o meu aniversário, na maioria das vezes, se não fosse
por Alan, a data passaria em branco naquela família.
— Teremos convidados para o seu aniversário mais tarde — o alfa
me respondeu.
Não gostei da sensação que se espalhou no meu peito ao ouvir
aquelas palavras, era como se algo frio me percorresse os ossos. Fosse qual
fosse o plano do meu pai, eu com certeza não ia gostar disso.
— Está faltando um prato na mesa — ele disse ao observar os três
lugares que eu tinha posto. — Gwen!
A voz dele ecoou pela casa e a mulher surgiu.
— Sim, alfa? — ela disse, curvando a cabeça.
— Traga mais um prato para a minha filha.
Antes de ir embora a empregada me lançou um sorriso encorajador,
Alan apertou minha mão, também comemorando aquele pedido do pai. Eu
tinha suportado muito tempo de conversas sobre mim em que fingia ser
invisível naquela mesa, até que comecei a dar desculpas sobre ter comido
na cozinha para não me juntar a eles, e isso continuou por quatro anos,
aquela era a primeira vez que o meu pai pedia pela minha presença na mesa.
Capítulo 2
Alissa
Depois do café da manhã, arrastei Alan para o quarto dele no andar
de cima e fechei a porta atrás de nós, fugindo da nossa mãe que queria me
obrigar a folhear revistas para ver um penteado para a noite.
— O que foi? — Alan me perguntou atordoado.
— Você sabe de algo? — questionei. — Por que o papai de repente
está fazendo tanta questão de me ter por perto?
— Alissa, eu não participo de nada no comando, ainda estou na
escola, o papai não me deixa saber muito — Alan lembrou.
Senti um calafrio ao ouvir a palavra escola, respirei fundo algumas
vezes, tentando acalmar meu coração.
Durante os anos em que fui obrigada a frequentar, o bullying não
tinha sido fraco; lobos conseguiam ser perversos em bando, mas quando era
encurralada por um só, tudo ficava ainda pior. E, se algum garoto
interagisse comigo, as coisas eram ainda mais difíceis com as garotas
depois.
— Mas acha mesmo que ele está planejando algo? — Alan me
perguntou.
Cruzei os braços sobre o peito, ponderando sobre a minha história
naquela família.
— Definitivamente tem algo escondido — respondi.
— Vou tentar descobrir tudo até a noite e qualquer coisa te mando
uma men… — meu irmão encarou minhas mãos, percebendo que não havia
celular ali. — Desculpe.
— Relaxe, estamos na mesma casa, se você descobrir algo só me
procure ou pergunte a Gwen ou Delphine onde estou.
— Ok — Alan falou se levantando da cama onde tinha se sentado. —
Tente não se estressar tanto com isso, apesar de tudo, nosso pai se importa
com você.
Olhei para Alan com incredulidade, ele suspirou, eu já tinha perdido
as contas de quantas vezes tivemos conversas como aquela. O fato dos
nossos pais gostarem ou não de mim, não mudava a situação em que eu
vivia.
— Conheço muita gente que diz que os pais teriam jogado a criança
na porta de um orfanato humano e seguido a vida — Alan sussurrou.
— Eu sei — garanti segurando a mão dele.
Por mais que eu odiasse admitir, no fundo, sabia que meus pais
tiveram muitas chances de livrarem-se de mim, e mesmo assim, eu
continuava com eles.
Quando saímos do quarto do meu irmão, minha mãe me olhou do fim
do corredor como uma águia encarando o ratinho que pretende devorar.
— Boa sorte! — Alan disse.
Minha mãe foi até mim, e me pegou pelo braço e arrastou para o
quarto dela, Grace Blackfang era uma das mulheres mais lindas da alcateia,
meu pai e ela tinham se conhecido na escola e quando se casaram selaram
uma parceria que muitos diziam que só existia na cabeça deles.
— Sente-se! — ela me ordenou.
Obedeci me sentando em frente a penteadeira.
— Já que você não ficou interessada em ver o que queria usar essa
noite, eu escolhi algo para você — mamãe disse.
Encarei a revista, o coque frouxo que ela planejava fazer, deixaria
várias mechas do meu cabelo escuro soltas, encarei a mulher pelo espelho,
o cabelo ruivo dela, nem mesmo mostrava sinais de envelhecimento.
Mamãe pegou uma escova de cabelo e começou a desembaraçar os
meus fios escuros.
— Faz muito tempo desde a última vez que mexi no seu cabelo —
ela comentou.
— Acha que vai conseguir copiar o penteado? — perguntei, tentando
não deixar que nossa conversa fosse por um caminho de mágoas.
— Consigo fazer qualquer penteado que vejo — ela sussurrou.
— Se não fosse a alfa aqui, você poderia facilmente ser cabeleireira
— comentei e ela sorriu.
Nós ficamos caladas por um tempo, enquanto ela puxava meu
cabelo, modelando mechas e organizando detalhes do penteado. Laquê era
usado para deixar os fios no lugar e eu apenas observava tudo com calma.
— Mãe, você sabe o que ele está planejando para hoje? — perguntei
com cautela.
— Não posso falar sobre isso — respondeu sem hesitar, com as mãos
no meu cabelo.
— Então tem realmente algo — comentei.
Ela me olhou através do espelho e soltou um suspiro.
— Alissa, você é humana, nascimentos de crianças humanas entre
lobos não são incomuns, são raros, mas acontecem, só que nunca aconteceu
de um casal de alfas ter um bebê humano — ela suspirou, sacudiu a cabeça
e voltou a modelar meu cabelo. — Quando seu pai e eu nos conhecemos,
tudo parecia perfeito entre nós, nosso futuro parecia brilhante.
— E eu fui a rachadura na sua vida de porcelana — soltei as palavras
sem ter a intenção de fazer isso, minha mãe me observou em silêncio.
O meu peito doeu por não ouvir uma negativa.
— Independente de tudo, você, Alissa, é uma Blackfang, é nosso
sangue e nos importamos muito com você e com o seu futuro.
As palavras me tiraram do meu momento de autopiedade, e eu a
observei com todos os alertas ligados em minha cabeça.
— Meu futuro? — soltei a pergunta em voz baixa.
Ela meneou em concordância, mas não falou nada mais, ao fim do
penteado, ela observou meu rosto.
— Céus, sua pele está muito seca — comentou.
Enquanto ela procurava nas gavetas da penteadeira uma máscara
hidratante, eu observei a mulher com a cabeça cheia. Fosse o que fosse,
meu pai estava planejando algo para aquela noite. Os planos para o meu
futuro estavam sendo traçados e eu sequer tinha permissão de saber a
respeito.
— Vou colocar isso no seu rosto e deixar por um tempo, vou ter que
ir buscar seu vestido na costureira, se importa de esperar aqui? —
perguntou.
— Não vai incomodar o papai?
Ela sacudiu a cabeça negativamente. Antes que eu pudesse pedir para
ir ao quarto de Alan, ela colocou a máscara no meu rosto e me mandou ficar
quieta.
Grace me deixou sozinha no quarto e eu encarei o espelho, o quarto
dos meus pais era o maior da casa, eles tinham uma cama enorme no centro,
um banheiro que eu sabia que devia ser maior que o meu quarto e um closet
abarrotado de roupas que usavam em todas as ocasiões. A penteadeira da
minha mãe estava naquele closet, eu observei o espelho, ignorando que
minha mãe tinha diversas roupas etiquetadas ali que eu poderia usar.
— Alan, eu já disse que não vou conversar com você sobre isso! —
meu pai rosnava para o meu irmão.
Me levantei da cadeira com cuidado e passei os olhos pelo closet,
puxei os cabides de vestidos longos da minha mãe e me enfiei atrás deles,
me escondendo atrás das roupas.
— Mas pai, eu quero saber o que você pretende fazer com ela, Alissa
é minha irmã.
— Você deveria estar satisfeito que não precisará lidar com ela
quando herdar a alcateia.
— Alissa é humana, pai, ela provavelmente nem estará aqui quando
isso acontecer — Alan respondeu com calma.
— Humanos filhos de lobos não são completamente humanos, Alan,
não são fracos e têm a vida tão curta quanto um humano comum. Eles são
como nós, sem uma besta e sem nossas vantagens físicas — a explicação do
meu pai me pegou desprevenida, eu nunca tinha tido permissão para
entender melhor a minha existência.
— Você nunca pensou em transformar a Alissa? — Alan perguntou
em voz baixa.
— Claro que pensei nisso, acha que sou idiota? — o alfa rosnou
outra vez. — Eu a mordi quando ela era criança, mas nada aconteceu. É
como se o corpo dela rejeitasse a transformação.
Encarei minha perna esquerda, quase como se pudesse ver a cicatriz
que tinha ali. Aquilo explicava as marcas de caninos que eu nunca
compreendi.
— Então, quais seus planos para ela? — Alan insistiu.
— Nós vamos casar a Alissa com alguém — ele respondeu, frustrado
pela insistência.
Os dois estavam no closet, então eu cobri a boca com as mãos e
contive a vontade de gritar em frustração. Um casamento arranjado. Aquilo
não era incomum entre os nossos, mas geralmente lobos se casavam com
outros lobos. Talvez meus pais estivessem mentindo para alguém a respeito
da minha natureza.
Capítulo 3
Alissa
Depois que meu pai e Alan saíram do quarto, ainda continuei
escondida por mais algum tempo, estava tão sobrecarregada com as minhas
emoções que não sabia como mover as pernas para sair do esconderijo.
Era óbvio que havia algo estranho naquele dia, meus pais não
comemoravam meu aniversário há anos. Respirei fundo, tentando colocar as
ideias no lugar, um casamento arranjado ia me tirar da Presas Pretas, mas
também me atiraria no desconhecido.
Eu não tinha certeza de quanto tempo tinha se passado, mas sabia
que precisava sair do esconderijo antes que mamãe voltasse. O problema
era que meu corpo não parecia obediente.
— Alissa? — a voz de Alan soou hesitante.
Saí do meu esconderijo e meu irmão me olhou com derrota.
— Você ouviu, né? — questionou.
Concordei e Alan me abraçou, meu coração se apertou por ele, pela
maneira como meu irmãozinho tentava me proteger de tudo. Fechei os
olhos com força, afastando a sensação de desespero que parecia prestes a
me sufocar.
— Vou tentar convencer o papai — Alan disse.
— Não — respondi baixo. — Não quero que você arranje problemas
com ele por minha causa.
— Mas você vai…
— Sim, se ele estiver querendo me casar com alguém, eu vou me
casar — sussurrei interrompendo o que ele dizia.
Talvez o fato de eu nunca ter tido muito apego a Presas Pretas me
instigasse a continuar adiante naquele caminho sem direção, mas também
havia algo que pesava em meus pensamentos.
Sem mim por perto, talvez Alan tivesse mais atenção do nosso pai,
talvez o alfa se sentisse livre para finalmente dar ao meu irmão os
ensinamentos que ele precisava como futuro alfa.
— Isso não é justo — Alan resmungou.
— A vida não é justa, Alan — respondi sorrindo para tentar quebrar
aquele clima pesado. — Isso não é uma surpresa, só pensei que falariam
comigo antes de uma decisão como essa.
— Você está bem? — Alan perguntou.
— Estou, é melhor você ir antes que a mamãe volte — pedi.
— Tem certeza? Posso matar a aula de caça e ficar em casa para te
dar apoio moral — sugeriu.
— Não, por Caer, se você fugir dessa aula, o carrasco vai te esfolar
vivo — comentei, meu irmão soltou uma risada baixa.
O carrasco, era exatamente o que o nome dizia, um homem de
poucos amigos que tinha a tarefa de executar qualquer lobo condenado à
morte na Presas Pretas, mas ele também dava aulas na escola da cidade, sua
matéria era instruções de caça.
Eu sempre odiei aquela lição na escola mais do que qualquer outra,
porque constantemente, era colocada na posição de presa nos jogos doentios
que ele organizava.
Alan saiu do quarto dos nossos pais e me sentei em frente ao espelho
mais uma vez. A máscara hidratante já estava fora do lugar, então fiz o
possível para ajustar antes que a Luna chegasse.
Um casamento não era algo que estava nos meus planos, porém,
sempre soube que meus pais fariam com que estivesse. Eu não tinha ideia
de quem seria meu futuro marido, para os alfas, isso sequer devia ser
importante.
Antes que eu conseguisse organizar meus pensamentos
completamente, mamãe entrou no quarto, com um vestido dentro de uma
capa.
— É uma sorte que tenhamos as mesmas medidas, assim eu pude ir a
todas as provas no seu lugar — ela comentou animada.
Tirei a máscara do rosto e observei a mulher que caminhava para a
cama enorme, ela colocou o pacote sobre o colchão e abriu o zíper.
Um vestido longo e azul escuro surgiu, havia cristais adornando todo
ele, transformando a peça em um quadro do céu noturno. Estudei o modelo,
imaginando que custou muito ao cartão black dela, e que aquele
provavelmente era o presente mais caro que me dariam na vida.
— Você gostou? — ela perguntou empolgada.
— Sim, é lindo — respondi.
— Vamos vesti-lo? — sugeriu.
— Já?! Não é meio cedo para uma festa noturna? — perguntei,
completamente perdida no que dizia respeito a me arrumar para uma festa.
— Não, ainda temos que fazer sua maquiagem — ela sussurrou.
Me despi das roupas que usava e minha mãe estalou a língua ao ver a
minha lingerie sem graça sob as roupas.
— Você tem um péssimo gosto pessoal, Alissa — ela comentou
rolando os olhos.
A mulher andou pelo closet abrindo algumas gavetas. Eu contive a
resposta que quase deixei escapar, sobre não me importar com aparências.
— Posso perguntar por que vocês decidiram comemorar o meu
aniversário esse ano? — questionei.
Mamãe tirou uma lingerie escura de dentro da gaveta e a trouxe para
mim.
— Como assim, querida? — perguntou, me estendendo as peças
pretas.
Encarei aquela calcinha de renda que me deixaria desconfortável a
noite inteira e o sutiã que provavelmente apertaria meus seios até que eles
ameaçassem rasgá-lo. Os peguei das mãos dela e caminhei para o banheiro.
— Bom, vocês não comemoram meu aniversário há algum tempo —
lembrei. — E do nada tudo isso. Acho que esse vestido deve ter custado
uma fortuna.
— Ah! — ela disse, o tom alegre desaparecendo da voz. — Seu pai e
eu recebemos uma mensagem, sobre um visitante que viria até aqui para
passar alguns dias, e resolvemos comemorar seu aniversário como uma
forma de trazer distrações para o nosso convidado.
— Quem seria ele? — perguntei, vestindo aquelas peças minúsculas.
— Já ouviu falar dos Vagantes das Sombras? — mamãe perguntou
quando saí do banheiro.
— Os lobos feiticeiros? — rebati.
— Isso, o nosso convidado é um emissário de Fenrir Magi —
explicou.
Eu não tinha prestado muita atenção às aulas da escola quando se
tratava de líderes de outras alcateias, não sabia exatamente o nome de
nenhum deles, mas imaginei pela conversa que Fenrir Magi fosse o alfa dos
Vagantes das Sombras.
Se meu futuro noivo era um emissário, provavelmente, eu não estaria
tão ferrada quanto imaginei que ficaria. Minha família não teria tantos
problemas por estar enviando uma humana para um casamento arranjado.
Nós começamos a colocar o vestido e eu senti que não respiraria por
algumas horas enquanto estivesse presa dentro daquela roupa.
— Mãe — chamei segurando a mão dela, seu rosto ficou sério,
observando-me. — Se houvesse algo mais, você me contaria, não é?
Ela suspirou pressionando meus dedos.
— Alissa, há planos do seu pai que não posso revelar, coisas que
somente ele pode contar a alcateia inteira, então eu te peço que não me faça
perguntas — sussurrou.
Encarei os olhos claros dela, me sufocando com a acusação que
ameaçava chegar a minha língua, as palavras cheias de remorso que eu não
queria deixar que saíssem de mim. Um casamento arranjado em que eu nem
deveria saber a respeito.
Ela começou a minha maquiagem e eu apenas fiquei calada,
guardando para mim todas as acusações e mágoas, como sempre fazia.
Não sei ao certo quanto tempo passamos naquele silêncio
desconfortável, mas pela maneira como meu estômago parecia revoltado,
imaginei que muito tempo tivesse passado desde o café da manhã.
— Pronto, sua maquiagem está finalizada — ela disse.
Observei o espelho, mal me reconhecendo na imagem refletida ali, o
decote profundo do vestido deixava muito dos meus seios expostos, o rosto
estava marcado por maquiagem, iluminando pontos estratégicos do rosto,
para aumentar qualquer beleza natural ali. Os meus olhos cinzentos
pareciam misteriosos por trás da maquiagem escura ao redor deles e a boca
marcada por um batom vinho.
— Uau — consegui dizer. — Pareço outra pessoa.
— Sempre quis te arrumar assim para uma festa — mamãe
sussurrou.
A voz dela ficou embargada, o que me obrigou a virar no assento
para olhar para ela. O rosto de Grace Blackfang estava tenso, como se ela
estivesse se esforçando para não chorar.
— Bom, ao menos você está tendo uma chance de fazer isso, não
fique assim — pedi.
Minha mãe forçou um sorriso e alisou o meu cabelo no penteado. Eu
fiquei de pé, imaginando que ela precisava de um tempo sozinha.
— Aonde vai? — questionou.
— Vou até a cozinha tentar comer algo — expliquei.
— Está bem, mas cuidado com essa maquiagem, se borrar nós
teremos que refazer tudo.
— Tudo bem — falei caminhando para fora do quarto, levantando as
saias do vestido.
— Os seus sapatos, Alissa — ela disse apressada.
Me voltei para a mulher que foi até um par de saltos pretos, ela os
pegou para me entregar.
— Eu não sei me equilibrar direito em saltos, mãe — avisei
apressada.
— Vá treinando antes da festa — pediu.
Calcei os sapatos praguejando mentalmente e me vi caminhando,
tentando encontrar equilíbrio nos sapatos.
Antes de sair do quarto, ouvi o celular da minha mãe tocando, mas
não tentei bisbilhotar a conversa dela.
Capítulo 4
Alissa
Caminhei de um lado para o outro dentro do quarto, tentando me
acostumar com os sapatos que machucavam os meus pés. Eu trabalhei em
alguns exercícios de respiração, que a médica da cidade me ensinou para
controlar minha ansiedade quando eu era adolescente.
A comida que eu tinha devorado na cozinha ameaçava voltar, já que
meu estômago se revirava em ansiedade. Quanto mais o tempo passava,
mais minha mente se tornava cativa dos meus medos.
Batidas na porta me fizeram estagnar, observei o relógio na minha
mesa de cabeceira, e ele marcava oito horas, Gwen abriu a porta com
cuidado e botou a cabeça para dentro.
— Não consigo me acostumar a ver você vestida desse jeito — ela
comentou, me obriguei a sorrir. — Seus pais pediram para te chamar. Você
tem que ir à sala de festas.
— Eu já estou indo — prometi.
Respirei fundo mais uma vez e saí do quarto, cada passo que eu dava
para longe daquele lugar que era um refúgio, mais me sentia tensa. Imaginei
que cada lobo naquela casa, conseguiria sentir a tensão em mim.
Meus pés já se equilibravam bem nos saltos, o que me deixou
confiante para soltar a saia do vestido e entrelaçar as mãos na frente do
corpo, pressionando meus dedos para conter o nervosismo.
O som de uma música baixa chegou aos meus ouvidos, bem como
vozes de pessoas que eu não reconhecia. Risadas baixas, me perguntei qual
seria a reação de todos quando entrasse no salão, quando se lembrassem que
eu não passava de uma humana que saiu das entranhas da minha mãe contra
a vontade de Caer.
Fiquei imóvel perto de uma porta fechada, imaginando que tipo de
recepção teria, todos os olhares acusadores que eu já conhecia ao longo da
vida. Tudo parecia estar rodando diante dos meus olhos e eu só queria fugir.
— Parece que está bem cheio — ouvi uma voz estranha atrás de
mim.
Meu coração saltou no peito, mas consegui virar o rosto para encarar
o homem que estava imóvel, a um passo atrás. Ergui o rosto para conseguir
ver as feições dele.
Ele tinha uma barba por fazer, o cabelo estava penteado para trás, os
olhos cor de amêndoa me observavam com atenção. Eu nunca fui boa em
identificar poder mágico, mas ao estudar aquele estranho meu corpo me
alertava para o perigo que ele representava.
O sorriso no rosto dele parecia gentil e amigável, porém não era bem
isso que eu sentia ao encará-lo.
— Quer entrar junto comigo, para que eu não me sinta tão
desconfortável por estar atrasado? — ele perguntou com aquele sorriso no
rosto.
Minha voz pareceu perdida em algum lugar dentro de mim, o
estranho deu um passo em minha direção, me estendeu o braço e quando
não me movi ele segurou a minha mão apoiando-a em seu braço.
— Vamos, não me deixe mais desconfortável com essa situação —
pediu.
— Desculpe — sussurrei, sentindo que minha mão estava fria em
contato com a mão quente dele.
Ele bateu uma vez na porta que foi aberta e nós entramos, pude sentir
cada olhar do salão se voltando para nós. Ergui os olhos para observar o
estranho que me acompanhava e vi que seu rosto estava sério, muito mais
sério do que quando falou comigo.
Encarei os meus pais que estavam sentados junto a uma mesa
familiar, com Alan junto deles. Engoli o pavor que sentia e o enjoo que
ainda me ameaçava. Fiquei grata por estar apoiada em alguém, porque não
tinha certeza se conseguiria me equilibrar nos saltos naquele instante.
— Você parece muito nervosa — o homem ao meu lado comentou.
— Todos estão nos olhando — sussurrei.
— Deixe que olhem — ele disse em voz baixa.
Quando chegamos perto da mesa dos meus pais, eles se levantaram,
Alan me olhava com os olhos arregalados, tentando passar uma mensagem
que eu não compreendia.
— Bem-vindo à Presas Pretas, alfa Fenrir Magi — meu pai disse.
O ar pareceu me deixar, minha visão escureceu e eu enterrei as unhas
na palma livre para a dor me manter consciente.
— Hoje estamos comemorando o aniversário da minha filha, Alissa
Blackfang — ele me indicou.
O alfa com o qual eu tinha entrado no salão me olhou, havia algo nos
olhos dele, algo que não consegui ler. Nós nos viramos para o salão cheio,
eu só queria tirar a mão do corpo dele e fugir daquele lugar cheio de
pessoas que me apontaram a vida inteira, mas não podia fazer isso.
Mesmo que meu pai não me matasse se tentasse fugir, eu
provavelmente não teria forças nas pernas para correr em direção a saída.
Se o alfa dos Vagantes das Sombras estava ali, o que aquilo
significava sobre o meu noivado? A pergunta continuou se repetindo em
meus pensamentos, ergui os olhos para ele, tentando não chorar na frente de
tantas pessoas.
— Venham, sentem-se conosco — minha mãe pediu.
Finalmente soltei o braço dele para me sentar perto de Alan, meu
coração parecia incapaz de manter um ritmo normal em suas batidas, e eu
ainda sentia o olhar do estranho sobre mim a cada passo.
— Como você chegou aqui com ele? — Alan perguntou alarmado.
— Nos encontramos na porta, ele pediu para eu acompanhá-lo, para
não se sentir mal por estar atrasado — expliquei.
Movi o olhar para o alfa e percebi que ele tinha um sorriso no canto
dos lábios que me deixou intrigada sobre ele ser capaz de ouvir nossa
conversa.
— Isso passa uma mensagem — Alan avisou. — Entrar aqui de
braços dados com um alfa… Por Caer.
Eu sabia bem o que aquilo significava, eu tinha permissão de tocar o
corpo de um alfa, o que costumava significar que eu era importante demais
para ele. Meu coração acelerou ao pensar naquilo, minha mente gritava que
ele não deveria estar ali, eu devia ser a noiva de um emissário.
A noite pareceu se arrastar. Uma pilha de presentes se acumulava em
algum lugar do salão, pessoas dançavam e bebiam, me mantive quieta,
observando o lugar, ainda sentindo aquela náusea me tomando o controle.
— Beba isso — ouvi uma voz quando uma taça apareceu ao meu
lado.
Encarei a bebida escura antes de erguer os olhos para o alfa que me
surpreendeu mais cedo, e que a estendia para mim.
— Vai fazer você se sentir melhor.
Rejeitar uma bebida oferecida por ele ali, seria a pior das ofensas,
então segurei o copo com a mão trêmula.
— Obrigada — sussurrei.
Não fiz a desonra de cheirar o conteúdo antes de beber, apenas engoli
o que ele me oferecia, sentindo todos os olhares sobre nós. Alan nem
mesmo parecia respirar ao meu lado, meus pais me encaravam como
monstros esperando um deslize para arrancar minha cabeça.
Quando entornei a bebida que ele tinha me oferecido, senti um alívio
imediato no enjoo que estava sentindo.
Olhei para o homem que sorria mais abertamente.
— Poderia dançar comigo? — pediu.
Engoli a rejeição, porque eu não sabia dançar muito bem e apoiei a
mão sobre a palma que ele me estendia. Deixando o copo de lado eu o segui
pelo salão.
Senti a mão do alfa tocando as minhas costas nuas no vestido, o meu
fôlego se prendeu na garganta, ameaçando me sufocar e segurei o braço
dele com uma das mãos.
Ergui os olhos para estudar o rosto do homem que começou a me
guiar numa dança lenta.
— Você sabe o que está planejado para esta noite, não sabe? —
questionou.
— Um anúncio de noivado — sussurrei a resposta.
— Sim — ele disse igualmente baixo.
— Achei que estaria noiva de um emissário — comentei. — Não
imaginei que seria…
As palavras morreram em minha boca e o homem sorriu.
— Que seria um alfa? — completou numa pergunta divertida,
concordei com a cabeça. — Eu também não sabia que a minha noiva seria
humana.
— Por favor, eu acho que eles não te enganaram de propósito —
sussurrei, apavorada com a ideia de ele estar com raiva dos meus pais. —
Não precisa me aceitar se não quiser, pode apenas…
Eu não sabia como completar aquele pensamento, apenas estava
desesperada para afastar dele qualquer intenção assassina.
— Não se preocupe, isso não vai fazer com que eu mate alguém.
Você pode ser humana, mas ainda é uma Blackfang e ainda é filha de alfas
— ele declarou, me estudando com atenção. — Não menospreze a sua
importância.
As palavras me pegaram desprevenida, meu corpo pareceu dormente
ao ouvi-las, nunca tinha pensado sobre a importância de ser quem era,
nunca tinha me permitido chegar tão longe em qualquer conjectura a meu
respeito.
Quando nós paramos de dançar, meus pais se aproximaram, Fenrir
manteve a mão em minhas costas ao encarar o casal que se aproximava.
— Esta noite, nós não apenas comemoramos o aniversário da minha
filha mais velha, como também a união dela com o alfa dos Vagantes das
Sombras, Fenrir Magi — meu pai declarou.
Aquelas palavras quase me fizeram fraquejar, meu coração batia
alarmado, meus olhos foram para o rosto de Alan e vi que uma lágrima
rolou pela bochecha dele, o choro silencioso do meu irmão me fez pensar
que aquele casamento seria pior do que eu estava imaginando.
Engoli o medo e estudei o rosto do meu noivo, o sorriso que ele tinha
não demonstrava qualquer indicativo de gentileza ou afeto, apenas uma
sensação de vazio.
O resto da noite foi um borrão em minha cabeça, eu sabia que tinha
dançado mais algumas vezes, mas evitei conversar com o alfa, evitei falar
com qualquer um que se aproximou para me dar os parabéns.
Quando finalmente saí do salão acompanhada do alfa, meu corpo
parecia ter desistido de mim por completo.
— Você deve estar cansada — Fenrir comentou.
— Estou sim — admiti, parando de caminhar na base da escada que
dava para o andar de cima.
— Vá descansar, nós podemos conversar sobre o casamento amanhã
se quiser — sugeriu.
Observei o rosto do alfa com a ansiedade ameaçando me tirar dos
eixos.
— Podemos mesmo conversar sobre isso? — perguntei em voz
baixa.
— Claro que sim, vou responder todas as suas perguntas.
Concordei com a cabeça, me afastei da escada e Fenrir me olhou
confuso.
— Meu quarto fica aqui embaixo — expliquei.
— Tudo bem, então, boa noite — desejou.
— Boa noite!
Eu podia sentir o olhar dele sobre mim a cada passo que dava em
direção ao quarto, apenas quando já tinha algumas paredes entre nós, tirei
os saltos que usava e me arrastei para o quarto.
Assim que passei da porta, senti uma mão cobrindo minha boca e o
grito ficou preso na minha garganta.
— Sou eu! — Alan avisou, antes que eu gritasse.
— Você quer me matar? — perguntei nervosa.
— Alissa, eu vim aqui para te ajudar a fugir — ele disse.
Capítulo 5
Alissa
— Alan, eu não estou entendendo — sussurrei, com medo que as
lobas nos quartos próximos ouvissem nossa conversa.
— Você precisa ir embora daqui! Eu não tenho muito dinheiro, mas
está tudo aqui — ele pegou uma mochila no chão do quarto.
— Alan, pelo amor da deusa! Me diga o que está acontecendo, não
posso sair daqui a essa hora assim, o que houve? — perguntei.
— Não é seguro para você ir para a Vagantes das Sombras — Alan
disse. — Se eu soubesse que era para lá que o papai estava te mandando.
Meu irmão puxou o cabelo com força e eu segurei as mãos dele, a
força dele era incomparável, e não consegui impedi-lo de se machucar. Alan
ficou com os olhos vermelhos me segurando pelos braços.
— A Vagantes das Sombras não aceita humanos — explicou.
O ar no quarto ficou quente, queimando meus pulmões no corpo, eu
encarei os olhos do meu irmão apavorada, porque Alan não tinha controle
sobre suas transformações.
— Alan, você precisa se acalmar — sussurrei.
— Não posso, você não está me ouvindo! — rosnou, me assustando.
Encarei a porta, desesperada para chegar a ela.
— Se você for para lá vai ser morta por eles! — ele avisou.
Os ossos do meu irmão estralaram com a transformação. Eu soltei
um grito assustado me afastando dele, as garras de Alan rasgaram meus
braços e me afastei. Meu vestido foi rasgado por suas garras quando ele
tentou me impedir de fugir dali.
Saí do quarto cambaleando e corri pelo corredor. Alan saiu do quarto
completamente transformado, meu corpo estava trêmulo pelo temor e meu
irmão me perseguia transformado.
Eu nunca estive no caminho de Alan em suas transformações
descontroladas, todos na casa estavam bêbados demais para me socorrerem.
Meu corpo trombou com algo sólido e braços me envolveram.
Minhas pernas falharam, mas a pessoa me tirou do caminho, caí
sentada atrás dele e vi quando o homem enorme encarou Alan
transformado.
— Recue! — Fenrir rosnou.
Meu coração acelerou no peito quando Alan soltou um som
animalesco pesado. Minhas pernas não me obedeciam para ficar de pé, o ar
no corredor estava frio.
Alan não atacava Fenrir, mas não recuava, o meu corpo estremeceu
quando o alfa começou a entoar algo, meu irmão caiu deitado e seu corpo
voltou a forma humana, parecendo estar dormindo.
Fenrir se virou para mim, ele tirou o roupão que estava usando,
revelando o tronco despido e me cobriu com o tecido.
— Alan… — sussurrei rouca.
— Ele está bem — Fenrir disse, ele segurou meu antebraço e
contorci o rosto. — Precisamos ver esses machucados, venha comigo.
Ele me levantou do chão e nós caminhamos de volta para o meu
quarto. O homem passou os olhos pelo lugar.
— É aqui que você dorme? — ele perguntou com cautela.
— Sim, mas foi escolha minha, meu quarto costumava ser perto do
de Alan, mas não era seguro nas transformações — expliquei.
Ele caminhou pelo quarto para pegar água e panos limpos conforme
eu indicava. Fenrir chutou a mochila que Alan tinha deixado para trás e a
pegou, abrindo-a para verificar o conteúdo.
— O que é isso? — perguntou.
— Senhor… o meu irmão trouxe para mim — sussurrei.
— Ele queria que você fugisse? — questionou, o ar naquele quarto
ficou gelado.
Os olhos dele se voltaram para mim, frios. Como se aquele homem
estivesse se segurando para não retalhar aquela ofensa.
— Ele me disse que os Vagantes das Sombras não aceitam humanos,
quando entrei naquele salão com você, meu irmão chorou e quis me tirar
daqui antes que eu fosse levada por você — expliquei com a voz firme.
Fenrir se aproximou molhando os tecidos para limpar os meus
braços, meus olhos permaneceram focados no rosto dele, esperando uma
explicação.
— É verdade que nunca entrou humanos no nosso território — ele
começou, com os olhos focados na tarefa que executava.
Ver o alfa ajoelhado diante de mim, limpando meus machucados,
estava aumentando meu nível de ansiedade, qualquer um veria aquilo como
uma ofensa. Um alfa de joelhos diante de uma simples humana.
— Mas não significa que matamos os que tentam entrar — ele
explicou erguendo os olhos para me estudar. — Não somos chamados de
lobos feiticeiros à toa, existem proteções ao redor do nosso território que
nos protegem de invasões. Evitamos que humanos entrem para evitar
acidentes.
— Como assim? — perguntei com cautela.
— Não podemos permitir que crianças mordam humanos e os
transformem em lobos, isso atrairia atenção demais para nós — explicou.
Concordei com a cabeça.
— E quanto a mim? — questionei. — Eu estaria segura lá?
Fenrir sustentou meu olhar por um instante e enfaixou meu braço,
seus olhos focados no meu rosto eram uma mistura de cautela e
contemplação.
— Você será a esposa do alfa, ninguém chegaria perto de você, a
menos que queira perder a cabeça — ele explicou.
Um calafrio percorreu meu corpo e Fenrir pareceu notar isso. Ele
limpou meu outro braço e nós ficamos calados durante aquele tempo, Alan
abriu a porta do quarto e viu a cena do alfa terminando o curativo no meu
braço esquerdo.
— Alissa, eu sinto muito — meu irmão disse se aproximando de nós.
— Está tudo bem, Alan.
— Não, não está, eu…
— É melhor você não se deixar levar pelas emoções outra vez, Sr.
Blackfang — Fenrir avisou ao finalizar o curativo e ficar de pé. — Se a sua
irmã não fosse filha de lobos, isso poderia matá-la.
Ele indicou meus braços, o rosto de Alan ficou pálido.
— Vou deixar que conversem um pouco, mas estarei perto o bastante
para o caso de você perder o controle outra vez — Fenrir avisou, ele me
estudou em silêncio e moveu o olhar para o meu irmão. — Não vou
comentar com seus pais sobre a sua ideia de fuga, mas é bom esconder essa
mochila, porque eles estão vindo para cá.
— Obrigada — consegui dizer antes que o alfa nos deixasse a sós.
— Eu estraguei tudo — Alan sussurrou.
— Não fale assim — pedi. — Estou inteira, não precisa se preocupar.
— Eu poderia ter te matado — ele murmurou.
— Está tudo bem — garanti, segurando a mão do meu irmão.
Alan moveu a cabeça em direção a porta e chutou a mochila no chão
para debaixo da cama, um instante depois nossos pais chegaram ao quarto.
— O que aconteceu aqui? — papai perguntou.
— Perdi o controle — Alan respondeu em voz baixa.
— Alissa, você está bem? — minha mãe perguntou, se aproximando
para ver os meus braços.
— Estou sim, não foi nada demais, o Sr. Magi conseguiu impedir o
pior.
Eles suspiraram e meu pai segurou meu irmão pelo ombro. Eu
conseguia sentir o poder e a raiva dele preenchendo o espaço, sufocando
qualquer um com uma gota mágica.
— Não volte mais aqui, não deve ficar sozinho com a sua irmã até a
partida dela — o alfa avisou.
— Mas pai… — comecei e mamãe apertou meu braço em um aviso
silencioso.
O alfa me lançou um olhar, com os olhos vermelhos me estudando
em um aviso.
— Quando eu vou partir? — perguntei em um sussurro.
— Na próxima semana, vamos até a fronteira do território com você
para a cerimônia de casamento. Fenrir deve partir amanhã para organizar os
preparativos e vocês se verão outra vez no dia — explicou.
Concordei com a cabeça, mesmo que cada parte de mim desejasse ir
contra aquela ideia. Apenas deixei que ele fizesse tudo conforme sua
vontade, porque eu não queria ser um problema para o meu irmão.
— Está bem — sussurrei.
— Ali — Alan chamou meu apelido com a voz cheia de amargura.
— Eu preciso tomar um banho e dormir — avisei. — Será que vocês
podem me dar licença? Estou bem de verdade, só quero ficar sozinha.
Minha família saiu do quarto e eu acabei tomando um banho rápido,
depois de vestir um pijama, que consistia em uma camisa enorme que me
cobria até o meio das coxas, eu saí do quarto e fui até a cozinha beber algo
quente.
— Você está mesmo bem com isso? — a voz de Fenrir chegou aos
meus ouvidos.
— Já me machuquei de maneiras piores, vou ficar bem — fingi não
entender o que ele dizia.
— Não estava falando disso — ele retrucou se aproximando.
O homem se serviu de um copo da água que estava na jarra sobre a
mesa, e me estudou com cautela.
— Se disser que não estou com medo estaria mentindo, só que eu
não tenho muitas opções — lembrei. — Meu irmão é muito apegado a mim
e enquanto eu estiver por perto, meu pai não vai confiar nele por completo.
— Então está mesmo disposta a se casar e ir para lá? — ele insistiu.
Encarei os olhos dele, que pareciam mais escuros na pouca
iluminação na qual estávamos.
— Estou sim — respondi com convicção.
Nós ficamos calados por um tempo e eu tomei um gole do leite
morno enquanto esperava que ele quebrasse o silêncio.
— Amanhã estarei voltando para a minha casa. Tenho muitas coisas
para resolver antes do casamento — explicou.
Concordei com a cabeça.
— Alissa, eu quero que saiba que o homem com quem você se casará
está coberto com sombras e feridas, existe gentileza por baixo de tudo isso,
mas você precisará abrir caminho pelas trevas — sussurrou.
Olhei para o alfa confusa, até aquele instante, eu tinha certeza
absoluta de que me casaria com Ferir Magi, o alfa dos Vagantes das
Sombras, o homem diante de mim que sempre tinha agido com gentileza.
— Não estou te entendendo — admiti. — Você tem fingido toda essa
gentileza até agora?
Ele suspirou, me estudando com cautela, pelo que eu podia ver, o
homem parecia não saber se poderia confiar em mim.
— Eu estou fazendo tudo pelo bem da minha alcateia, estou lutando
para nos manter firmes e desejo que você me ajude nisso — ele falou. —
Quero que seja minha amiga.
A confusão em meu rosto devia ser evidente, porque Fenrir sorriu,
completamente ciente de como estava me confundindo.
— Você deveria dormir um pouco, nos vemos outra vez no dia do
casamento — sussurrou.
— Até lá — respondi, igualmente baixo.
Capítulo 6
Fenrir
Uma fúria que eu não sentia há muito tempo estremeceu meu corpo,
arrancando o monstro dentro de mim daquele abismo de dor, no qual, eu
tinha me enfiado.
Percorri os corredores da minha prisão de memórias com
impaciência, meus espiões tinham acabado de me alertar do retorno dele e
quase arranquei suas cabeças ao ouvir as informações que tinham me
trazido.
Abri a sala onde disseram que o desgraçado estava me esperando, e
as portas bateram contra a parede, quase sendo arrancadas das dobradiças.
O homem diante de mim saltou do assento e ficou de pé, encarei o
seu rosto, aquele que era tão parecido com o meu, que muitas vezes era
confundido comigo.
— Alfa…
— Hawk, eu espero mesmo que as notícias que acabei de ouvir sejam
falsas — avisei, interrompendo o que ele dizia.
Me aproximei, até que nossos narizes estivessem quase se tocando,
meu irmão gêmeo me encarou, engolindo seco para fugir do meu olhar.
— Fenrir, você não pode me culpar por isso — sussurrou.
Segurei o meu irmão pelo colarinho e o joguei contra a parede, meus
olhos dourados encarando os olhos vermelhos dele, aquele único indício das
nossas diferenças.
Hawk baixou a cabeça, impulsionado pelo lobo que se submetia ao
alfa.
— Você me arranjou um casamento? — questionei irado. — Com
que direito? Com que porra de direito, você acha que pode fazer isso?
— Só achei que você…
— Eu sou o alfa dos Vagantes das Sombras, Hawk! Eu determino
como as coisas são feitas por aqui — interrompi outra vez.
— Eu sei que você é o alfa, mas esqueceu qual a principal função de
um? — perguntou, me empurrando para longe de si. — Você deve aos seus
lobos proteção e estabilidade. Desde que você se enfiou nessa bolha de dor
que nossos lobos estão decaindo. Esqueceu o que Caer nos disse quando
visitamos o templo?
Encarei o rosto de Hawk com raiva, segurando as respostas
grosseiras e egoístas que queria dar, apenas porque o meu irmão tinha
razão.
— Eu recebi a proposta de casamento dos Presas Pretas, como você
não abriu a carta deles, fiz isso por você e descobri que queriam casar
alguém daqui com a filha dos alfas — explicou.
Cruzei os braços sobre o peito, encarando o rosto do meu irmão,
afastando a fera em mim para voltar aos olhos iguais aos dele.
— Continue — exigi, ainda encarando-o.
— Enviei uma resposta para eles com o seu selo, garantindo que
tínhamos interesse na proposta e, que você estava precisando de uma
esposa. Depois do que Caer nos avisou no último outono, fiquei
desesperado, e quando a proposta deles chegou, imaginei que fosse um sinal
da deusa para que nós aceitássemos isso — confessou.
— Mas não foi a você que ela imputou a ordem, é sobre mim, sobre a
minha vida — rebati, com a raiva me tomando outra vez.
— Sim, mas vai além disso, porque você é um alfa.
Nós ficamos calados por um tempo, eu estudei o rosto do meu irmão
tentando não deixar que as emoções dele me confundissem, às vezes, eu
odiava a ligação que tinha com ele, a maneira como não conseguíamos
deixar que o outro sentisse tudo sozinho.
— Eu suponho que você esteve com ela — sussurrei, com a voz
baixa, presa à ameaça.
— Sim.
— Você disse a essa loba no que ela estava se metendo? —
perguntei.
Hawk ficou quieto, tão quieto que eu não conseguia ler suas
emoções, meu coração se agitou no peito e a raiva ameaçou tomar o
controle de mim mais uma vez.
— O que está escondendo? — questionei, a ordem silenciosa era
dada pelo alfa, não pelo irmão gêmeo dele.
— A filha dos alfas é humana — explicou.
Senti que a sala onde estávamos ficou subitamente quente, meu
corpo arrepiou ao ouvir aquilo, caminhei para a janela e a abri, deixando a
brisa invadir o lugar, minhas mãos ficaram imóveis na parede, com minhas
garras marcando sulcos na pintura.
— Fenrir? — Hawk chamou.
— Você não devia ter feito isso — consegui dizer.
— Eu não tive escolha, um dia você vai ver isso — ele sussurrou.
Encarei meu irmão sobre o ombro e percebi a sinceridade no olhar
dele. Uma humana se casando com o alfa dos Vagantes das Sombras, aquele
era um fato histórico que atrairia muitas coisas ruins.
— Então você já acertou o casamento — sussurrei, encarando a
cidade pela janela alta.
— Sim, daqui a uma semana na fronteira. Alissa Blackfang estará lá
para se casar com você — informou.
Não deixei que os arrependimentos da minha vida chegassem a
minha memória, eu tinha jurado sobre um túmulo que nunca me casaria,
mas não podia acusar o meu irmão gêmeo de traição e condená-lo à morte
por se passar por mim. Só podia esperar que ela me perdoasse por aquilo.
— Quer saber sobre ela? — Hawk perguntou depois de um tempo de
silêncio.
Me virei para o meu irmão, apoiando meu corpo no parapeito da
janela, meus braços voltando a cobrir meu peito e os olhos dourados
encarando seu rosto.
— Não — respondi, com a voz fria. — Não quero saber nada sobre
ela.
Hawk ficou imóvel, me observando com cautela.
— Não vou te acusar de traição e te condenar a morte por um crime
como esse, então terei que me casar, e fingir que eu estive na Presas Pretas
para organizar esse casamento estúpido, mas é apenas isso. No instante que
essa humana vier para cá, ela vai ser uma peça de mobilia neste lugar,
porque nunca vou tocá-la — avisei.
— Mas o aviso de Caer…
— Não importa, Hawk! Você pode até ter armado tudo isso para me
obrigar a casar com ela, mas não pode me obrigar a consumar essa união e
muito menos gerar uma criança com ela — lembrei com a voz cheia de
ameaça.
— Fenrir, Caer nos disse no festival do ano passado que se você não
gerasse uma criança até o outono desse ano, nossos lobos perderiam o poder
e a bênção dela — Hawk lembrou.
— Você é meu irmão gêmeo, se está tão preocupado, tenha um filho
com ela — sugeri.
O rosto do meu irmão ficou pálido.
— Você sabe que eu não posso, não sou o alfa, e tenho uma esposa
— falou.
— Sim, você tem uma esposa, sequer se importou com o fato de que
eu enterrei a única mulher que fui capaz de amar há cinco anos.
— Fenrir, você não… — ergui a mão para interromper o que ele
diria.
— Saia, me deixe sozinho — ordenei.
Hawk pareceu derrotado, mas ainda assim caminhou para fora da
sala, me deixando sozinho com os meus pensamentos que me
assombravam. Encarei naquela sala um retrato onde uma mulher ruiva
estava sentada no meu colo, e meu corpo esfriou outra vez, esvaindo-se da
raiva e se prendendo a culpa e ao arrependimento.
— Nina, eu sinto sua falta — sussurrei, ainda imóvel naquela
posição.
Capítulo 7
Fenrir
Estava vagando pela minha casa com os fantasmas dos ancestrais
como companhia, aquela era mais uma noite como todas as outras dos
últimos anos.
Nina tinha sido a loba com a qual cresci, aquela com temperamento
ardente e um fogo incessante na cama, com quem eu adiei tanto o
casamento que nunca aconteceu.
Eu nunca me perdoaria por ter priorizado a alcateia, ao invés de
priorizá-la e jurei em seu túmulo que nunca me apaixonaria por outra
mulher.
Hawk havia me traído com o arranjo de casamento. Uma humana.
Uma humana que provavelmente teve uma vida infeliz e que seria
considerada indigna de ser a esposa de um alfa.
— Que susto — ouvi uma voz feminina e encarei a minha cunhada.
Sarah me estudou de volta, ela usava um robe azul, destacando
ainda mais os olhos claros que já eram chamativos em contraste com a pele
escura e o cabelo cacheado que emoldurada o rosto fino.
— Alfa Fenrir — ela sussurrou. — Por um instante achei que fosse o
Hawk.
Ela sorriu nervosa com a minha presença. Minha cunhada e eu quase
não tínhamos contato, ela entrou na vida do meu irmão pouco antes do meu
luto, então eu a tinha afastado em todas as oportunidades.
— Ele sempre sai vagando no meio da noite — ela contou. — A
conexão que existe entre vocês é realmente impressionante.
— Não sei onde ele está — falei, me afastando dela para seguir meu
caminho.
— Senhor, o Hawk agiu mal com esse arranjo pelas suas costas, mas
ele só está preocupado com você.
Ignorei o que ela dizia, porque não queria gritar com a minha
cunhada, então apenas continuei caminhando pela mansão vazia.
O quarto que eu dividia com Nina estava trancado, desde que Hawk
me arrastou de lá uma semana depois da morte dela, outro cômodo tinha se
tornado meu quarto, um lugar onde eu podia dormir poucas horas quando
sóbrio, ou desmaiar por várias horas quando bêbado.
Fiquei imóvel diante da porta trancada do meu antigo quarto, eu
tinha ameaçado Hawk quando ele trancou o lugar, quis quebrar a porta para
entrar, mas não podia destruir um lugar tão cheio de lembranças, então nos
últimos anos, o cômodo permaneceu trancado.
— Eu sabia que você acabaria aqui essa noite — meu irmão disse.
Observei o corredor, até vê-lo sentado no parapeito de uma janela. Os
olhos dele permaneciam comuns, sem indício da fera na qual ele se
transformava.
— Você e eu sabemos que quando suas emoções ficam difíceis de
suportar, é para cá que você vem — meu irmão disse, ainda me estudando.
— É por isso que você não dorme bem a noite? — perguntei, me
afastando da porta trancada para chegar perto dele. — As minhas emoções
confusas não te deixam dormir?
Hawk concordou com a cabeça e eu soltei um suspiro, ficando
imóvel ao lado dele na janela. Cruzei os braços sobre o peito e estudei a
cidade iluminada abaixo de nós. Era tarde, mas nós ainda sentíamos a
agitação dos nossos.
O cheiro forte de bebida, comida, sexo e as vozes animadas daqueles
que ainda preenchiam bares e bordéis.
— Fiz isso, porque sei que você está pronto para seguir adiante e sei
que o mais importante para você é o amor que sente por este lugar — Hawk
sussurrou.
— Eu não sei se toda essa devoção que senti por este lugar é algo
bom, por causa de todas as minhas obrigações, eu evitei me casar com Nina
e ela morreu — lembrei.
— Não culpe o amor que você sente pela nossa cidade, nós dois
sabemos que não foi este lugar que te impediu — Hawk acusou.
Respirei, tentando controlar meu temperamento.
— Não minta para si mesmo, eu sinto todas as suas emoções,
esqueceu? — perguntou. — O que te impediu de casar com ela foi o fato de
que Nina não era sua parceira.
Esbocei um sorriso amargo ao ouvir aquelas palavras.
— Segundo você, eu não me casei com a mulher que amava, porque
ela não era minha parceira, mas neste momento, pelas minhas costas, você
arranjou um casamento para mim com uma completa estranha — acusei.
Senti através daquela essência que nos unia, que minha acusação
deixou o meu irmão triste.
— Eu não faria isso se achasse que tínhamos opções. Fingi ser você
na Presas Pretas, porque eu queria conhecer a Alissa, saber que tipo de
pessoa ela era antes desse arranjo — ele disse em voz baixa.
Não havia mentiras no meu irmão, mas eu me perguntava que tipo de
situação era aquela, se ele insistiu nisso mesmo depois de conhecer a garota
humana, devia haver uma razão.
— Quer saber o que pude notar nela? — questionou.
— Não — respondi firme. — Não quero saber nada a respeito dessa
garota humana.
O silêncio nos envolveu e Hawk soltou um suspiro pesado depois de
um momento.
— Presumo que você já está cuidando de todos os preparativos para
o casamento — sussurrei, ele concordou com a cabeça. — Mande preparar
um quarto para ela, não a coloque perto demais de mim para que eu fique
mais irritado com tudo isso, mas perto o bastante para que eu a proteja em
uma situação de emergência.
— Está bem — Hawk disse.
— Quando formos à fronteira para o casamento, acho prudente que a
sua esposa venha conosco — avisei, meu irmão concordou. — Outra coisa
importante, não pretendo mentir para ela e fingir que fui eu quem estive na
casa dela.
— Vou esclarecer tudo com a Alissa assim que possível — Hawk
garantiu.
Meneei a cabeça, observando o rosto do meu irmão. Hawk e eu
tínhamos tantas semelhanças que não me espantava que ele se passasse tão
bem por mim, mas isso me fazia lê-lo como a mim mesmo, e eu via algo no
olhar dele quando mencionava a garota.
— Sei que não quer saber nada a respeito dela, mas vamos ao menos
tentar cuidar melhor daquela garota do que a família. Alissa já viveu uma
vida inteira de injustiças e bullying, eu gostaria de realmente oferecer a ela
uma vida tranquila aqui — sussurrou.
— Isso é com você, Hawk, não tenho a ver com nada disso. Se está
tão empenhado em cuidar dela, que assim seja, só não me envolva e tenha
cuidado para não despertar ciúmes na sua parceira. Tudo que essa garota
humana não precisa é de uma loba como inimiga — lembrei.
— Terei cuidado — prometeu, Hawk parecia estar se contendo, eu
podia sentir a compaixão e a gentileza dele em relação a humana.
Não queria saber o que despertou aqueles sentimentos, portanto, me
afastei do meu irmão sem uma despedida e, antes de sair do alcance da
audição dele sussurrei:
— Garanta que a garota não terá acesso a essa parte da mansão.
— Se mantivermos o quarto fechado…
Me virei com os olhos dourados encarando meu irmão. Hawk se
calou.
— Vou mandar que tranquem essa parte da mansão — respondeu.
Continuei meu caminho deixando-o para trás com os pensamentos
dele em relação a garota. Eu não sabia como Alissa Blackfang tinha feito
Hawk se sentir tão protetor em relação a ela, mas isso me deixava menos
angustiado por trazer uma estranha completa para minha casa.
Capítulo 8
Fenrir
Estávamos a um dia do casamento e eu tinha desistido
completamente de dormir, apenas me afundava no trabalho para não pensar
que logo teria uma esposa.
Meu corpo estava perdido com todo aquele caos de emoções que me
percorria, sempre que cochilava, sonhava com o rosto de Nina e me sentia
assombrado por seu fantasma.
Eu a via morrer em meus braços, com uma bala de prata no coração.
O caçador que a tinha matado sendo estraçalhado pelos meus lobos, tudo
voltava as minhas memórias e eu só conseguia pensar que ela não estava
feliz com aquele casamento.
Afastei a ideia, porque a única maneira de impedir o casamento
arranjado era acusar meu irmão do crime que cometeu e eu não poderia
permitir que saísse ileso.
Encarei o escritório onde estava, imaginando que logo aquele
cômodo se tornaria um lugar melhor para mim do que qualquer outro.
Encarei meu reflexo na janela, o cabelo desgrenhado e a barba por
fazer, eu não estava nada parecido com um noivo.
Saí do escritório e fui até o meu quarto, quando cheguei lá, percebi
que o lugar estava um caos, mas não me importava com aquilo, já que a
minha noiva não teria acesso ali.
Fui até o banheiro e comecei a me barbear. Quando já tinha me
livrado da barba, tomei um banho longo, cuidando do cabelo. Mesmo que
eu não quisesse fazer algo assim por uma noiva que não queria, não podia
deixar que os líderes da Presas Pretas percebessem o estado em que me
encontrava.
Depois do banho, peguei uma tesoura e comecei a ajustar o cabelo,
encarando o espelho, me recordei de sentar em frente a um enquanto Nina
cortava meu cabelo.
Quando o corte estava completo, deixei a tesoura de lado e voltei a
tomar banho. Ao sair do banheiro, peguei a roupa que Hawk tinha deixado
no armário dias antes.
Vesti o terno preto me observando no espelho, cada movimento me
fazia perceber como eu estava parecido com a minha antiga versão. O lobo
que era letal, sem misericórdia e calculista.
Ao finalizar os preparativos, saí do quarto e fui para a sala de estar,
me servi com uma bebida e sentei numa poltrona. Pelas enormes janelas de
vidro que davam para o jardim, observei as macieiras do lugar, conforme
tudo ganhava tons alaranjados do amanhecer.
Tudo estava diferente naquela manhã, talvez a raiva que eu sentia
estivesse atiçando meus sentidos, mas o jardim parecia mais vivo naquela
manhã.
Percebi a aproximação do meu irmão com Sarah um instante depois
e entornei a bebida. Fiquei de pé, estudando-os, e percebi a surpresa no
rosto da minha cunhada ao me ver vestido como estava.
— Já estamos de saída? — questionei.
— Sim, melhor irmos de uma vez, a viagem de carro até a fronteira é
longa — Hawk lembrou.
Quando saímos da mansão, o carro do meu irmão estava do lado de
fora, entrei no veículo pelo banco de trás, deixando que ele e a esposa
ocupassem os bancos da frente.
— Você deve estar ansioso para conhecer a sua noiva — Sarah
comentou, se virando para me encarar. — Hawk me disse que ela é muito
bonita.
— Sarah — Hawk chamou em um aviso.
— Tudo bem, Hawk, a essa altura, não adianta mais fugir disso —
falei.
Ele começou a dirigir e o silêncio dentro do carro se tornou tenso,
abri a janela de vidro para que, ao menos, o vento pudesse me tocar e
diminuir o calor que sentia.
— O juiz Wayland já deve estar lá, preparando tudo para o
casamento — meu irmão comentou.
Balancei a cabeça em uma concordância silenciosa.
— Eu nunca imaginei que fosse possível a filha de um alfa nascer
humana — Sarah sussurrou.
— Nunca houve registro de algo assim antes — respondi.
Durante aquela semana, eu tinha feito muitas pesquisas sobre o
assunto também. Em todas as informações que tinha encontrado, apenas vi
que humanos filhos de lobos ocorriam nas partes inferiores da hierarquia
lupina, mas no topo da hierarquia era algo novo.
— Será que ela ficou bem depois de ser arranhada pelo irmão? —
Sarah questionou e Hawk murmurou uma resposta incerta.
Aquela informação tinha me deixado completamente cauteloso, eu
não sabia o contexto daquele incidente, mas imaginei que tivesse a ver com
a necessidade do meu irmão de proteger a garota.
A viagem no carro apenas serviu para me afundar mais nos meus
pensamentos, o que me deixaria de péssimo humor quando encontrássemos
os Blackfangs.
Sarah e Hawk conversaram durante o caminho, falando sobre o
futuro, a profecia de Caer e também, sobre os preparativos na mansão para
a chegada de Alissa.
Tudo que era dito por eles parecia martelar no meu crânio, me
deixando com uma dor de cabeça insuportável. O ar que entrava pela janela
não parecia suficiente para me tranquilizar, eu queria sair do veículo e me
transformar para correr até o lugar exato onde me casaria, para assim,
liberar toda aquela angústia que me corroía, mas não poderia chegar
despido ao casamento.
Estávamos perto do limite da cidade quando voltei a observar a
estrada diante de nós e me ater a conversa do casal no banco da frente.
— Eu espero que já estejam aqui — Hawk sussurrou.
— Acho que nem devem ter deixado a garota dormir, pelo que você
disse — Sarah respondeu.
— Os Blackfangs estão realmente ansiosos para esse casamento,
passaram muito tempo enviando pedidos de negociação — meu irmão falou
com a voz tensa.
— Por mim, nenhum de seus pedidos teriam sido respondidos —
comentei, acabando com a conversa dos dois.
Hawk estacionou o carro a cerca de cem metros da fronteira, havia
uma mesa improvisada, com diversas flores adornando o lugar, não havia
cadeiras, o que significava que ninguém queria estender demais aquela
cerimônia.
O juiz estava de pé, encarando o território dos Presas Pretas, mas
com certeza, já estava ciente da nossa aproximação.
Fiquei de pé junto com o meu irmão, a esposa e o juiz, encarando o
território vizinho que estava vazio naquele instante.
— Parece que suas previsões estavam erradas — sussurrei, meu
irmão soltou uma risada baixa. — Será que desistiram do casamento?
Talvez alguém tenha oferecido um alto preço pela filha deles.
— Não acho que seja o caso — Hawk garantiu.
— Só estão um pouco atrasados — Sarah sussurrou, estudei o rosto
da minha cunhada, que me encarava com cautela. — Não acho que vão
deixar esta oportunidade passar.
Não consegui dar uma resposta para ela, porque um carro preto se
aproximava de nós. Ele parou também a uma distância considerável.
Muito tempo tinha se passado desde que vi o casal de alfas da Presas
Pretas, mas eu ainda conseguia reconhecê-los. A mulher que desceu do
banco da frente usava um vestido vermelho, ela abriu a porta de trás do
veículo e o marido dela foi até lá ajudar a filha a descer.
Capítulo 9
Fenrir
Alissa Blackfang estava usando um vestido cinza, com tantas
camadas de saias que a faziam parecer uma princesa de filmes antigos. A
garota segurava um buquê de flores que deixava ao lado do corpo, sua mãe
arrumou o cabelo dela e sua maquiagem enquanto o pai tirava duas malas
do carro, antes de caminharem em nossa direção.
Os olhos de tempestade dela foram o primeiro detalhe que notei, a
pele clara e o cabelo escuro em seguida, os braços dela estavam expostos,
revelando feridas em cicatrização. O corpo dela era magro, e seus lábios
cobertos por um batom vermelho. A maquiagem dela era escura, destacando
ainda mais os olhos.
A forma como seu olhar me estudava, me causou um arrepio na
coluna.
— Os irmãos Magi, é muito bom vê-los juntos — Victor Blackfang
falou.
— É um prazer rever vocês — Hawk disse.
Alissa pareceu confusa, observando meu irmão e eu. Pela maneira
como ela parecia angustiada, eu podia jurar que a mentira de Hawk havia
sido descoberta.
Um instante depois ergui minha mão, oferecendo-a a garota que
hesitou para segurá-la, o ar ficou preso entre nós, eu podia ver claramente
nos olhos dela que Alissa também prendia o fôlego.
A mão dela estava fria, a pele marcada por calos tocava minha palma
com receio, senti o tremor leve que percorria seus dedos. Meus olhos e os
dela nos prenderam um ao outro, e eu não consegui entender o que sentia
quando a encarava.
Como algo dentro de mim parecia atraído por ela, a beleza da
humana era de arrancar a sanidade de qualquer um, mas parecia ser mais
que isso.
Ignorei a sensação e encarei o juiz diante de nós, Alissa ainda do lado
da fronteira dos Presas Pretas e eu, dos Vagantes das Sombras, ambos
imóveis, estudando o lobo que oficializaria nossa união.
Prendi os dedos em volta da mão dela, mesmo sentindo os olhos da
mulher sobre mim, não ousei encará-la, porque Alissa Blackfang tinha me
encurralado e eu temia o que meu lado monstruoso era capaz de fazer com
ela por se sentir assim.
— Repita comigo, meu senhor — o juiz começou, concordei com a
cabeça e falei as palavras conforme ele dizia.
— Eu, Fenrir Magi, te recebo Alissa Blackfang, como minha esposa
e Luna, te prometo que serei fiel a você enquanto vivermos e que meu
coração e meus caninos pertencerão a você — murmurei o juramento mais
falso que já tinha feito em toda minha vida. — Juro que continuarei ao seu
lado, lutando suas batalhas e te amando, até que Caer nos leve de volta ao
vale outonal.
Engoli seco, aquelas palavras pareciam lâminas rasgando minha
garganta, me sufocando no sangue que percorria meu corpo, porque de
alguma forma, senti que estava colocando correntes ao redor do meu
pescoço.
— Agora você, Srta. Blackfang, repita depois de mim — pediu o
juiz.
— Eu, Alissa Blackfang, te recebo Fenrir Magi, como meu esposo e
alfa, te prometo que serei fiel a você enquanto vivermos, e que meu coração
e meus caninos pertencerão a você. Juro que continuarei ao seu lado,
lutando suas batalhas e te amando, até que Caer nos leve de volta ao vale
outonal — Alissa concluiu com a voz rouca.
— E pelo poder investido em mim pela deusa do outono, eu os
declaro, marido e mulher. Pode beijar sua noiva — o juiz declarou.
Movi o olhar para o rosto dela e Alissa me encarou, o receio era
evidente nos olhos dela, porém ela não se moveu quando me aproximei,
cobri os lábios dela com os meus em um beijo casto.
A boca dela estava quente apesar das mãos frias, o olhar de Alissa
estava sobre mim mesmo durante o beijo, e eu respirei aliviado quando o
contato acabou.
— Está na hora de voltarmos para a mansão — sussurrei.
— Como você não quis uma festa de casamento, estamos voltando
para casa, mas nos convide para uma visita em breve — Grace Blackfang
pediu.
— É claro, em breve mandaremos um convite — respondi. Quando
percebi que ainda segurava a mão de Alissa, eu a soltei.
A garota pareceu confusa ao perceber que sua mão não estava mais
presa a minha e levou um segundo para baixar o braço.
— Me dê notícias suas de vez em quando, Alissa — Grace pediu.
— Diga ao Alan que eu estou bem, e que vou tentar entrar em
contato com ele logo — Alissa respondeu, abraçando a mãe.
O pai dela apertou seu ombro, nem mesmo deu um abraço ou um
beijo na filha que ele estava entregando para um homem como eu, um
homem do qual nada de bom era dito em lugar algum.
Alissa forçou um sorriso e atravessou a fronteira. Hawk pegou as
duas malas dela que Viktor oferecia. Percebi como ela me encarou, a
determinação feral nos olhos humanos dela estremeceu algo dentro de mim.
— Vamos indo — falei em voz baixa. — Eu vou dirigindo.
Hawk me entregou a chave do carro e nós caminhamos para o carro.
Pude ver pelo canto dos olhos quando Alissa deixou cair o buquê de flores
que vinha carregando, a mulher levantou parte das saias volumosas do
vestido, com minha cunhada se oferecendo para ajudar.
Entrei no banco do motorista e Hawk abriu a porta do carro,
ajudando Sarah e Alissa com o vestido, a minha esposa, sorriu em
agradecimento pela ajuda.
Os olhos de Alissa se cruzaram com os meus e eu desviei o olhar,
estudando o ambiente na fronteira. O carro dos Blackfangs se afastou antes
do nosso e eu esperei Sarah entrar no carro, meu irmão colocou as malas de
Alissa no porta-malas e entrou ao meu lado, por fim, comecei a dirigir.
— Alissa, você tem um irmão mais novo, não é? — Sarah perguntou.
— Sim, o Alan — respondeu em voz baixa.
— Vocês são próximos? — Sarah questionou.
— Amor, acho melhor deixar a Alissa com os pensamentos dela —
Hawk sugeriu.
— Me desculpe se estou incomodando — minha cunhada pediu.
— Não, você não está me incomodando — Alissa respondeu, ainda
em voz baixa.
Continuei dirigindo, com a mente focada apenas em chegar em casa e
colocar distância entre mim e a minha esposa, o cheiro dela preenchia o
carro, mesmo as janelas abertas não pareciam tirar do meu nariz aquele
odor.
Aquele cheiro de crisântemos era tão característico nela que me
deixava enjoado.
— Você trouxe na mala esse perfume que está usando? — questionei
irritado, acabando com o humor do carro.
— Desculpe? — Alissa questionou confusa.
— Esse cheiro floral em você. É um perfume, não é?
— Eu não estou usando perfume — Alissa respondeu.
— Esqueça — rosnei travando os dedos em volta da direção.
— Pega leve, Fenrir — Hawk pediu, com aquele tom de voz
tranquilo.
Pelo espelho, consegui ver que Alissa estava me encarando com
aqueles olhos cheios de raiva, mas ela se calou, fosse por inteligência, ou
pela maneira como Sarah apertava sua mão, eu não saberia dizer.
Continuei dirigindo para casa, sem me deixar pensar demais no que
estava acontecendo. Se eu pensasse, poderia arrancar a cabeça do meu
irmão gêmeo e jogá-la pela janela.
Capítulo 10
Fenrir
Estacionei o carro em frente a minha casa e saí do veículo,
respirando aliviado por me ver livre daquele cheiro da humana. Eu respirei
fundo, me livrando daquele pesadelo, no entanto, me obriguei a abrir a
porta do carro.
Alissa desceu sem se incomodar de esperar qualquer tipo de ajuda
mais.
— Acho que todos precisamos comer alguma coisa — Sarah disse
quando finalmente se aproximou de nós.
Alissa fechou a porta do carro em silêncio e me encarou, mesmo que
eu evitasse contato visual com ela.
— Na verdade, eu estou cansada, só quero descansar um pouco —
Alissa falou.
— Vou pedir para alguém te acompanhar até o quarto — Hawk
sugeriu.
— E eu vou na cozinha ver se já está tudo certo para o almoço —
Sarah avisou, ela caminhou para dentro da casa primeiro e Hawk tirou as
malas de Alissa do carro.
Nós três seguimos para o interior da mansão e logo, Prya se
aproximou de nós, a ômega que nos servia há anos pegou as malas que meu
irmão oferecia.
— Leve a nossa Luna para descansar no quarto — Hawk pediu,
Alissa o encarou com acusação.
— Hawk, vamos conversar — falei.
Meu irmão me seguiu em direção ao escritório e eu senti os olhos da
humana sobre nós enquanto caminhava.
Assim que entramos no cômodo, Hawk soltou um suspiro,
afrouxando a gravata que usava e tirando a camisa de dentro da calça.
— Que clima frio — ele sussurrou.
— Agora você está preocupado com o clima frio? — questionei
irritado conforme me servia de uma bebida.
— Fenrir, você vai mesmo agir assim com ela para o resto da vida?
— meu irmão perguntou, ergui os ombros.
— Não sei, humanos costumam ter vidas curtas, em uns cinquenta
anos, eu já devo estar livre e não vou mais precisar tratá-la com indiferença.
— Você é um idiota completo — Hawk acusou.
— O que você esperava? Queria que eu olhasse para aquela menina
frágil e pensasse que precisava cuidar dela e ser gentil? — perguntei com
um sorriso sarcástico.
— Para ser sincero, esperava um pouco do meu antigo irmão nisso
— ele comentou.
— Ela já percebeu que foi enganada por você — avisei. — A essa
altura, a sua pobre garota não confia em ninguém aqui. Você a tirou dos pais
dela, da casa que ela conhecia e a trouxe para cá. Condenando ela a uma
vida de solidão e desconfiança.
— Você disse que ia cuidar dela — Hawk acusou.
— E pretendo cumprir a minha palavra, vou ficar perto e impedir
algum lobo louco de arrancar a cabeça dela durante o sono — avisei em voz
baixa.
— Nada mais? — Hawk questionou, e eu voltei a erguer os ombros.
Meu irmão ficou de pé, soltando um suspiro pesado, Hawk não se
deu o trabalho de me responder, apenas saiu do escritório me deixando a sós
com os meus demônios.
Deixei o escritório quando já era bem tarde naquela noite, evitando
qualquer refeição na companhia da minha esposa, meus pés me guiaram
para o meu quarto, me mantendo completamente focado na tarefa de tirar
aquelas roupas sufocantes no caminho até lá.
Quando abri a porta do cômodo escuro, eu tirei a camisa que usava
antes de acender a luz e fechar a porta atrás de mim.
Um cheiro chegou até mim, aquele cheiro doce da pele dela, meu
corpo ficou tenso quando me virei para observar o quarto, era óbvio que
alguém o havia arrumado, e deitada sobre a cama. Sobre a minha cama.
Ainda usando um vestido enorme de casamento, estava a mulher
adormecida.
O cheiro dela parecia tão convidativo que me vi largando as peças de
roupa que tinha removido, eu me aproximei da cama, pronto para arrancar a
mulher dela, já que nunca permiti que ninguém se deitasse ali, além de
mim, mas aquele maldito cheiro me impediu de despertá-la.
Me sentei na beira da cama, afastando com os dedos o cabelo solto
dela do rosto ainda coberto por maquiagem.
Os olhos de tempestade dela me encararam fixamente. Fiquei de pé,
voltando a minha normalidade violenta naquele instante.
— O que você faz aqui? — soltei em um rosnado.
— O que você quer dizer? — ela questionou se sentando. — Sua
empregada me trouxe para cá.
Fechei os olhos com força, antes de encarar a mulher que se levantou
da cama.
— O quarto estava uma bagunça, então organizei tudo — explicou,
desviando os olhos do meu rosto.
As bochechas dela ficaram rubras, o olhar dela focou o meu tronco
despido, e eu respirei tentando controlar meu temperamento.
— Por que ainda está usando esse vestido? — perguntei.
Ela ergueu os olhos, claramente entendendo errado o que eu queria
dizer.
— Eu… — ela gaguejou e se calou.
— Houve uma confusão aqui, Alissa, um quarto foi providenciado
para você, não vai dividir um quarto comigo — alertei, ela me estudou. —
Não vamos dividir uma cama.
Alissa ergueu o queixo, o rubor que vi antes, desaparecendo de suas
bochechas. A mulher cruzou os braços sobre o peito.
— Prya me deixou aqui, mas levou minhas malas para outro quarto.
Como hoje seria nossa noite de núpcias, eu presumo que ela imaginou que
passaríamos ela aqui, juntos — Alissa disse, a voz firme demais para
alguém que parecia tão nervosa antes.
— Vou te acompanhar ao seu quarto — avisei seguindo para a porta,
ouvi os passos dela atrás de mim, mantendo-se a alguma distância.
Havia apenas mais dois quartos naquele corredor, eu imaginei que
colocariam Alissa no cômodo em frente ao meu quarto, por isso, abri a
porta.
Vendo as malas dela no chão abri mais a porta para que ela entrasse.
— Não precisava se incomodar em me esperar usando isso — falei,
atraindo o olhar da garota para mim. — Vamos deixar uma coisa clara entre
nós, Alissa, eu não pretendo permitir que esse casamento vá além dos votos
e dos documentos que assinaremos em breve.
— Nosso casamento é apenas um acordo, não é? — questionou, sem
qualquer emoção na voz.
— Isso mesmo.
— Eu não estava esperando você para me ajudar com o vestido, só
não consegui tirá-lo sozinha, há muitos botões nas minhas costas —
explicou.
— Vou chamar alguém para te ajudar — sugeri.
— Pode deixar, eu rasgo essa maldita coisa e me livro do problema
sozinha — ela respondeu no mesmo tom grosseiro.
Quando Alissa me deu as costas, uma irritação latejou na minha testa,
me aproximei dela, batendo a porta com força atrás de mim. A humana
estremeceu quando sentiu minhas mãos em suas costas.
Afastei o cabelo dela sobre seu ombro e comecei a abrir os botões do
vestido.
Tentei ter cuidado para que meus dedos não tocassem a pele dela.
Alissa ficou mortalmente quieta, conforme meus dedos percorriam o
vestido, abrindo cada botão infernal com cuidado.
Sob o tecido havia um tipo de espartilho preto que devia fazer parte
da lingerie que ela usava. Percebi que as mãos dela foram para a frente do
vestido, mantendo o tecido cobrindo o corpo.
— Pronto, não precisa rasgar o vestido. Acho que sua mãe não vai
gostar disso — sussurrei.
Ela se virou para me encarar. Segurando com ambas as mãos o
decote do vestido, mantendo-o cobrindo o sutiã que ela usava.
— Não achei que se importasse com os meus pais — comentou.
— Eles são alfas de uma alcateia aliada, decepcionar os dois não é
algo que eu desejo — expliquei, Alissa esboçou um sorriso de canto cheio
de amargura.
— Pode me dar licença? Quero tomar banho e me vestir para dormir
— pediu.
— Com prazer — respondi, dando um passo atrás antes de me virar e
caminhar para a porta.
Ao sair do quarto, mantive meus olhos no interior dele, enquanto
fechava a porta, Alissa deixou que o vestido caísse aos seus pés e meu
último vislumbre antes de fechar a porta completamente entre nós, foi de
quando a mulher saiu de dentro do vestido e vislumbrei o corpo dela
naquela roupa íntima provocante.
Capítulo 11
Alissa
Enquanto meu corpo ainda estava submerso na água quente da
banheira, me peguei refletindo a respeito do homem com quem casei, estava
cada vez mais claro que os gêmeos haviam trocado de lugar quando o alfa
visitou a Presas Pretas.
O Fenrir Magi que eu tinha conhecido em casa, nada tinha a ver com
o homem grosseiro e irritante que me tirou do quarto dele.
Eu tinha pedido à empregada que me levasse ao quarto onde minhas
coisas ficariam, porém ela havia insistido que eu deveria esperar o meu
marido no quarto dele.
O resultado daquele jogo que ela tinha sugerido foi um momento
humilhante, em que o homem deixou claro o quanto me desprezava.
Suspirei me levantando da banheira, vesti um roupão quente que
estava pendurado no banheiro e saí do lugar, pronta para abrir a mala e
vestir algo confortável.
Observei a lingerie que minha mãe tinha me obrigado a vestir
naquele dia pela manhã, me dizendo que eu devia estar sexy para uma noite
de núpcias, mal sabia ela o que aquela noite estava sendo.
Soltei o ar e abri a mala para pegar um pijama confortável. Depois de
vestir uma calcinha que não estivesse me apertando, eu vesti as calças e
uma regata, antes de decidir se desfaria a mala naquela noite ou no dia
seguinte, ouvi batidas na minha porta.
Segui até lá e a abri, o homem diante de mim usava roupas e
segurava uma bandeja de comida, havia um sorriso no rosto dele, então eu
soube imediatamente que não estava diante do meu marido .
— Sarah pediu para eu trazer isso, ela lembrou que você não comeu
nada desde que chegou — Hawk disse.
— Obrigada — respondi, pegando a bandeja. — Sr. Magi…
— Me chame só de Hawk, Alissa, todos me chamam assim.
— Hawk. Foi você que esteve na Presas Pretas, não foi? —
questionei diretamente.
— Como você percebeu? — ele pareceu surpreso.
— Percebi assim que vi vocês dois juntos — confessei.
— Até nossos amigos de infância se confundiam antes do meu irmão
se tornar o alfa — ele admitiu ainda surpreso. — Como percebeu?
— Não sei, quando vi os dois juntos mais cedo, me pareceu óbvio —
desviei da resposta.
Ele concordou, mas não pareceu convencido.
— Bom, vou deixar você comer e descansar, Sarah quer te arrastar
pela mansão amanhã, então é melhor você estar bem descansada — ele
avisou.
— Tudo bem, boa noite!
— Boa noite! — ele disse e saiu andando.
Equilibrei a bandeja com uma das mãos e fechei a porta, trancando-a
com a chave dessa vez. Observei a comida ali, carne, pão e legumes, além
de vinho. Tudo tinha um cheiro delicioso.
Me sentei na beira da cama e enquanto comia, percebi que Hawk ter
ido até aquele quarto para me levar comida, significava que ele já sabia que
o irmão não pretendia dormir comigo naquela noite.
As lembranças daquela manhã me percorreram enquanto eu
mastigava. A forma como Hawk e Fenrir me chamaram atenção de
maneiras diferentes. Na mansão dos meus pais, Hawk nunca mexeu
comigo, era como se meu corpo não reagisse a ele, mas o irmão, por outro
lado, atraiu minha atenção por completo, quase apagando tudo ao redor, foi
assim que percebi a farsa dos dois.
Depois de comer, deixei a bandeja em cima da penteadeira do quarto
e fui até o banheiro escovar os dentes, em seguida, voltei para o quarto
pronta para dormir.
No meio da madrugada, algo me despertou, uma sensação estranha
de estar sendo observada, acendi o abajur perto da cama, no entanto, o
quarto estava vazio. Me levantei e caminhei para a porta, destrancando-a.
O corredor estava escuro, mas a porta do quarto de Fenrir estava
entreaberta. Me aproximei dela até espiar o interior do cômodo. Os lençóis
que eu tinha forrado na cama dele mais cedo estavam no chão, o homem
parecia estar adormecido no colchão. Eu não conseguia acreditar que um
alfa tantos anos mais velho que eu, era infantil ao ponto de tirar os lençóis
limpos da cama, apenas porque eu cochilei sobre eles.
Fenrir parecia tremer daquela distância, como se estivesse com frio.
Abri a porta com cuidado e caminhei lentamente pelo cômodo para não
despertá-lo.
Peguei um cobertor no armário e o cobri. Fenrir não abriu os olhos,
então observei suas costas, havia uma tatuagem ali, mas eu não conseguia
ler as palavras escritas por causa da escuridão.
Eu devia estar louca para ainda me importar com ele, saí do quarto
fechando a porta atrás de mim e voltei para a minha cama.
A cama enorme parecia me causar uma angústia naquela altura da
madrugada, portanto me revirei entre os lençóis e os travesseiros até voltar
a dormir.
Quando abri os olhos na manhã seguinte, o silêncio me recebeu, não
havia cheiro de café fresco como na casa dos meus pais, não havia um som
de conversas animadas numa cozinha.
Apenas a solidão dos meus próprios pensamentos. Me levantei e
arrumei a cama, como sempre fazia em minha casa. Comecei finalmente a
desfazer as malas e acomodar minhas roupas no armário.
Depois de me preparar para a manhã, eu vesti uma calça escura e
uma blusa de mangas longas.
Estava terminando de pentear o cabelo quando ouvi batidas na porta.
Soltei um suspiro pelo nariz, irritada com aquela situação estranha na casa
de um desconhecido.
Ao abrir a porta, me deparei com Sarah, que tinha um sorriso gentil
no rosto.
— Que tal tomarmos café da manhã e eu te fazer um tour pela casa?
— Claro — respondi, forçando um sorriso ao sair do quarto.
Encarei a porta fechada do quarto de Fenrir e Sarah acompanhou
meu olhar.
— Ele já está com Hawk na sala de jantar — ela falou.
Não respondi ao que ela dizia, apenas acompanhei a mulher pela
casa. Sarah parecia querer me acessar, querer demonstrar que eu era bemvinda, mesmo que o dono daquela casa não parecesse agir daquela maneira.
— Esta casa tem sido passada na família há gerações. Fenrir e Hawk
nasceram aqui e cresceram juntos. Fenrir é quase uma hora mais velho que
o Hawk — explicou.
— Eles são muito próximos? — perguntei, tentando fingir interesse
na conversa.
— Já foram mais próximos, mas uma tragédia aconteceu — ela
respondeu.
— Que tragédia?
A pergunta pareceu pesar entre nós e Sarah evitou meu olhar, como
se tivesse percebido que falou algo que não deveria.
— Eu não deveria ter dito isso, a história é do Fenrir, não posso falar
sobre no lugar dele.
— Tudo bem — comentei, tentando afastar o nervosismo que ela
demonstrou.
Nós finalmente chegamos à sala de jantar e eu observei os lugares à
mesa, à direita de Fenrir havia um lugar vazio, à sua esquerda Hawk estava
sentado e ao lado dele havia outro lugar vazio.
Sarah se sentou perto do marido e eu passei por trás de Fenrir para
ocupar o meu lugar. Quando me sentei, ofereci um cumprimento em voz
baixa.
— Você dormiu bem? — Hawk perguntou. — Deve ter sido uma
noite longa.
— Dormi sim, aqui é muito silencioso, mas consegui dormir — falei,
forçando um sorriso.
— Você e eu temos que ir ao cartório hoje, temos alguns documentos
para assinar — Fenrir disse.
Encarei o rosto dele e concordei com um aceno.
— Tudo bem — falei.
— Falando no casamento de vocês — Hawk comentou, atraindo
nossos olhos.
Ele enfiou a mão no bolso da calça.
— Aqui. Entregaram isso para vocês hoje — ele estendeu uma caixa
de joias para o irmão.
— Você encomendou alianças? — Fenrir questionou abrindo a caixa.
O par de alianças lá dentro parecia se encaixar, havia uma aliança
preta e uma branca, uma lua cheia adornava ambas as alianças, mas quando
separadas, se tornava uma meia lua em cada uma.
Fenrir tirou a aliança preta da caixa e a colocou no dedo, ele me
estendeu a caixa de joias e eu o observei imóvel.
— Não quero usar uma aliança — comentei honestamente.
Fenrir soltou um som que parecia outro rosnado e tirou a aliança da
caixa. Ele ficou de pé segurando meu braço, o homem abriu minha mão fria
com os dedos quentes e enfiou a aliança no meu dedo anelar esquerdo.
— Não comece um problema por nada — avisou.
— Esse é um casamento só no juramento, Sr. Magi, não temos
porquê complicar as coisas — segurei a aliança com a mão direita e tentei
puxá-la, porém não consegui tirar do dedo.
— São anéis encantados, Alissa, você não vai conseguir tirar —
Sarah explicou.
Encarei o objeto no meu dedo, e o rosto do alfa que parecia fervilhar
ao meu lado, com olhos dourados encarando o irmão, eu quis me afastar da
fera dele.
— Termine de comer e se arrume, saímos em meia hora — Fenrir
falou, antes de marchar para longe de nós.
Esperei o alfa não estar mais ao alcance das nossas vozes para
perguntar:
— Como faço para tirar isso do dedo? Tem como tirar?
— Eu vou indo — Hawk falou, fugindo da mesa mais rápido do que
eu pude piscar.
— Sarah! — insisti.
— Sim, tem como tirar a aliança do dedo, mas só quando vocês dois
dormirem juntos — avisou com a voz cheia de cautela.
Rolei os olhos ao imaginar que o irmão de Fenrir estava tentando
ficar de olho em nós. Mesmo que eu não soubesse o motivo para tanta
invasão de privacidade.
Capítulo 12
Alissa
Eu não sabia ao que Fenrir tinha se referido quando mandou me
arrumar, mas presumi que significava que ele não achava que eu estava
arrumada o suficiente para sair por aí com um alfa.
Respirei fundo, o estresse daquele casamento ia acabar me matando,
presumi conforme observava minhas roupas no armário. Peguei um vestido
floral soltinho com mangas longas, ele me cobriria até o meio das coxas.
Não sabia se aquilo era estar arrumada o suficiente para sair com ele,
mas era um dos melhores vestidos que tinha. Peguei os saltos que tinha
usado no meu aniversário e os calcei. Deixei meu cabelo solto e coloquei
uma maquiagem mínima para não parecer que estava doente de tão pálida.
Peguei uma bolsa com meus documentos, já que íamos ao cartório, e
saí do quarto. Fenrir estava saindo do quarto dele, o homem me olhou de
cima a baixo, parecendo espantado com a minha mudança.
— Você disse para eu me arrumar — lembrei.
— Vamos indo — ele disse pigarreando.
Segui um passo atrás do alfa que caminhava sem se incomodar em
manter uma conversa. Fenrir usava uma calça jeans escura, uma camisa
social azul escura e sapatos sociais. Ele colocou um óculos escuro no rosto.
Engoli seco, tentando disfarçar o quanto ficar sozinha com ele me deixava
nervosa.
— Você me cobriu ontem a noite, não foi? — ele perguntou, percebi
que o homem desacelerou para que eu o acompanhasse.
— Sim, eu vi a sua porta aberta e você parecia estar com frio —
expliquei.
Ele concordou com a cabeça, mas nada disse, eu suspirei pelo nariz
contendo a minha frustração por não receber nem mesmo um
agradecimento.
— Vamos esclarecer algumas coisas, enquanto ainda estamos em um
lugar seguro — sugeriu.
— Estou ouvindo — avisei.
Meus dedos tentaram puxar a aliança que estava presa em meu dedo
e percebi que Fenrir sorriu ao ver as minhas tentativas frustradas.
— Nem todos fora dessa mansão são tão cordiais quanto nós…
O estudei erguendo uma sobrancelha e ele sorriu com cinismo,
porém continuou:
— Quando nós sairmos, tente ficar perto de mim, se alguém nos
cumprimentar, evite o máximo possível fazer contato visual. E não se
assuste se eu acabar te colocando atrás de mim em algum momento. Quanto
mais medo você demonstrar, mais problemático será — esclareceu.
— Está bem — respondi em voz baixa.
Fenrir me encarou, eu não conseguia ler o olhar dele por causa do
óculos, mas podia jurar que o homem não acreditava na calma que eu
estava demonstrando.
— O que foi? — questionei.
— Você parece estar muito calma para alguém nessa situação de
perigo.
— Eu cresci com lobos, Sr. Magi, mesmo que fosse proibido para
outros humanos na Presas Pretas, eu frequentei uma escola para lobos,
poucas situações com lobisomens me assustam — avisei sem demonstrar
qualquer emoção.
— As marcas nos seus braços, soube que foi o seu irmão…
— Sim, ele perdeu o controle quando soube que eu viria para cá —
expliquei, sem querer prolongar demais o assunto. — Seu irmão me salvou.
As palavras saíram em tom de acusação, e eu não esperava receber
um sorriso sarcástico em resposta.
Eu quis perguntar ao homem ao meu lado, porque ele usou o irmão
dessa maneira, mas achei melhor não me envolver demais com ele, eu já
estava cruzando limites demais e não queria me complicar.
Quando finalmente saímos da mansão, Fenrir caminhou para o carro,
eu estava prestes a entrar no banco de trás, mas ele abriu a porta do carona.
— É melhor que as pessoas por aqui não pensem demais sobre nós
— explicou.
Concordei com a cabeça e me sentei no banco do carona, ele fechou
a porta dando a volta no veículo. Assim que se sentou ao meu lado, Fenrir
me estudou.
— Vou pedir que deixem outros produtos no seu banheiro, esse
cheiro doce em você…
— Eu usei produtos daqui essa manhã, não tinha nada floral no
banheiro — respondi, impaciente com a implicância dele.
O homem soltou o ar com força e começou a dirigir, coloquei o cinto
de segurança enquanto ele percorria os terrenos da mansão, meus olhos
finalmente captando os detalhes do jardim, já que não tinha me dado esse
tempo antes.
O vento invadia o carro pela janela aberta, espalhando o cheiro doce
das flores do lugar, fechei os olhos, aproveitando o aroma. Eu não sabia se
aquela seria minha nova vida, apenas sair da mansão quando o alfa
precisasse disso, mas se tivesse permissão para caminhar por aquele jardim,
me sentiria menos infeliz.
— Você pode percorrer os terrenos da mansão a vontade, não tem
lugar mais seguro na cidade do que aqui — ele avisou, abri os olhos para
encará-lo, já que a voz dele soou rouca.
Os nós dos dedos dele estavam brancos pela força com a qual
segurava a direção, desviei os olhos do homem e baixei-os, alisei as saias
do vestido para cobrir mais minhas pernas e mantive-as presas com as
mãos.
O vento as empurrava para cima, mas eu imaginei que isso não tinha
a ver com o momento de desconcerto do homem ao meu lado.
Aquela viagem de carro nunca pareceu tão longa, pela janela, eu via
pessoas andando, crianças com fardas escolares caminhando pelas ruas, e
lojas abertas com todos os tipos de produtos à venda.
O alfa estacionou o carro em uma vaga exclusiva e desceu, eu tirei o
cinto de segurança e arrumei minha saia antes de mover a mão para a porta,
mas ele já estava ali, abrindo-a. O observei, Fenrir me estendeu a mão e
levei um segundo para segurá-la.
O homem não soltou minha mão quando saí do carro. Ele travou o
veículo e nós caminhamos de mãos dadas para dentro do cartório. Eu podia
sentir cada olhar, de cada lobo ao nosso redor, sobre nós a sensação
sufocante de ser uma humana em meio a monstros me sobreveio, mas
segurei a onda, caminhando ao lado do alfa.
Fenrir tinha dito que não deveríamos deixar que notassem que nossa
união era uma mentira, então eu mantive a farsa.
Quando entramos no lugar, o ar frio do ar condicionado nos recebeu,
o alfa tirou os óculos escuros ao se aproximar do balcão.
— Sr. e Sra. Magi, já separei os documentos que precisam assinar —
uma mulher disse, forçando um sorriso atrás do balcão. — Preciso apenas
dos seus documentos para completar as informações.
Fenrir pegou uma carteira no bolso e seus olhos vieram para mim,
finalmente percebendo que ele não tinha me dito nada sobre levar
documentos, mas ignorei o olhar dele e abri a bolsa para pegar meus
documentos.
Coloquei-os sobre o balcão ao lado dos do alfa, podia sentir o olhar
de Fenrir sobre mim, porém não o observei.
Cada par de olhos naquele lugar estava sobre nós, e eu imaginava
que até mesmo as câmeras de segurança pareciam focadas em nós dois.
Seria melhor evitar contato visual com ele para não demonstrar a
indiferença que tínhamos um com o outro.
A mulher pegou nossos documentos e eu tamborileiro os dedos no
tampo frio, prendi o fôlego quando Fenrir afastou o cabelo do meu rosto. O
olhei tentando entender o que se passava na cabeça dele, entretanto, eu não
o conhecia tão bem.
Antes que nosso olhar ficasse mais constrangedor, a atendente
retornou, nos entregando alguns papéis.
— Vocês só precisam assinar esses documentos e seu casamento será
oficial — ela falou, eu podia sentir o olhar da mulher me percorrendo com
desgosto.
Fenrir os assinou, claramente estressado, então me estendeu a caneta,
peguei o objeto com a mão esquerda e os assinei, sentindo o olhar da
atendente sobre a aliança em meu dedo.
Ela nos devolveu nossos documentos e cuidou dos últimos trâmites
enquanto Fenrir e eu continuamos imóveis ali.
O alfa envolveu minha cintura, me puxando para mais perto, o que
me fez percorrer o lugar com os olhos, percebendo quantos olhares de
desgosto estavam direcionados a nós dois.
— Aqui está a sua certidão — ela falou estendendo uma pasta para o
alfa.
— Obrigado — Fenrir disse com grosseria e me guiou para fora do
cartório, ainda me prendendo junto a si.
Capítulo 13
Alissa
— Não sabia que você é canhota — ele comentou quando entramos
no carro.
— Sem querer ofender, mas você não sabe nada sobre mim —
respondi.
Fenrir soltou uma risada baixa, mas não respondeu a minha
acusação. Ele começou a dirigir e eu percebi que não estávamos refazendo
o caminho que tínhamos feito antes.
— Relaxe, não estou sequestrando você — ele avisou ao perceber
minha inquietação.
— Para onde estamos indo? — perguntei.
— Tenho que resolver umas coisas e não tenho tempo de te levar
para casa antes de ir até lá, mas só vou pegar alguns documentos na casa de
um dos meus parentes — explicou, me fazendo sentir nervosa.
— Você vai ficar me segurando e puxando pela mão o resto do dia?
— questionei, sem esconder meu incômodo.
— Estou te deixando nervosa? — perguntou com a voz grave, com
um humor que me deixava ansiosa.
— Sim, você está — confessei.
— Não vai durar muito, são só mais algumas horas — avisou.
Concordei com a cabeça e o homem ligou uma música no carro
enquanto dirigia, o som preencheu o veículo nos deixando imersos na
melodia. Apesar de não gostar da nossa farsa, eu sabia que não tinha
escolha a não ser aceitar as condições dele.
Nós seguimos até a frente de uma casa enorme, então Fenrir desceu
do carro e montou o teatro outra vez, caminhando para abrir a porta para
mim.
Segurei sua mão e nós caminhamos para o interior da casa, sendo
recebidos por uma mulher que tinha um homem ao seu lado.
— Bom dia, alfa — eles disseram, curvando a cabeça.
— O meu marido está te esperando no escritório — a mulher falou.
— Obrigado, Mia, posso deixar minha esposa com sua companhia?
— Fenrir perguntou soltando minha mão.
— Claro, venha por aqui, vamos conversar um pouco na sala de estar
— senti o olhar do homem jovem com ela me estudando, mas fingi não me
importar.
— Eu já volto — Fenrir declarou, ele pareceu ponderar sobre o que
fazer, até que apenas se afastou.
Segui a mulher e o homem em direção a sala de estar e ela me
indicou um lugar no sofá.
— Este é o meu filho, Edgar — ela apresentou, encarei o homem alto
de olhos claros.
— É um prazer conhecer vocês — falei, forçando um sorriso.
— Eu soube que você é filha dos alfas do Presas Pretas — Edgar
comentou.
— Sim, sou a filha mais velha — expliquei.
— Seu irmão é humano como você? — Mia perguntou, pude sentir o
desprezo velado no tom dela, já estava acostumada com aquele tipo de
tratamento para não notar aquele tom por trás de sorrisos como o dela.
— Não, meu irmão é o herdeiro do meu pai — expliquei sorrindo.
Movi os olhos pela sala e forcei um sorriso.
— Sua casa é muito bonita — elogiei.
— Até que você tem uma boa aparência para uma humana — Edgar
alfinetou.
— Edie! — a mãe falou em tom de repreensão. — Obrigada, querida.
— O que você gosta de fazer para passar o tempo? — a mulher
perguntou.
— Gosto de música, aprendi um pouco de piano quando era criança e
toco sempre que posso, mas gosto muito de cozinhar também — respondi.
Edgar soltou uma risada debochada que me fez encará-lo, sem perder
a compostura.
— Deve ter sido empregada da casa do pai a vida inteira.
— Edie, não fale assim — a mãe avisou, mas havia humor na voz
dela.
Respirei fundo, contendo a vontade de mandar aqueles dois se
foderem, apenas porque eu estava em um ambiente que não tinha muita
autoridade, e não tinha certeza se Fenrir julgaria a meu favor em um
conflito.
Quando o alfa retornou com outro homem, eu fiquei de pé, pronta
para ir embora.
— Seu marido não mentiu quando disse que você era muito bonita
— ele disse, ergui uma sobrancelha ao encarar Fenrir. — Eu sou Igor, tio
postiço do Fenrir e do Hawk, era primo do pai deles.
O homem me estendeu a mão e eu a apertei a contragosto. O pedido
para ir embora estava preso na minha garganta, mas antes que eu pudesse
dizê-lo em voz alta, Edgar falou:
— Alfa, por que não nos agracia com sua presença para o almoço?
— É uma ótima ideia — Igor disse. — Não nos faça uma desfeita.
Senti que em breve sufocaria naquele maldito lugar, mas me mantive
firme, mesmo depois que Fenrir aceitou o pedido.
O alfa se sentou ao meu lado, colocando uma palma na minha coxa
enquanto conversava, esperando que a empregada da casa nos chamasse
para o almoço. Minha mente se desligou do ambiente, eu respondia
qualquer coisa com o mínimo de palavras, e me mantinha quieta na maior
parte do tempo. Sentindo os dedos de Fenrir na minha pele e os olhos de
Edgar nos observando.
Agradeci a deusa quando a mulher de uniforme chegou nos avisando
que o almoço estava servido. Nós ficamos de pé e caminhamos para a sala
de jantar.
Quando nos sentamos ao redor da mesa, eu observei o prato com a
carne mal passada e meu estômago embrulhou. Todos começaram a comer,
mas apenas cortei os pedaços mais assados da carne, me forçando a comer.
— A comida não está do seu agrado, Sra. Magi? — Mia questionou.
— Não, não é isso. Só estou um pouco enjoada — falei, deixando
que as palavras soassem como cada um quisesse interpretar.
— Vou pedir que sirvam algumas frutas para você — ela sugeriu.
A pobre mulher saiu correndo da sala de jantar, o que fez com que eu
me sentisse mal, imaginei que a ômega estava irritada, por ter mais trabalho
por causa de uma humana e encarei Fenrir que me olhou com atenção.
— Não precisava se incomodar, eu realmente não estou…
A mão do alfa segurou minha coxa em um aviso silencioso e me
calei.
— Não se preocupe com isso, Fenrir é da família — ela disse, a
mulher me estudou e sorriu. — E você agora também, é claro.
Um instante depois, a mulher retornou com um prato de morangos,
meu corpo estremeceu ao observar o prato.
— Não diga que não gosta de morangos — pediu falsamente a dona
da casa.
— Não, eu gosto sim.
— São suas frutas favoritas — Fenrir mentiu, o observei
desesperada, mas os olhos do alfa estavam no primo mais jovem que me
observava com atenção predatória.
Me obriguei a comer os morangos, com o coração agitado no peito.
As frutas estavam doces, o que ao menos diminuía meu tormento. Havia
menos de dez no prato, o que foi um alívio, mas eu me senti mal a cada um
que engolia.
Quando limpei o prato, sendo a última na mesa a terminar de comer,
encarei o rosto do alfa.
— Fenrir, estou cansada, será que poderia me levar de volta para
casa? — pedi.
Eu nunca o chamava pelo nome, mas como o alfa vinha se obrigando
a fingir alguma intimidade comigo, acabei me obrigando a agir assim.
— Claro, vou te levar para casa antes do próximo compromisso.
Me obriguei a aguentar o que já sentia, a angústia que estava
começando a me contorcer, ao menos enquanto nos despedimos daquela
família. Minha garganta incomodava e minha pele começava a coçar.
Caminhei para o carro com pressa, sem me preocupar com a farsa na
qual estávamos, Fenrir me segurou pelo braço antes de eu alcançar a porta.
— O que pensa que está fazendo? — ele questionou, furioso.
Meus olhos lacrimejaram quando o ar começou a me faltar.
— O que você tem? — Fenrir insistiu.
Enfiei a mão na bolsa e vasculhei os meus pertences, como não
imaginei que iríamos comer fora, eu tinha deixado meus remédios no
armário.
Levei a mão ao pescoço, forçando o ar para dentro do corpo, Fenrir
me segurou quando quase caí. O homem abriu a porta do carro, percebendo
que eu estava sufocando de verdade e me colocou lá dentro.
— O que está acontecendo? — ele perguntou, colocando o cinto em
mim.
— Aler-gia — falei com a voz rouca.
— Maldição — ele praguejou rosnando e começou a dirigir em alta
velocidade.
Fechei os olhos com força tentando manter a calma.
— Você tem remédios para isso? — perguntou com a voz alarmada.
Concordei com um aceno, sem saber se ele estava me olhando. O alfa
pegou a bolsa que eu usava e despejou o conteúdo sobre o meu colo.
— Fique acordada! — Fenrir exigiu.
Quando o carro parou bruscamente, eu abri os olhos, Fenrir me
segurou impedindo meu rosto de bater e saiu do carro, o alfa me tirou do
carro e carregou no colo para o interior da mansão.
— Hawk? — Fenrir gritava, deixando minha cabeça latejando. — Vá
até o quarto dela e pegue um remédio para alergia! Rápido!
Fenrir ainda me carregava pela casa, mas parecia andar devagar,
minha visão escurecia e meu corpo não parecia receber oxigênio suficiente,
o tempo parecia desacelerado, a ideia de que eu poderia deixar o alfa viúvo
era quase cômica, já que o homem parecia ansioso por isso.
Senti algo espetando minha perna e minha consciência me deixou
por completo.
Capítulo 14
Alissa
Abri os olhos sentindo meu corpo inteiro doer e minha pele arder.
Sentada ao meu lado estava Sarah, a mulher parecia cansada, mas sorriu ao
ver que acordei.
— Que bom que acordou! Todos estavam preocupados — falou.
— Pensei que ia morrer dessa vez — resmunguei, me sentando na
cama.
Percebi que estava usando um pijama.
— Fui eu que te troquei — Sarah avisou ao perceber que eu estudava
as roupas.
— Obrigada — falei, prendi o cabelo para cima.
— Se você tinha alergia a morangos, por que comeu? — Sarah me
perguntou.
— Bom, o seu alfa disse que os morangos eram minha fruta favorita,
eu tive que comer para manter essa maldita farsa de casamento.
Sarah me olhou com compaixão e soltou um suspiro.
— Acho que vocês dois precisam se conhecer um pouco melhor, para
que isso dê certo — ela sugeriu.
— O ideal é dizer isso para ele — falei cansada. — Fui eu que quase
morri hoje.
— Eu vou te deixar descansar e avisar que você acordou.
— Está bem — sussurrei. — Espera, Sarah, você tem um celular?
A mulher tirou o aparelho do bolso e me estendeu com a tela
desbloqueada.
— O que vai fazer? — o alarme no tom de Sarah me fez pensar que
ela estava preocupada que eu causasse um conflito entre Fenrir e meu pai
por causa do que houve.
— Só quero falar com o meu irmão — esclareci. — Pode ficar no
quarto.
Ela voltou a se sentar e eu disquei o número do meu irmão. Alan
atendeu quase no último toque.
— Alô?
— Oi, Alan, sou eu — falei, forçando uma animação para a voz.
— Ali? Como você está? Pensei que o pior tivesse acontecido — ele
confessou, me fazendo sorrir.
— Relaxe, eu estou bem, só queria te dar notícias minhas.
— Como estão as coisas na sua nova vida? Fenrir Magi não está te
machucando nem te prendendo, não é? — a preocupação na voz dele me
fez sentir um aperto no peito.
— Não, Alan, estou bem. Eu estou te ligando do celular da cunhada
dele, vou tentar entrar em contato novamente, mas não quero te preocupar
demais, foque nos seus estudos, ok?
Meu irmão suspirou pesadamente.
— Está bem, mas se eu passar mais de uma semana sem notícias
suas, vou até aí, mesmo que o papai me mate — avisou.
— Está bem — respondi sorrindo.
Finalizei a chamada e entreguei o celular para Sarah. A mulher o
segurou me estudando com alívio no rosto.
— Fico feliz que você tenha alguém tão importante — sussurrou.
— Eu também — confessei, sorrindo mais abertamente.
— Vou te deixar descansar agora — ela disse saindo do quarto.
Levantei da cama e caminhei para a janela, abrindo as cortinas, a
cidade estava iluminada e já era noite, eu observei tudo com calma, eram
tantas coisas na minha cabeça naquele momento, que não sabia bem o que
pensar do meu futuro.
Estava casada há um dia, meu marido mal falava comigo, fui
enganada pelo irmão dele para aceitar aquele casamento sem fugir e, quase
morri por comer algo que tinha alergia, apenas porque ele estava me
pressionando a fazer isso.
— Que belo barco afundando — sussurrei estudando a cidade.
Esperei por vários minutos depois que Alissa saiu, me perguntando
se ele iria até ali para se desculpar, mas Fenrir não apareceu, por isso, eu
acabei voltando para a cama.
Sem que me desse conta, uma semana tinha se passado, Fenrir e eu
mal trocávamos duas ou três palavras ao longo do dia, na manhã seguinte
depois do incidente dos morangos, eu tinha ouvido um pedido de desculpas
dele, mas desde então, não tínhamos sentado juntos para uma refeição.
Eu me deitava cedo e ele só chegava ao quarto dele no meio da
madrugada. Terminei o café da manhã e recusei o convite de Sarah para ir
até a cidade, então entrei na sala de música e abri a tampa que cobria o
teclado do piano.
Pressionei algumas teclas e uma melodia melancólica preencheu a
casa, meu coração se agitou no peito, tomado pela emoção que aquela
música despertava dentro de mim.
Cada parte do meu corpo estava acesa naquele instante, o mundo ao
redor parecia ter sido reduzido a nada, conforme meus dedos percorriam as
teclas e tiravam a angústia que me corroía por dias.
Ao finalizar a música, abri os olhos e vi o homem que estava imóvel
ao lado do instrumento me observando.
Controlei minha reação ao susto e Fenrir sorriu, um daqueles sorrisos
que não lhe chegavam aos olhos.
— Não sabia que você toca piano — ele sussurrou.
— Já te disse, você não sabe nada sobre mim — acusei, com a voz
cansada.
Pressionei algumas teclas aleatórias, apenas para evitar encará-lo.
— Essa sala não é usada há muito tempo — explicou. — Os
instrumentos são mantidos afinados, apenas porque os usamos em algumas
festas.
— Desculpe se eu invadi…
— Não precisa se desculpar, é bom ouvir o piano preenchendo a casa
outra vez — sussurrou ele se aproximou e eu me movi no banco para me
afastar dele. — Minha mãe tocava quando eu era criança.
Fenrir colocou as mãos sobre as teclas e pressionou alguns acordes,
eu mentalizei a melodia, percebendo o que ele tocava e movi minha mão
direita para o teclado, acompanhando o dueto.
Nós tocamos em silêncio, a melodia preenchia o ambiente e percebi
que lágrimas rolavam pelo meu rosto, as notas tocadas por Fenrir pareciam
mais tristes que qualquer uma que já toquei, meu coração sentia essa
tristeza nele.
O corpo do homem estava tenso ao meu lado, mas nós apenas
continuamos preenchendo a sala com a música. Quando ele tocou a última
nota, eu afastei a mão do piano e ergui os dedos para limpar as lágrimas do
rosto.
— Por que está chorando? — ele questionou com a voz rouca.
— Não sei, por um instante pareceu que você estava despejando sua
alma na música e parecia tão… Triste — as minhas palavras saíram em um
sussurro, e eu encarei os olhos dele.
Fenrir levantou a mão para limpar as lágrimas do meu rosto, os olhos
dele não me encaravam nos olhos e eu não quis quebrar o silêncio primeiro.
— Eu não fui sempre assim, Alissa — sussurrou. — Não fui sempre
o monstro que não se importa com a vida dos outros.
— E o que houve com você? — perguntei rouca.
— A vida me quebrou — ele respondeu em voz baixa, voltando a
encarar o piano.
Ficamos calados por um tempo, até que saltei do assento quando a
porta da sala de música bateu com força. O homem me segurou junto a si
quando percebeu que quase pulei para fora do banco.
— Deve ter sido só o vento — avisou.
— Isso é um problema — respondi sem encará-lo. — Sarah me disse
ontem para ter cuidado, porque a fechadura dessa porta está com problemas.
Fenrir ficou quieto e eu virei o rosto para estudá-lo, ele estava tão
perto de mim que meu corpo reagiu a sua presença, mas não pude me
afastar, porque ele ainda me prendia junto a si com um dos braços.
O alfa pegou o celular do bolso e ligou para Hawk pelo que pude ver.
— Alissa e eu estamos presos na sala de música — ele disse.
Não consegui ouvir o que o irmão dele respondeu, mas isso fez com
que Fenrir me soltasse e travasse os dentes.
— Mande a porra de um chaveiro para cá ou eu vou arrancar essa
maldita porta das dobradiças — Fenrir avisou, finalizando a chamada em
seguida.
Ele se levantou do assento ao meu lado e caminhou até a janela,
abrindo-a para deixar que o vento entrasse na sala.
— Parece que teremos algum tempo sozinhos aqui — falei sem
pensar.
Fenrir me encarou, eu não podia ler o que via nos olhos dele, mas
com certeza, ele estava furioso.
— Maçãs — falei, quebrando o silêncio entre nós.
Ele me olhou confuso.
— A minha fruta favorita — esclareci. — Sou altamente alérgica a
morangos e a ostras.
— Você não deveria ter comido aquilo se podia te matar — ele
respondeu grosseiro.
— Você disse que eram meus favoritos, não quis te envergonhar ou
expor quão falso é esse casamento — expliquei, cruzando os braços e me
levantando.
— Me desculpe pelo meu erro — Fenrir falou, o tom de voz
demonstrando uma exaustão.
— Está tudo bem, se o pior tivesse acontecido, você ao menos estaria
livre de mim mais rápido — respondi, e ele socou a parede me deixando
assustada.
O observei nervosa com a sua reação.
— Não gosto desse casamento, Alissa, e posso ser um babaca que
realmente brincou sobre a sua morte em algum momento, mas eu não ia
deixar que mais alguém morresse nos meus braços — ele rosnou.
— Isso não me faz sentir melhor — avisei encarando a porta.
Me encostei na parede longe dele e observei a sala de música em
silêncio. Minha mente me pregou outras peças, me lembrando dos
tormentos que a minha existência significava onde quer que fosse.
Capítulo 15
Alissa
As horas pareciam se arrastar e nada de um chaveiro aparecer, Fenrir
parecia prestes a realmente arrancar a porta das dobradiças, mas se
continha, talvez por não querer me assustar ainda mais. Quando cansei de
ficar de pé, voltei a me sentar perto do piano.
— Você provavelmente vai ouvir histórias sobre isso, onde quer que
vá por aqui — Fenrir rompeu o silêncio que nos corroeu por horas. — Já se
apaixonou antes, Alissa?
— Claro, eu tinha uma fila de pretendentes na Presas Pretas, todos
queriam ter para si a filha estranha e humana do alfa — resmunguei com
sarcasmo, ao observar o rosto frio de Fenrir me arrependi das palavras. —
Não, eu nunca me apaixonei.
— Eu sim, o nome dela era Nina, nós dividimos a vida juntos desde
que éramos crianças, mas eu cometi o erro de adiar nosso casamento,
porque a alcateia era minha prioridade — ele disse.
Observei o rosto do alfa, mesmo que ele não estivesse me olhando de
volta.
— Ela morreu em meus braços, uma bala de prata partiu o coração
que ela tinha me oferecido tantas vezes — ele contou, com a voz embebida
por tristeza.
— Eu sinto muito — falei em voz baixa.
Fenrir ficou calado e concordou com a cabeça sem voltar a me
encarar.
— Eu sofri bullying na escola, tenho algumas cicatrizes pelo corpo
onde os lobos me arranharam — contei. — Meus pais me obrigavam a
frequentar a escola. Pensei em fugir quando criança, mas uma mulher em
uma árvore me disse para não fazer isso, porque segundo ela, eu seria muito
feliz.
— Seus pais nunca perceberam os seus ferimentos? — perguntou em
voz baixa.
Neguei com a cabeça, percorrendo as teclas do piano com os dedos,
sem pressionar nenhuma delas.
— Eu mesma fazia os curativos e vestia roupas assim, para esconder
os ferimentos.
Fenrir travou os dentes audivelmente e eu o encarei.
— Um lobo perceberia o cheiro de sangue, Alissa — ele avisou.
— Eu sei — respondi em voz baixa.
Nós ficamos calados outra vez, temi que aquele silêncio perturbador
de mais cedo nos envolvesse novamente, mas Fenrir rompeu o silêncio
primeiro:
— Eu gosto de carne de cervo mais do que de qualquer outro animal,
gosto de vinho, mas sempre vou preferir beber um bom rum. Gosto de
correr, seja na forma humana ou como monstro — contou em voz baixa. —
Odeio comer qualquer coisa azeda e prefiro manter distância de pessoas que
não conheço. Não gosto de dormir à noite, porque tenho pesadelos
frequentes, então é provável que você me veja cochilando durante o dia em
qualquer pausa que eu tiver.
Engoli seco ao ouvir todas aquelas informações que eram ditas de
uma vez, porém respirei fundo para listar:
— Eu gosto de cozinhar, adoro música e principalmente piano.
Passei muito tempo da vida em um quarto na ala dos empregados do meu
pai, para evitar estar no caminho do meu irmão quando ele perdia o
controle. Não gosto muito de beber álcool, porque me tira dos eixos muito
rápido. Gosto de comidas doces e carne para mim só bem-passada — Fenrir
soltou uma risada ao ouvir a última afirmação. — Não gosto de silêncio
completo, mas não suporto barulhos muito altos. Eu gosto de observar
paisagens noturnas e adoro ter conversas tranquilas com pessoas que
realmente me ouvem. Consigo notar quando as pessoas debocham de mim
por ser humana.
— Acho que esse tempo aqui nos deixou mais próximos, o que é
bom para nossa farsa — ele sussurrou.
Concordei com um aceno.
— Você é mais corajosa do que imaginei — Fenrir disse depois de
um tempo.
O estudei confusa por aquela afirmação e ele sorriu, mais
abertamente do que em qualquer outro momento que vi.
— A maioria das pessoas ficaria apavorada de ficar tanto tempo a sós
comigo — ele declarou.
— Estou acostumada a estar perto de pessoas mais fortes do que eu
— respondi em voz baixa.
Fenrir voltou a se sentar ao meu lado, mas ficou de costas para o
piano, nós estudamos um ao outro, e meus instintos pareciam me dizer o
quanto ele era perigoso naquele instante.
— Gosto da sua honestidade — ele sussurrou.
— Também gostei da sua — respondi tão baixo quanto ele havia
feito.
A mão de Fenrir tocou a minha mão e ele observou nossos dedos em
silêncio.
— Sua mão está gelada. Está com frio? — perguntou.
— Um pouco — menti, ele pressionou os lábios me deixando ciente
de que notou a mentira.
Senti o braço dele envolvendo minha barriga para me puxar para
perto de si. O corpo quente do alfa me tocava com delicadeza, apesar dos
músculos duros sob as roupas dele.
Engoli seco tentando não encarar a boca dele que estava tão próxima
de mim.
— Está melhor assim? — perguntou.
Balancei a cabeça em concordância. Meu coração saltava e, eu
imaginei que ele pudesse ouvir os batimentos.
— Eu vou arrancar a cabeça do meu irmão — Fenrir disse depois de
um instante e pegou o celular para voltar a ligar para Hawk.
— Ele não atendeu? — perguntei quando Fenrir rosnou.
— Não.
O alfa se afastou de mim, ficou de pé e foi até a porta, girando a
maçaneta que não abria a porta. Tentei não demonstrar qualquer emoção
quando notei o volume em sua calça.
Suspirei pelo nariz aliviada por estar longe dele, antes que minha
racionalidade me deixasse de vez.
— Não seria difícil arrancar essa porta — ele disse, me levantei do
assento e me aproximei.
— Estamos aqui! — Hawk gritou para ser ouvido do outro lado da
porta.
Ouvi barulho de ferramentas sendo usadas e Fenrir se afastou da
porta esperando ao meu lado, um instante depois a porta foi aberta e Hawk
sorriu como um vigarista que teve sua conquista.
— Pronto, desculpe, meu alfa, mas o nosso amigo aqui estava muito
ocupado hoje — Hawk disse.
— Obrigada por abrir — falei para o estranho que trocava a
maçaneta da porta. — Vou para o meu quarto agora.
Deixei que os irmãos resolvessem seus problemas sozinhos, e
praticamente corri em direção ao quarto, fechei a porta atrás de mim e
afastei o cabelo do rosto.
Eu estava realmente nervosa depois de ficar na companhia do meu
marido, tinha percebido que meu corpo reagia aquela proximidade e tinha
me sentido conectada à tristeza dele.
— Não enlouqueça agora, Alissa! — ordenei a mim mesma.
Abanei meu rosto com as mãos enquanto seguia andando para o
banheiro, a fim de lavar o rosto para me livrar do calor.
Secando a minha pele com uma toalha, me lembrei dos dedos de
Fenrir percorrendo minhas bochechas com cuidado para limpar as lágrimas.
A melodia do dueto que tocamos ainda parecia ressoar no meu corpo,
controlando as batidas do meu coração.
Enterrei o rosto na toalha, pedindo a Caer para me devolver o
controle sobre mim mesma que parecia ter desaparecido.
Capítulo 16
Fenrir
— Você acha que sou idiota, Hawk? — questionei furioso.
Meu irmão alisou a camisa que usava com a mão, eu o interrogava a
respeito de como aquela porta tinha se fechado e meu irmão dizia que o
vento a fechou. Quanto mais eu pensava a respeito, menos aquilo fazia
sentido, afinal, a janela da sala de música estava fechada quando a porta
bateu.
— Não sei o que você quer que eu diga — Hawk respondeu,
indiferente ao meu estresse.
— A verdade, Hawk, eu quero a maldita verdade! — rebati.
— Está bem, a maldita verdade é que eu enfeiticei a porta e ela bateu.
Feliz? — perguntou, finalmente, espelhando a minha raiva.
— Eu deveria arrancar suas tripas e te enforcar com elas — ameacei.
— Olha só, faz uma semana que a sua esposa está aqui, você estava
mais distante dela agora, do que no primeiro dia — Hawk acusou. — Como
você pretende fingir que está casado com ela, quando nem mesmo
conversam por cinco minutos?
— Talvez seja porque na primeira vez que me aproximei, ela quase
morreu — respondi em voz baixa.
Meu irmão ficou calado, estudando o meu rosto com cautela, havia
tantas coisas que eu queria dizer ao idiota que tinha me enfiado naquela
situação, mas desisti, porque eu já tinha ferido demais o homem que
compartilhou tudo comigo.
— Fenrir, seja sincero comigo — pediu, estudei o rosto dele
concordando com a cabeça. — Não pensou mesmo em deixá-la morrer?
— Quando Alissa chegou aqui, eu achei que viver esperando que ela
morresse seria um tormento, um fardo… — me interrompi, observando
minhas mãos sobre a mesa. — Mas quando eu a vi à beira da morte, eu quis
protegê-la, um instinto primitivo meu quis manter ela viva a todo custo. E,
eu teria feito qualquer acordo para mantê-la viva.
— Por que não tentou magia de cura? — Hawk perguntou calmo.
— Porque eu aprendi a curar feridas e remendar ossos quebrados,
não a curar um humano com alergia. Nunca pensei que precisaria de um
conhecimento assim, nem sei se existe magia de cura para isso.
Nós soltamos o ar simultaneamente, meu irmão se encostou mais na
cadeira, claramente aliviado com a minha resposta.
— Achei que ela fosse morrer nos meus braços e eu jamais me
perdoaria se isso acontecesse, porque falei como um estúpido arrogante,
que ela adorava morangos — soltei as palavras com ódio de mim mesmo.
— Eu entendo que foi assustador para vocês dois, mas manter ela
longe pode acabar sendo pior. Se não conhecê-la melhor, coisas assim
podem voltar a acontecer — Hawk alertou.
— Então você teve a brilhante ideia de me trancar naquele lugar com
ela — resmunguei.
— Funcionou, não foi? Você sabe mais sobre ela agora do que sabia
antes.
— Por sua causa perdi uma reunião importante — acusei.
— Relaxe, eu fui a reunião no seu lugar, expliquei que você não
estava se sentindo bem e fiz com que tudo funcionasse — explicou. — Isso
me lembra…
Hawk se calou vasculhando os bolsos da roupa que usava, então ele
tirou de lá um bilhete.
— O que é isso? — questionei.
— Não sei, uma garota me entregou na rua, disse que era para você.
Peguei o pedaço de papel e li o que estava escrito.
Fenrir,
Eu espero que não tenha se esquecido da festa em honra aos seus
pais que acontecerá na semana que vem, é um momento perfeito para
apresentar a sua esposa ao alto escalão.
— Gale Orlov — sussurrei o nome ao terminar de ler o bilhete.
O general dos deltas espiões nunca me mandava mensagens, a não
ser que fosse importante, fiquei curioso por estar me enviando para falar de
assuntos triviais.
— O que ele quer? — Hawk perguntou.
— Me lembrar da festa em honra aos nossos pais.
— Gale te mandou mensagem para lembrar de uma festa? — Hawk
perguntou, claramente em choque com o que eu dizia.
— Ele também diz que é a oportunidade perfeita para apresentar a
minha esposa — contei.
— Vamos ficar de olho nisso, e não deixar Alissa sozinha de maneira
alguma — meu irmão percebeu o que eu já estava planejando.
— Sim, vamos cuidar para que ela não fique sozinha. Peça para a
Sarah levá-la para comprar algumas roupas, é provável que muitos imbecis
nos convidem para reuniões e ela vai precisar de roupas.
— Tem certeza que é uma boa ideia? — Hawk perguntou. — Eu
acho que isso pode ser ruim para ela. Temos recebido muitos recados
anônimos sobre ela ser inapropriada.
— Eu percebi que Mia e Edgar tentaram provocá-la quando os
visitamos, podemos esperar esse tipo de comportamento de qualquer um —
avisei.
— Vamos cuidar de tudo que surgir — Hawk prometeu. — Vou pedir
a Sarah que leve a Alissa para comprar as roupas.
Concordei com a cabeça e meu irmão me deixou sozinho. Me enfiei
entre os documentos até que percebi que estava na hora do jantar, eu vinha
evitando a mesa nos últimos dias para ficar longe de Alissa, mas suspirei,
me levantando e caminhei para fora do escritório.
Assim que entrei na sala de jantar, vi que Hawk e Sarah estavam
contando a Alissa sobre o dia em que se conheceram, a humana sorria ao
ouvir a história e os três pareceram surpresos ao notarem a minha presença.
— Não precisam parar de falar porque cheguei — falei, ocupando
meu lugar à mesa.
— Então, eu tinha acabado de ver o Hawk e ele tinha mexido muito
comigo, aí depois eu vi o Fenrir beijando a… — Sarah se interrompeu
perdendo o humor e eu afastei a taça de vinho da boca.
— A Nina — completei, forçando um sorriso.
— Ela estava longe demais para saber quem era quem de fato, então
quando eu me aproximei dela outra vez, Sarah me deu um soco no rosto —
Hawk completou, fazendo Alissa encarar minha cunhada com um sorriso.
— Nina e eu corremos quando vimos Hawk caído no chão, e eu
estava prestes a esganar a Sarah quando meu irmão se levantou gaguejando
que éramos gêmeos — contei, arrancando uma risada de Alissa.
— Eu não me orgulho disso, se Hawk fosse um humano, teria ficado
com um olho roxo por vários dias — Sarah continuou com o humor
retornando.
— E vocês passaram quanto tempo juntos antes de casar? — Alissa
perguntou.
— Nosso noivado foi um pouco mais longo que o seu — Hawk
disse.
— Um mês — falei, levando minha cunhada a cobrir o rosto com as
mãos.
— O que eu podia fazer? Estava apaixonado — Hawk disse. — Além
disso, era óbvio que Sarah era minha parceira.
Alissa observou os dois quando Sarah segurou o rosto de Hawk,
depositando um beijo em seus lábios. A devoção que o meu irmão tinha
pela parceira era invejável.
Pigarreei quando os dois não se desgrudaram.
— Desculpe, temos algo para fazer, nos vemos depois — Hawk
disse, levantando-se da mesa e levando a esposa consigo
Alissa mal teve tempo de dizer tchau para Sarah. Quando meu irmão
e a esposa saíram da sala, a humana sorriu mais abertamente.
— Eles são muito apaixonados — comentou.
— São sim — concordei, espetei um pedaço de carne com o garfo.
— Às vezes, me sinto culpado por ter atrapalhado tanto os dois. Eles mal
tinham se casado quando tudo aconteceu e eu mergulhei nesse abismo que
Hawk sempre estava tentando me tirar.
— Eu acho que a Sarah não se incomoda com isso — Alissa
sussurrou.
— Meu irmão conseguiu uma parceira incrível — elogiei.
Nós ficamos em silêncio e eu ofereci mais vinho para a mulher.
— Não, eu já tomei uma taça, se tomar mais uma, posso ficar meio
descontrolada — explicou.
Esbocei um sorriso servindo mais vinho para ela, nós comemos
calados e percebi que Alissa parecia estar apenas bebericando o vinho.
— Me diga uma coisa sobre você que ninguém sabe — ela pediu,
quebrando o nosso silêncio.
— Assim do nada? — questionei confuso.
— Foi você que me deu mais vinho. Responda! — ela insistiu.
Soltei uma risada ao perceber que a mulher estava ficando bêbada
com tão pouca bebida.
— Tudo bem, você provavelmente não vai se lembrar disso amanhã
— acusei e Alissa jogou o guardanapo em mim. — Algo que ninguém sabe
sobre mim… Eu costumo ler o mesmo livro quando minha cabeça está uma
bagunça, já devo ter lido umas cinquenta vezes, mas sempre parece
interessante.
Alissa sorriu bebendo um pouco mais do vinho na taça.
— Agora é a sua vez, me diga algo sobre você que ninguém sabe —
pedi.
Ela suspirou, afastando o cabelo do rosto e o prendendo para cima.
— Tudo sobre mim que as pessoas não sabem é deprimente —
explicou irritada.
— Mas eu quero saber — retruquei.
— Na primeira vez que eu me vi gostando de um garoto na escola,
resolvi escrever uma carta para ele, nunca cheguei a entregar essa carta,
porque ouvi uma conversa dele com uns amigos dizendo que eu era bonita
para uma humana e que talvez valesse a pena foder comigo por diversão —
contou, com o rosto ficando triste. — O meu segredo é que guardei aquela
carta por muito tempo, para me lembrar do quanto o amor é uma
ingenuidade.
Capítulo 17
Fenrir
Pensar sobre como Alissa devia se sentir sozinha e indesejável no
mundo em que vivia, me deixava triste por alguma razão. E, eu me irritava
por saber que provavelmente havia pessoas que a tratavam como objeto,
onde quer que fosse.
— Tudo bem — falei, levantando da cadeira para ajudá-la a se
levantar. — Vamos para o quarto, você precisa dormir um pouco para sair
esse álcool do seu corpo.
Alissa soltou uma risada ao ouvir o que eu dizia, segurei-a pelos
braços ajudando a se levantar. A mulher não me afastou quando a segurei
pela cintura para levá-la para fora da sala de jantar.
— Qual a graça? — perguntei quando ela voltou a rir no caminho
para o quarto.
— Você está me levando para o quarto — ela disse rindo. — O
engraçado é que você tem tanto nojo de mim, que tirou os lençóis da cama
porque cochilei neles.
— Eu não tenho nojo de você, Alissa — respondi em voz baixa.
Ela afastou mechas soltas do rosto e me encarou, irritada.
— Você também disse que eu estava fedendo quando nos
conhecemos! — acusou.
— Nunca disse que você estava fedendo — lembrei, tentando não rir
da voz brava dela, conforme a mulher perdia o equilíbrio.
— Você disse! Me mandou nunca mais usar um perfume imaginário
— ela acusou, apontando o dedo para a lateral do meu rosto.
Soltei uma risada ao ouvi-la, Alissa resmungou um palavrão e tentou
se livrar de mim, mas eu a segurei com firmeza.
— Se eu te soltar, você vai cair — alertei.
— E você se importa? — questionou frustrada.
Abri a porta do quarto dela e a guiei para dentro, fechando a porta
atrás de nós. Ajudei-a a se deitar e a mulher chutou os sapatos que usava
para longe de si.
— Não quero que você se machuque — confessei, ciente de que ela
não se lembraria daquela conversa quando acordasse.
Alissa segurou a minha mão, observando nossos dedos entrelaçados.
— Nunca senti nojo de você, seu cheiro me deixou entorpecido e
revirou meu corpo quando nos conhecemos, por isso, pedi que não usasse
mais um perfume imaginário — confessei sorrindo.
Aproximei meu rosto do dela, Alissa me encarou com os olhos
arregalados, conforme eu aproximava o nariz do pescoço dela, aquele
cheiro característico de crisântemos me deixou completamente atordoado
por um instante.
— Eu não posso me deixar levar pelo que sinto, porque posso acabar
te machucando — murmurei as palavras com o receio tomando meu corpo.
— Fenrir… — ela sussurrou, segurando meu antebraço quando me
afastei. — Não volte a me ignorar. Eu não quero me sentir um estorvo.
Soltei o ar com força, percebendo o que tinha feito ela pensar de si
mesma com minha atitude. Acariciei o rosto dela com a mão livre.
— Você não é um estorvo. Se existe um fardo nesse lugar, eu sou
esse fardo — sussurrei, me inclinando para beijar a testa dela, antes de me
soltar de seu toque e sair do quarto dela, fechando a porta às minhas costas.
Deixei o quarto para trás e caminhei pela mansão, vagando com os
demônios que pareciam rir do meu tormento naquele instante.
Logo, eu estava diante daquela porta de memórias, com a mente
fervilhando entre a confusão, a tristeza e o medo do confronto. Me sentei no
parapeito da janela e observei a porta trancada.
Aquelas memórias me voltaram com força. As lembranças dolorosas
e sufocantes do dia em que ela morreu.
Nina me seguia apesar de eu ter dito que não o fizesse, eu podia
sentir a mulher em sua forma feral me seguindo.
O mundo ao nosso redor parecia tão perdido em gritos e terror, que
eu apenas queria chegar o quanto antes ao destino final.
Caçadores humanos tinham invadido nosso território pela primeira
vez em mais de um século e estavam atirando com prata em nosso povo.
Hawk corria junto a mim, nós avançamos até o grupo de caçadores, meu
irmão e eu éramos uma dupla de força da natureza, havia quinze inimigos,
quatro deles caíram assim que nós chegamos, com nossas garras e caninos
rasgando suas carnes.
Meu corpo estava se movendo, desviando das balas de prata que
atiravam contra mim, Hawk parecia tão incrível quanto eu em cada
movimento, meu coração estava acelerado, cada mordida arrancando
pedaços de carne e quebrando ossos.
Cada parte de mim pulsava, restavam apenas três inimigos, Hawk já
lutava com um deles, eu ataquei o segundo e Nina seguia para o último, até
que ouvi um disparo e um grunhido de dor.
Me virei em direção ao som e vi a loba caída aos pés do humano que
tinha uma arma em punho, Hawk avançou sobre ele, rasgando sua carne,
espalhando seus gritos pelo mundo.
Voltei a forma humana quando caí de joelhos, puxando a loba para
mim, aos poucos, Nina voltou a forma humana e seus olhos buscaram os
meus, a mão dela estava entre os seios nus, no qual, havia um buraco de
bala.
As veias escureceram sob sua pele, o olhar dela estava vidrado no
meu rosto e assim, ela se foi, com o brilho da vida deixando seus olhos.
Eu gritei, deixando aquela dor sair do meu corpo naquele grito.
Pisquei deixando que as lágrimas caíssem por meu rosto. Eu confiava
tanto nela, que isso havia me cegado, Nina podia ter a personalidade forte,
mas ainda era uma ômega, ela não tinha a nossa força.
— Eu sabia que te encontraria aqui — Hawk sussurrou, me fazendo
encará-lo.
Limpei as lágrimas do rosto e ele se aproximou mais, meu irmão
enfiou a mão no bolso do roupão que usava e tirou uma chave de dentro.
Ele a estendeu para mim.
— Por que agora? — questionei.
— Porque acho que você, finalmente, está pronto para dizer adeus —
ele sussurrou.
— Você superestima o poder dela sobre mim, Hawk — avisei,
pegando a chave da mão dele.
Enfiei o objeto metálico no bolso e observei a porta ainda trancada.
— Como foi a conversa com Alissa? — meu irmão perguntou.
— Ela ficou bêbada, então foi uma conversa engraçada — confessei.
Um sorriso puxou minha boca ao lembrar das palavras dela. Encarei
o rosto de Hawk, finalmente desviando o olhar da porta.
— Você quer me dizer o que conversou com ela? — ele perguntou.
— Nada que seja da sua conta — avisei.
Hawk se aproximou me segurando pelo braço.
— Me conte, por favor — pediu.
— Já basta você ter nos enganado para usar esses anéis, está tão
desesperado assim para me ver consumar meu casamento? — perguntei
com a voz rouca.
— Você sabe que sim — ele disse suspirando. — Nosso tempo está
escoando, esqueceu?
— Como poderia me esquecer, se você faz questão de lembrar isso a
cada cinco minutos?
— Só estou preocupado, assim como todos estão! — Hawk
sussurrou.
— Alissa é muito jovem, é humana e frágil, não confiaria em mim
mesmo para tentar algo com ela, nem em momentos comuns — admiti.
— E qual a diferença de agora? — questionou.
— Eu estou sem ninguém há muito tempo, suportando todos esses
anos sem contato com uma mulher. Além disso, prometi sobre o túmulo da
Nina que nunca me envolveria com outra mulher — confessei.
— Você sempre disse que promessas feitas aos mortos eram uma
imbecilidade, porque eles não estarão aqui para cobrar essas promessas.
Não encarei meu irmão gêmeo ao ouvir aquelas palavras.
— Eu sei que essa foi a minha posição, mas as pessoas mudam —
comentei.
— Sim, as pessoas mudam, mas você nunca foi de deixar as suas
obrigações de lado, especialmente quando sabe todas as implicações —
Hawk disse. — Pense nisso, Alissa não é uma pessoa ruim, ela é alguém
que precisa de amor e você também.
Hawk saiu andando, me deixando sozinho com os meus
pensamentos. Observei a chave que meu irmão tinha me entregado,
decidindo se deveria ou não abrir aquela porta.
Deixei o assunto de lado e voltei a caminhar para o meu novo quarto.
Capítulo 18
Fenrir
Antes de entrar no meu quarto, imaginei se não deveria abrir a porta
de Alissa para verificar como ela estava, abri a porta sem bater e vi que a
mulher continuava deitada, na posição em que eu tinha deixado.
Entrei no quarto, imaginando que ela podia estar com frio, já que não
estava coberta. Puxei o cobertor para cima dela e Alissa segurou meu pulso,
me encarando com a mesma confusão de antes.
— Por que você se esforça tanto para manter as pessoas longe? Não
se cansa de ficar sempre sozinho? — questionou com irritação na voz.
— Alissa, é melhor você dormir, antes que fale o que não deve —
avisei.
Ela se sentou, cruzando as pernas e deixando o cobertor de lado. Os
olhos dela me encaravam fixamente, me atraindo em direção aquela
tempestade.
— Eu estou cansada de ficar sozinha e nem faço isso por opção —
falou.
Alissa tentou segurar meu rosto e eu a segurei pelos pulsos, ela lutou
contra meu aperto por alguns segundos, antes de se render, soltando o ar
com força.
— Acho que fiquei louca no momento que atravessei a maldita
fronteira. Você me rejeita e me afasta, mas eu continuo insistindo em te
manter por perto — ela sussurrou.
Respirei fundo, não queria ver aquela garota chorando, por isso, eu
soltei palavras na língua antiga, entoando um feitiço que sempre usava em
soldados feridos.
Alissa despencou na cama e eu a arrumei no colchão, cobrindo seu
corpo com o lençol, ela provavelmente me odiaria se descobrisse que eu
estava enfeitiçando-a, porém aquela conversa estava tomando um rumo
perigoso.
Apaguei a luz do quarto dela e saí, caminhando em direção ao meu.
Depois de tomar um banho e me deitar, eu tive a primeira noite em
cinco anos sem um pesadelo.
Na manhã seguinte, me surpreendi ao ser despertado por batidas na
minha porta, encarei a janela e vi a luz do sol sob as cortinas. Peguei o
celular na mesa de cabeceira e vi que passava das oito.
O cheiro do outro lado da porta era familiar, doce e inconfundível.
Resolvi pregar uma peça em Alissa, para deixá-la nervosa com a bebedeira
do dia anterior.
— Entre — pedi, alto o suficiente para que ela ouvisse através da
porta.
A porta foi aberta e Alissa entrou no quarto, fechando-a, antes de se
virar para mim.
— Sr. Magi, eu só queria… — ela se calou ao erguer os olhos.
Meu tronco estava despido, uma das minhas pernas fora da cama e o
lençol cobria o meu pau, Alissa ficou imediatamente nervosa com a visão,
as batidas do coração dela aceleraram.
— O que você quer? — perguntei, estudando o rosto dela com calma.
— Eu… — ela desviou os olhos de mim, engolindo seco.
— Você…? — sussurrei, me movendo na cama, percebi que ela
encarou os pés, tentando não me observar.
As bochechas da humana ficaram vermelhas e eu me senti ainda mais
divertido com a situação. O castigo era bem-feito por tudo que tinha me
dito na noite anterior.
Peguei a calça de moletom que sempre deixava na gaveta da mesa de
cabeceira e Alissa se virou quando eu me levantei. Vesti a calça,
sussurrando um feitiço para a chave na porta, antes que Alissa fugisse do
quarto.
— Então, Alissa, o que quer? — perguntei arrumando a calça.
Me aproximei dela, que tentou abrir a porta sem sucesso.
— Qual o problema das malditas portas desse inferno? — ela
praguejou.
— Eu estava me vestindo, tranquei a porta, afinal, meu irmão e
minha cunhada podem aparecer aqui — falei com um tom de voz baixo.
Alissa se virou, erguendo o queixo para demonstrar uma coragem
que não estava em seu cheiro.
— Só queria me desculpar por ontem à noite — comentou. — Eu te
disse que não bebia, aliás, o que aconteceu?
Me aproximei mais, deixando a minha linda esposa nervosa entre
mim e a porta trancada do quarto. Os olhos de Alissa percorreram meu
tronco despido e sua respiração acelerou.
— Você não lembra? — questionei inocente.
A mulher ergueu os olhos para me encarar, completamente assustada.
— O que eu fiz? — ela perguntou, levando as mãos ao rosto.
Esbocei um sorriso, dando um passo atrás para me afastar daquele
cheiro doce da pele dela antes que o meu jogo virasse contra mim.
— Você não fez nada, só ficou um pouco tagarela — contei,
cruzando os braços sobre o peito.
— Está falando sério? — perguntou aliviada.
— Sim — respondi.
Alissa suspirou, se encostando na porta, eu sorri de canto, a diversão
de vê-la naquele estado se tornando cada vez maior.
— Eu pensei que tinha feito algo que me levaria a pular da sua janela
— comentou.
Soltei uma risada baixa, eu não tinha ideia de quanto tempo fazia
desde que ri pela última vez, Alissa ficou imóvel ao ouvir aquele som baixo
e mínimo.
— Está tudo bem, Alissa, eu te coloquei para dormir antes de você se
comprometer demais — avisei.
— Ok — ela falou aliviada. — Eu vou tomar banho e me trocar para
o café da manhã.
Alissa destrancou a porta e saiu do quarto.
Eu devia estar ficando maluco, talvez fosse a seca que estivesse
finalmente fazendo o monstro dentro de mim comer meus neurônios.
Aproveitei para me arrumar para o dia e saí do quarto. Caminhei pela
casa silenciosa com calma, sem sentir que haviam demônios e fantasmas
me acompanhando.
Quando cheguei na sala de jantar, Hawk e Sarah estavam a sós, meu
irmão me encarou confuso.
— Onde está a Alissa? — perguntei me sentando.
— Ainda não chegou aqui — Sarah disse.
— Um passarinho me contou que você passou no quarto dela ontem
a noite — Hawk falou, Sarah pareceu surpresa ao ouvir aquilo.
— Alissa bebeu um pouco demais ontem e eu passei para ver se ela
estava bem — expliquei, antes que tirassem conclusões precipitadas.
Os dois ficaram quietos me encarando como se um chifre fosse
brotar na minha testa, me servi de comida.
— Você parece bem hoje — Sarah comentou, me fazendo estudá-la.
Concordei com a cabeça.
— Estou me sentindo bem — confessei.
— Alissa tem alguma coisa a ver com isso? — Hawk perguntou.
— Não comece — pedi, começando a comer para acabar com o
assunto.
— Bom dia! — Alissa falou entrando na sala.
Nós a cumprimentamos e a mulher passou atrás de mim para se
sentar ao meu lado. Ela estudou o meu rosto, forçando um sorriso, então
ofereci um suco.
— Sim, por favor — sussurrou.
— Alissa, eu soube que você ficou bêbada ontem, não pulou em cima
do seu marido? — Hawk perguntou.
Alissa olhou em volta parecendo procurar onde enfiar a cabeça, e eu
observei Hawk imaginando mil formas de arrancar a língua dele.
— Perdeu o que te resta de noção? — questionei irritado.
— Ah, para! Vocês dois estão exalando tensão sexual, consigo sentir
os feromônios do meu lado da mansão — Hawk falou, encarei meu irmão
com os olhos do alfa, mas o idiota me ignorou. — Estou pensando em como
seus filhos serão lindos…
— Sarah, você pode levar a Alissa para comprar aquelas roupas, eu
preciso ter uma conversa com o meu irmão — avisei.
— Sim, alfa, vamos Alissa, nós comemos na rua — minha cunhada
sugeriu, fugindo da sala com a minha esposa ao seu lado.
Esperei que as duas estivessem longe para que Sarah não ouvisse
minha conversa com Hawk.
Capítulo 19
Fenrir
— Acho que eu devo ter atirado as pedras sagradas do templo lunar
do passado, nas profundezas do oceano, é a única explicação para me
castigarem com um irmão como você — falei com a voz rouca pelo tom da
minha fera.
— Fenrir, eu só estava brincando — Hawk disse.
— Não, você viu uma brecha porque comecei a conhecê-la apenas
por necessidade e começou a jogar suas indiretas venenosas na nossa cara
— respondi irado. — Acha engraçado o que estamos fazendo?
— Fenrir, é sério, eu só estava brincando. Não tinha nada a ver com o
castigo da deusa do outono — ele declarou.
— Você e eu sabemos que tinha tudo a ver — acusei, me levantando
da cadeira e saindo da sala de jantar.
Hawk me seguiu de perto, eu conseguia sentir a confusão de
emoções que ele exalava, cada movimento do corpo dele ficando tenso
naquela caminhada.
— Eu não menti quando disse que vocês estão exalando feromônios
— ele esclareceu, convencido do que dizia. — Até a Sarah percebeu.
— Não vou discutir isso com você, Hawk.
— E vai discutir com quem? Não estou vendo uma lista enorme de
amigos seus por aqui — ele lembrou ainda atrás de mim. — Você está
atraído pela Alissa e ela também está. Então por que ainda está fugindo
disso?
— Você não podia me dar um dia? Uma maldita folga dos seus
sermões? — questionei, me virando para encará-lo.
Hawk ficou quieto, me encarando como se tentasse passar alguma
mensagem silenciosa, iguais às que trocávamos na infância, mas eu estava
longe de ter paciência para isso.
— Eu estava de tão bom-humor, não tive pesadelos pela primeira vez
em anos, consegui dormir uma maldita noite em paz e você resolve me
infernizar — sussurrei.
Ele soltou o ar me encarando com derrota.
— Me desculpe, o momento foi ruim, eu devia ter pensado melhor
sobre isso.
— Nem me fale — resmunguei voltando a caminhar em direção ao
escritório.
O dia se arrastou, eu evitei sair daquele lugar até mesmo para o
almoço, porque estava evitando olhar para a cara do meu irmão.
Me levantei da cadeira no fim da tarde e segui para a janela que dava
para o jardim, avistei uma mulher usando um vestido florido que andava
pelo jardim. Alissa estava com o cabelo solto e ele sacudia com o vento.
Abri a janela, estava no segundo andar, então aquela queda não me
mataria, saltei para fora e me apoiei nos pés para caminhar até ela. A mulher
subia em um banco para alcançar uma maçã vermelha que estava na árvore.
Me aproximei dela por trás, pegando a fruta antes que ela a
alcançasse. Alissa se desequilibrou e eu a segurei antes que caísse.
— Eu quase quebrei o pescoço — praguejou virando o rosto para me
encarar.
— Quem sobe em um banco usando um vestido desse? —
questionei, ajudando-a a descer.
Estendi a fruta para ela, que a segurou com uma das mãos.
— Maçãs — sussurrei, me lembrando que eram as favoritas dela.
— Maçãs — ela respondeu sorrindo.
Alissa se sentou no banco e me sentei ao seu lado, o vestido dela era
aberto nas laterais, as fendas começavam nas coxas dela e deixavam as
pernas expostas. Ela estava sem sapatos naquele dia. Observei o decote do
vestido que deixava parte dos seios dela à mostra, meus olhos subiram por
seu pescoço liso e sua boca rosada, antes de finalmente chegarem aos seus
olhos e perceber que ela me estudava.
— Como foram as compras com a Sarah? — perguntei, pigarreando
para afastar o embargo na voz.
— Foi como sair para fazer compras com a minha mãe — ela
confessou sorrindo. — Você deve ter reparado que Grace Blackfang está
sempre deslumbrante.
— Sim, a beleza dela sempre foi muito elogiada — comentei, Alissa
girou a maçã entre as mãos observando a fruta.
— Ela me fez escolher algumas coisas, palavras dela: entre o social e
o sensual. Algo que pudesse deixar outros homens com inveja do que só
você poderia ter.
Afastei o olhar da mulher e encarei o jardim, a grama estava bem
aparada, as macieiras carregadas de frutas, as flores tinham borboletas e
abelhas percorrendo-as. Tentei focar minha atenção ali por algum tempo,
para clarear meus pensamentos.
— Eu lamento que meu irmão e ela fiquem fazendo esse tipo de
piada — sussurrei.
— Não me importo com isso — garantiu, consegui ver quando Alissa
mordeu a maçã e voltei a encará-la.
— Você não deveria lavar isso antes de comer? — perguntei
preocupado.
— As frutas têm gosto melhor quando colhidas na hora — ela disse.
— Quer provar?
Me ofereceu a maçã mordida, peguei a fruta e a mordi, o sabor doce
era muito evidente, mas ainda havia um toque azedo no final. E, mesmo que
eu não fosse fã de gostos azedos, ainda achava a fruta saborosa.
— Sarah me disse que teremos uma festa em alguns dias — falou
encarando meu rosto.
Devolvi a maçã para ela.
— Sim, eu não chamaria de festa, mas é comum que nós façamos
uma reunião para homenagearmos os antigos alfas — explicou. — Para
muitos é uma festa, já que temos muita comida, música e bebidas, mas para
Hawk e eu, não é uma data a ser celebrada.
— Mas é um evento importante — Alissa sussurrou, ainda
observando a maçã parcialmente comida.
— Sim, querem que eu te apresente nesse dia — expliquei.
Ela engoliu seco me encarando.
— Não sei se isso é uma boa ideia — confessou o medo.
— Não precisa se preocupar, você viveu entre lobos, sabe como esses
eventos funcionam — lembrei.
— Sim, mas só participei de dois ou três — explicou, Alissa afastou
o cabelo do rosto com a mão trêmula.
— Só fique perto de mim, não saia por nada e você ficará bem —
garanti.
Ela soltou o ar com força, desviando o olhar do meu rosto.
— Às vezes, imagino que minha vida seria mais fácil se tivesse
casado com qualquer outro nesse lugar — ela disse em voz baixa.
Algo me corroeu ao ouvir aquelas palavras, um sentimento arisco e
protetor que não compreendi. Alissa me encarou, com os olhos perdidos.
— Não estaria tão em evidência quanto estou aqui — ela falou.
— E, nem estaria condenada a uma vida sem amor — soltei as
palavras como uma acusação.
A mulher não respondeu, apenas voltou a morder a maçã, e eu quis
jogar a fruta longe por estar tendo mais atenção do que eu naquele instante.
— Eu não estou preocupada com isso, Sr. Magi. Nunca tive
esperanças de viver um amor — explicou.
— Fenrir — falei, ela me observou com cautela. — Não precisa ser
tão formal comigo.
Ela concordou com a cabeça. Eu queria dizer a Alissa que ela era sim
digna de ser amada, mas as palavras para dizer algo assim, simplesmente
pareciam perdidas dentro de mim. Então apenas fiz companhia para ela, até
que o tempo começou a esfriar e eu a obriguei a entrar na casa para calçar
sapatos.
Capítulo 20
Fenrir
A mansão tinha sido preparada para a festa, o salão vazio dos nossos
eventos estava sendo decorado, mas eu estava enfiado no quarto, me
preparando para aquele evento.
Me observei no espelho do quarto, não conseguia lembrar quando
meu corpo pareceu tão saudável, nem quando me vesti tão bem para um
evento. Por mais que eu não pudesse admitir, a presença de Alissa em
minha casa tinha mexido comigo.
Aquela humana de alguma forma conseguiu me arrancar das raízes
do meu sofrimento, e isso me confundia, porque eu não convivia com ela há
muito tempo e podia contar nos dedos quantas conversas reais tivemos.
A questão é que desde o princípio, Alissa havia mexido comigo. Saí
do quarto e dei de cara com a minha esposa. A humana usava um vestido
preto justo, com um decote profundo que deixava muito dos seus seios à
mostra, não havia alças no vestido dela, uma fenda na perna esquerda
mantinha toda a extensão de sua perna exposta.
O cabelo dela estava arrumado em um penteado elegante para cima,
havia um diadema em seus cabelos, com diversas folhas de outono
esculpidas no metal dourado. Os lábios de Alissa estavam cobertos por um
batom vermelho que combinava com os saltos que ela usava, e a
maquiagem escura ao redor de seus olhos, destacava a cor deles.
O meu corpo ficou tenso ao vê-la daquele jeito, meu pau estava
dolorido na calça e eu perdi a capacidade de raciocinar por um instante.
— Sarah me ajudou, ela que escolheu o vestido — Alissa disse
rouca, como um cumprimento, ela encarou a si mesma e abraçou o próprio
corpo. — Esse tipo de roupa não combina comigo.
Ela sorriu envergonhada, esperando que eu confirmasse o que dizia,
mas eu estava ocupado demais imaginando como manter os olhos dos
outros longe dela, para conseguir raciocinar o suficiente para dar uma
resposta coerente.
— Você está linda — sussurrei.
Alissa me observou, havia tanta maquiagem nela, que eu não
conseguiria dizer se ela havia corado ao ouvir minhas palavras, mas pelo
ritmo do seu coração, eu não precisava ver para ter certeza.
Estendi o braço para ela e Alissa envolveu o meu braço com receio.
— Não saia de perto de mim — lembrei, conforme seguíamos por
aquela parte da mansão.
— Não vou sair — ela respondeu em voz baixa.
O medo na voz de Alissa era evidente, eu não sabia como
funcionavam as festas da Presas Pretas, mas sabia que ela não frequentou
muitas delas, o que já a deixava completamente alheia ao que aconteceria
naquele salão.
— Espere um pouco — Alissa pediu parando de andar.
— O que foi? — questionei ao ver que ela levou a mão livre à
barriga.
— Está ruim para respirar — respondeu.
— Esse vestido é tão apertado, que não sei como seus pulmões não
foram esmagados — resmunguei, a mulher sorriu ao ouvir aquelas palavras.
— Não é isso, só estou ansiosa — explicou.
Esperei imóvel ao seu lado enquanto ela respirava pausadamente,
meus olhos ainda estudavam o rosto dela, eu não tinha muito conhecimento
sobre humanos para ajudá-la, o que me fazia sentir impotente ali.
— Ninguém vai te machucar ou ofender enquanto estiver comigo —
avisei. — Confie em mim.
Ela me observou, claramente preocupada com aquele plano.
— Eu quero que você aja de acordo com o que eu sugerir essa noite,
ninguém vai tentar te machucar, e não quero que te ofendam, então faça o
que eu disser — sugeri.
— Ok — Alissa respondeu, ainda sustentando meu olhar. — Vou
confiar em você.
Concordei com a cabeça e nós voltamos a caminhar, eu abri as portas
que davam para o salão e nós caminhamos lado a lado. Reparei que Alissa
ergueu mais a cabeça, mantendo uma postura firme, cada olhar no salão se
virou para nos observar, meu corpo ficou tenso sob tantos olhares, mas meu
coração permaneceu tranquilo. Os anos de experiência em me conter
ajudavam, mas apesar da postura firme, Alissa tinha o coração batendo tão
rápido que ecoava no ambiente.
Qualquer um ali podia ouvir o nervosismo dela e perceber que a
postura orgulhosa era uma farsa.
Nós caminhamos até o canto oposto à entrada, onde um trono me
aguardava. Encarei a minha esposa, os olhos dela vieram para o meu rosto e
concordei com a cabeça numa instrução silenciosa.
Quando ocupei o assento destinado a mim, puxei Alissa para mim,
sentando-a na minha coxa direita, de uma forma que pudesse manter a
perna exposta dela, escondida daqueles olhares curiosos.
— Esta, senhoras e senhores, é Alissa Magi, filha mais velha dos
alfas da Presas Pretas e minha esposa — falei, sem tirar os olhos da mulher
em meu colo.
Burburinhos começaram a soar por todo o salão, mas minha atenção
continuava na mulher, Alissa estava com as mãos no colo, para evitar me
tocar. Apoiei minha mão na coxa dela, mantendo a outra mão ao redor, com
meus dedos tocando seu quadril.
— Meu senhor, soube que a sua esposa era humana, mas não
imaginei que fosse uma filha imprópria de lobos — disse uma mulher que
eu conhecia bem.
Yasmin Hadwolf, uma das antigas candidatas a minha esposa.
— Não use esse termo aqui, Srta. Hadwolf — avisei em um rosnado.
— Me desculpe, meu senhor, não tive a intenção de insultar a sua
Luna — o desprezo no tom dela ficou evidente.
Me movi arisco, pronto para afastar Alissa do meu colo e segurar a
outra mulher numa ameaça, mas a mão da humana segurou a minha em um
aviso silencioso.
— Acha que me insulta ao falar de filha imprópria? — Alissa
perguntou, com diversão na voz. — Já ouvi ofensas piores que essa, Yasmin
.
O braço de Alissa rodeou meus ombros, e meus olhos percorreram
seu tronco, o decote que expunha demais até o rosto.
— Eu me casei com ele, porque foi a decisão de dois alfas, acha que
seus insultos estão acima disso? — Alissa continuou, com a voz firme e os
olhos sobre mim.
— Sua va… — um rosto familiar surgiu perto de nós, impedindo
Yasmin de começar algo que podia custar sua vida.
— Eu poderia tirar a minha cunhada para uma dança? — Hawk pediu
com um sorriso no rosto.
Alissa me estudou e eu concordei com a cabeça, com o meu irmão,
era quase como se Alissa estivesse comigo, ninguém tentaria atacá-la, e eu
ainda poderia ficar de olho nela de onde estava.
A humana ficou de pé e caminhou até o meu irmão, Hawk segurou a
mão dela e os dois começaram uma dança lenta. Encarei Yasmin com uma
raiva me corroendo por dentro.
— Saia da minha casa — ordenei.
— Mas, senhor…
— Me faça repetir e eu enviarei sua cabeça aos seus pais em uma
caixa — alertei, com os olhos dourados encarando a loba, enfatizando
aquela ameaça.
Assim que Yasmin partiu, voltei a observar o meu irmão e a minha
esposa que dançavam juntos, Hawk sempre tinha sido melhor naquele tipo
de situação que eu, ele sabia como atrair a atenção da maneira correta e
conseguia entreter qualquer plateia.
Sarah estava por perto e sorria para o marido sempre que seus olhos
se cruzavam. Ao finalizarem a dança, o meu irmão curvou a cabeça em uma
reverência à humana. Um sinal sutil, mas claro da posição de Alissa entre
nós.
Edgar se aproximou deles em seguida, oferecendo a mão para Alissa,
Hawk entregou a mão dela ao nosso parente distante e eu apertei a madeira
da cadeira com força.
Não tinha certeza se era uma boa ideia permitir que aquele
desgraçado tirasse a humana para dançar, mas me contive, enquanto a mão
do meu primo segurava Alissa pelas costas e ele envolvia sua mão.
Aqueles dedos inúteis do filho da puta estavam na lombar dela, seus
olhos encaravam a humana como se ela fosse sua presa, o que apenas me
corroeu por dentro.
— O que você está fazendo? — ouvi a voz de Hawk ao meu lado e o
estudei.
— Você não devia ter deixado ela com ele — sussurrei.
— Edgar não seria tolo de causar problemas aqui, diante de todos —
Hawk respondeu, parecendo confiante nisso.
Às vezes, eu tinha a sensação que meu irmão e eu vivíamos em
mundos completamente distintos. Onde eu tinha sido jogado em um ninho
de cobras e ele dividia a vida com coalas.
— Um dia você vai acabar morrendo envenenado — resmunguei e
Hawk me olhou confuso.
A festa prosseguiu, homenagens aos nossos pais foram feitas, Alissa
conversava com Sarah, sempre perto dos meus olhos atentos e eu observava
a humana o tempo todo. Hawk e eu bebíamos juntos, com meu irmão de pé
ao lado do meu assento. Ele só se distanciava quando ia dançar com a
esposa e nesses momentos eu redobrava a atenção sobre Alissa.
Em vários momentos da festa, ela acabava voltando para o meu colo.
Aquela proximidade acabava comigo, com qualquer resquício de controle
que me restava sobre mim.
— Fenrir — Alissa me chamou, atraindo meus olhos para si. — Eu
estou cansada, quanto tempo mais essa festa vai durar?
— Geralmente dura até o amanhecer, quer sair daqui primeiro? Te
acompanho até o seu quarto — sugeri.
— Não, você não deveria sair da sua festa — ela disse. — Posso ir
para o quarto sozinha.
Ela ficou de pé, mas minhas mãos não deixaram seu corpo, me ergui
junto com a mulher. Meu braço rodeou os ombros dela e recebi um olhar
confuso em resposta.
Capítulo 21
Alissa
Estava caminhando para o meu quarto, ao lado do alfa que ainda me
escoltava. Meus pés estavam doloridos por causa do tempo em equilíbrio
nos saltos, mas eu não reclamei.
Cada passo para longe daquela festa me deixava mais aliviada, eu
tinha ouvido insultos a noite inteira e, me perguntava que tipo de situação
era aquela em que tinha sido enfiada.
— Você está bem? — Fenrir perguntou depois de um instante de
silêncio, quando já não havia sons por perto além dos nossos passos.
— Estou, não houve nada de novo naquele lugar — sussurrei.
— Sobre Yasmin ter te chamado de filha imprópria — ele disse,
soltei uma risada cansada.
— Acha que nunca ouvi isso antes? — perguntei, sem que a irritação
na minha voz tivesse a ver com ele. — Eu ouço isso desde que era criança,
é assim que qualquer lobo se refere a pessoas como eu.
— Era exatamente por isso que eu não queria te expor — Fenrir
confessou, abrindo a porta do meu quarto.
— Não tem como evitar, Fenrir, mesmo que nós dois estejamos
mantendo tudo apenas na formalidade da coisa, ainda estamos casados,
você não vai conseguir evitar me arrastar junto em ocasiões como essa —
lembrei.
— O que Edgar falou com você? — questionou.
— Ele me disse que eu estava presa entre as garras de diversos
monstros, e um movimento em falso me mataria. Falou que nem todas as
palavras gentis que me eram oferecidas representavam amizades sinceras.
Fenrir soltou um suspiro.
— Ele está certo quanto a isso — confessou.
— Eu sou uma humana que cresceu em meio a lobos, Fenrir, sei bem
como tudo funciona, não se preocupe tanto.
— Você não é só uma humana, Alissa.
O braço dele saiu dos meus ombros e um vento frio passou por nós,
fechando a porta, talvez com alguma magia que ele usou.
— Só existe uma maneira de transformar em lobo uma pessoa que
nasce como eu — sussurrei, mesmo sabendo que o alfa provavelmente
conhecia essa maneira.
— A mordida de um parceiro — Fenrir completou rouco.
— E, como estou casada com você, nem mesmo um parceiro poderia
me marcar, porque você é um alfa — concluí, me sentando na beira da
cama.
Fenrir se aproximou, se sentando ao meu lado, ele segurou a minha
mão com a dele e me senti inquieta, acabei cruzando as pernas. Os olhos
dele acompanharam o movimento. Eu tinha sufocado silenciosamente a
noite inteira por ficar sentada no colo dele, porém não podia expressar tudo
que sentia.
— Eu admiro a sua força, Alissa — Fenrir declarou em voz baixa. —
Acho que não teria suportado uma vida como a sua.
— Você suportou dores diferentes das minhas, mas não significa que
seus fardos foram leves — respondi em voz baixa. — Posso te perguntar
como ela era?
Fenrir me observou, eu não tinha ideia de quantas feridas poderia
abrir apenas com aquela pergunta simples, mas ele sorriu de canto, a tristeza
envolvendo cada traço de suas feições.
— Ela era alegria — ele respondeu, me deixando confusa com a
resposta. — Nina era sempre divertida, intensa e cheia de alegria,
contagiava todos ao redor e nada parecia realmente afastá-la do seu bomhumor.
— Parece uma ótima pessoa — confessei, Fenrir confirmou com a
cabeça me observando.
— Ela morreu nos meus braços — contou, com a voz baixa,
embargada pela tristeza.
— Sinto muito — sussurrei, apavorada por ter entrado em um
assunto como aquele. — Eu não queria…
— Não há ferida para reabrir, Alissa, isso ainda está sangrando —
Fenrir declarou em voz baixa.
Envolvi os ombros dele com os braços e o puxei para um abraço, o
alfa demorou um instante para me retribuir aquele abraço, mas meu corpo
não relaxou ao estar tão próxima dele.
Quando os braços dele me envolveram, meu corpo aqueceu
instantaneamente, com todas as lembranças daquela noite. De como ele me
segurava firme enquanto eu estava em seu colo.
Tentei me afastar, porém as mãos dele me seguraram com firmeza.
— Espere um pouco — ele sussurrou, os lábios dele estavam
próximos ao meu pescoço, a respiração quente contra minha pele, causando
arrepios em meu corpo.
Meu coração voltou a acelerar, cada parte de mim parecia ausente do
meu controle, estar nos braços do homem que jurou que seríamos casados
apenas nos documentos era fácil, mas lutar contra a atração que sentia por
ele, estava começando a se tornar uma batalha perdida.
Fenrir se afastou de mim, com os olhos dourados estudando meu
rosto e caninos expostos entre seus lábios abertos. Prendi a respiração
instintivamente. Eu não me lembrava de muitas coisas da noite que fiquei
bêbada com ele, contudo, uma memória piscou em meus pensamentos. As
palavras dele sobre o que o meu cheiro fazia com ele.
— Eu preciso ir — Fenrir declarou ficando de pé.
Concordei com a cabeça, meu corpo ficou ainda mais preso aquela
atração quando percebi o volume na calça dele. Desviei os olhos para seu
rosto e percebi que Fenrir ainda me estudava com aqueles olhos bestiais.
— Boa noite! — sussurrei.
— Tranque a porta quando eu sair — ele instruiu. — Você atraiu
bastante atenção hoje.
Os olhos dele me percorreram e senti o meu rosto queimar. Fiquei de
pé para acompanhá-lo em direção a porta, e antes de Fenrir a abrir, ele se
virou para me olhar uma última vez.
— O que foi? — perguntei cautelosa.
— Você não faz ideia do quanto eu preciso me esforçar nos últimos
tempos — ele disse.
A confusão em meus pensamentos não foi desfeita, porque Fenrir
saiu do quarto me deixando sozinha com o caos que deixou para trás.
Tranquei a porta assim que ele saiu, imaginando que se alguém
quisesse invadir o quarto, não precisaria de muito esforço, já que os lobos
feiticeiros conseguiam mover trancas de portas com seus talentos.
Depois de me livrar do vestido apertado e tirar aquela maquiagem
carregada, tomei um banho lento, sentindo cada parte de mim relaxando sob
a água quente.
Minha pele ainda parecia ciente de cada toque dos dedos de Fenrir
nela, engoli seco ao pensar sobre isso, eu precisava me afastar de sensações
como aquela. Desejar um alfa seria a minha ruína, eu sempre soube disso,
mas as coisas pioravam quando ele era um marido que não me queria por
perto e estava começando a me aceitar como parte daquela vida.
Imaginei que para Fenrir, eu era pouco mais que um bicho de
estimação, que ele precisava alimentar, vestir e oferecer algum afeto
público para manter as aparências. Fechei os olhos para afastar aqueles
pensamentos perturbadores e enrolei meu corpo no roupão.
Vesti uma das camisolas que Sarah tinha comprado e me preparei
para dormir. Quando já estava sob as cobertas, meu corpo pareceu relaxado
demais.
Quase como se eu estivesse entorpecida por algo. Encarei a porta do
quarto, tentando ter certeza de que ainda estava fechada.
Me perguntei se Fenrir tinha me enfeitiçado outra vez, para que eu
não saísse do quarto quando tantas pessoas podiam estar esperando uma
oportunidade de me prejudicar, mas eu não me sentia tranquila com aquela
sensação, como havia me sentido na vez anterior.
Alguma coisa estava errada com aquele momento de torpor. Mordi o
interior da bochecha, espalhando meu sangue na boca, tentando ficar atenta
com aquela dor.
Rolei para fora da cama, caindo no chão do quarto com um baque,
meus cotovelos latejaram ao acertarem o chão com força.
— Por favor, acorde — supliquei a mim mesma.
Sacudi a cabeça para afastar qualquer indício de confusão na mente.
Minha visão estava embaçada e eu respirei ofegante, com meu coração
acelerando no peito.
Senti uma mão me segurando pela barriga, meu corpo parecia pesado
demais para que eu me movesse, o ar não parecia me preencher
completamente.
— Pare de lutar — exigiu uma voz masculina que eu não conhecia.
Meu corpo foi erguido do chão e atirado de volta na cama, me
arrastei, tentando fugir de quem estava de pé perto dos meus pés.
Engoli o pavor, me concentrei no que era real, feitiços de sono não
atingiam nossos pensamentos diretamente, era como se algo fosse inserido
no corpo do alvo. Eu não tinha bebido nada na festa que pudesse ter sido
enfeitiçado, então só havia uma explicação.
Prendi a respiração, o homem me puxou pelos pés, meu coração
acelerou, eu sabia o que estava acontecendo, mesmo que não tivesse a
menor ideia do motivo para aquilo.
Minha visão começou a clarear, ele usava uma máscara no rosto, suas
roupas eram escuras e o estranho abriu o cinto que usava sem pressa. Como
se não temesse a chegada de alguém, ou minha reação.
Ele se aproximou, eu reagi sem pensar, acertei o joelho em seu saco
com toda força e o homem cambaleou, peguei o abajur pesado na cabeceira
da mesa e o estourei na cabeça dele. O homem rosnou, imaginei que estava
prestes a lidar com um lobo transformado, encarei a porta que estava
trancada e não havia indícios de chave, então corri para o banheiro,
fechando a porta pesada atrás de mim e trancando-a.
Eu tirei a chave da fechadura e me apoiei contra a porta, respirei
ofegante por ter prendido a respiração por tanto tempo, então gritei o mais
alto possível:
— ALGUÉM ME AJUDE!
Os meus gritos se tornavam mais altos, ecoando nas paredes do
banheiro, não havia nada ali que pudesse usar como arma, nada que eu
pudesse fazer para me impedir de ser estraçalhada por um lobisomem,
portanto, continuei gritando, mesmo que minha garganta doesse.
Um estrondo fez com que a porta atrás de mim tremesse, fechei os
olhos imaginando meu fim, porém ouvi rosnados e grunhidos, o som de
vidro se quebrando e vozes preenchendo o quarto.
Respirei ofegante, um momento depois a porta do banheiro começou
a ser forçada.
— Alissa? — uma voz conhecida me chamou, instintivamente, eu
sabia que Fenrir estava ali, não o irmão dele.
Com as mãos trêmulas, voltei a colocar a chave na fechadura e
destranquei a porta do banheiro, meu coração ainda estava acelerado no
peito quando saí do cômodo e abracei o alfa, que estava com a camisa em
frangalhos e ferimentos em cicatrização no peito.
Meu corpo tremeu com mais intensidade, o alívio me percorrendo
por inteiro. Fenrir me segurou contra si sem dizer uma palavra.
— Vamos caçá-lo agora mesmo — Hawk avisou, só então percebi
que não estávamos a sós, mas o alfa não me afastou de si, um vento frio
entrava pela janela quebrada.
— Não deixem que escape, temos que saber quem ordenou isso —
Fenrir avisou.
Hawk saiu do quarto e eu teria caído, porque minhas pernas não
pareciam ter força suficiente para me sustentar, mas os braços de Fenrir me
impediram de cair.
Capítulo 22
Alissa
Minha mente ainda parecia confusa com as lembranças do que
aconteceu na noite anterior, eu estava sentada em uma poltrona, abraçando
meu corpo, enquanto Fenrir me observava, ainda esperando que eu falasse,
que desse alguma informação do meu agressor, mas minha voz parecia
perdida.
— Alissa? — sussurrou, me chamando pela primeira vez desde que
ele me enrolou naquele lençol e me sentou naquela poltrona.
Encarei o rosto dele com a mente clareando pela primeira vez, desde
a noite anterior.
— Eu estou bem — respondi em voz baixa, rouca por causa dos
meus gritos de socorro.
— Eu sei que ele não cumpriu o objetivo, já que você ainda cheira
exatamente como antes — Fenrir sussurrou. — Só estou preocupado com
como está se sentindo. Você está sentada aí sem dizer nada há horas.
Soltei um suspiro e arrumei o cabelo atrás das orelhas.
— Estou bem — respondi com mais firmeza. — O que precisa
saber?
Fenrir me observou com cautela, a preocupação parecia estar
enraizada nele. Baixei as pernas, tentando demonstrar que estava mais
calma.
— Quem tocou em você? — questionou em voz baixa, a ameaça
embebendo cada palavra.
— Eu não sei — confessei.
— Do que se lembra?
— Depois que você saiu, eu tranquei a porta do quarto, tomei banho
e me vesti para dormir. Quando deitei, senti uma sonolência intensa,
cheguei a pensar que você tinha me enfeitiçado.
A postura de Fenrir se tornou rígida, ele estava sentado na mesa de
centro na minha frente, encarando meu rosto com aquele olhar de predador,
mas eu não tinha medo dele, porque sabia que a raiva que via ali não era
para mim.
— Quando você me enfeitiçou, estranhamente, lembro de me sentir
em paz para dormir, mas dessa vez me senti sufocada, como se algo
estivesse errado… — a sensação daquela sonolência voltou a me
atormentar e me calei.
— Continue — Fenrir pediu, com tanta gentileza na voz que eu
quase não o reconhecia.
— Mordi a minha bochecha para a dor me manter desperta, tentei
sair dali, mas só consegui rolar para fora da cama, meus braços doeram
quando bati os cotovelos no chão, então ele apareceu — sussurrei, com a
voz desaparecendo ao lembrar do corpo enorme do homem que me atacou.
— Quando me jogou de volta na cama, eu pensei no que sabia sobre feitiços
de sono, se não ingeri nada enfeitiçado na festa, sabia que devia estar
inalando algum tipo de feitiço. Resolvi prender a respiração para não
continuar grogue, nem desmaiar.
— O que houve a seguir? — Fenrir insistiu quando me calei outra
vez.
— Ele me puxou para perto, consegui ver quando começou a abrir a
calça que usava, então acertei ele no saco. Quando ele caiu, eu quebrei o
abajur na cabeça dele e corri para o banheiro — expliquei.
— Tente se lembrar dos detalhes, viu o rosto dele? — questionou,
sacudi a cabeça negativamente. — Ele usava uma máscara…
Confirmei com a cabeça, antes que ele continuasse. Fenrir soltou o ar
com força.
— Hawk e alguns betas estão no encalço dele — explicou.
— Por que alguém faria isso comigo? — questionei com a mente
perdida naquele vazio.
— Porque você é minha esposa. Qualquer um naquele salão
conseguiu notar que nós não dormimos juntos — explicou. — Se a esposa
do alfa aparecesse grávida de outro, ou com o odor de outro homem no
corpo, isso seria uma demonstração da minha fraqueza.
Senti meu estômago revirar ao ouvir aquelas palavras. Nunca tinha
me ocorrido o quanto nós estávamos ferrados com aquele casamento, até
aquele instante.
— Se ele veio a mando de alguém, você imagina quem foi o
mandante? — a pergunta escapou da minha boca, mas Fenrir apenas me
encarou.
— Não posso fazer acusações sem provas, mas tenho inimigos
ousados, poucos deles teriam coragem de fazer algo assim — ele contou. —
Vamos descobrir quem foi.
Nosso silêncio preencheu a sala, Fenrir, apesar de estar claramente
irritado e se esforçando para ficar ali, continuava demonstrando aquela
gentileza inesperada.
— Precisa de alguma coisa? — perguntou com cautela.
— Quero tomar banho e dormir um pouco — falei.
— Vamos, você pode ficar no meu quarto já que o seu foi destruído
— ele declarou em voz baixa.
O alfa se levantou me estendendo a mão, encarei a palma dele com
receio, ergui os olhos para os dele e soltei o fôlego. Apertei a mão de Fenrir
que me ajudou a levantar.
Ele pegou o lençol que eu tinha deixado na poltrona e voltou a me
cobrir, fiquei grata por aquele cobertor, porque a camisola que usava era de
seda azul, mas não fazia muito para esconder meu corpo.
— Alissa! — Sarah falou assim que saímos da sala, imaginei que ela
estivesse esperando ali há algum tempo. — Você está bem?
Ela pareceu incerta quanto a me abraçar.
— Estou bem — garanti, apertando a mão dela.
— Sarah, pode levar algo para Alissa comer no meu quarto? —
Fenrir pediu, a mulher concordou com a cabeça e nós seguimos andando
para o quarto dele.
Encarei a porta arrancada do meu quarto, a cama quebrada com
retalhos de lençol por todo lado, havia pedaços do abajur e vidro da janela
espalhados pelo chão.
— Acho que não quero entrar aí — falei rouca.
— Quer que eu pegue alguma roupa para você? — ofereceu.
Sacudi a cabeça negativamente, não queria que Fenrir entrasse
naquele quarto também, não quando tudo parecia ter acontecido há um
segundo.
— Venha — ele disse, me envolvendo os ombros e guiando para o
interior do quarto dele.
Um instante depois, eu deixei o lençol que estava nos meus ombros
de lado e segui andando até o banheiro, Fenrir não me impediu, nem tentou
me seguir, fechei a porta atrás de mim e joguei a camisola e a calcinha que
usava no lixo.
Depois de tomar um banho longo, vesti um roupão enorme que
estava pendurado ali e abri a porta do banheiro, Fenrir se aproximou com
uma camisa dele e uma calça de moletom.
— Vista isso — instruiu.
Peguei as roupas das mãos dele e voltei para o banheiro, depois de
me vestir, saí dele e percebi que Fenrir estava enviando mensagens para
alguém. Pela expressão no rosto dele, as coisas não estavam indo bem.
— O que houve? — perguntei com cautela.
— Conseguiram encurralar o homem que te atacou, mas ele atirou
com prata na própria cabeça, o corpo caiu no mar — o alfa contou me
estudando.
— Já sabem quem ele era? — perguntei ansiosa.
— Não, ainda não recuperaram o corpo — ele disse.
Observei o rosto de Fenrir com nervosismo, abraçando meu corpo
coberto pelas roupas dele. Meu cabelo estava molhado.
— Deite-se, você precisa descansar — Fenrir sugeriu.
Ele estava sentado numa poltrona que tinha colocado perto da cama.
Observei o alfa com nervosismo.
— Vai ficar aí me olhando dormir? — perguntei, forçando humor
para a voz.
— Vou sim — ele disse.
Me sentei na cama, encarando o alfa com atenção.
— Obrigada por me salvar — sussurrei.
Fenrir deixou o celular de lado e me encarou com preocupação.
— Eu não devia ter arriscado deixar você sozinha, não com tantas
pessoas na casa… Se algo pior tivesse acontecido — ele soltou um rosnado,
me inclinei, segurando a mão dele.
O lobisomem me estudou.
— Não foi sua culpa, infelizmente, todos os seus inimigos que me
olharem, me verão como um alvo para te atingir, porque sou humana e isso
me torna fraca — falei, com raiva daquela natureza.
Sarah chegou ao quarto e me trouxe uma bandeja de comida, Fenrir
disse que ia tomar banho e se trocar enquanto a cunhada me vigiava. Engoli
a comida enquanto conversava com a loba sobre o que tinha acontecido.
Capítulo 23
Alissa
Quando o alfa saiu do banheiro, eu já estava sob as cobertas, Sarah
estava imóvel na poltrona, refletindo sobre tudo que tinha acontecido.
— Eu vou resolver algumas coisas agora, mais tarde volto para ver
como você está — a mulher disse, levantando do assento onde esteve.
Assim que ela saiu do quarto, eu me vi imóvel, com o cansaço me
atingindo com força. Fenrir parecia mais irritado naquele instante do que
antes do banho.
— Você não parece bem — sussurrei.
— Eu não estou bem — ele respondeu, com a voz marcada por
irritação. — Queria ter retalhado ele até que me contasse quem estava por
trás disso.
Esbocei um sorriso cansado diante de tudo aquilo que ele
demonstrava.
— Cuidado, se agir assim por tempo demais, vou começar a pensar
que não sou um fardo para você — alertei, o humor claro em minha voz.
Fenrir sorriu, o cansaço dele era talvez um espelho do meu, mas o
alfa ficou imóvel no assento, me estudando daquela distância segura.
— Ontem à noite, você disse que eu não tinha ideia do quanto você
está se esforçando. O que quis dizer? — perguntei, observando-o em busca
de qualquer traço de mentira.
— Eu não quero falar sobre isso agora — Fenrir disse em voz baixa.
— Não é o melhor assunto para o momento.
Meneei em concordância, apenas porque eu não estava com forças
para discutir.
— Sei que Hawk foi a casa dos meus pais se passando por você,
aquela foi a primeira vez que vocês trocaram de lugar? — questionei
curiosa.
Fenrir sorriu mais largamente e ergueu um dedo.
— Primeiro, daquela vez nós não trocamos de lugar, porque eu ainda
estava aqui e nem sabia onde aquele idiota estava — revelou, me fazendo
rir. — Mas não foi a primeira vez que ele fingiu ser eu.
— O que vocês já aprontaram fingindo ser o outro? — perguntei
rindo baixo.
Fenrir pareceu pensar a respeito da pergunta, o que me fez rir mais
alto.
— Por que está demorando tanto para responder?
— Estou pensando numa história que possa te contar — ele revelou,
me arrancando mais uma risada. — Tudo bem, quando nós éramos muito
jovens, meu irmão queria muito ir a um encontro, mas nosso pai tinha
colocado ele de castigo e ele precisava limpar todos os livros da biblioteca.
— Então você limpou os livros? — perguntei.
— Não, na verdade, eu fui ao encontro no lugar dele — Fenrir
contou. — Depois daquele dia, ele terminou com a namorada, porque ela
não parava de falar no quanto o último encontro tinha sido incrível.
Soltei uma risada alta ao ouvir aquela história, Fenrir sorria como se
a lembrança o divertisse.
— Você e Hawk parecem ser incrivelmente próximos — comentei.
— Somos sim — Fenrir respondeu em voz baixa.
Nosso silêncio preencheu o quarto, e eu estava tão cansada de tudo
que tinha acontecido que mal conseguia manter meus olhos abertos. Fenrir
se aproximou ajustando o cobertor sobre mim, a última visão que tive do
mundo, antes de adormecer, foi o rosto dele.
— Alissa? — a voz de Fenrir me chamou e abri os olhos.
Encarei o rosto dele, com o coração finalmente se acalmando no
peito.
— Você parecia estar tendo um pesadelo — ele disse.
Concordei com a cabeça, me sentando para evitar cochilar outra vez.
— Por quanto tempo eu dormi? — perguntei olhando para as cortinas
fechadas da janela.
— Umas três horas — ele sussurrou.
Passei os olhos pelo quarto e vi minhas malas num canto perto do
armário.
— Eu pedi que tirassem suas roupas do quarto, acho que vai ser mais
seguro se você ficar dormindo aqui por enquanto, ao menos até
descobrirmos quem mandou aquele homem.
— Tudo bem — respondi. — Eu vou me trocar e sair um pouco da
casa para tomar um ar.
— Eu vou te esperar lá no corredor, tenho que fazer uma ligação —
explicou, balancei a cabeça positivamente.
Depois que Fenrir saiu do quarto, me levantei da cama e caminhei
para o armário, as roupas dele estavam bem organizadas em um dos lados,
as minhas também estavam tão cuidadosamente ajustadas quanto as dele, no
lado oposto.
Peguei uma calça jeans e uma blusa de mangas longas para usar.
Depois de me trocar e calçar sapatos confortáveis, eu saí do quarto,
encontrando Fenrir no corredor, o alfa ainda estava na ligação que tinha
mencionado, mas estava com cara de poucos amigos.
Ele finalizou a chamada e indicou o caminho.
— Vamos indo? — sussurrou.
— Tem algo errado? — perguntei ansiosa.
— Nada, é só uma confusão por incompetência — ele resmungou,
Fenrir não me encarou, o que me deixou nervosa sobre o que estava
acontecendo.
Caminhamos para fora da mansão e um vento frio nos envolveu.
Respirei fundo, me sentindo menos sufocada pela primeira vez em horas.
— Edgar falou algo que te incomodou ontem quando dançaram? —
Fenrir me perguntou.
— Nada demais, ele só comentou que era óbvio que eu era uma
esposa de fachada, e falou que eu deveria ter um pouco de orgulho e pular
fora disso tudo — expliquei, aquelas tinham sido palavras que tentaram me
humilhar, por isso, eu as tinha ignorado no instante que ouvi.
— E o que você disse? — Fenrir sondou.
— Eu respondi que ele deveria se preocupar mais com o próprio
orgulho, porque um cara que vive à sombra dos pais e escolhe me ofender
longe de você ou do Hawk, não tem moral para falar de orgulho —
confessei, Fenrir sorriu me encarando com um brilho nos olhos que eu não
tinha visto ainda.
Me sentei em um banco embaixo de uma macieira e Fenrir vasculhou
a árvore com os olhos, o alfa pegou uma das maçãs e me ofereceu, esbocei
um sorriso ao aceitar a fruta.
— Acha que ele está por trás disso? — questionei, observando os
olhos do alfa para tentar evitar que mentisse para mim.
— No momento, temos alguns suspeitos, e infelizmente, Edgar está
entre eles — Fenrir confessou se sentando ao meu lado.
Concordei com a cabeça, girando a maçã entre os dedos, eu encarei o
homem que estava ao meu lado e esperei para receber mais alguma
informação, porque podia sentir que Fenrir escondia algo.
— Não me pressione, por enquanto — pediu ao perceber o que eu
tentava sondar no olhar dele.
— Eu queria dizer que confio completamente em você, e não vou
fazer nada, e só esperar pelas suas decisões, mas é difícil — confessei. — A
pessoa que quase foi violentada aqui, fui eu.
— Sei disso, e acredite, já estou me sentindo culpado o suficiente —
confessou.
— Então me diga o que eu não sei — pedi. — Me fale porque a
pessoa que me atacou ontem não me matou e optou por isso…
Fenrir segurou meu rosto com ambas as mãos, meu corpo ficou
imóvel e minha voz pareceu desaparecer com tanta de sua atenção sobre
mim.
— Nosso casamento, o que aconteceu ontem a noite, tudo isso tem
uma razão, mas não posso falar com você sobre isso ainda, porque não há o
que fazer a respeito — explicou, mesmo que eu não entendesse uma palavra
do que ele dizia.
Segurei a mão dele, afastando-a do meu rosto, e fiz o mesmo com a
outra, Fenrir me olhou com algum tipo de dor, porém eu não estava com
humor para isso.
Não havia uma gota sequer de força em mim para aceitar aquelas
aproximações confusas dele. Me levantei do banco e evitei olhar para o
homem.
— Olhe, eu sei que você tem algum tipo de promessa do passado que
faz com que precise ficar longe de mim, entendo e aceito isso. Aceitei suas
condições com esse casamento desde que cheguei aqui, mas se pretende
ficar longe de mim, vou te pedir que fique longe de verdade, porque estou
cansada de toda essa confusão, numa hora você me olha como se eu tivesse
uma doença altamente contagiosa e depois me olha como se eu fosse a coisa
mais valiosa do mundo. Já estava cansada disso antes, e agora estou ainda
mais — a confissão estressada saiu da minha boca e eu dei um passo para
longe dele, meu pé esquerdo não teve a chance de dar o segundo passo em
direção a casa, porque Fenrir me segurou pelo braço me puxando para
perto.
Meu corpo despencou no colo dele, mas dessa vez, nós encaramos
um ao outro, Fenrir segurou meu rosto com uma das mãos e me puxou para
um beijo. O ar pareceu me deixar por completo quando a boca dele tocou a
minha.
Cada parte de mim estremeceu, como se eu me desfizesse e refizesse
naquele beijo, a língua dele invadiu a minha boca, acariciando e
provocando minha língua, meu corpo aqueceu em um segundo e eu me
deixei levar, envolvendo o pescoço dele com os braços enquanto nossas
bocas se devoravam.
O meu coração nunca bateu tão rápido quanto naquele instante, o alfa
me segurava com firmeza contra si, meu corpo estava tão colado ao dele
que nada mais parecia importar ao nosso redor.
Tudo que eu imaginava sobre nossa relação se desfez naquele beijo.
Meu corpo se submeteu ao desejo que eu vinha nutrindo secretamente,
aquele beijo foi a faísca que queimava tudo que éramos, porque naquele
instante, percebi que nós dois estávamos nos contendo como produtos
inflamáveis perfeitamente lacrados e longe de fagulhas, mas o mundo
explodia com o nosso beijo.
Ele mordiscou meu lábio, e eu abri os olhos ofegante, encarando os
olhos dourados que me estudavam como se eu fosse a corsa inocente que
estava sendo caçada pelo lobo.
— Era para evitar isso que eu estava me esforçando tanto — Fenrir
falou com a voz grave. — Porque só eu sei o quanto você tem me torturado
com esse seu jeito irritantemente atraente.
Engoli seco, aproveitando mais do sabor dele que ainda estava na
minha boca.
— Por favor, não se esforce mais — pedi, voltando a me aproximar
dele, mas Fenrir beijou minha testa.
Voltei a encará-lo com frustração.
— Tem algo que preciso fazer — ele avisou.
— O quê? — questionei, confusa por ouvi-lo falar sobre algo para
fazer naquele momento.
— É necessário — Fenrir garantiu. — Não vou me perdoar se seguir
em frente com você sem fazer o que preciso.
Concordei com a cabeça.
— Tudo bem — soltei, deixando a irritação de lado naquele segundo.
— Você pode vir comigo — ele sugeriu.
Capítulo 24
Alissa
— Tem certeza que posso estar aqui? Sarah me disse que a ala norte
da mansão era proibida para todos — falei, conforme percebia o caminho
que estávamos seguindo.
— Quem você acha que criou essa regra? — Fenrir me perguntou
com diversão forçada na voz.
Entrelacei minhas mãos atrás das costas e continuei andando ao lado
dele. Quando Fenrir chegou a uma porta fechada, ele pegou uma chave do
bolso e a destrancou.
Observei-o com cautela ao perceber que ele não se moveu depois de
destrancar.
— Qual o problema? — questionei em voz baixa.
— Eu não entro aqui há cinco anos — confessou. — Hawk trancou e
escondeu a chave, só me devolveu recentemente, mas eu ainda não tinha
aberto essa porta.
— O que tem aí? — a pergunta soou baixa, mas no lugar vazio,
parecia mais alta do que eu desejava.
— Meu antigo quarto — Fenrir contou. — O quarto que eu dividia
com a Nina.
— Tem certeza que quer que eu entre aí com você? — sussurrei. —
Não é algo que deveria fazer sozinho?
— Não, eu quero que você esteja aqui comigo — Fenrir disse.
Apoiei a mão nas costas dele de maneira confortável e ele me
estudou, antes de girar a maçaneta.
Poeira preenchia cada superfície daquele lugar. A cama ainda estava
amarrotada, o closet aberto tinha várias roupas largadas no chão, as cortinas
pesadas cobriam a janela deixando o ambiente escuro. Fenrir entrou no
lugar, acendendo a luz.
Aquele quarto era muito maior do que o que ele usava naquele
momento, era um cômodo digno de um líder. Observei as superfícies
repletas de fotografias antigas. Cada detalhe do lugar parecia arrumado para
que de qualquer parte, fosse possível ver uma foto.
Entrei no quarto depois dele, Fenrir ainda estava imóvel, observando
o cômodo com cautela, me aproximei dele e apoiei a mão em suas costas
outra vez.
— Eu só estive aqui horas depois que ela morreu, depois que saímos
para o funeral, Hawk mandou trancar o lugar e guardou a chave, sempre
que precisava pensar ou que me lembrava dela, eu vinha até o corredor e
passava horas observando a porta.
— Você podia ter quebrado a porta a qualquer momento para entrar
— murmurei, me perguntando porque ele não tinha feito isso.
— Podia, mas não quis. Não queria destruir esse lugar e também não
me sentia pronto para dar adeus a ela.
— Você disse que ela morreu nos seus braços, mas como aconteceu?
— questionei, imaginando se aquele era o melhor momento para fazer essa
pergunta.
— Nós estávamos seguindo para uma região onde caçadores
estavam, Hawk e eu, junto com alguns lobos. Nina tinha me pedido para ir
conosco, mas eu recusei, falei para ela ficar em casa. Mesmo assim, ela nos
seguiu e tudo aconteceu na luta — explicou de maneira apressada.
— Você sabe que não foi sua culpa, não é? — falei ainda
sussurrando.
— Eu era o líder, o amante da vida dela, não devia simplesmente têla deixado nos seguir, devia ter imposto meu comando sobre ela — rebateu.
— Fenrir, ela teria ido de qualquer jeito — sussurrei. — Se Nina te
amava tanto quanto você claramente a amou, ela nunca ficaria para trás.
Mesmo que isso significasse te desobedecer. Não foi sua culpa.
Fenrir desviou os olhos dos meus e observou o cômodo empoeirado,
ele caminhou até a janela e abriu as cortinas, levantando uma onda de
poeira no ambiente, que me fez coçar o nariz.
— Eu precisei te manter longe, porque fiz um juramento sobre o
túmulo dela, garanti que nunca teria uma esposa, que ninguém tomaria o
lugar que deveria ter sido dela — confessou.
Abracei meu corpo, me sentindo uma intrusa naquele instante. Eu
estava literalmente aceitando a vida que devia ter sido de outra pessoa, a
sensação que se espalhou por mim não era agradável.
— Ei, — Fenrir sussurrou, tão perto que me assustei quando segurou
meu rosto entre as mãos — você não está tomando o lugar dela. Nina e eu
tivemos uma vida juntos, mesmo que ela não tenha sido minha parceira,
nem minha esposa, nós vivemos nosso amor como desejávamos viver.
— Hawk me trouxe aqui contra a sua vontade. Isso não está certo —
declarei, sentindo meus olhos arderem pela emoção que me corroía.
— Ele foi um intrometido, e eu ainda quero arrebentar a cabeça dele
por isso, mas entendo o que tentou fazer.
Estudei o rosto de Fenrir, me perguntando que tipo de situação estava
acontecendo nos Vagantes das Sombras, porque sempre parecia que
estavam escondendo algo de extrema importância.
— Eu vou te explicar tudo que está acontecendo, mas não agora —
Fenrir avisou.
Concordei com a cabeça, aceitando aquela promessa no momento.
— Quer que eu te ajude a limpar esse lugar? — ofereci. — Acho que
você deveria ao menos se despedir direito, se é o que quer fazer.
Fenrir concordou com a cabeça, ele saiu do quarto para pegar o
material para limparmos tudo e eu fiquei ali, observando as memórias
daquele lugar que passou tanto tempo esquecido.
Me aproximei de uma fotografia dos dois, limpei a poeira do vidro
com os dedos e observei a imagem, era uma foto de Fenrir sentado e Nina
de pé ao seu lado.
A mulher usava uma roupa clara e tinha um sorriso enorme no rosto,
aquela cadeira, era a mesma em que Fenrir se sentou na festa, onde eu
estive em seu colo.
Me perguntei se em algum momento, Nina também esteve no colo
dele em meio as pessoas que me viram ocupar aquele lugar.
— Aqui está tudo que pediu — Fenrir disse, coloquei a foto de volta
na mesa de cabeceira e o estudei.
— Então, vamos limpar — sussurrei.
Fenrir e eu passamos as horas seguintes limpando aquele quarto, de
vez em quando, eu o flagrava encarando uma foto, um sorriso de canto
estava em seu rosto, mas não atrapalhei suas memórias.
Já passava das dez da noite quando o quarto ficou limpo e os lençóis
e cortinas sujos empilhados junto com as roupas abandonadas ali. Nós
observamos o cômodo juntos.
— O que pretende fazer agora? — perguntei, estudando o rosto dele.
— Eu só quero ficar aqui um pouco — Fenrir falou, observando o
quarto. — São tantas lembranças.
— Fenrir, eu não conhecia a Nina, ninguém me fala sobre ela além
de você, mas acha mesmo que ela ia ficar satisfeita em te ver afundando em
amargura? — perguntei diretamente.
Os olhos dele focaram em mim, o homem sorriu de canto, ao estudar
o meu rosto.
— A Nina que eu amei, provavelmente me atiraria do telhado da
mansão por passar tanto tempo fugindo da vida — confessou.
— Acho que eu ia gostar de ter conhecido alguém como ela —
admiti, observando a janela que dava para o céu noturno, as estrelas
manchavam o céu e a lua estava no auge de sua luz.
Fenrir sorriu, me puxando para perto de si e envolvendo meu corpo
em um abraço.
— Eu estou com uma camada bem espessa de suor e poeira, me
abraçar agora não deve ser nada reconfortante — avisei.
A risada dele ondulou pelo meu corpo e me senti melhor por
conseguir arrancar um riso dele. Abracei-o de volta e Fenrir apoiou a cabeça
no meu ombro.
— Vamos indo? — Fenrir pediu.
Concordei com a cabeça e nós dois deixamos o quarto, ele fechou a
porta ao sairmos, mas não a trancou.
— Vou pedir que alguém venha buscar tudo para lavar. Vamos doar
tudo que pudermos, e o que não der para doar por estar estragado, vai ser
descartado — ele disse, me envolvendo os ombros.
— Tem certeza que quer fazer isso? — perguntei com cautela.
— Tenho, essas coisas passaram cinco anos sem utilidade e apenas
acumulando poeira. Elas podem servir para alguém, existem pessoas que
precisam delas por aí — Fenrir esclareceu.
— Você tem razão — respondi, com a voz tranquila.
— Então, vamos tomar banho e comer algo para dormir, acho que
estamos precisando disso depois de todo esse trabalho — falou com uma
animação forçada na voz.
Nós seguimos até o quarto dele e Fenrir me disse que buscaria algo
para comermos. Entrei no cômodo e corri para tomar banho antes que ele
voltasse.
Capítulo 25
Alissa
Depois que tomei banho, vesti uma camisola curta que tinha
escolhido com Sarah, saí do banheiro secando o cabelo úmido numa toalha
e vi que Fenrir estava sentado numa das poltronas do quarto, com uma
bandeja de comida sobre a mesa de centro.
— Você devia tomar banho antes de comer — sugeri.
O alfa desviou os olhos da janela que esteve observando e me
encarou, aquele olhar dele me percorreu de cima a baixo, uma sensação de
formigamento se espalhou pelo meu corpo e eu mudei o peso do corpo entre
as pernas. O olhar dele me devorava como se eu fosse ser a refeição.
— Tudo bem — ele respondeu, a maneira como aquelas duas
palavras soaram, fez com que meu centro se revirasse.
Fenrir seguiu para o banheiro e eu me sentei numa poltrona, havia
muitos pensamentos rodopiando em minha mente, o fato era que estávamos
casados, depois de tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro
horas, eu desejava apenas me sentir confortável e protegida.
Deixei a toalha de lado e observei a comida, havia duas canecas
fumegantes, uma com chocolate quente e uma com um chá forte. Peguei a
caneca de chocolate quente e tomei alguns goles da bebida.
Não tinha certeza de quanto tempo havia passado, em que fiquei
naquele silêncio reconfortante, mas quando Fenrir saiu do banheiro, eu me
vi presa ao corpo dele.
O homem tinha uma toalha em volta do quadril, o corpo dele ainda
estava úmido pelo banho, porém o alfa não parecia preocupado com o meu
olhar, eu o observei passando por mim e indo até o armário, ainda
segurando a caneca quente entre as mãos.
Pelo espelho perto da porta do banheiro, eu consegui ver o homem de
costas, vasculhando o armário, respirei, tentando controlar o meu coração.
Fenrir pegou uma calça preta do armário e tirou a toalha que o cobria,
prendi o fôlego ao ver o corpo nu dele, as coxas musculosas e a bunda que
também parecia firme.
As letras nas costas dele eram difíceis de ler no espelho, então me
virei para observar:
Flectere si nequeo superos, Acheronta movebo.
Fenrir se virou e me viu soletrando as palavras tentando buscar na
mente o significado das palavras em latim.
— Significa: Se não posso dobrar os céus, moverei o inferno.
Um arrepio me percorreu ao ouvir aquelas palavras, porque Fenrir
parecia alguém capaz de fazer isso.
— Hawk me mandou mensagem mais cedo, enquanto você tomava
banho — Fenrir sussurrou depois de um instante, em que pegou a toalha do
chão e a pendurou.
— O que ele disse? — perguntei rouca.
O olhar dele se direcionou a mim como se o tom da minha voz o
tivesse deixado confuso.
— Que conseguiram recuperar o cadáver do homem, não é alguém
que meu irmão conheça, mas vamos verificar as impressões digitais dele,
em breve saberemos de quem se trata, e com sorte, podemos ligá-lo ao
mandante de tudo — explicou.
— Isso é bom — sussurrei, deixando a caneca de lado.
Fenrir se aproximou, já vestido com aquela calça e se sentou na outra
poltrona.
— Por que não comeu? — perguntou, indicando a bandeja cheia de
comida.
— Não estou com fome.
— Mesmo assim, você precisa comer — Fenrir lembrou, indicando a
bandeja.
Observei o conteúdo, havia bolo de carne, batata-frita, salada e
legumes no vapor. Peguei um pedaço do bolo de carne e comi.
Ele pareceu satisfeito com aquilo e começou a comer. Enquanto eu
beliscava a refeição, percebi que Fenrir estava me encarando mesmo
enquanto se servia.
— Por que está me olhando assim? — questionei, limpando o
queixo.
O lobo sorriu divertido com a minha preocupação.
— Você é linda, Alissa, é por isso que te olho dessa maneira. Desde
que você desceu daquele carro para se casar comigo, eu tenho feito um
esforço enorme para ficar longe e tudo isso foi claramente em vão —
respondeu em voz baixa.
— Não fique fingindo — pedi com a voz rouca.
— Não estou fingindo — Fenrir sussurrou.
O estudei com cautela, deixando a comida de lado, Fenrir
acompanhou cada movimento do meu corpo, não tentei esconder as batidas
do meu coração quando fiquei de pé.
Me aproximei do alfa, sentando-me em seu colo e envolvendo os
ombros dele com os braços. Uma das mãos de Fenrir envolveu meu corpo,
segurando minha cintura coberta pela camisola de tecido fino.
Sua outra mão segurou minha coxa.
— Então não se esforce para ficar longe de mim — pedi.
Fenrir prendeu meu lábio entre os dentes e o meu coração acelerou
ainda mais quando reparei nos olhos dourados dele. Eu o beijei, sentindo
cada parte de mim se conectando ao lobo, o meu corpo parecia não me
pertencer mais, nem mesmo capaz de me obedecer.
Conforme a língua dele explorava a minha boca, eu sentia as mãos
dele me apertando com mais força, seus dedos enterrados na minha coxa
estavam se movendo, acariciando o interior da minha perna de forma
provocante.
A sensação de estar queimando com o desejo que me percorria
surgiu, afastando qualquer pensamento contrário da minha cabeça. Abri
mais as pernas dando acesso a ele, os dedos de Fenrir percorriam minhas
coxas com mais ousadia.
E, quando seus dedos percorreram a minha calcinha de renda, meu
corpo estremeceu. Eu queria mais dele, mais daquela sensação prazerosa
que percorria meu corpo, mas me obriguei a observar o rosto dele,
interrompendo aquele beijo.
O lobo me segurou contra si erguendo meu corpo, ele caminhou
comigo até a cama arrumada, meu coração batia incontrolável no peito, o ar
naquele quarto tinha o cheiro forte, amadeirado que a pele de Fenrir
carregava.
Quando o homem me deitou sobre o colchão, eu o estudei, ansiosa
por cada detalhe daquele momento.
Os dedos dele passearam pela minha coxa, os olhos do alfa me
devoravam, ele aproximou a boca da minha e eu o beijei, ansiando por
aquele instante de desejo.
Fenrir enrolou a minha camisola conforme sua língua explorava
minha boca, os dedos dele percorreram a minha calcinha, minha mente
parecia prestes a explodir com a expectativa. Ele afastou minha calcinha
com os dedos, o suficiente para que sua mão percorresse minha pele quente.
Ele percorreu minha boceta com os dedos, me deixando sem fôlego,
os lábios dele afastaram-se da minha boca percorrendo meu pescoço, ao
passo em que seus dedos pressionaram minha entrada.
Me contorcia sob ele desejando mais daquela sensação, de sentir seus
dedos explorando meu interior.
Fenrir os moveu dentro de mim, arrancando sons roucos da minha
garganta a cada estocada de seus dedos. Meu corpo tremia sob o dele, o ar
quente que ele exalava tocava minha pele numa carícia provocante.
Engoli o ar com força, tentando manter algum controle sobre mim
naquele instante. Fenrir afastou os dedos do meu interior e abri os olhos
para estudá-lo.
O lobo me encarava com calma, ele me ergueu da cama puxando a
camisola que eu usava para cima. Estudei o rosto dele forçando meu corpo
a relaxar, apesar de estar completamente despida sob a mira do lobo mais
poderoso daquele lugar.
— Alissa, você é tão linda quanto imaginei que fosse — sussurrou,
me fazendo sorrir envergonhada.
O alfa me segurou pelo queixo, aproximando a boca da minha, meu
coração acelerou no peito conforme eu aproveitava aquele beijo, Fenrir se
inclinou sobre mim outra vez, me fazendo deitar na cama.
Senti seus dedos rodeando a minha calcinha e estava pronta para
levantar o quadril para ajudá-lo a me despir da peça, mas senti quando
Fenrir puxou o tecido que rasgou.
O encarei ansiosa.
— Não precisa ficar tão nervosa — sugeriu.
— Tem algo que deva saber antes disso? — questionei, tentando
esconder a ansiedade na voz.
— Duas coisas — Fenrir confessou, a seriedade na voz dele me
deixou quieta. — Primeiro, se eu perder o controle e tentar te morder, fuja,
eu vou dar um jeito de me conter.
Concordei com a cabeça e o observei.
— E a segunda? — perguntei com calma.
— Isso pode acabar te impedindo… — confessou e eu cobri a boca
dele com os dedos.
— Então não me diga — pedi, estudando o rosto dele com calma. —
Nunca tive direito a muitas escolhas na vida, mas quero escolher você,
quero dormir com você essa noite. Por isso, se tiver algo que vai me
impedir de seguir adiante com isso, não me conte agora.
— Tem certeza? — Fenrir questionou.
Me aproximei dele, ignorando a pergunta e voltei a beijar seus lábios,
Fenrir tomou isso como incentivo, porque o lobo me prendeu junto a si com
mais força, sua mão passeou pelo meu corpo.
Ele se inclinou, interrompendo o beijo, sua boca explorando meu
tórax, até que seus lábios agarraram meu mamilo direito com força.
Soltei um grunhido baixo, e ouvi uma risada que o homem soltou.
— Se já está assim, apenas com isso, acho que vai estar gritando de
prazer daqui a pouco — ele avisou.
Exalei uma risada.
— Como você é orgulhoso — acusei.
Fenrir afastou minhas pernas, seus olhos estudando meu rosto
enquanto ele sorria convencido. A boca dele percorreu minha barriga e eu
me agarrei ao lençol.
Encarei-o percebendo que o alfa me olhava quando sua boca se
aproximou da minha boceta encharcada. Fenrir percorreu minha entrada
com a língua, arrancando um suspiro do meu corpo.
Ele mordiscou minha pele e usou sua língua em círculos preguiçosos
no meu ponto sensível. O lobo percorreu minha coxa com os dedos,
atiçando meu desejo ainda mais.
Aqueles dedos fizeram um caminho lento até a minha entrada, fechei
os olhos, aproveitando aquele prazer. Os dedos de Fenrir preencheram meu
corpo, eu estremeci de prazer, completamente rendida ao que sentia por ele.
Fenrir continuou penetrando meu corpo com os dedos, mantendo o
ritmo insano de sua língua, até que meu centro se contorceu. O homem se
afastou, abri os olhos, percebendo que ele me encarava com atenção.
O corpo dele estava acima de mim, ajoelhado na cama, com os
músculos poderosos marcando aqueles traços que eu vinha desejando
perdidamente.
— Alissa, quando começar não vou conseguir parar, tem certeza
disso? — perguntou.
— Fenrir, eu te desejei desde o instante que coloquei os olhos em
você. Não quero desperdiçar o tempo que temos — sussurrei em resposta.
Ele me estudou, completamente ciente do que eu falava, Fenrir
afastou a calça que usava de si e meus olhos focaram no pau duro dele que
estava diante dos meus olhos. O alfa sorriu convencido ao ver a maneira
como eu o encarava.
— Depois, deixo você brincar comigo a vontade depois — prometeu.
Ele voltou a me cobrir com o próprio corpo, eu percorri seus
músculos com os dedos, abrindo mais as pernas para acomodá-lo entre elas,
Fenrir sorriu de canto e beijou o meu pescoço.
Engoli o medo quando senti o pau dele tocando minha entrada
úmida. Fenrir iniciou aquela penetração de maneira lenta, me dando espaço
para sentir toda a dor que estava sentindo, o ar naquele instante me
desorientou com o cheiro dele.
Me agarrei mais ao corpo do homem que me preenchia, Fenrir me
segurou com força, me mantendo junto a si conforme cada centímetro de
sua extensão me penetrava.
Encarei o rosto do homem e percebi que seus olhos estavam
dourados, Fenrir segurou minha mão, seu olhar encarando nossos dedos
entrelaçados. Quando senti o corpo dele completamente colado ao meu,
soltei um suspiro aliviado.
O alfa não se moveu, meu corpo parecia tão quente e cheio de desejo
que eu não tinha sentido algo pulsando no meu braço esquerdo que ele
segurava.
Movi o olhar para lá, mas não havia nada, Fenrir apenas segurava
minha mão, não havia nada no antebraço. Encarei o alfa.
— Fenrir? — chamei, o corpo dele pesava sobre o meu.
Meu coração se agitou no peito, o medo pareceu me sufocar, Fenrir
parecia fora de si e eu não tinha como fugir dele naquele instante.
— Você é… — a voz dele soou feral, quase fora de qualquer
normalidade.
— O quê? — questionei.
Antes que eu pudesse receber uma resposta, o rosto do lobo se
aproximou do meu pescoço. Fenrir cheirou a minha pele, segurando meu
corpo sob o dele.
Naquele instante, eu senti um cheiro distinto na pele dele, um odor
doce que me deixou confusa. Fechei os olhos com força, Fenrir arfou, se
movendo dentro de mim, cada estocada dele era mais rápida, menos
cautelosa. A dor que eu tinha sentido antes desapareceu, dando lugar a um
prazer que me percorria por inteiro.
Agarrei o corpo do homem com força, enterrando as unhas nas costas
dele, cada penetração fazia meu centro se retorcer com mais desespero e eu
sabia que não faltava muito para chegar ao orgasmo que desejava.
Cada movimento do corpo dele me deixava mais ansiosa, tornava o
sexo mais urgente para mim, movi o quadril em direção ao dele,
conseguindo mais atrito, ainda sentindo os lábios e o nariz dele explorando
meu pescoço.
Tudo aconteceu no mesmo instante, o orgasmo fez o meu corpo
tremer, e eu inclinei a cabeça, dando mais acesso a ele.
— Faça! — a palavra saltou para fora da minha boca, como um
instinto selvagem que se libertou.
A dor foi instantânea, os caninos de Fenrir se cravaram em meu
pescoço e eu não tive forças para gritar, não conseguia sentir nada, além de
prazer e compreensão.
Meu corpo parecia perfeito naquele instante, sentindo a língua dele
tocando as feridas que deixou em minha pele e algo que percorria minhas
veias, latejando por todo meu corpo.
— Minha parceira — Fenrir disse em voz baixa contra o meu ouvido.
Abri os olhos, com o coração agitado no peito, por uma razão
completamente distinta. Encarei nossas mãos juntas vendo um fio dourado
brilhando ao redor do meu pulso esquerdo, o pulso esquerdo dele também
tinha, movi o olhar para o rosto do alfa, sentindo que meus olhos o viam
como nunca antes.
Ele era meu.
A compreensão do que tínhamos feito me percorreu, meu corpo
parecia mais forte, mais atento e de alguma forma, mais rendido a ele.
Fenrir me segurou contra si e eu forcei o quadril contra o dele, nos
atirando para fora da cama, completamente perdida no que dizia respeito a
minha força.
Nós caímos no chão, mas o alfa não pareceu irritado, apenas segurou
meu cabelo com força, me mantendo presa ao próprio corpo.
Meu corpo se movia sobre o dele, aumentando a velocidade daquelas
estocadas, Fenrir mordiscou minha boca, até devorá-la em um beijo cheio
de urgência.
Cada movimento do meu quadril era sincronizado com o dele, o
homem rosnava e eu gemia alto, sons que se perdiam entre nossas bocas.
Havia algo novo em meu peito, uma sensação que parecia me
prender e libertar, cada parte de mim que tocava o corpo de Fenrir parecia
menos cativa do que o resto da minha pele.
Eu sentia naquele instante, que podia deixar minha pele de lado, que
podia me rasgar em algo novo, mas não segui aquele conceito.
A língua de Fenrir percorreu meu pescoço marcado, meus olhos
focaram no pescoço dele, a pele exposta e livre de cicatrizes, minha boca
foi até lá e meus dentes o tocaram.
O ar no quarto ficou preenchido pelo cheiro doce que eu vinha
sentindo no homem, minha língua percorreu os filetes de sangue que
corriam por sua pele. Encarei os olhos dele e Fenrir sorriu.
— Você despertou — ele sussurrou.
Fenrir rosnou quando eu rebolei sobre seu corpo, o lobo me segurou
pelo quadril e me penetrou com mais força, arrancando rosnados da minha
garganta.
Ofeguei, me sentindo à beira de mais um orgasmo, então senti
quando ele explodiu dentro de mim. O calor me percorrendo, me fez tremer
ao gozar de novo.
Encostei minha testa à dele e respirei fundo, completamente perdida
entre quem era naquele instante e quem tinha sido antes disso.
— Você me marcou — sussurrei, levando a mão ao pescoço.
— Sim, e você também me marcou — ele respondeu no mesmo tom
de voz.
— Como? — perguntei, observando as marcas de caninos afiados na
pele dele.
— Eu sou o seu parceiro, Alissa — Fenrir disse em voz baixa. — Me
perdoe por não te reconhecer.
Senti lágrimas se formando em meus olhos, um parceiro havia me
mordido, aquilo significava que minha natureza humana se desfez.
Capítulo 26
Fenrir
Alissa saiu de cima de mim, deixando meu corpo completamente
perdido sem aquele encaixe perfeito. Eu a estudei de onde estava no chão.
— Fenrir… — ela apoiou a mão no peito.
— Não tente segurar a transformação — sugeri, ficando de pé.
Alissa me encarou, os olhos dourados iguais aos meus, o corpo dela
se contorceu, a pele avermelhada, onde a apertei estava ficando mais clara.
Até que ela pareceu quebrar, os ossos se remodelando, Alissa grunhiu com a
dor da transformação, até que uma loba bípede branca estava diante de
mim, com os olhos dourados me encarando.
Encarei meu pulso esquerdo, percebendo aquele fio dourado que me
ligava a ela, tão evidente. Me perguntei como nunca fui capaz de perceber
algo tão óbvio.
Aquele cheiro doce que sempre senti na pele dela, era um sinal, uma
atração maior da magia que nos ligava, mas eu estava tão frustrado quando
a conheci que não consegui perceber.
— Alissa? — chamei, ela me encarou, completamente ciente de
quem eu era. — Volte à forma humana!
A ordem de um alfa fez com que ela ficasse imóvel, o corpo dela
pouco a pouco retornou a forma da linda mulher com quem eu estava louco
para foder de novo.
— Esse é o poder de um alfa… — ela sussurrou, encarando os
próprios dedos.
— Sim — contei.
— Por isso Ethan não voltou à forma humana quando Hawk se
colocou entre nós, seu irmão não tem esse poder.
— Como se sente? — questionei, me aproximando dela.
— Estou bem — confessou. — Acho que nunca me senti tão bem
antes.
Me aproximei dela, segurando seu rosto com uma das mãos. Alissa
sustentou meu olhar, apoiando as mãos no meu abdome.
— Agora tudo faz sentido — garanti. — Porque esse cheiro em você
sempre me confundiu e inflamou. Porque eu não conseguia me manter
longe de você por mais que quisesse…
— E, porque eu queria tanto estar perto, mesmo que você apenas me
afastasse — ela completou me interrompendo.
Esbocei um sorriso puxando-a para mais perto de mim.
Alissa observou meu rosto, o desejo que eu sentia por ela estava
espelhado nos olhos da mulher, meu corpo aqueceu, desesperado para tê-la
outra vez. Ergui seu corpo do chão e ela enlaçou as pernas ao meu redor.
— Eu quero você — Alissa disse, beijando a minha mandíbula.
— Você me quer? — questionei, com um orgulho masculino estranho
me percorrendo. — E onde exatamente nesse quarto você quer que eu te
foda?
As bochechas dela ficaram vermelhas, mas a mulher percorreu o
quarto com os olhos, até que se fixaram em algum lugar, movi o olhar em
direção a isso e vi que se tratava da cômoda que estava apoiada na parede.
Carreguei-a para lá e atirei todas as coisas para fora antes de sentar a
mulher na lateral, Alissa me olhou confusa, mas manteve as pernas ao meu
redor.
Ajustei meu pau em sua entrada e a preenchi completamente, tão
rápido que Alissa soltou um palavrão rouco. Segurei-a pelo quadril e minha
outra mão foi para o cabelo dela.
Me movi, arrancando gemidos cada vez mais altos de sua boca,
Alissa rosnava em determinado momento, se movendo contra o meu corpo,
na tentativa de conseguir mais de mim.
Eu a segurei com força, penetrando-a sem a delicadeza anterior, os
gemidos cada vez mais altos dela me deixavam fora de mim.
— Fenrir — ela grunhiu meu nome.
Minha boca percorreu seu pescoço, provando a pele com meus
lábios, beijei a marca em seu pescoço, a marca que a tornava minha.
Alissa arfou, se inclinando mais para trás, apoiando a mão na lateral
de madeira. Me movi com mais pressa, arrancando sons mais roucos,
menos humanos da garganta dela.
Os olhos dourados da minha parceira me encararam. Aqueles olhos
ferais cheios de um desejo selvagem que ela não sabia controlar.
Alissa soltou um palavrão, me atacando com mais vontade, eu
continuei as penetrações no ritmo que ela queria, até que senti o cheiro do
orgasmo dela. A mulher ainda parecia tão cheia de energia, que eu precisei
pará-la para que ela ficasse imóvel sentada no tampo de madeira.
— O que foi? — perguntou rouca.
— Quero que você fique de quatro para mim — avisei, ela observou
o lugar onde estava sentada.
— Aqui? — questionou confusa.
A carreguei pelo quarto até sair do seu interior com o pau latejando
dolorosamente, quando a coloquei sobre a cama, Alissa se virou de costas
para mim, quando a mulher ficou de quatro, eu senti que minha alma sairia
do corpo.
A segurei pelo quadril, abrindo mais suas pernas e me aproximei,
penetrando-a com firmeza, Alissa soltou um gritinho, com o primeiro
movimento, porém assim que comecei a me mover, ela também se mexeu.
Ela se apoiava nas mãos para se mover em minha direção, meu corpo
pareceu petrificar ao senti-la daquele jeito, tão entregue, me inclinei sobre
ela, percorrendo minha mão entre seus seios, até que a envolvi pelo
pescoço, puxando-a para cima, Alissa segurou meu braço, mas não tentou
afastar minha mão de si.
Enquanto meus dedos seguravam seu pescoço, com as pontas deles
em seu queixo, eu ataquei o seu interior, penetrando-a cada vez mais rápido
e firme, Alissa moveu a cabeça, não consegui entender o que ela faria até
que ela chupou meu dedo.
Eu senti aquele chupão percorrendo meu corpo inteiro até o meu pau.
Fechei os olhos rosnando alto.
— Porra! Você quer me enlouquecer? — rosnei.
Alissa soltou uma risada e senti a língua dela percorrendo meu dedo
em seguida. Arfei contra o pescoço dela, sentindo cada parte de mim se
contorcendo dentro dela. A mulher empinou a bunda em minha direção,
rebolando contra o meu pau a cada penetração.
Deixei que ela se inclinasse outra vez, mas Alissa apenas se deixou
cair na cama, virando o rosto no colchão para me encarar. A bunda dela
estava para cima, com os joelhos dela ainda apoiados no colchão, a forma
como ela me olhava fazia algo dentro de mim se revirar.
Puxei as pernas dela para fora da cama, fazendo com que seus pés se
apoiassem no chão, Prendi os braços dela com uma das mãos, inclinando
meu corpo sobre o seu.
— Alissa, não me faça desejar te ver exausta de verdade, não quero
acabar te machucando — avisei, tocando a orelha dela com meu nariz.
Ela esboçou um sorriso que me deixou ainda mais aceso. A penetrei
com mais força, arrancando sons altos da boca dela, sons que estavam entre
gritos, gemidos e rosnados. Alissa fechou os olhos, aproveitando o prazer
que estava sentindo.
Meus dedos percorreram suas costas, deslizando calmamente pela
pele úmida de suor, a mulher grunhia, eu contornei seu quadril, Alissa
ergueu o quadril o suficiente para que eu conseguisse alcançar seu clítoris.
Girei os dedos ali, arrancando um gemido alto da boca dela. Alissa
arfava desesperadamente. Seus olhos rolavam sempre que ela os abria.
— Fenrir, eu quero mais! — ela avisou rouca. — Eu vou gozar de
novo, mas não pare!
Ela arfava, desesperada por mais prazer, quando a mulher gozou, o
cheiro preencheu o quarto inteiro. Me senti preso a ela, aquela sensação que
eu nunca tinha experimentado antes.
Rosnei, completamente tomado pela selvageria da parceria. Mesmo
que eu quisesse parar para provocá-la, não conseguiria. Apoiei um dos
joelhos na cama, obrigando Alissa a abrir mais as pernas para mim.
As penetrações se tornaram mais fortes, menos cuidadosas, naquele
instante, o laço de parceria me fazia entender até onde ela aguentaria.
Não havia mais o limite do corpo humano que Alissa teve antes da
mordida. Rosnei alto, conforme segurava seu quadril, fodendo-a até que eu
mesmo estivesse gozando em seu interior.
Alissa grunhiu, enterrando o rosto no colchão e soltando um grito
libertador.
Sorri, ao vê-la daquela maneira, a mulher se ergueu nas mãos, se
afastando de mim, ela se virou de barriga para cima ainda ofegante,
observei-a com calma, ofegando enquanto encarava a maneira faminta
como ela me olhava.
— Venha comigo — chamei.
Alissa se levantou da cama e nós caminhamos juntos até o banheiro,
mal tive tempo de me lavar antes que ela me empurrasse em direção a uma
parede.
A mulher ficou de joelhos, com os olhos focados nos meus, praguejei
aqueles instintos selvagens que me deixavam tão perdido de mim mesmo.
Alissa segurou meu pau com uma das mãos e o colocou na boca, eu rosnei
ao sentir sua língua me percorrendo.
O ar naquele banheiro tinha o cheiro dela, a mulher seguiu o que
tinha feito com o meu dedo, enquanto eu grunhia segurando o cabelo dela.
Alissa me engolia cada vez mais fundo, sua língua percorria meu pau
de maneira livre. Prendi mais o cabelo dela entre os dedos, e movi sua
cabeça, guiando os movimentos que me faziam perder o controle de mim
mesmo.
Quando eu gozei na boca dela, Alissa se levantou, com um sorriso
vitorioso, eu a segurei com mais força pelo cabelo e a mulher me observou,
estampando aquele sorriso malicioso que me fazia render tudo por ela.
— Você ainda vai me arruinar — avisei.
Alissa sorriu, parecendo alegre com aquela ideia.
— Você é o oásis que eu encontrei depois de anos em um deserto
solitário — ela respondeu, me arrancando da racionalidade.
Capítulo 27
Fenrir
Acordei na manhã seguinte, com Alissa ainda agarrada ao meu corpo,
o cabelo escuro da mulher estava espalhado pelos lençóis e o corpo dela
estava coberto apenas com o cobertor que eu coloquei sobre ela quando o
sol nasceu e a obriguei a dormir.
Naquele instante, eu entendia porque Hawk sumiu por uma semana
quando conheceu a Sarah e os dois dormiram juntos pela primeira vez.
Tudo em que conseguia pensar ao ver Alissa deitada na minha cama,
era acordar a mulher e foder com ela de novo, mas estava ciente de que nós
dois estávamos precisando de uma pausa.
Eu não sabia como reagiria quando outros homens a olhassem, assim
que saíssemos do quarto, não sabia como reagiria nem mesmo quando meu
irmão a olhasse.
Encarei a aliança de casamento em meu anelar esquerdo, aquela
aliança que Hawk tinha nos dado para nos monitorar, meus dedos a
seguraram e percebi que ela saiu com facilidade do dedo.
Durante a noite, eu estava tão focado no desejo que sentia por Alissa,
que não tinha percebido o quanto sua magia era evidente. O poder dela
parecia ondular no quarto, palpável e quase sufocante.
Aquele talento não deveria ser surpresa, já que Alissa era filha de
duas linhagens de alfas. Estudei seu rosto com calma, percebendo a maneira
como os traços pareciam ainda mais marcantes.
Ela abriu os olhos me encarando ao despertar e sorriu ao notar que eu
a observava.
— Você está me encarando como se eu fosse uma cobaia que você
quer estudar — acusou.
Esbocei um sorriso, apertando mais o corpo dela junto ao meu, eu
estava tão feliz, como não me sentia há muito tempo, Alissa me segurou
com os braços com mais força.
— Tenho algumas coisas para resolver agora pela manhã, coisas
inadiáveis — comentei irritado.
— Tudo bem, nós podemos continuar com isso mais tarde — avisou.
Eu estava prestes a lhe dar uma resposta, quando meu celular vibrou,
peguei o aparelho e vi a mensagem de Hawk na tela:
“Ele não está no nosso sistema, aparentemente, ele queimou as
impressões digitais das mãos para não ser rastreado, estou entrando em
contato com conhecidos para tentar um rastreio por DNA, mas pode levar
um tempo. Enquanto isso, acho que é perigoso para Alissa ficar sozinha.”
— O que foi? — a mulher nos meus braços perguntou.
— Notícias de Hawk, ele disse que vai demorar para descobrirmos
quem é esse homem que te atacou — confessei suspirando, acariciei o rosto
da mulher com os dedos. — Fico aliviado por você não ser mais humana.
Alissa me estudou, a cautela em seu rosto estava me deixando
angustiado.
— Se eu sair desse quarto e as pessoas descobrirem que não sou mais
humana, as coisas podem se complicar ainda mais. Talvez o mandante disso
tudo desista de me atacar outra vez — ela disse em voz baixa. — E tudo vai
levar a uma impunidade.
Soltei um suspiro, ela tinha razão, estávamos com dificuldade de
rastrear através do agressor dela, se todos soubessem que Alissa não era
mais humana, as coisas poderiam ficar mais difíceis.
— O que você quer fazer? — questionei.
— Na Presas Pretas, o meu pai tinha meios de aprisionar um lobo até
que o portador se tornasse um humano…
— Também fazemos isso aqui, mas só com criminosos — expliquei,
quando Alissa deixou as palavras morrerem.
— Podemos fazer isso? — perguntou calma. — Se aprisionarmos
minha loba, ninguém além de nós dois saberá da minha mudança.
Toquei o pescoço dela com os dedos, onde a marca dos meus caninos
estava em sua pele. Alissa segurou minha mão.
— Posso esconder usando roupas de gola alta — explicou. — Se eu
parecer fraca, vão tentar outra vez, é apenas questão de tempo.
— Mas você vai ter que ser uma humana por tempo indeterminado,
sem os benefícios…
Ela sorriu e eu me interrompi.
— Estou acostumada a ser humana, a não ter magia para curar meus
ferimentos e não ter força sobrenatural ou velocidade. Sou uma loba há
menos de doze horas.
Esbocei um sorriso me lembrando daquele fato, o poder dela era tão
impressionante no quarto, que eu tinha esquecido por um instante que ela
havia sido humana há pouco tempo.
— Vou ter que pegar algo na sede do Ministério dos Vagantes das
Sombras, por enquanto, você tem que ficar nesse quarto, as paredes são
encantadas, por isso, ninguém fora daqui vai saber que você mudou —
expliquei.
— Tudo bem — respondeu em voz baixa.
Alissa me acompanhou no banho, o que nos colocou em mais um
tempo agarrados dentro do box. Quando finalmente saímos, minha parceira
voltou para a cama dizendo que ia colocar o sono em dia e eu saí do quarto.
Já passava das nove, então apenas parei na cozinha para pegar um
café e corri para o carro, já que precisava chegar ao Ministério antes que
pensassem que eu tinha esquecido a reunião.
Havia uma lista interminável de coisas que eu precisava resolver,
mas o mais urgente, era arrancar algumas informações de um ladrão que
tinha roubado várias lojas da cidade, como ele não teve tempo de gastar o
dinheiro, eu sabia que estava escondido em algum lugar e precisávamos
saber onde.
Como a tortura não estava funcionando, eu teria que ir ao porão do
Ministério, onde nossas atrocidades realmente aconteciam e usar meus
poderes de alfa para forçá-lo a falar.
Dirigi para aquele lugar, com a mente rodopiando nas memórias da
noite anterior. Alissa era minha parceira. Algo que eu jamais pensei que
encontraria na vida, nem mesmo senti medo de encontrar enquanto
aproveitava a vida com Nina.
O meu maior problema era conseguir uma das coleiras que usávamos
em criminosos, prata revestida com couro, sem levantar suspeitas.
Precisaria agir sozinho, o que seria difícil de conseguir, com tantos
funcionários naquele edifício.
Estacionei o carro, observando a enorme quantidade de lobos que
entravam e saiam, alguns carregando pilhas de documentos, outros usando
roupas elegantes, alguns limpando ou cuidando do jardim. Soltei um
suspiro pesado ao descer do veículo e caminhar em direção a entrada.
— Você parece distraído hoje — Hawk disse, quase fazendo com que
eu cuspisse o café.
— O que você quer? — questionei, tentando não me estressar com
meu irmão naquele segundo.
— Só queria saber como estavam as coisas com a Alissa, não voltei
para casa ontem, esqueceu? — perguntou suspirando.
— Alissa está bem, deixei ela descansando hoje — comentei.
— Fico feliz — Hawk respondeu, observei o rosto do meu irmão,
percebendo que ele parecia abatido.
— Você parece cansado — sussurrei.
— Eu só passei uma noite bebendo, uma madrugada e uma manhã
perseguindo um maníaco e depois tive que brigar com tubarões — falou,
irritado.
— Brigar com tubarões? — questionei.
— Ah, eu não te contei? Aquele idiota tinha um feitiço em torno de
si, quando ele morresse, predadores seriam atraídos para comer a carne
dele, uma bela artimanha, aliás, para tentar prejudicar quem tentasse
descobrir quem ele era — Hawk rosnava a cada palavra.
Segurei o ombro do meu irmão gêmeo e ele me observou impaciente.
— Admiro seu esforço — elogiei e ele afastou minha mão de si com
raiva nos olhos.
— Fico surpreso que você ainda se lembre como demonstrar
reconhecimento pelo esforço alheio — resmungou, e nós entramos no
Ministério juntos e eu segui meu irmão até onde o cadáver do lobo estava.
Capítulo 28
Fenrir
Hawk puxou o lençol que cobria o cadáver e eu o estudei, o homem
estava com parte dos músculos das coxas e dos braços faltando, havia
inúmeras mordidas por seu tronco e rosto.
Meu irmão não mentiu quando disse que lutou com tubarões para
recuperar o corpo.
— Veja isso — Hawk pegou a mão dele e mostrou os dedos
queimados. — Sem digitais, ele também não tem tatuagens.
— Parece que ele tentava viver como um fantasma — comentei.
— É mais do que isso — Hawk disse. — Venha ver.
Me aproximei da perna do homem e Hawk indicou uma cicatriz que
o sujeito tinha na perna. Observei-a com mais atenção.
— Percebe como esses pontos foram feitos? — Hawk sussurrou.
— Parece que ele mesmo costurou — comentei.
— Foi o que pensei. Poucos ferimentos deixam cicatrizes em lobos,
apenas usuários poderosos de magia conseguem. Então quando vamos a um
hospital cuidar desses ferimentos, nós acabamos tendo um registro do
machucado. Se costurando, ele garantia que ninguém teria como rastrear
sua identidade através do ferimento.
Cruzei os braços sobre o peito estudando o cadáver naquela maca.
Era um trabalho minucioso demais para alguém que seria usado apenas com
o intuito de ferrar com a humana que se casou com o alfa.
— Também pensei nisso — Hawk disse, observando meu rosto,
como se pudesse ler meus pensamentos.
— Parece que tem alguém com um esquema de poder em um
submundo aqui — sugeri, encarando meu irmão.
— Sim, e não sei como isso foi acontecer, mas Alissa se tornou um
alvo — Hawk sussurrou. — Se ela ao menos não fosse humana, eu
conseguiria dormir tranquilo.
— Do que está falando? — perguntei, confuso com as palavras dele.
— Eu trouxe a Alissa para cá, você nem mesmo a queria por perto.
Se algo acontecer com ela, não vou poder fingir que não é minha culpa.
— Hawk, esqueça isso, ok? — pedi.
— Não dá — sussurrou me observando com cautela. — Não
enquanto não descobrirmos quem está querendo que ela morra.
Soltei um suspiro, às vezes, eu queria que meu irmão fosse um pouco
mais perceptivo, assim ele saberia o segredo que eu estava guardando sem
que tivesse que ouvi-lo de mim.
— Não se preocupe, nós vamos protegê-la — garanti.
— Tem alguma ideia de onde esse homem pode ter surgido? —
Hawk me perguntou.
— Tenho algumas teorias, mas preciso pensar em tudo com calma e
esperar para sabermos quem exatamente é ele — expliquei, Hawk soltou
um rosnado e voltou a cobrir o cadáver.
Meu irmão se apoiou na maca, encarando meu rosto com os olhos
vermelhos. O lobo evidenciando que estava tendo dificuldade para se
controlar, respirei fundo, um de nós precisava manter a cabeça no lugar, ou
as coisas na nossa hierarquia ruiriam facilmente.
— Vai ver o Jack? — questionou.
Senti um calafrio ao ouvir o nome. Odiava como meu irmão
chamava os nossos prisioneiros pelo nome, tornando as coisas difíceis para
mim, porque em influência, eu acabava dando um nome aos rostos que
precisava executar.
— Sim, vim aqui hoje para isso — sussurrei.
Hawk concordou com a cabeça, nós saímos do necrotério e
caminhamos juntos para o porão.
— Ele está resistindo bastante — Hawk disse. — Phoebe o deixou
com a coleira por algum tempo, para se curar como um humano e suportar a
dor de todos os machucados. Mesmo assim, ele não abre a boca.
— Não gosto de usar a dominação nesse tipo de situação — lembrei.
— Eu sei — Hawk sussurrou, exalando o ar com força. — Só que
não temos mais alternativas. Eu faria isso no seu lugar se pudesse, mas não
tenho a bênção de um alfa. Nem mesmo consegui impedir o irmão de Alissa
com um comando.
Concordei com a cabeça, eu estava evitando falar sobre Alissa com
Hawk, porque falar sobre a mulher, me levaria a sentir coisas demais. Hawk
era perceptivo quanto às minhas emoções, se meu irmão não sentiu a minha
explosão de felicidade da noite anterior, isso tinha acontecido porque ele
estava cansado, eu não podia arriscar que ele tagarelasse por aí sobre o
castigo de Caer ser uma preocupação a menos.
— Quero conversar com você sobre o castigo — Hawk disse, me
fazendo suspirar.
— Pode ser depois? — pedi impaciente. — Quando eu não tiver a
preocupação de um maníaco para manipular e assassinos perseguindo
minha esposa?
— Podemos deixar o assunto para amanhã, mas não posso esperar
até que sua esposa esteja fora de perigo, acho que ela vai estar sempre assim
— a culpa percorreu o rosto de Hawk, outra vez e eu me senti culpado por
não livrá-lo daquele fardo.
— Tudo aconteceu como deveria acontecer, Hawk, você não tem que
se preocupar demais — sugeri.
Meu irmão me observou, parecendo desconfiado do que eu dizia,
porém estávamos a um lance de escadas do porão, então deixamos o
assunto morrer.
Impedi Hawk de continuar andando e ele me observou.
— Vá para casa, descanse, você já fez demais nas últimas horas, eu
cuido de tudo aqui — sugeri.
— Não, quero ajudar você.
— Hawk, você não dorme há horas, Sarah não te vê há um bom
tempo. Vá para casa, descanse. Quando eu voltar, nós dois podemos
conversar sobre tudo que acontecer aqui — falei.
— Está bem, mas é bom que você me atualize de tudo.
Concordei e deixei que ele fosse embora. Eu sabia que Hawk e eu já
tínhamos passado muito mais tempo sem dormir no passado, sabia que as
obrigações o tinham mantido longe da parceira por muito mais tempo antes,
mas precisava tirar Hawk da minha cola, ou não conseguiria pegar o que
precisava para Alissa.
Sussurrei o feitiço de ocultação nas sombras, algo que apenas minha
família conhecia e caminhei pela escuridão, sem que ninguém ali
percebesse a minha presença.
A porta da sala de equipamentos estava aberta, me esgueirei para
dentro e observei as prateleiras com todas as ferramentas de tortura que
estavam ali, guardadas dentro de um baú, estavam as coleiras que selavam
as feras dos nossos prisioneiros.
Peguei uma delas e a enfiei no bolso do casaco, lançando sobre o
objeto, o feitiço de ocultação, quando saí daquela sala, voltei a me mostrar
ao mundo e os guardas que passavam por mim se assustaram com minha
aparição súbita.
Segui caminhando em direção a sala que estava ocupada e ouvi os
rosnados de uma criatura. A dor era evidente no som, abri a porta e vi que
Phoebe estava lá, a mulher me estudou, curvando a cabeça.
— Alfa Fenrir — ela sussurrou, curvando a cabeça.
O homem na cadeira estava amarrado, completamente despido e
tinha hematomas por todo o corpo. Phoebe era a criatura mais sádica
daquela cidade e, se ela podia ter um trabalho em que exauria aquela
necessidade de machucar alguém, todos concordavam que era mais seguro
mantê-la ocupada.
— Deixe-nos — ordenei.
Ela sorriu em direção ao homem amarrado e saiu da sala que tinha
um cheiro forte de sangue e excrementos. Tirei o casaco que usava e
arregacei as mangas, me aproximei do prisioneiro e ele engoliu seco.
— Vamos lá, Jack, agora seremos só nós dois — sussurrei.
Jack fechou os olhos com força, como se aquilo fosse livrá-lo da
minha influência.
— Você sabe como funciona a ligação de um alfa com o resto da
alcateia, Jack? — questionei, caminhando pela sala, arrastando os pés para
que ele estivesse ciente da minha localização. — Como alfa, eu consigo
sentir os lobos, consigo medir seu poder e perceber quando estão em perigo.
É claro, que isso não me dá acesso total ao que fazem ou quando fazem,
mas mesmo assim, é um poder considerável. Em troca de toda essa proteção
de um ser mais poderoso, vocês me devem sua lealdade. Uma submissão
para ser mais preciso.
— Alfa Fenrir, por favor…
— A oportunidade de implorar já acabou, Jack. Agora, é o momento
em que eu uso o talento que os deuses me deram, e faço você me dizer tudo
que esses ferimentos não conseguiram — comentei voltando a ficar de pé
diante dele.
Encarei o homem com os olhos dourados, aquela transformação
parcial era completamente diferente de me manter na minha postura
humana, aquilo arrancava uma parte da minha compaixão. Cravei as garras
nos antebraços do homem que choramingou.
Meus olhos estudaram os dele e eu sorri de canto.
— Onde está o dinheiro que você roubou dos comerciantes? —
questionei.
— Num alçapão, no fundo do porão da minha casa, Alfa Fenrir —
ele disse, com uma voz quase robótica.
— Você tem aliados? Ou alguém que te comande? — questionei.
— Não senhor.
Afastei as garras dos antebraços dele e fiquei reto, deixando que
meus olhos voltassem à cor normal, observei o sangue que escorria nos
braços da cadeira de madeira.
— Você será julgado e condenado em breve — avisei, conforme
pegava o meu casaco para vesti-lo.
— Alfa, eu quero morrer — ele disse.
— A morte é muito fácil, Jack, muitos que estão nesse lugar pedem
que sua sentença seja a morte — lembrei, dando alguns passos para fora da
sala.
Meu corpo estava tenso, completamente preso à existência daquele
homem amarrado à cadeira, eu odiava usar o comando do alfa, porque isso
me mantinha atado ao lobo por algum tempo. Ainda precisaria escrever um
relatório sobre os crimes dele, mas assim que cheguei ao andar térreo,
avisei ao comandante da milícia onde estava o dinheiro roubado e ordenei
que pegasse o relatório de quanto cada comerciante perdeu para devolver os
valores.
Quando saí do Ministério, passava do horário do almoço, mesmo
sem fome, eu resolvi ir para casa, ao invés de ir direto para o próximo
compromisso, apenas porque Alissa devia estar faminta e trancada naquele
quarto o dia inteiro, ela devia estar irritada.
Assim que entrei na mansão, eu ignorei as vozes dos seguranças e da
minha cunhada que falou algo sobre Hawk querer me ver, caminhei até o
quarto que dividia com Alissa e encontrei minha esposa sentada perto da
janela, com um livro que eu tinha deixado no quarto em seu colo.
— Desculpe por demorar para chegar — falei quando entrei no
cômodo.
— Não se preocupe com isso — Alissa disse, fechando o livro e
colocando-o de lado.
Enfiei a mão no bolso do casaco e tirei a coleira de lá, me livrando do
feitiço que a ocultava para que Alissa a visse.
Era fina e coberta por couro preto, mas mesmo que não fosse um
objeto muito chamativo, as pessoas desconfiariam se a vissem usando algo
assim.
Me sentei no batente da janela e estendi o objeto para ela.
Capítulo 29
Fenrir
— Isso vai me deixar humana de novo? — questionou.
Observei o rosto dela com atenção.
— Nada fará com que você volte a ser humana, com a minha
mordida, a mordida de um parceiro, você assumiu a sua forma verdadeira
— expliquei com paciência.
— Eu sei — Alissa sorriu, o sorriso não parecia ter chegado aos
olhos dela. — Só quis perguntar se quando eu usar isso, as pessoas vão
realmente me ver como humana.
— Sim, isso vai bloquear sua forma lupina e qualquer um vai te ver
como sempre.
Alissa pegou o objeto que eu estendia e foi até o espelho para colocálo no pescoço. Enquanto ela o ajustava, a magia que eu tinha sentido no
quarto desapareceu por completo. A mulher me encarou, parecendo
atordoada com a nova sensação.
Fiquei de pé e me aproximei dela. Alissa se manteve observando o
espelho, eu segurei seus ombros observando-a através do reflexo.
— Eu não gosto disso — confessei. — Não gosto de arriscar você
dessa maneira.
— Fenrir, eu sempre fui humana, estou acostumada com isso —
avisou em resposta, se virando para me encarar.
— Sei que está acostumada, mas estamos fazendo isso para te
colocar na mira de alguém que quer te ferir — lembrei.
Alissa segurou meu rosto com uma das mãos e sorriu.
— Eu vou vestir algo que esconda isso e quero sair um pouco desse
quarto — sussurrou, meneei em concordância.
Alissa foi até o armário e pegou uma blusa de gola alta, enquanto a
mulher a vestia, eu a observava com atenção, as pernas dela estavam
expostas naquela saia que usava, o tecido jeans ia até o meio das coxas dela,
a blusa escondia parte do pescoço dela, ocultando a coleira e a minha marca
que estava em seu pescoço. Havia tanto a perder naquele instante, que eu
temia desesperadamente aquela ideia que estávamos colocando em prática.
Assim que a minha parceira cobriu aquele objeto no pescoço com a
blusa, ela ergueu os braços.
— Vamos indo? — sussurrou.
— Sim, vamos ter certeza que ninguém vai perceber a mudança —
respondi, puxei-a para um abraço e Alissa sorriu.
Minha boca se aproximou da dela, eu estava ansioso para foder com
ela outra vez, mas sabia que se começasse naquele instante, nós ficaríamos
ali até o dia seguinte e tínhamos preocupações nos esperando.
— Mais tarde — prometi com um sorriso de canto. — Vou devorar
você inteira e não vou ter pressa quando voltarmos para esse quarto.
Quando chegamos à sala de jantar, Sarah e Hawk já estavam
comendo, os dois não pareceram notar nada estranho em Alissa quando
chegamos, minha parceira e eu ocupamos nossos lugares à mesa.
— Como você está, Alissa? — Sarah perguntou, visivelmente
angustiada.
— Eu estou bem — a mulher respondeu, forçando um sorriso. —
Você parece exausto, Hawk.
— Olha, cunhadinha, por conta do nosso invasor misterioso, eu não
durmo há mais de quarenta horas — meu irmão declarou. — Enquanto não
tivermos respostas, é provável que eu fique assim por bastante tempo.
— Eu sinto muito por causar tantos problemas.
Hawk descartou o pedido de desculpas de Alissa e nós comemos em
um silêncio tenso, porque cada um naquele lugar tinha suas preocupações e
angústias.
— Você se importa se eu levar Alissa para dar uma volta depois, Alfa
Fenrir? — Sarah perguntou. — Acho que ela está precisando sair um pouco
da mansão.
Encarei Alissa que meneou a cabeça, concordando com o que a
minha cunhada dizia.
— Tudo bem, mas evitem lugares que você não conhece bem, e se
mantenham onde nossos patrulhadores possam estar de olho — pedi.
— Está bem — Sarah respondeu.
— É uma boa ideia que vocês duas se distraiam um pouco, Fenrir e
eu temos algumas coisas para discutir…
— E talvez eu tenha que acertar a cabeça dele com uma pedra para
obrigá-lo a dormir — completei, fazendo Alissa rir baixo.
Sarah e a minha parceira foram se arrumar para sair, então meu irmão
e eu ficamos a sós na sala de jantar, Hawk observou o ambiente, se
certificando que estávamos sozinhos e ele cruzou os braços sobre o peito.
— Conseguiu descobrir onde ele escondeu o dinheiro? — Hawk me
perguntou com um cansaço evidente no rosto.
— Consegui, mas você sabe que não gosto de usar meu poder de alfa
nas pessoas, ainda estou ligado a ele de alguma forma.
Meu irmão concordou, Hawk estava exausto demais para sentir algo
além de si mesmo, mas geralmente, ele podia sentir algo da minha ligação
com os lobos através de mim.
— Você realmente precisa descansar — avisei, percebendo como os
olhos dele estavam vermelhos.
— Não consigo descansar — Hawk falou. — E não tem a ver com o
ataque a Alissa na outra noite. Eu já não tenho dormido uma noite inteira
desde o último outono.
— Lá vamos nós — resmunguei.
— Fenrir, a maioria dos nossos lobos já não conseguem utilizar
feitiços simples como mover uma corrente de ar. Curandeiros mal estão
conseguindo cicatrizar um simples corte mágico — lembrou preocupado.
— Todo o nosso poder, e nosso nome como alcateia, está sobre os nossos
talentos com feitiçaria.
— Ainda somos lobos poderosos — repliquei.
— Sim, mas existem dezenas de alcateias por aí com lobos
poderosos, nossa diferença está na magia que carregamos — Hawk
relembrou, como uma de nossas aulas de história na infância. — Caer foi
bem clara quando surgiu na fogueira do ano passado, se você não gerar um
filho até o próximo outono, a bênção que ela nos deu vai desaparecer.
Soltei um suspiro, aquele castigo que Caer tinha lançado sobre nós,
foi algo palpável desde o início. Hawk tinha razão no que dizia, mas eu não
podia pedir a Alissa que gerasse um filho meu para nos impedir de perder
nossos poderes, nem mesmo tinha conseguido imaginar uma maneira de
falar com ela sobre isso.
— Vocês pareciam mais próximos hoje do que nas últimas semanas,
desde que ela chegou aqui — comentou.
Esbocei um sorriso de canto, Hawk era bem perceptivo, ele ter
reparado naquilo não deveria me surpreender, a alegria daquele instante
desapareceu quando a ideia de que eu estava escondendo algo de Alissa
passou pela minha cabeça.
— Ainda não conversei com ela sobre o castigo de Caer — confessei.
Hawk se apoiou na cadeira, cruzando os braços sobre o peito, ele
soltou um suspiro pesado.
— Você acha que ela vai deixar que nossa alcateia perca o poder se
souber?
A pergunta de Hawk pairou entre nós, eu não tinha ideia do que
pensar a respeito, Alissa estava se abrindo comigo, nós aceitamos um ao
outro, antes da certeza da parceria, eu queria acreditar que ela não me
deixaria perder tudo, mas um filho era uma responsabilidade extrema, não
deveria ser uma moeda de barganha com uma deusa.
— O que foi? — Hawk questionou. — Acha que ela vai se recusar?
— Não sei, mas estava pensando que Caer não deveria ter colocado
uma criança como moeda de barganha aqui. Isso não é nada justo.
O silêncio nos envolveu, Hawk e eu tínhamos sido parte de algo
semelhante, nossos pais não queriam ter filhos, porque imaginavam que
isso os enfraqueceria, ambos eram poderosos individualmente e temiam ter
uma criança que herdasse ambos os seus poderes, o que colocaria esse filho
como uma ameaça ao poder deles, mas uma vidente os alertou que se
continuassem naquele caminho, a alcateia cairia em uma guerra que
culminaria em seu fim, se não tivessem herdeiros diretos. Então, nós fomos
gerados.
Eles tinham sido bons pais, na medida do possível, porém nós
sempre sentimos que éramos um fardo e eu não queria ter um filho para
fazê-lo passar pelo mesmo.
Capítulo 30
Fenrir
Passei o resto do dia enfurnado no escritório, resolvendo as
papeladas, escrevendo os relatórios sobre o cadáver do invasor da minha
casa e sobre o lobo que interroguei.
Quando finalizei o segundo, encostei a cabeça na cadeira e encarei o
teto, aos poucos, a sensação de ligação com o lobo que questionei se
dissipava.
Batidas na porta me fizeram encará-la.
— Achei que você estaria com fome — Alissa disse abrindo a porta,
ela equilibrava uma bandeja num dos braços.
Acabei sorrindo ao vê-la, a mulher entrou no escritório e fechou a
porta, meus olhos a devoravam em cada passo que dava em minha direção.
— Obrigado por pensar em mim — sussurrei.
Ela colocou a bandeja sobre a mesa e se sentou no lado oposto.
— Eu sempre penso em você — respondeu com um sorriso doce no
rosto.
Eu vinha amaldiçoando Caer desde o que ela avisou no último
outono, mas receber uma parceira como aquela, me fazia cogitar a
possibilidade da deusa realmente ter alguma gentileza por mim. Talvez até
maior do que eu mereça.
— Então, o que esteve fazendo? — perguntei, pegando um dos
pratos que ela trouxe.
— Fui à cidade com a Sarah, nós compramos alguns materiais para
artesanato. E ela me levou para visitar o centro de artes — Alissa contou,
com os olhos brilhando em emoção.
— Você se interessa por arte? — perguntei curioso.
— Sim, eu aprendi a tocar piano quando era mais nova, mas também
gosto de mexer com argila e fazer algumas esculturas.
Era apaixonante observar a paixão dela, conforme falava, Alissa
parecia realmente leal aos interesses dela, apaixonada por cada um deles.
Ouvi-a falar sobre suas próprias obras, personagens da nossa história e até
de criaturas além de nós, imagens que ela mesma fez com suas mãos.
Nós comemos em meio ao som das risadas alegres dela e eu me senti
completamente perdido naquela paixão que ela expunha.
Quando terminei de comer, rodeei a mesa enquanto ela recolhia os
pratos e talheres na bandeja, segurei-a pela cintura, Alissa sorriu ao sentir o
meu corpo preso ao dela. Aproximei meu rosto do pescoço dela, roçando o
nariz em sua orelha.
— Lembra do que eu disse? — perguntei baixo.
— O que você me disse? — retrucou rouca.
— Que eu te devoraria inteira hoje — lembrei.
— Fenrir… — meu nome soou baixo na boca dela, a excitação
percorria seu corpo, sendo exalada no cheiro da mulher.
Alissa se virou para mim, envolvendo meu pescoço com os braços.
Segurei-a pela cintura e a coloquei sobre a mesa.
— Qualquer um pode entrar aqui — ela lembrou.
— Isso te deixa desconfortável? — provoquei.
— Claro que deixa! — respondeu pálida.
Sussurrei o feitiço de selamento para a porta e voltei a estudar a
mulher sobre a minha mesa de trabalho. Afastei as pernas dela enrolando a
saia no processo, os olhos de Alissa me devoravam, brilhando pela
excitação.
— Ninguém mais pode entrar aqui — garanti, puxando a saia dela
mais para cima, revelando uma calcinha vermelha que mal parecia cobri-la.
Movi os dedos para o tecido fino que a cobria, sem me surpreender
ao sentir como ela estava molhada. Alissa encarava minha boca com o
coração acelerado no peito, o som ecoando nas paredes da minha sala.
— Você não imagina o quanto que eu desejei este momento ao longo
do dia — sussurrei, voltando a beijar o pescoço dela.
Segurei a coleira que ela usava para esconder seu lobo, pronto para
tirá-la dela, mas Alissa me impediu.
— Não vamos arriscar demais — sugeriu.
Inspirei fundo, imaginando que precisaria me controlar um pouco
naquele momento.
— Tudo bem — respondi em voz baixa.
Segurei a calcinha que ela usava e a puxei, livrando-a da peça. Alissa
segurou o cinto que eu usava, ofegando com a pressa que eu podia sentir no
corpo dela. A ajudei a abrir minha calça e afastei a cueca, revelando o meu
pau duro, que latejava por ela.
Alissa me encarou, parecendo faminta pelo desejo, aproximei minha
boca da dela e provoquei:
— Cuidado, Alissa, desse jeito vai me fazer pensar que tenho carta
branca para foder com você como quiser.
Ela soltou um palavrão e me puxou para perto pelo pescoço,
mordendo a minha boca, conforme suas pernas se ajustavam ao meu
quadril, coloquei o meu pau em sua entrada úmida e a penetrei com
firmeza, Alissa rosnou na minha boca.
Cada parte dela parecia tão perfeita para mim, que meu corpo
simplesmente tomava o controle de si mesmo quando eu estava com Alissa.
Minhas penetrações faziam a mulher arfar contra a minha boca. Eu a
segurei pelo quadril, puxando-a para mais perto de mim, aumentando a
velocidade dos meus movimentos.
Alissa interrompeu nosso beijo, gemendo alto enquanto se segurava a
mim. Puxei a blusa dela para cima, livrando-a da peça, meus dedos foram
até o fecho de seu sutiã e Alissa me ajudou a tirá-lo.
Eu limpei a mesa atrás dela, atirando a bandeja de pratos sujos para o
chão, Alissa nem mesmo virou em direção ao vidro quebrado, a segurei pela
nuca, agarrando seu cabelo entre os dedos.
Cada vez que eu me movia, mais Alissa grunhia, ela inclinou-se para
trás, me dando acesso aos seios fartos, minha boca desceu sobre eles,
provocando mais prazer a ela.
— Fenrir, eu estou… — ela se interrompeu, o meu pau foi apertado
dentro dela e eu diminuí as estocadas.
Alissa me olhou confusa, mas eu a afastei da mesa, deixando seu
interior, a virei para que ficasse de costas para mim.
— Deite-se — pedi, acariciando a barriga dela.
A mulher me estudou, mas obedeceu se virando, ela deitou o tronco
sobre a mesa, deixando sua boceta encharcada livre para que eu a
contemplasse, por mais que eu quisesse devorá-la ali, meu pau dolorido
desejava fazê-la gozar, então eu voltei a penetrá-la.
Alissa se segurou, me olhando de lado, um rosnado alto escapou da
minha boca, conforme o interior dela parecia me esmagar, era quase como
se o corpo dela estivesse menor, mais apertado.
— Você quer que eu te coloque de volta na outra posição? — rosnei.
— Não! Só continue — pediu rouca.
Cada estocada, fazia com que Alissa fechasse os olhos com força e
mordesse os lábios tentando controlar o volume dos gemidos que pareciam
gritos naquela altura.
Meu corpo estava prestes a explodir, mas continuei aumentando as
minhas investidas, arrancando sons menos discretos da boca dela, Alissa
grunhiu segurando-se à mesa.
O cheiro do orgasmo dela preencheu a sala e eu diminuí meu ritmo,
por mais que estivesse completamente me opondo a isso.
Ela estava ofegante, quando me encarou parecendo perdida. Me
inclinei sobre ela.
— Isso está apenas começando — avisei.
Alissa sorriu de canto, parecendo feliz com a ideia, a levantei
daquela mesa e deixei que voltasse a ficar de pé, deixar o interior dela foi
uma das coisas mais dolorosas da minha existência, mas consegui fazê-lo. A
mulher arrancou a camisa que eu usava e eu respirei com o coração
acelerado ao me livrar do resto das roupas.
Ergui a mulher do chão e Alissa entrelaçou as pernas ao meu redor,
carreguei-a pelo escritório, até o sofá. Alissa tentava se mover no meu colo,
porém eu a segurava.
— O que você quer? — perguntei, me divertindo ao segurar o quadril
dela rente ao meu pau e sentir o esforço que ela fazia para iniciar uma
penetração.
Alissa me encarou ofegante, claramente irritada com a minha
provocação.
— Coloca de novo! — pediu.
— Quer que eu te coma de novo? — perguntei.
Ela concordou com a cabeça.
— Fale claramente — provoquei.
— Fenrir, por favor — sussurrou, arfando pelo esforço que fazia
contra os meus braços.
Eu deixei que o corpo dela se ajustasse no meu colo, penetrando-a
lentamente, Alissa respirou fundo, sua boca rente a minha, o hálito quente
tocando meu rosto de maneira apressada.
Quando a soltei, a mulher começou a se mover, em um ritmo insano,
apoiando-se nos joelhos conforme rebolava no meu colo. Meu corpo
parecia completamente preso à sensação de sentir o meu pau dentro dela.
Alissa gemia alto contra a minha boca, até que eu a segurei pela
nuca, colando os nossos lábios. Minha língua explorava a boca dela, o
corpo dela estava ardendo contra o meu, cada movimento do quadril dela,
me deixava mais desesperado.
Joguei-a sobre o sofá em um movimento e segurei seus braços acima
de sua cabeça, Alissa fechou os olhos, mas seu quadril ainda se movia em
direção ao meu, num ritmo intenso que eu repetia.
Cada penetração, parecia arrancar mais sons roucos da garganta dela.
Sons que me percorriam por inteiro, arrancando meu consciente e dando
lugar a uma necessidade predatória dela.
Estava prestes a explodir dentro dela, quando Alissa abriu aqueles
olhos penetrantes e selvagens como uma tempestade arrasadora, meu corpo
se tornou uma casca vazia de tão perdido que eu estava no prazer que ela
proporcionava.
Quando eu gozei, o cheiro se misturou ao segundo orgasmo dela,
Alissa tremia em meus braços e eu me inclinei, beijando seu rosto.
Capítulo 31
Alissa
Quando Fenrir saiu do meu interior no escritório, nós nos vestimos e
ele fez um feitiço para consertar os pratos que quebrou, eu ia deixar a
bandeja na cozinha, mas o alfa a largou sobre uma mesa qualquer e nós
seguimos para o quarto que dividimos.
Assim que passamos pela porta, eu senti as mãos dele me segurando
outra vez, exalei uma risada ao ter o meu corpo atirado sobre a cama, o
corpo dele pesava sobre mim.
— Agora eu quero experimentar a minha outra parceira — Fenrir
sussurrou, tirando o objeto no meu pescoço que mantinha selada a minha
fera.
Encarei os olhos dele, sentindo aquela selvageria intensa me
corroendo por dentro. Eu não sentia a parceria ou meu desejo real por ele
com tanta intensidade quando a minha loba estava presa.
— Fenrir… — sussurrei com o corpo aquecido, ele já estava com a
mão sob a minha saia, avançando sem dificuldade já que tinha me impedido
de vestir a calcinha.
— O quê? — questionou, enterrando os dedos no meu interior.
— Não me faça implorar de novo — pedi.
O alfa sorriu de canto, conforme seus dedos me preenchiam
lentamente, movi o quadril desesperada por mais do prazer que ele
proporcionava.
Foder os dedos dele não era nem de longe tão prazeroso quanto ter o
pau dele dentro de mim, mas aquele imbecil parecia saber exatamente como
mover aqueles dedos no meu interior.
— Te fazer implorar é tão divertido — provocou.
— Você sempre foi tão cruel, Alfa Fenrir? — questionei, arfando ao
sentir o golpe daqueles dedos dentro de mim.
— Nunca te contei que sou um monstro? — rebateu, me arrancando
uma risada.
Deixei minhas garras crescerem e Fenrir me olhou impressionado
pelo controle. Arranquei a camisa que ele usava com elas, e o alfa sorriu.
Minhas garras percorreram a pele dele, espalhando um arrepio em
seu corpo. Fenrir praguejou, tirando os dedos do meu interior e me
despindo das roupas que usava.
Fenrir afastou os dedos do meu corpo, e se livrou das roupas que
usava, eu observei cada movimento daqueles músculos poderosos que
pareciam capazes de destruir qualquer inimigo.
Minhas mãos ansiavam para tocá-lo, mas eu me contive, meus olhos
focaram o pau duro dele que parecia dolorido pela maneira como Fenrir
parecia cauteloso.
Me sentei na cama, sentindo meu corpo latejar e meu interior se
contorcendo em ansiedade, segurei o pau dele com uma das mãos, Fenrir
me encarou, afastei o cabelo do rosto e aproximei minha boca.
O homem enrijeceu no lugar, ao sentir minha boca rodeando sua
glande, Fenrir rosnou baixo, conforme eu comecei a mover a língua ao seu
redor. Senti os dedos dele segurando meu cabelo com força, mas não
protestei, o alfa começou a mover minha cabeça para cima e para baixo.
Em um movimento ritmado e firme, o desejo que eu sentia parecia
capaz de me corroer por dentro, porém eu continuei aquele ato,
completamente rendida pelo prazer e desejo que ele me proporcionava.
Quando Fenrir se derramou em minha boca, meu coração acelerou no
peito, o homem me atirou contra o colchão, os olhos dourados espelhando
os meus, cada parte de mim pulsava em agonia extrema pelo que eu sentia
preenchendo minhas veias.
O lobo prendeu minhas mãos e seu joelho abriu minhas pernas, cada
parte de mim latejou, espalhando expectativa pelo meu corpo, o ar no
quarto se tornava ardente.
Fenrir me preencheu de uma vez, arrancando um rosnado feroz da
minha garganta, meu corpo parecia tão preso ao dele que me surpreendia
que soubesse funcionar sozinho. A boca do alfa devorou a minha, ao passo
em que suas estocadas se tornaram mais profundas.
Meu corpo parecia incapaz de raciocinar, algo que não tinha a ver
com o homem que me devorava por completo. Afastei minhas mãos das
dele, segurando seu tronco junto a mim, pressionando nossos corpos juntos.
Fenrir mordiscou minha boca, interrompendo o nosso beijo.
Fechei os olhos, aproveitando a sensação da pele quente dele tocando
a minha, os cheiros dos nossos suores e o sabor de nosso prazer ainda
misturado na minha língua.
Eu estava perdida, completamente perdida no que dizia respeito a
tristeza ou solidão, Fenrir Magi era o meu nirvana.
Os caninos dele roçavam minha pele espalhando ondas de prazer
pelo meu corpo, cada parte de mim estremecia em contato com o corpo
dele, o êxtase que o sexo me proporcionava, parecia ascender os limites do
meu corpo físico e de alguma forma me tocar até os limites da mente.
Meu corpo e o dele pareciam ter sido forjados um para o outro,
encaixando-se naquela perfeição que nós bombardeava com prazer extremo.
Eu sentia meu centro se contorcendo, quando estava prestes a gozar
outra vez, a cada golpe do quadril dele contra o meu, meu corpo estremecia
e eu senti lágrimas se formando em meus olhos.
— Fenrir — gemi o nome dele.
Seus lábios tocaram a pele do meu pescoço, os caninos roçando
minha pele com força, meus próprios caninos se alongaram, ansiando por
provar o sangue dele outra vez. Sentir o prazer que percorria suas veias.
— Eu quero foder com você até meu corpo não aguentar mais —
completei, arrancando uma risada satisfeita do alfa.
Ele segurou meu queixo, as garras tocando minha pele, os caninos
dele perfuraram minha pele e uma onda mais intensa de prazer me
preencheu, me levando ao limite do prazer e meu corpo estremeceu com o
orgasmo.
Fenrir pareceu mais feroz ao notá-lo, me instigando a derramar cada
gota do meu prazer.
Minha boca tocou a pele dele, e meus caninos se enterraram em seu
peito, arrancando um rosnado alto da garganta do alfa.
Então o senti derramando-se dentro de mim, sua língua percorrendo
as feridas que causou na minha pele, arrepiando meu corpo por inteiro. Eu o
prendi com as pernas, mantendo-o junto a mim, Fenrir acariciou meu corpo,
sem demonstrar qualquer pressa para sair de dentro de mim.
Capítulo 32
Alissa
Estava sentada no quarto com um livro no colo, uma chuva fina caía
lá fora, Fenrir ainda estava trabalhando, mesmo já sendo noite, eu tinha
jantado com Sarah já que o marido dela também não tinha chegado, mas me
despedi da loba mais cedo porque precisava ficar sozinha.
Eu estava perdida nos meus pensamentos há algum tempo, minha
pele estava quente, com as lembranças do dia anterior, de tudo que Fenrir e
eu tínhamos feito naquele quarto que ainda tinha o cheiro do sexo.
Em algum momento das últimas horas, minha atenção tinha se
desviado completamente do livro para observar a chuva, o cheiro de terra
recém-molhada impregnava o quarto, e eu me via perdida em lembranças
mais distantes.
De uma época em que a Vagantes das Sombras era pouco mais que
uma aula de história para mim, onde eu precisava lidar com a chacota e com
cada piada feita sobre a minha existência. E um sorriso surgiu na minha
mente, o sorriso que sempre foi o meu raio de sol.
Uma sacola foi pendurada diante dos meus olhos e meu coração
acelerou com o susto.
— Você parecia distraída — Fenrir comentou.
Segurei a sacola preta com ambas as mãos e a coloquei no colo.
— Estava pensando na minha família, em Alan principalmente.
Quando éramos crianças, ele adorava brincar na chuva, normalmente eu
fazia isso junto com ele, mas depois acabava pegando uma gripe e ele me
fazia companhia quando podia, enquanto eu estivesse de cama.
— Você sente saudade do seu irmão — Fenrir sussurrou.
Concordei com a cabeça. Ele indicou a sacola no meu colo.
— Abra.
Abri a sacola que ele tinha me entregado, peguei a caixa que estava
dentro e vi que era um celular.
— O que é isso? — questionei.
— Eu preciso estar sempre em contato com você, então resolvi
comprar um celular — explicou, pegando a caixa da minha mão. — Já está
configurado e o meu número é o seu contato de emergência, para me ligar
você só precisa apertar o número um e segurar.
Fenrir me estendeu o celular e eu sorri segurando o aparelho.
— Eu nunca tive um celular só meu — confessei. — Meus pais
nunca acharam que era necessário.
— Nem consigo imaginar o tipo de vida que você levou — o alfa
sussurrou estudando meu rosto com um misto de devoção e tristeza.
— Não era tão ruim, na maior parte do tempo… Tive liberdade de
viver como queria — suspirei, esboçando um sorriso forçado. — Claro,
nunca sonhei com um relacionamento ou menos ainda que alguém poderia
se apaixonar por mim.
— Você tem muitas características apaixonantes, Alissa — Fenrir
garantiu.
O encarei sem acreditar no que dizia, afinal, como meu parceiro,
Fenrir estava condenado a ter um tipo de devoção irracional sobre mim.
— Não se trata da parceria — Fenrir avisou, como se lesse meus
pensamentos. — Desde que te vi descer daquele carro, achei você
deslumbrante e o seu cheiro…
Fenrir se interrompeu sacudindo a cabeça, um rosnado baixo escapou
da boca dele e eu sorri.
— Mas você tem uma alma calorosa e um coração gentil, qualquer
um consegue sentir isso apenas por te olhar. Talvez todo o ódio que você
recebeu tenha sido exatamente por isso.
O observei confusa e Fenrir sorriu.
— Você tem de graça o que muitos barganham com os deuses para
ter — explicou.
Sorri, grata por aquelas palavras. Fenrir foi para o banheiro dizendo
que precisava de um banho e eu disquei o número de Alan no celular.
Meu irmão atendeu quase imediatamente.
— Alô? — a voz dele soava cautelosa.
— Oi, Alan, sou eu — sussurrei.
— Ali?! — ele pareceu aliviado ao reconhecer minha voz. — Como
você está? Estão te tratando bem aí? Eu estava tentando convencer nossos
pais a irmos te visitar depois que soube o que aconteceu.
— Espera, Alan — pedi, antes que meu irmão tagarelasse. — Do que
está falando?
Alan ficou quieto do outro lado da chamada e eu imaginei que ele
estivesse procurando um lugar reservado para falar.
— Nossos patrulheiros informaram que alguns lobos dos Vagantes
das Sombras estavam na fronteira, nosso pai foi até lá e conversou com
Hawk Magi, ele explicou que alguém tentou te atacar — Alan contou.
Soltei um suspiro, eu não sabia se Hawk tinha relatado ao alfa que
viu o meu pai, ou se aquilo era algum jogo de espionagem, mas a
informação estar longe era perigoso.
— Você está bem? — Alan perguntou com cautela.
— Estou, consegui escapar por pouco — esclareci.
— Mamãe acha que estavam tentando te corromper, se a Luna de um
alfa gerasse um filhote que não é dele, isso seria uma desonra. O pai disse
que isso poderia afetar a todos nós…
— Eu estou bem, Alan! — garanti, interrompendo o que ele dizia. —
Consegui atacar o homem que me enfeitiçou e corri para o banheiro, Fenrir
e os outros chegaram logo em seguida.
Alan soltou um suspiro audível do outro lado.
— Não queria te deixar aflita com isso — sussurrou.
— Eu sei — ouvi a porta do banheiro sendo aberta e suspirei. —
Tenho que ir, esse número é do celular que o Fenrir me deu, pode me ligar
ou mandar mensagem por ele.
— Está bem, cuide-se — pediu.
— Você também — respondi, finalizando a chamada.
Encarei o homem que se aproximava de mim usando uma calça de
moletom. Fenrir me estudou com preocupação.
— Você ouviu? — perguntei e ele concordou. — Hawk falou algo
sobre ter visto o meu pai?
Fenrir negou com a cabeça.
— Meu irmão está meio estressado e exausto, ele pode ter esquecido,
mas não descarto a possibilidade do seu pai estar nos espiando — ele
confessou se sentando ao meu lado.
Encarei o rosto do alfa, sempre que observava Fenrir ao
mencionarmos o ataque daquela noite, eu tinha a impressão de que ele me
escondia algo.
— O que foi? — perguntei. — Tenho a sensação de que você está
escondendo algo.
— Existe uma razão para eu achar que o seu ataque pode ter sido
provocado por gente de fora da Vagantes das Sombras — explicou.
— O que está acontecendo?
Estudei o rosto dele com atenção, Fenrir parecia cheio de cautela, o
que me deixava nervosa.
— Tem algo que estou escondendo de você, Alissa — sussurrou.
— Você está me assustando — confessei, me afastando do toque
dele.
— Ano passado, no festival de outono, Caer…
Antes que ele conseguisse finalizar o que dizia, um grito o
interrompeu, meu coração acelerou no peito quando Fenrir saltou e correu
em direção a porta.
Deixei o celular de lado e corri atrás dele, sem me importar de estar
usando uma camisola e um cachecol escondendo a coleira que usava. Eu
não era tão rápida quanto ele, mas sabia em que direção estávamos indo.
Os gritos vinham da ala da mansão que pertencia a Sarah e ao Hawk.
Me apressei ofegante, tentando alcançar Fenrir que corria sobre duas pernas
poderosas.
Quando chegamos ao quarto dos dois, vimos Sarah tentando segurar
Hawk no quarto, o homem tinha os olhos vermelhos e parecia ter acabado
de sair de uma transformação.
Fenrir se atirou sobre o irmão, afastando Sarah dele. Segurei a
mulher que estava sangrando nos braços.
— Controle-se! — Fenrir rosnou.
— É a febre lupina — Sarah explicou. — Ele não dorme há várias
noites, a fera dele está fora de controle.
— Hawk Magi, eu, Fenrir Magi, seu alfa, ordeno que você controlese e durma.
As palavras de Fenrir pareceram me percorrer, a ordem naquele tom,
parecia corroer meu corpo, Sarah tremeu em meus braços e imediatamente,
Hawk se tornou menos selvagem.
— O castigo de Caer, Fenrir — Hawk sussurrou, com a voz rouca. —
Você precisa consumar… Precisamos de um herdeiro até…
O gêmeo de Fenrir caiu no sono e o alfa o deitou sobre a cama que
estava rasgada em vários pontos.
— Precisamos diminuir a temperatura do corpo dele — Fenrir
avisou.
Sarah se moveu, meu coração estava acelerado, meus olhos focados
no rosto de Fenrir, as palavras de Hawk ainda ecoando dentro de mim. Eu
não tinha ideia do que aquilo significava, mas pela forma como o alfa
evitou me olhar, imaginei que se tratava do grande segredo que ele vinha
escondendo.
Capítulo 33
Alissa
Cuidei dos ferimentos nos braços de Sarah, limpando os cortes para
ajudar a cicatrização, como Hawk estava doente quando a machucou, sua
magia teria dificuldades para curá-la.
Mantive os olhos em Fenrir, enquanto ele cuidava da temperatura do
irmão.
— Eu estou bem. Obrigada, Alissa! — Sarah me disse, segurando
minha mão.
Meneei em concordância e me levantei de onde estive sentada,
ajustando o curativo dela. Sarah caminhou até o alfa e pegou os tecidos
úmidos que ele segurava.
— Hawk deve dormir a noite inteira agora — ele sussurrou.
— Eu sei, obrigada por cuidar disso — Sarah respondeu. — Podem
ir, eu cuido dele agora.
Fenrir me lançou um olhar cheio de pesar que eu sustentei com
cautela. O alfa pareceu notar que algo estava me incomodando, e concordou
em sair de perto do irmão gêmeo.
— Qualquer coisa pode nos chamar, Sarah — ele disse.
Nós saímos do quarto deles e Fenrir me segurou pela cintura
conforme seguíamos para o nosso quarto, eu não ousei abrir a boca durante
o caminho, não com tudo que estava acontecendo ao nosso redor.
— Alissa…
— Do que Hawk estava falando? — questionei impaciente.
— Exatamente do que eu estava falando antes de sairmos daqui —
ele sussurrou.
Estudei o alfa, confusa, Fenrir não me impediu de afastar-me do
toque dele. Ergui os olhos para encará-lo.
— Fenrir, não minta para mim — pedi.
Ele suspirou, o lobo caminhou até a cama que dividimos e se sentou,
o olhar dele desviou-se do meu, e aquele momento de tensão era quase
sufocante no quarto.
— Fenrir, o que está acontecendo aqui? — insisti, quando ele ficou
calado.
— Você é a primeira mulher que eu toco em cinco anos — Fenrir
sussurrou, cruzei os braços sobre o peito estudando o rosto dele. — O
problema é que nos últimos anos, eu mal cumpria minhas obrigações como
alfa. Hawk é o segundo em comando e muitos já diziam que se ele e Sarah
tivessem um filho, essa criança seria a herdeira da alcateia.
— Certo, você passou por um momento difícil — murmurei,
observando-o com cautela.
— O problema é que no ano passado, Caer apareceu numa das
fogueiras do festival de outono. Ela não está contente por depositar sua
bênção em alguém como eu, então revogou nossos poderes, Hawk e eu
somos dois dos poucos que ainda possuem alguma habilidade em feitiçaria
aqui — ele contou.
Me sentei na cama, apenas porque não tinha certeza se minhas pernas
seriam capazes de me sustentar.
— Então, o que Hawk quis dizer com consumar e um herdeiro? —
perguntei, com a voz rouca pelo nervosismo.
— Ele acha que nós ainda não consumamos o nosso casamento, mas
a condição de Caer para depositar nossa bênção de volta é que minha
esposa esteja grávida até o próximo festival de outono — explicou.
— Isso é daqui a poucos meses — sussurrei aflita.
— Eu sei, por isso, Hawk arranjou nosso casamento, ele tinha
esperanças de que me casando, eu conseguiria cumprir a ordem da deusa, e
estaríamos seguros.
Respirei, tentando desanuviar minha mente do caos que tinha se
formado, poucos meses até o solstício de outono e se eu não estivesse
grávida até lá, os Vagantes das Sombras perderiam seus poderes de
feitiçaria.
— O homem que te atacou naquela noite, provavelmente estava
agindo sob ordens de alguém, se a alcateia perder seu maior trunfo por
minha causa, eu serei visto como um alfa inútil e logo as pessoas estarão
apoiando outro para comandar tudo — Fenrir explicou.
— Se aquele homem tivesse conseguido o que queria naquela noite,
se existisse a possibilidade de eu estar grávida de um filho que não fosse
seu…
Fenrir meneou em concordância, as coisas estariam praticamente
perdidas para ele e para os Vagantes das Sombras.
— Acho que eu vou vomitar — sussurrei.
O alfa esfregou minhas costas com gentileza, porém meu corpo
parecia completamente alheio ao que estava acontecendo ao redor.
— Isso abre muitas possibilidades de investigação, por um lado
existem pessoas na Vagante das Sombras que abririam mão da feitiçaria
pela possibilidade de tirar nossa família do topo da hierarquia — Fenrir
contou. — Por outro, a informação sobre o castigo de Caer pode ter vazado
e nossos inimigos de outras alcateias, podem ter enviado aquele homem
para tentar nos impedir de garantir a nossa magia. Isso tiraria nossa
vantagem.
A mão de Fenrir ainda massageava minhas costas, no entanto, eu
estava além de qualquer sensação física naquele instante. Tudo em que
podia pensar, era no quanto os jogos de poder no mundo dos lobos eram
cruéis.
— Alissa, eu sinto muito, por você estar nessa situação — declarou
em voz baixa.
Sacudi a cabeça negativamente, eu não podia culpá-lo pela situação
em que se encontrava, mas meu corpo estava completamente paralisado por
todas aquelas informações.
— Por isso Hawk fez tanto por mim, por isso, ele me fez sentir
acolhida quando esteve na Presas Pretas — comentei. — E aqui, ele nos fez
usar isso.
Estendi a mão para mostrar o anel que estava em meu dedo. Havia
um gosto amargo na minha boca, algo que me corroía, como se eu tivesse
acabado de sentir o peso de uma traição.
— Hawk estava desesperado, mas ele não agiu de má-fé com você,
Sarah e ele realmente se importam — Fenrir garantiu.
Eu o observei, não queria colocar a questão de Hawk e Sarah
gostarem ou não de mim em cheque, aquele não era o momento para isso,
nós tínhamos coisas mais importantes para lidar naquele instante.
— Me perdoe, por não te contar isso antes — ele pediu.
— Está tudo bem, não é como se essa informação fosse mudar algo
entre nós, só colocou um pouco mais de pressão sobre mim — sussurrei,
esfregando o rosto com as mãos.
— Não se sinta pressionada, Caer colocou uma exigência sobre nós,
mas não podemos controlar a natureza — ele disse com firmeza.
Concordei com a cabeça e fiquei de pé, me afastando do toque dele,
me aproximei da janela e observei a chuva pesada que caía lá fora.
— Até onde sabemos, já existe a possibilidade de eu estar grávida —
comentei.
Fenrir ficou quieto, eu sabia, desde a primeira vez que dormimos
juntos que o fato de não estarmos usando métodos contraceptivos poderiam
levar a uma gravidez, mas não tinha me importado com isso.
O lobo se aproximou de mim, envolvendo meu corpo com os braços,
as mãos dele estavam na minha barriga. Encostei a cabeça no peito dele e
me permiti aproveitar a companhia do homem que tinha virado meu mundo
do avesso.
— Mesmo que não fôssemos tão abençoados ao ponto de gerarmos
um filho tão rápido, eu não gostaria de colocar sobre você a pressão de
engravidar no prazo que Caer nos deu. Se tivermos que continuar com a
nossa magia, vai acontecer, se não, só precisamos nos acostumar à nova
realidade — sussurrou.
Me virei para observar o alfa e Fenrir me segurou pela cintura com
firmeza, os olhos dele passearam pelo meu rosto com aquele brilho
malicioso que me deixava com as pernas bambas.
— Eu vou adorar cada momento de nossas tentativas de engravidar,
se você estiver disposta a isso — murmurou, me fazendo sorrir.
— Você é realmente a pessoa mais insana que já conheci — acusei.
Capítulo 34
Alissa
Semanas depois
Durante algumas semanas, eu tinha começado a frequentar o centro
de artes com Sarah, estava dando aulas de piano para algumas crianças e,
até mesmo, tinha começado a fazer uma aula de desenhos, Sarah cuidava da
administração do lugar e eu tentava ajudá-la sempre que acabava meus
trabalhos no dia.
Usar a coleira que aprisionava minha loba acabava me deixando
sempre em alerta, mas depois de horas tocando piano, e de ouvir gritos de
crianças, eu me sentia exausta, enquanto andava pelo centro massageando
meus pulsos.
O jardim estava vazio, o corredor que me levaria ao prédio
administrativo também, o que era estranho dado o horário. Observei o lugar
com o coração acelerando no peito, senti uma dor forte na cabeça e tudo
ficou escuro, tentei arrancar a coleira do meu pescoço que estava coberta
pela gola da blusa, mas não consegui.
Alguém me segurou antes que eu atingisse o chão. Todos os cuidados
que Fenrir e eu tivemos, tudo que nós tínhamos imaginado, foi por água
abaixo enquanto alguém me segurava no colo.
Meus pulsos doíam, meus olhos se abriram, mas as pálpebras
estavam pesadas. Eu estava pendurada pelos pulsos, havia uma cadeira
diante de mim, com um homem estranho sentado. Ele usava um capuz e
uma máscara, me impedindo de qualquer maneira de identificá-lo.
As pernas dele estavam abertas com o encosto da cadeira entre elas,
os braços dele estavam pendurados sobre o encosto, e ele girava uma faca
entre as mãos.
— Finalmente, a bela adormecida acordou — ele disse.
Eu não conhecia aquela voz. Meu primeiro instinto foi verificar se
estava usando as minhas roupas, depois de perceber que sim, e sentir que
minha loba ainda estava presa, me ajustei sobre os meus pés acorrentados
pelos tornozelos e observei o meu sequestrador com calma.
— Vocês se tornaram bem mais criativos — comentei. — O que foi,
não tinha magia para me enfeitiçar e resolveu apelar para a agressão física?
— lancei a questão, forçando uma risada.
— Olha quem resolveu agir como uma fera — ele provocou, rindo
igualmente baixo. — Parece que dormir com o alfa fez você mudar
bastante…
As palavras dele me pegaram desprevenida, eu não sabia bem como
ele sabia sobre isso, mas movi meu polegar ao redor do dedo anelar
percebendo que não usava a aliança.
— Está procurando isso? — questionou erguendo a aliança entre os
dedos. — Sabe, Hawk Fenrir é mesmo um canalha de sorte e criativo.
Quem diria que ele ia conseguir arrancar o irmão daquela merda toda.
— Você realmente acha que isso vai dar certo? — retruquei,
ignorando o que ele dizia. — Fenrir não vai parar até me encontrar, e
acredite, ele vai me achar. Vocês estão entregando suas vidas pelo que
exatamente? Qual a razão extraordinária que faz com que suas vidas sejam
completamente insignificantes?
O estranho se ajustou na cadeira ao ouvir minhas palavras. Como se
minhas palavras o tivessem afetado. Movi minhas mãos sacudindo as
correntes de maneira impaciente, meus braços estavam doloridos naquela
posição, então eu tentava deixá-lo agitado com o barulho.
— Eu não estou aqui há muito tempo, mas já percebi que Fenrir e
Hawk Magi não são lobos comuns. Imagino que você saiba quem são os
meus pais — murmurei, o estranho não reagiu e eu tomei isso como
incentivo. — Já vi lobos poderosos, teimosos e orgulhosos, mas não como
aqueles dois. Nem consigo imaginar o tipo de morte que eles dariam a
alguém como você…
O estranho reagiu, se aproximando de mim rápido e apontando uma
arma para a minha cabeça. O metal frio tocou a minha têmpora e eu sorri,
controlando cada instinto apavorado que queimava em meu corpo.
— O que foi? Eu te deixei estressado? — perguntei. — Por que não
paramos com os jogos? Acha que me assusta colocando essa coisa na minha
cabeça? Sou só uma humana, um lobo não precisa disso para me matar.
Estalei a língua observando os olhos castanhos do meu sequestrador,
ele tinha uma marca de nascença abaixo dos cílios no olho esquerdo. Gravei
aquele detalhe na memória e sorri.
— Eu imagino que a bala nessa arma não é para mim — comentei.
— Deve ser um jeito do seu mestre te matar antes que você seja torturado
até contar quem ele realmente é.
— Você acha que é esperta, Alissa Blackfang? Acha que alguém vai
se importar que morra aqui? — ele questionou, a voz grave tão próxima ao
meu rosto que me deixou agitada, ele tinha um cheiro de amêndoas, algo
característico e que eu podia jurar que já tinha sentido antes.
— Olha, eu sou a Luna dos Vagantes das Sombras, o meu marido é o
alfa Fenrir Magi, meus pais são os alfas da Presas Pretas, então eu posso até
não ser querida, mas sei que as pessoas vão investigar a minha morte
minuciosamente — expliquei, com a voz carregada de deboche. — Não vai
demorar muito para rastrearem o seu mestre. Só espero que você não tenha
família.
O cano da arma dele se afastou do meu rosto, o que me deu um
estalo nos pensamentos. A reação dele quando mencionei uma família era
clara.
— Nem consigo imaginar o que Fenrir fará com a sua família quando
chegar até eles.
Ele se afastou de mim, caminhando pelo cômodo, sacudi as correntes
mais uma vez, ouvindo um ranger de dentes impaciente.
— Você acha mesmo que alguém como Fenrir Magi, vai deixar que a
sua família fique viva depois disso? — questionei sem conseguir ver o
homem que estava andando atrás de mim. — Pais, irmãos, esposa, marido,
filhos… Qualquer um que possa ter uma gota do seu sangue vai morrer por
isso.
— Você acha que tagarelar dessa maneira vai me impedir de te
matar? — questionou.
— Eu acho que se você quisesse me matar, eu já estaria morta —
lembrei, sacudindo as correntes.
— Quer parar com isso? — pediu, se aproximando de mim.
— Meus braços estão doendo — resmunguei.
Ele segurou meu rosto com força, meu corpo ficou tenso com aquela
aproximação.
— Ninguém vai te encontrar aqui, Alissa, só posso te matar em
último caso, enquanto isso, eu preciso garantir que você não vai conseguir
gerar o filho que Fenrir tanto precisa.
Encarei o homem sentindo algo dentro de mim se revirando, eu não
sabia o que ele tinha em mente, mas sabia que não seria agradável e, que
provavelmente, eu estaria perdida se não conseguisse remover a maldita
coleira que estava no meu pescoço.
Sacudi as correntes outra vez com mais força que antes e o estranho
pareceu ainda mais impaciente com a situação.
— Já que nós vamos ficar aqui por um tempo, que tal você me dizer
por que estamos nessa situação? — pedi.
Ele soltou uma risada e deu alguns tapas no meu rosto. O homem se
afastou de mim e ouvi um barulho alto das correntes caindo, meus braços
desceram.
Caí ao chão, e aproveitei o momento para desafivelar a coleira no
meu pescoço. Enquanto me contorcia, gemendo falsamente.
Um movimento certo do meu pescoço e o objeto que mantinha minha
fera trancada deixaria de me manter cativa.
— Quer ouvir uma história, Alissa? — ele perguntou, me segurando
pelo braço e me sentando na cadeira. — Vamos contar uma história.
O estranho me acorrentou ao chão, mantendo meus pés e braços
presos no mesmo lugar. Se eu me libertasse da coleira, conseguiria quebrar
aquilo em um instante, mas me contive. Porque precisava de respostas.
Capítulo 35
Alissa
— A verdade, Alissa, é que essa guerra começou há muito tempo —
o sujeito de pé diante de mim disse. — Quando a Senhora do Outono
lançou sua bênção sobre esta alcateia, ela mudou o equilíbrio da
coexistência.
— E daí? — retruquei me ajustando na cadeira.
— Daí que lobos que antes tinham esperanças de se tornarem alfas,
perceberam que não seria possível, porque a maior parte dos dons estava
concentrada no próprio alfa. E, as alcateias ao redor temem qualquer tipo de
ameaça direcionada aos Vagantes das Sombras.
Fiquei calada, eu me lembrava vagamente de algumas menções a isso
na época que estudava, os professores que nos ensinavam na Presas Pretas
sempre alertavam dos perigos de ser inimigo de um lobo da Vagantes das
Sombras.
— Quando a antiga amante do alfa morreu, Fenrir desistiu de viver,
então a possibilidade de existir um herdeiro direto na linhagem que Caer
abençoou deixou de existir, só que você surgiu aqui — ele disse.
— Fenrir tem um irmão gêmeo, qualquer bênção dele, poderia recair
sobre os filhos de Hawk.
— Aí que você se engana, se Fenrir morrer sem gerar um filho, a
bênção que ele recebeu de Caer morreria com ele e o desequilíbrio que a
deusa causou desapareceria, mas quando você chegou, a ameaça dele ter um
filho ressurgiu com você e por isso, sua existência é uma ameaça —
explicou.
— Certo, e quem te mandou aqui é alguém da Vagantes das Sombras,
ou simplesmente um inimigo de fora?
A pergunta soou casual, mas calou o homem que me observou
quieto.
— Não vai responder? — perguntei sem demonstrar a irritação que
sentia.
— Acha que sou idiota? — rebateu.
— Acho, só um idiota aceitaria um trabalho como sequestrar a
esposa de um alfa — respondi com um sorriso curvando minha boca. —
Além disso, nós dois sabemos que não vou sair viva daqui, então porque se
dar o trabalho de me esconder as coisas?
O homem pegou um celular do bolso e verificou alguma mensagem
que não consegui ler.
— Quem disse que não vai sair viva? — ele retrucou.
Me ajustei na cadeira, pronta para me livrar da coleira quando ele se
moveu, mas não o fiz, porque o meu sequestrador caminhou em direção a
algum lugar atrás de mim. Não virei o rosto para ver o que ele procurava,
porque temi tirar o objeto do meu pescoço sem querer.
Uma porta foi aberta, mas não houve conversas, apenas percebi pelo
som de passos se afastando que havia mais alguém ali. Esperei quieta
enquanto o estranho se aproximava de mim outra vez, ele ergueu uma
garrafa e eu a estudei calada.
— Sabe o que é isso? — ele perguntou.
— Como vou saber? — retruquei calma.
O estranho riu baixo.
— Isso é um abortivo poderoso. Como não sabemos o que pode estar
acontecendo dentro de você, vamos fazer as coisas com calma.
Engoli seco, observando o líquido escuro se mover na garrafa que ele
segurava. O homem captou o meu sinal de nervosismo.
— Depois que nos livrarmos de qualquer possibilidade de você estar
carregando o filho dele, que salvaria suas bundas no próximo outono,
vamos garantir que você só saia daqui carregando o filho de outro —
sussurrou.
Ele tirou a tampa da garrafa e eu respirei fundo, tentando não reagir
com base no meu nervosismo, ainda não tinha informações suficientes para
ir embora.
— Espere! — avisei, antes que ele se aproximasse de mim. — Você
sabe que tocar a parceira de outro lobo é um crime divino, não é? Se fizer
isso, você nunca poderá ter paz depois da morte.
— E daí? — questionou.
Fiquei calada, mas forcei um sorriso para o rosto.
— Achei que fosse inteligente — rebati.
O homem tampou a garrafa que segurava, me observando com
cautela.
— Não, é impossível — ele sussurrou, com a voz rouca.
— Eu sou a parceira de Fenrir — contei. — Se você me tocar vai
estar se condenando a uma morte miserável e um pós-vida infernal.
— Que prova você tem do que está dizendo? — ele perguntou.
— Quer correr o risco? — questionei.
Ele tirou o celular do bolso e se afastou de mim, permanecendo ao
alcance da minha visão quando fez uma ligação.
— Ela diz que é parceira do Fenrir — ele falou para a pessoa do
outro lado da linha.
Não consegui ouvir o que foi respondido, mas imaginei que a
condenação de um capacho, não faria diferença para o mandante de tudo
aquilo.
Um instante depois a ligação foi finalizada e o meu sequestrador
ficou imóvel por um longo tempo, ele parecia pesar os riscos e sua cabeça,
tentei imaginar maneiras de lidar com tudo aquilo.
— Foda-se! — ele resmungou se aproximando de mim.
— Se você fizer um acordo comigo, posso conseguir a segurança das
pessoas que você ama e barganhar uma sentença menos cruel, mas só se me
ajudar a sair daqui intacta — avisei.
Ele abriu a garrafa que vinha segurando e eu sacudi a cabeça, me
livrando do objeto que mantinha minha fera aprisionada.
Arranquei os grilhões que me prendiam ao chão e chutei o homem
que voou pela sala. Fiquei de pé, quebrando as correntes dos meus pulsos, e
levei a mão ao pescoço, tirando de vez a coleira para jogá-la para meu
sequestrador.
— Você devia ter percebido no instante que te falei que era parceira
dele — sussurrei, caminhando em direção ao homem que ficou de pé.
Ele rosnou, o líquido escuro que escorria perto dele não era sangue, o
cheiro forte de ervas preencheu meu nariz. Os ossos do homem estalaram
quando ele começou a se transformar.
Eu nunca tinha lutado com um lobo transformado, nas semanas desde
que Fenrir e eu começamos a planejar aquela investigação, ele tinha me
treinado pessoalmente, mas a prática seria diferente.
Respirei movendo meus pés para uma posição defensiva e esperei,
precisava entender como ele se movia se quisesse me preparar para um
confronto.
Capítulo 36
Fenrir
— O que você disse? — rosnei, irado ao atirar a mesa para o lado.
Sarah estremeceu ao ver a minha reação.
— Fenrir, fique calmo — Hawk pediu se colocando entre mim e a
minha cunhada. — Já estamos rastreando o paradeiro dela.
— A questão, Hawk, é que a sua parceira demorou muito para
perceber que a minha esposa sumiu! — enfatizei, senti cheiro de lágrimas
no ar e ignorei o choro de Sarah.
Caminhei para fora da sala, ignorando a presença dos dois. Os
guardas no corredor se assustaram quando a minha porta bateu com força
na parede.
— Sua Luna foi sequestrada, procurem em cada pedra desse maldito
lugar — rosnei a ordem.
Os dois se transformaram e saíram do prédio uivando, cada uivo em
resposta era uma passada daquela informação. Eu sabia os horários da
Alissa, sabia que ela tinha saído da aula há cerca de três horas.
Nesse meio tempo, muitas coisas poderiam acontecer. Antes que eu
me transformasse e percorresse a cidade numa forma bestial, senti a mão de
Hawk no meu ombro. A fera dele estava tão nítida que eu a senti.
— Você não deu um celular para ela? — questionou.
Peguei o meu celular do bolso e procurei pelo aplicativo para rastreála, mas o aparelho parecia estar na sede de onde Alissa foi sequestrada.
— O que foi? — Hawk me perguntou quando eu rosnei alguns
palavrões.
— O celular dela ficou na sede — expliquei.
Se ao menos ela não estivesse usando aquela maldita coleira, eu
conseguiria sentir sua loba.
— Se Alissa fosse uma loba… — Hawk sussurrou. — Já estão
farejando, em breve teremos alguma pista.
— Não é suficiente — respondi.
Minha fera surgiu, ansiosa com a parceira, meu corpo estremeceu
com a transformação que ameaçava chegar à superfície.
— Alissa deve estar passando por vários perrengues com essas
pessoas — Hawk murmurou rouco. — Ao menos sabemos com certeza, que
ela não está grávida, ou as coisas poderiam ser bem piores.
Segurei a aliança que estava no meu dedo anelar, Hawk observou o
movimento, meus olhos focaram a joia em meu dedo, eu a puxei deixando
que caísse no chão. Meu irmão praguejou.
— Vocês dois estão se protegendo para não conceber? — o pânico na
voz do meu irmão me fez fechar os olhos com força.
— Eu quero a minha parceira, Hawk — falei. — Vou retalhar
qualquer ferimento que causarem nela, não importa quantos inocentes eu
tiver que sacrificar, ninguém da linhagem desses filhos da puta ficará vivo.
Hawk piscou, completamente surpreso com o que eu dizia.
— Sua parceira? — soltou a palavra com a voz abalada.
Encarei os olhos do meu irmão, meus olhos dourados estudando os
olhos vermelhos dele.
— Sim, Alissa é minha parceira — confessei.
Hawk me segurou pelos ombros, os dedos enterrando-se
dolorosamente em meus músculos.
— Então sinta ela! — ordenou, nossos olhos fixos um no outro. —
Você pode rastrear a sua parceira.
Respirei fundo, sentindo cada laço do emaranhado que residia dentro
de mim, cada nó que me ligava aos lobos sob meu comando e ao meu irmão
gêmeo, meu companheiro de existência e a outra metade da minha alma.
Um laço pareceu mais forte, intenso e vivo que os demais e eu o
agarrei. Quando voltei a estudar o rosto de Hawk, me transformei, cada
estralar doloroso de ossos era nada, se comparado a fúria que me rasgava de
dentro para fora.
Quando assumi aquela forma poderosa, percebi que meu irmão já
estava iniciando a própria transformação, mas não o esperei. Apenas deixei
a besta que era assumir completamente e corri.
As ruas da minha cidade pareciam vazias, cada golpe das minhas
patas no chão deixava marcas profundas no asfalto. Invadi a floresta que
ficou em silêncio, como se cada criatura ali soubesse o que eu era e, que o
monstro mais forte da região a tinha invadido.
Eu podia sentir a presença de Hawk em meu encalço, cada fôlego
que exalava era calculado, cada pensamento que eu tentava agarrar era uma
ameaça de morte.
Alissa.
Minha parceira.
Minha Luna.
Eu não permitiria que ninguém a machucasse outra vez. A segurança
dela deveria ter sido minha maior prioridade. Meu coração parecia se partir
com a expectativa do que me aguardava no fim daquele caminho, não sabia
se suportaria perdê-la.
Meu corpo desacelerou quando senti o poder dela me percorrendo,
Hawk parou, sobre duas patas, o lobo escuro estudando meus olhos.
Ela se transformou, avisei ao meu irmão mentalmente.
Como isso é possível? Ele rebateu, claramente confuso.
A mordida de um parceiro, lembrei, antes de voltar a rastrear a
mulher por quem estava desesperado.
Hawk me seguia de perto, sem tentar me questionar naquele instante,
nós apenas tentávamos salvar a minha parceira.
As montanhas onde estávamos era uma mina abandonada que não era
explorada há muito tempo, se Alissa estava presa naquele labirinto, eu não
sabia o que esperar daquele resgate.
O cheiro de sangue nos alcançou, mesmo que estivéssemos a
quilômetros da entrada das minas. Se minhas patas acelerassem mais, eu
imaginei que voaria, mas mesmo assim, consegui seguir mais rápido,
derrapando na entrada do lugar.
Hawk e eu atingimos dois lobos que estavam na entrada, porém,
eram lentos demais para nos segurar.
O odor de sangue se tornou mais forte ali, a mina era estreita demais
para dois lobos do nosso porte corrermos lado a lado, então nós seguimos,
Hawk na retaguarda e eu na frente.
Não encontramos mais lobos nos corredores, o que me deixava
nervoso. Imaginei que se o pior tivesse acontecido com a minha parceira, eu
já teria percebido.
Alissa estava transformada e eu sentia sua fúria, sua precisão e sentia
a adrenalina que a estava percorrendo, contudo, não tinha ideia de nada
além disso.
Meus instintos me guiavam pelo labirinto de corredores, para onde
meu lobo sentia o dela, cada curva que fazíamos era calculada, meu coração
batia em um ritmo agitado, como se aquele esforço tivesse me desgastado.
Passamos por um corredor onde um homem estava despedaçado, os
braços e as pernas estavam espalhados pelo lugar, sangue manchava as
paredes e o chão.
A cabeça dele estava esmagada em um canto. Meu coração se agitou,
me perguntei se estava no caminho certo, se aquilo tinha sido feito por
Alissa ou se alguém mais estava ali.
O cheiro de podre, de morte e de metal impregnava o ar seco daquele
lugar, o sangue espalhado estava fresco, o que indicava que as mortes não
aconteceram há muito tempo.
Quando viramos numa bifurcação, avistei uma loba estraçalhando a
garganta de um homem parcialmente transformado.
Voltei a forma humana por instinto, Hawk pareceu tenso às minhas
costas, mas logo, também estava de pé ao meu lado, enquanto encaramos a
loba que se virou para nos estudar.
O corpo de Alissa estava coberto por pêlos, os seios evidentes no
corpo feral, os olhos dourados dela nos estudaram com atenção.
— Alissa… — murmurei o nome, sufocando com o poder que ela
emanava.
Minha parceira voltou a forma humana e correu em minha direção,
me abraçando com força. Segurei seu corpo contra o meu, sem me importar
com nada mais ao redor de nós.
Capítulo 37
Fenrir
— Eu vou ver se tem mais alguém por aqui — Hawk sussurrou.
— Não tem — Alissa disse, se afastando de mim.
As roupas rasgadas dela mal a cobriam, mas o meu irmão manteve os
olhos no rosto ensanguentado da minha parceira.
— Eu rastreei eles para impedir que fugissem. Eles mandaram me
caçar, então só ficaram os da entrada — ela contou.
— Já lidamos com eles — sussurrei. — Você está bem?
Segurei o rosto da minha esposa com ambas as mãos e ela sorriu, os
dentes humanos ainda estavam sujos de sangue, mas eu nunca a achei tão
sexy quanto naquele instante.
— Estou sim. Consegui tirar a coleira quando ele me desamarrou.
— Você sabe quem mandou te sequestrar, Alissa? — meu irmão
questionou.
— Não, mas eles estavam recebendo ordens pelos celulares —
avisou.
A minha parceira se afastou indo até o cadáver do homem que ela
tinha matado e pegou um celular do bolso dele. Ela usou o dedo do cadáver
para desbloquear o aparelho.
Hawk e eu nos aproximamos dela e Alissa abriu o chat de mensagens
do homem. A pessoa que estava comandando, enviava mensagens escritas
que diziam:
“Acabem com a integridade da Luna dele”
“Se ela lutar, apenas apaguem essa meretriz e continuem o que estou
ordenando!”
— Meretriz… — Alissa sussurrou o termo antigo.
— Não se ofenda com isso, Alissa, faremos com que essa pessoa
pague por isso — Hawk disse.
— Não, não é isso. Quantas pessoas você conhece que chamariam
uma mulher de meretriz? — ela questionou, encarando meu irmão. — A
maioria das pessoas me chamaria de vadia ou puta em um contexto como
esse.
— E, ele também falou “acabem com a integridade”, claramente, a
pessoa que escreveu isso não é tão jovem — expliquei.
— Tão jovem quanto Alissa, ou tão jovem quanto nós? — Hawk
perguntou, quase me fazendo rir.
Alissa nos olhou confusa, como se não soubesse exatamente quantos
anos tínhamos naquele instante.
— Nosso primeiro século foi há dez anos — Hawk contou.
— Deixando isso de lado — sussurrei. — Poucos dos nossos lobos
aqui, tem mais de dois séculos de vida.
Peguei o celular da mão de Alissa e rolei a conversa, percebendo que
havia algumas ligações daquele aparelho para o chefe.
Aproveitei aquilo e liguei para o número, colocando um dedo sobre
os lábios para que meu irmão e Alissa ficassem calados. Eu não sabia se
alguém dali tinha tido tempo de informar ao chefe que Alissa havia se
transformado e estava matando todos, mas torcia para que não houvessem
tido esse tempo.
— Conseguiram fazê-la tomar o abortivo? — ele questionou.
Encarei a minha parceira sentindo o sangue ferver no meu corpo, eu
conhecia aquela voz, bem o bastante para saber que não podia deixar aquilo
passar. Finalizei a chamada e encarei a mulher que me observava sem
confusão. Hawk estudava nós dois com o rosto pálido.
— Eu me transformei antes que conseguissem me forçar a beber —
Alissa avisou.
— Você está… — Hawk começou.
— Não, eu acho que não, eles só queriam garantir — Alissa o
interrompeu, sem desviar os olhos dos meus.
— Leve Alissa para casa, eu vou até esse homem e o farei pagar por
isso — ordenei ao meu irmão.
— Você sabe quem é? — minha parceira questionou rouca.
Concordei com a cabeça e desviei os olhos dos dela para encarar
Hawk.
— Leve-a até a mansão e deixe que Sarah se tranquilize ao ver que
Alissa está bem.
— Eu quero ir com você — Alissa avisou, atraindo minha atenção
mais uma vez.
— Você já fez demais aqui, Alissa. Já tem horrores suficientes na sua
cabeça — respondi, puxando-a para perto.
O sangue que a cobria me molhou, mas não me incomodei, beijei o
cabelo dela, que também tinha sangue nos fios. Alissa me apertou junto a si,
mas senti que os braços dela tremiam.
— Eu vou deixá-la em casa e te alcanço — Hawk prometeu.
Meneei em concordância e soltei a minha parceira para que ela fosse
embora com o meu irmão. Para longe de tudo que eu precisava fazer.
Depois de vasculhar a mina, eu achei uma caixa de explosivos,
imaginei que Alissa e Hawk já estivessem na mansão naquela altura, então
armei as bombas para fechar a minha completamente e explodi tudo antes
de seguir para onde precisava.
As palavras daquele homem me torturavam mentalmente. Eles
tentaram dar a Alissa um abortivo, a mulher que nem sequer sabia se gerava
um filho meu, ia ser submetida a esse tipo de tortura, apenas por estar no
meio daquele jogo.
Eu tinha suspeitas que Edgar pudesse estar por trás de tudo, já que
ele desprezou Alissa desde o começo, mas as aparências eram enganosas.
Rosnei ao pensar sobre tudo, se eu tivesse sido apenas um pouco mais
atento, as coisas poderiam ter tomado outro rumo.
Soquei a porta de entrada da casa daquela família, dos parentes que
eu trouxe para minha casa e que muitas vezes frequentei a casa deles.
— Estou indo! — ouvi a voz irritada de Mia do outro lado da porta.
Quando a mulher abriu a porta, eu não esperei um convite para
entrar, ela recuou, curvando a cabeça.
— Alfa Fenrir… O que o traz aqui? — sussurrou, assustada com os
olhos dourados que eu expunha.
— Onde Igor e Edgar estão? — rebati.
— Igor está se organizando para uma viagem de negócios e Edgar
está na universidade, ele é professor…
— Vou até o Igor — avisei, caminhando para as escadas.
— Alfa, o que está…?
Meu olhar a interrompeu e Mia ficou quieta, fechando a porta de
entrada conforme meus pés me guiavam pela escadaria que dava para o
andar de cima.
Algo selvagem parecia percorrer minhas veias, uma sede de sangue
que não sentia há muito tempo, aquela necessidade de arrancar a cabeça de
alguém, estava começando a me fazer sentir vivo.
Me lembrando do monstro que eu era e por muito tempo mantive
cativo no meu luto. Meus pés faziam o piso de madeira ranger sob meu
peso, mas não me incomodei em anunciar a minha presença.
Ouvi um coração acelerando quando cheguei ao andar de cima, segui
andando até a porta do quarto que sabia pertencer a Igor e a chutei,
arrancando-a das dobradiças.
O homem do outro lado saltou para o chão, fugindo da porta de
madeira que caiu sobre a cama, destruindo tudo que estava sobre ela.
— Igor Magi — sussurrei o nome.
— Alfa Fenrir — ele murmurou se colocando de joelhos.
— Eu sei o que fez — avisei. — Sei o que tentou fazer.
— Meu senhor, eu não…
— Me desafie, Igor! — ordenei, me aproximando dele e encarando-o
de cima. — Deixe a sua maldita covardia de lado e me desafie, vamos
resolver isso como lobos de verdade. Se deseja ser o alfa, lute por isso na
luz, não como um maldito rato percorrendo esgotos.
O homem ergueu o olhar para sustentar o meu, a raiva lampejando
em seus olhos, Igor sempre foi próximo ao meu pai, o bastante para agir
como um tio, como uma figura paterna depois que nossos pais se foram.
Capítulo 38
Fenrir
Igor ficou de pé, observando meu rosto com os olhos vermelhos
expondo a fera que era.
— Acha que eu seria tão tolo, Fenrir? — questionou. — Não me
resta muita capacidade de conduzir feitiços, como eu conseguiria te desafiar
nessa condição?
— Não preciso usar feitiços para arrancar o coração do seu peito,
Igor — respondi.
— Você está tão preocupado com uma meretriz humana ,que nem
sequer teria chance de entrar aqui se o seu irmão não tivesse cometido um
crime — rosnou.
Me aproximei um passo, até que nossos rostos estivessem a
centímetros um do outro e sustentei seu olhar.
— Chega de tagarelar, eu quero que você me desafie — lembrei.
— Querido… — ouvi a voz trêmula de Mia atrás de nós no corredor.
— E se eu me recusar? — ele questionou.
— Estou te dando uma chance de garantir que sua família sobreviva,
mas se agir como um covarde, não vou me importar de agir como um
monstro — alertei.
Os soluços atrás de mim não me afetaram, permaneci encarando o
homem diante de mim com nojo ao perceber que, às vezes, o inimigo mais
perigoso está dentro de nossas casas, participando de nossas vidas.
— Alfa Fenrir Magi, eu o desafio para um duelo sagrado e reivindico
o seu posto.
— Igor Magi, eu, alfa dos Vagantes das Sombras, aceito seu desafio.
Na próxima lua cheia, quando nossos poderes estiverem em pico máximo,
você eu duelaremos — respondi.
— O que você vai fazer com ele até lá? — Mia me perguntou.
— Até lá, seu marido ficará detido em minha prisão. Você e seu filho
estarão sob prisão domiciliar — avisei com firmeza na voz.
Movimentos apressados na entrada da casa me fizeram sorrir.
— Bem na hora — sussurrei.
Meu irmão surgiu com diversos lobos acompanhando-o, eles
seguraram Mia e Hawk trouxe até mim uma coleira como a que Alissa
vinha usando. A coloquei no pescoço de Igor e o estudei com diversão.
— Você tentou matar um filho que eu sequer sei se existe, mandou
que abusassem da minha parceira mais de uma vez, e sequer sabia o que
estava acontecendo.
— O que isso quer dizer? — Igor questionou.
— Você achou que eu ter uma parceira humana era uma desonra, mas
acontece que Alissa não é mais humana. Ela mesma retalhou todos os seus
capangas que estavam naquela mina.
O rosto de Igor ficou pálido, eu o segurei quando percebi que sua
mão se direcionava ao pescoço.
— Eu devia deixar a minha parceira brincar com a sua vida, como
você brincou com a dela antes do nosso duelo, seria divertido ver ela
cortando seu corpo, mas para sua sorte, sei que ela não é esse tipo de
pessoa.
Entreguei Igor aos lobos que estavam por perto e desci as escadas
com Hawk e os demais, Mia estava presa por um dos nossos betas e Edgar
estava no chão, com o joelho de outro em suas costas. O filho de Igor
rosnava tentando se livrar do meu lobo.
— Vamos dar as nossas atualizações — sussurrei, com todos os
olhares sobre mim. — Igor Magi me desafiou para um duelo que ocorrerá
em duas semanas, na próxima lua cheia. Até lá, ele ficará mantido na prisão
em minha casa, usando uma coleira que o tornará um humano. Mia e Edgar
Magi estão condenados à prisão perpétua até o dia do duelo e depois disso,
vamos decidir suas sentenças.
— Não deveria falar sobre decidir nosso futuro, já que estão
seguindo para um duelo — Mia falou com convicção. — Acha mesmo que
meu marido não tem chance de vencer?
Esbocei um sorriso convencido e encarei a mulher dele.
Quando chegamos a mansão, eu resolvi os documentos da prisão de
Igor e Hawk cuidou de tudo para que o trancassem, e ele mesmo
amaldiçoou a coleira do homem para que não pudesse tirá-la. Depois de
rever todos aqueles documentos, eu fiquei de pé e caminhei pela mansão
silenciosa.
Mesmo que nós estivéssemos livres de um inimigo, que todos
soubessem que sua Luna, era de fato uma alfa, e que nós dois estávamos
dormindo juntos. Ninguém tinha razões para comemorar, porque tínhamos
perdido uma família importante para a alcateia.
Igor havia sido o melhor amigo do meu pai, ele tinha sido seu braço
direito e muitos o adoravam, eu mesmo tinha dependido muito dele quando
assumi o posto. E ele ajudou Hawk a comandar enquanto eu vivia meu luto.
Cada passo meu, parecia ecoar na mansão silenciosa e meus pés me
guiaram até o retrato de Nina que estava em um corredor que levava ao
nosso antigo quarto. Eu adorava Alissa, sentia que morreria se a perdesse.
Minha parceira tinha cada pedaço do meu coração e alma, mas Nina sempre
seria a primeira mulher que eu amei.
— Será que você está feliz com tudo isso? — questionei.
— Meu Senhor — ouvi uma voz feminina me chamando, uma voz
que eu não ouvia há algum tempo, virei para observá-la.
A senhora diante de mim tinha rugas e cabelos grisalhos. Ela estava
na casa desde que éramos crianças, cuidando de tudo e, especialmente de
nós quando éramos crianças, ela se aproximou de mim e observou o retrato
de Nina.
— Ela era tão boa — sussurrou. — O coração dela era tão amável e
cheio de generosidade.
— Era sim — concordei.
— Nina chegou aqui para viver comigo depois que os pais dela
morreram e mesmo assim, ela sempre teve alegria — falou.
— Eu não sei se ela estaria feliz com as minhas atitudes agora —
confessei, desviando os olhos da mulher para encarar o quadro. — Jurei
nunca me envolver com outra mulher e aqui estou.
— Nina nunca quis que você estivesse tão preso a ela, Meu Senhor.
Ela sempre disse que não era sua parceira e que se algum dia você a
encontrasse, Nina deixaria que você vivesse sua vida como a deusa quis —
explicou.
Observei-a com atenção, eu sempre soube que Nina tinha crescido na
minha casa, porque ficou órfã, porém ela nunca falava sobre o passado.
— Nina nunca falava muito sobre a família, mas sempre dizia que
você era a avó postiça — expliquei.
— Sim, ela tinha uma cicatriz na alma, por ter visto os pais serem
mortos. Eu fui tia avó dela — contou, sem me olhar. — Perto de você, ela
queria sempre mostrar sua melhor versão, por isso não te falava sobre o
passado.
— Ela se sacrificava tanto assim… — murmurei, ainda estudando a
mulher ao meu lado.
— Acredite, Meu Senhor, Nina odiaria vê-lo sofrer por ela, por isso,
todos aqui que a conheciam, ficaram felizes com a chegada de Alissa — ela
disse. — Sua parceira trará vida para este lugar. Uma vida que o senhor
deixou desaparecer quando Nina se foi.
Suspirei ao ouvir aquelas palavras e movi os olhos para o retrato na
parede, sentindo a mão magra da idosa apertando meu braço.
— Ela deve estar muito feliz por ver você bem outra vez — garantiu.
— Sim, eu acho que sim — comentei, baixando os olhos para
observar a senhora.
— Caer parece ter acertado quando te uniu aquela garota, vocês dois
precisavam um do outro de maneiras que nem mesmo compreendem — ela
sussurrou.
— O que você quer dizer? — perguntei com cautela.
— Você precisava da delicadeza e do amor dela, ela precisava da sua
proteção e da força que você a fez sentir — explicou. — Um completa o
outro.
— Obrigado, Judith — sussurrei, ela sorriu divertida por eu ainda me
lembrar do nome dela, mesmo que todas as minhas obrigações me
mantivessem longe das pessoas com quem interagia no passado.
Capítulo 39
Fenrir
Quando passei da porta do quarto, ouvi o barulho do chuveiro e
caminhei em direção ao banheiro, Alissa estava lá com os olhos fechados e
abraçando o próprio corpo sob a água.
Entrei no box com as roupas que usava, desde que me vesti antes de
sair da casa de Igor e a mulher me estudou, conforme eu me ensopava
dentro das peças de roupa.
— Você está bem? — questionei, ela sacudiu a cabeça positivamente.
— Vai mesmo duelar com ele? — Alissa perguntou, afastando do
meu corpo o casaco que eu usava.
— Não vai ser a primeira vez que preciso duelar com alguém pelo
meu posto — confessei, ajudando-a a me despir das roupas molhadas.
— Fenrir, eu tenho medo que algo te aconteça — sussurrou.
— Nada vai me acontecer — prometi, segurando o rosto dela.
Alissa se aproximou, tocando meu corpo com o dela, os olhos da
minha parceira me estudaram, a afeição ali era tão nítida que eu me vi
sufocado em tudo que sentia.
— Eu amo você, Fenrir, isso não é apenas por causa da parceria.
Quero ter um filho seu, não porque o castigo de uma deusa impõe, mas
porque será nosso — sussurrou.
Encostei minha testa na dela, acalmando a tempestade de dentro de
mim.
— Eu também te amo, Alissa — confessei. — Com toda a minha
alma. E, é exatamente esse amor que me move a destruir qualquer um que
jamais ousou tocar em você.
Ela soltou um soluço e eu a puxei para mais perto, prendendo seu
corpo junto ao meu.
— Sinto muito por não ter chegado antes e você ter sido obrigada a
matar tantas pessoas.
— Não tem problema — sussurrou em resposta. — Eu faria tudo de
novo se precisasse.
Ergui a mulher do chão sentindo o corpo dela quente contra o meu,
Alissa envolveu-me com as pernas, aproximando a boca da minha, sem
conseguir conter o desejo que sentia por ela, eu a beijei, encostando o corpo
dela contra os azulejos.
Interrompi o beijo apenas por um instante, pensando sobre tudo que
aconteceu nas últimas horas.
— Se você não quiser, me diga agora e saia desse banheiro, porque
eu não aguento mais ficar longe — avisei.
— Eu quero você, Fenrir — ela sussurrou ainda com os olhos
grudados em minha boca. — Quero que me lembre que eu sou sua.
Um rosnado baixo escapou da minha garganta e eu percorri o
pescoço úmido dela com a língua, Alissa rosnou em resposta, apertando
mais meu corpo com as pernas.
Minhas mãos seguraram as coxas dela com mais força, até que eu a
movi meu pau para sua entrada, a mulher se moveu ansiosa por aquela
penetração. Quando a preenchi, Alissa arfou, um som que misturava todos
os seus anseios em um só exalar.
As mãos dela se prenderam com mais força ao meu pescoço,
conforme eu me movia, cada estocada se tornando mais firme, intensa e
cheia de emoções.
Alissa grunhia em minha boca, eu podia sentir o prazer que a
percorria, a maneira como a mulher parecia entrar em combustão a cada
movimento de meu corpo.
Minhas mãos a seguravam com firmeza, meus dedos enterrando-se
em sua pele. Abri os olhos, percebendo como o rosto dela estava sereno,
completamente livre da expressão preocupada de antes. Percorri seu
pescoço com os lábios, deixando provando aquele sabor doce que a pele
dela possuía.
Fechei o chuveiro com uma das mãos e carreguei a mulher para a
cama, Alissa soltou o ar quando nossos corpos despencaram sobre o
colchão, segurei suas mãos e as prendi entre os dedos.
— Você quer mais? — questionei contra sua pele.
— Si-sim! — gaguejou.
Meu coração batia rápido, bombeando por meu corpo um desejo que
nunca tinha experimentado antes.
A marca dos caninos dela em meu pescoço queimava, espalhando um
arrepio pela minha pele. Afastei o rosto do dela e agarrei um de seus
mamilos entre os caninos, Alissa soltou um grito alto e meu corpo pareceu
inflamado com o som.
A cada movimento dos nossos corpos, Alissa parecia mais inquieta
sob meu corpo, seu interior me pressionava com força, me alertando que ela
estava prestes a gozar junto comigo.
Cada parte de mim parecia ansiosa por aquele momento, para
arrancar dela cada gota de prazer que, apenas eu, podia oferecer a ela.
Aquele orgulho queimou meu interior, me fazendo explodir dentro dela, no
instante em que Alissa chorou ao atingir o orgasmo.
Os nossos cheiros misturaram-se no ar, se tornando uma essência
nova e tão cheia de prazer que me enlouquecia. Agarrei-a com força e nos
girei para ficar deitado, Alissa se ajustou sobre mim e sorriu, com as
lágrimas ainda brilhando em seu rosto.
A mulher se moveu, cavalgando o meu corpo, com movimentos
firmes e intensos, cada rebolar dela fazia com que um desejo desordenado
crescesse dentro de mim. Segurei-a pelo quadril, me movendo sob ela,
mantendo aquele ritmo intenso que ela iniciou.
— Você me ama? — Alissa questionou com os olhos me encarando
intensamente.
— Com toda a força da minha alma — respondi em um rosnado.
— Eu também — arfou.
Os seios dela balançavam diante dos meus olhos, arrepiados com o
meu toque, eu a segurei entre os braços me sentando para prender o corpo
dela no meu.
Alissa rosnou, agarrando meu corpo com força, seus dedos
pressionando meus músculos, suas garras arranhando minha pele, agarrei
sua boca com a minha, sentindo a língua dela explorando minha boca.
Os movimentos do quadril dela se tornaram mais firmes, enquanto a
mulher parecia se entregar completamente ao desejo que sentia por mim.
Cada penetração me fazia perceber o quanto o corpo dela parecia perfeito
para o meu.
A minha alma parecia devorar a dela na mesma intensidade que
nossos corpos se devoravam naquele instante. Alissa atingiu o prazer outra
vez, derramando-se ao meu redor e eu arfei segurando-a com força,
conforme girava outra vez, deitando-a sob meu corpo.
Segurei uma de suas pernas, prendendo-a com os dedos firmes, meu
corpo pressionava o dela sobre o colchão. A pele de Alissa estava suada,
evidenciando aquele odor doce que tinha me desesperado desde o primeiro
instante.
O olhar dela estava no meu rosto, arrancando-me de qualquer
pensamento coerente que não tivesse a ver com ela. Me inclinei, segurando
seu rosto com a mão livre e a beijei outra vez, sentindo o sabor daquela
boca que sempre pareceu tão apetitosa.
Alissa exalava pesadamente a cada penetração profunda e, eu
continuei expressando o desejo que sentia por ela com toda intensidade.
Meu prazer derramou-se dentro dela, mas a minha parceira não
parecia ter pressa para que nossos corpos se desprendessem, aproveitei o
toque carinhoso de suas mãos em minha pele, acariciando-a com toda
gentileza que nunca soube que possuía.
Capítulo 40
Fenrir
Os dias antes do meu duelo com Igor passaram rápido, Alissa e eu
aproveitamos ao máximo a companhia um do outro, imaginei que a mulher
estava realmente com medo que algo me acontecesse no duelo e resolvi
aproveitar meu tempo com ela de toda maneira, mesmo sabendo que Igor
não era forte o bastante para lutar de igual para igual comigo.
Na manhã do dia marcado, eu acordei com um susto, meu corpo
ficou tenso e um instinto primitivo de proteção tomou posse de mim,
segurei o corpo de Alissa contra o meu com força.
— Ai! — ela resmungou tentando se afastar de mim. — Fenrir…
Abri os olhos dourados para observar o nosso quarto, meu
inconsciente parecia gritar que eu devia tomar cuidado, mas não sabia
exatamente com o que me cuidar.
Observei o rosto aflito de Alissa e deixei que ela se afastasse o
bastante para que nós dois nos sentássemos na cama.
— Teve um pesadelo? — perguntou confusa.
— Não, é só que… — me calei quando ouvi algo batendo, um
coração acelerado.
Mais rápido do que o meu batia ou do que o de Alissa batia naquele
instante, observei o ambiente até que meus olhos focaram na minha
parceira, estudei o abdome dela, liso e sem qualquer indício de alteração,
mas o som vinha de dentro dela.
Alissa colocou a mão sobre o próprio ventre, o coração da minha
parceira acelerou, preenchendo o quarto com o segundo som mais alto e
acelerado que eu ouvia naquele momento.
— O que… — ela começou, mas se calou ainda parecendo nervosa.
— Eu o senti, antes do coração começar a bater — sussurrei.
— Fenrir — meu nome soou baixo na boca dela, como se a mulher
temesse o que estava acontecendo.
— Você está grávida, Alissa — soltei as palavras, sentindo um alívio
que fez lágrimas rolarem involuntariamente pelo meu rosto.
A mulher me abraçou, a camisola fina que a cobria parecendo um
incômodo naquele exato instante, eu a segurei com mais firmeza e a beijei,
mantendo-a junto a mim sem pressionar seu corpo.
Alissa me beijou, claramente ansiosa naquele beijo, a mulher puxou
minha camisa para cima e eu a livrei da camisola, rasgando a calcinha que
ela usava, afastei a calça que me cobria e a puxei para o meu colo.
Preenchendo seu corpo, Alissa rosnou na minha boca, aumentando o ritmo
das penetrações lentas que eu iniciei.
Os instintos que todos os lobos que conheci sentiam ao saber que
suas parceiras estavam grávidas, pareciam aflorados em meu corpo, eu
queria manter Alissa longe de perigos, longe de qualquer um que poderia
pensar em feri-la, ou tocá-la.
Era possível que a minha mulher já estivesse grávida quando foi
sequestrada, e uma raiva me corroeu com esse pensamento.
Igor poderia de fato ter matado o meu filho.
Esfreguei as costas de Alissa com calma no banheiro, a mulher
estava com os olhos fechados, aproveitando o toque em seu corpo.
— No que está pensando? — perguntei ao notar que ela parecia
agitada.
— Acha que é uma boa ideia que todos saibam dessa gravidez por
agora? — sussurrou a pergunta. — Eu sei que Igor está preso, mas ele não é
o único que deseja que os Vagantes das Sombras percam sua magia.
— Também pensei nisso — confessei, deixando que a água limpasse
o sabonete da pele dela.
— Acho que não deveríamos deixar que soubessem até o solstício de
outono — confessou.
— Qualquer lobo pode ouvir o coração dele — expliquei, havia
maneiras, é claro, de impedir que soubessem sobre a gravidez dela, mas eu
não tinha certeza se eram completamente seguras.
Alissa segurou minha mão e estudou meu rosto.
— Eu sei que você está ansioso para contar para todos, eu também
estou, queria sair gritando por aí que vamos ter um bebê — ela sussurrou,
rouca, os olhos de Alissa pareciam escuros naquele momento. — Só não
quero correr riscos, Igor quase fez com que me dessem um abortivo, nós
quase o perdemos antes mesmo de saber da existência dele.
— Eu sei — respondi em voz baixa. — Podemos tomar algumas
precauções.
— Como o quê? — questionou.
— Posso lançar um feitiço em você — contei. — Sempre achei
difícil entender, porque nos nossos livros de feitiços antigos, havia um
encantamento para esconder um feto, mas agora faz sentido.
— Imagino que algumas mulheres quisessem esconder filhos no
passado — Alissa disse e concordei.
Depois do banho, deixei Alissa no quarto e fui até a biblioteca da
mansão, havia diversos livros de feitiços ali que eu tinha estudado enquanto
crescia, levou um tempo até que encontrasse o exemplar correto.
Hawk se aproximou de mim na biblioteca e eu fechei o livro antes
que ele visse o feitiço que achei.
— Sabe, hoje cedo eu tive uma sensação difícil de entender vinda de
você — meu irmão comentou.
— Do que está falando? — perguntei, deixando o livro de feitiços de
lado e começando a guardar os que não precisava.
— Sabe quando nós sentimos que alguém que amamos está em
perigo e parece que a racionalidade nos deixa? — ele sussurrou. — Foi essa
a sensação. Tem algo acontecendo?
— Não, está tudo bem, só acho que estou um pouco nervoso com
essa noite — menti.
— Você passou as últimas semanas dizendo que não se preocupava
com isso, porque Igor não era forte o bastante para te matar — lembrou, me
encarando com desconfiança.
— Sim, ainda penso assim, mas ele foi alguém importante em nossas
vidas e provavelmente, eu arrancarei o coração dele hoje a noite —
respondi.
Hawk apertou meu ombro e me ajudou a guardar os livros de
feitiços.
— Achei que você não ia usar feitiços no duelo — comentou.
— E não vou — respondi em voz baixa. — Estava procurando um
livro para Alissa, ela quer ver se consegue aprender magia.
— Começando com um livro de magia de nível intermediário? —
rebateu com humor na voz.
— Eu vou levar um de nível básico também, mas tem um feitiço que
quero mostrar para ela — expliquei.
Ergui um exemplar com magia de nível básico e Hawk concordou
com a cabeça. Ele não parecia muito seguro do que eu dizia, contudo, não
discutiu quando peguei o segundo livro e saí da biblioteca.
Refiz meu caminho ao quarto e encontrei Alissa sentada perto da
janela com uma das mãos na barriga e os olhos nas macieiras no jardim.
Fiquei um tempo imóvel, encostado na porta, sentindo a presença do
nosso bebê nela, ouvindo as batidas daquele coração acelerado, Alissa
parecia um anjo naquele vestido azul claro, e o cabelo trançado sobre o
ombro esquerdo.
O filho que eu temi por tanto tempo ter, já tinha se enraizado no meu
coração e meu corpo parecia ansioso para tê-lo nos meus braços. Eu sentia
falta de cheirá-lo, e segurá-lo contra o meu peito. Alissa se virou para mim
e sorriu ao ver a maneira como eu a observava.
Capítulo 41
Alissa
Graças ao feitiço de Fenrir, apenas nós dois sabíamos sobre o bebê e
podíamos senti-lo, para o resto do mundo, ele não existia.
Me agarrei ao colarinho de Fenrir, o resto da cidade estava em
silêncio, com exceção de um ou outro uivo de algum jovem lobo sem
controle.
— Eu vou ficar bem — jurou pela centésima vez.
— Fenrir, você não pode me deixar agora — sussurrei.
— Não vou deixar — sorriu segurando meu rosto com ambas as
mãos. — Estou bem e logo isso vai acabar. Se você quiser ficar em casa e
não ver…
— Não me peça isso — falei apressada.
— Vamos? — Hawk chamou, Sarah nos observava aflita.
— Sim — Fenrir respondeu em voz baixa.
Eu segui o alfa e o irmão dele com Sarah se aproximando de mim, a
mulher de Hawk envolveu meu braço conforme seguíamos andando, nós
dois andamos em direção a saída da mansão, para a arena que havia nos
fundos do lugar.
Observei o lugar já lotado, eu tinha ouvido a movimentação dos
lobos que se aproximavam, mas não tinha ideia de que tantas pessoas
estariam ali para assistir aquela luta.
— Eles precisam testemunhar, seja para se curvarem ao novo alfa ou
reverenciar o poder do atual — Sarah explicou.
Observei a mulher com cautela. Nós duas seguimos os gêmeos Magi,
até que Hawk sinalizou para Sarah que me puxou para lugares perto da
arena.
Eu respirei, observando o parceiro que Caer me deu, os olhos de
Fenrir sustentaram meu olhar, não havia qualquer indício de medo em seus
olhos. Apenas o olhar de um predador.
— Esta noite, enquanto nossas feras estão em seu auge de poder, um
dos nossos me desafiou para um duelo. O meu parente distante, Igor Magi,
reivindica o direito que qualquer lobo dos Vagantes das Sombras possui de
tentar tomar o comando da alcateia para si.
Dois lobos surgiram na entrada da arena, ambos escoltando Igor que
caminhava de cabeça erguida, o homem parecia tão nobre e cuidado como
sempre pareceu, a coleira em seu pescoço foi removida e engoli seco. Ainda
tinha a sensação daquela coleira no meu pescoço.
— Você está bem? — Sarah perguntou. — Está pálida.
— Estou bem — sussurrei.
— Ele vai ficar bem — Sarah garantiu pressionando minha mão com
firmeza.
Concordei, no fundo, eu sentia que Igor não era poderoso para vencer
Fenrir em uma luta, mas temia o que ele poderia causar no alfa, temia ver o
meu parceiro ferido.
Hawk saiu da arena, os lobos que escoltaram Igor o seguiram,
respirei, sustentando o fôlego, meu coração bateu descompassado no peito,
Fenrir me lançou um meio sorriso antes de se transformar.
O poder do alfa ondulou no ambiente, o filho que eu carregava se
moveu agitado dentro de mim, provavelmente por sentir o poder do pai,
contive a vontade de colocar a mão sobre o ventre, apenas porque isso seria
suspeito demais e eu conseguia sentir cada olhar dirigido a mim naquela
arena.
O lobo de pelos escuros ficou sobre as patas traseiras, enorme,
imponente e exalando poder, as garras de Fenrir pareciam capazes de rasgar
aço.
Igor assumiu sua forma bestial em resposta, consideravelmente
menor e com menos força, os dois se encararam, os olhos dourados de
Fenrir encararam com ameaça os olhos vermelhos do outro.
Percebi que Hawk deu um passo ao lado, tentando ficar entre Sarah e
eu, e os lobos. Talvez porque o irmão de Fenrir fosse o único ali com magia
para nos proteger se algo desse errado.
Fenrir avançou para Igor, as garras dele rasgaram o abdômen do
outro, os rosnados e gemidos escapavam dos dois, a luta se tornou mais
feroz, com caninos pingando sangue e garras arrancando pedaços de carne.
Igor cambaleava e rosnava, o sangue escuro manchando o chão sob
os pés dele, Fenrir tinha alguns cortes pelo corpo, mas avançava, sem recuar
ou demonstrar qualquer sinal de rendição.
Cada golpe das garras do meu marido era preciso, ele rasgava Igor
como se o outro fosse um boneco com o qual treinava.
Meus olhos quase não conseguiam acompanhar a luta, quando Igor
tentava recuar, talvez para recuperar o fôlego, Fenrir o alcançava, atirandose contra ele, as garras cortando a carne do lobo.
Senti uma náusea ao observar aquela luta. O cheiro de sangue
impregnava a arena, muitos lobos gritavam e aplaudiam, a empolgação era
palpável no ar. A força primitiva dos lobos que lutavam parecia divertir os
que estavam ao redor.
Sarah parecia aliviada ao meu lado, mas eu tentava manter a minha
última refeição no estômago.
— Quer sair daqui? — Sarah me perguntou.
— Não — respondi calma.
— Você parece prestes a vomitar — ela avisou. — Nunca viu uma
luta de lobos?
Sacudi a cabeça negativamente, mas mantive os olhos fixos no duelo,
que não parecia durar muito mais.
Fenrir agarrou Igor pelo pescoço, o lobo se contorceu, expondo os
caninos, rosnando e rasgando o braço do alfa com as garras. Ouvi ossos
estalando, as garras do meu parceiro rasgaram o pescoço de Igor, mais
sangue jorrou das feridas.
A cabeça de Igor foi arrancada, o corpo dele caiu aos pés de Fenrir e
o meu parceiro segurou a cabeça do lobo que voltava a forma humana. Os
olhos arregalados marcando o medo que o homem sentiu antes de morrer.
Os olhos dourados de Fenrir me estudaram por um momento,
percorrendo meu corpo de cima a baixo. Eu não sabia como interpretar o
olhar dele, porém meu estômago continuava revirado.
Retornando à forma humana, meu parceiro deixou a cabeça de Igor
cair aos seus pés e observou a multidão silenciosa, ainda com os olhos
dourados.
— Essa é a razão pela qual a minha linhagem permanece no
comando dos Vagantes das Sombras, somos lobos! Feras bestiais que não
precisam de feitiços para derrotar um inimigo fraco como este — ele disse,
indicando o parente morto aos seus pés. — Esse é o preço da traição de Igor
Magi. Sua esposa e seu filho assinarão um pacto, jurando viver suas vidas
em servidão e jamais poderão continuar a linhagem desse porco.
Outro silêncio cheio de medo preencheu o ambiente. Hawk se
aproximou do irmão, entregando um roupão que Fenrir vestiu, o meu
marido estava coberto de sangue, seus olhos não me estudaram, eu não
sabia bem o que ele pensava naquele momento, apenas imaginava que o
olhar de sua forma animal tinha mais significado do que eu poderia
imaginar.
Os lobos que escoltaram Igor até ali cobriram seu cadáver.
— Vamos — Sarah chamou me puxando pela mão. — É melhor
sairmos daqui antes que as coisas fiquem complicadas.
Segui a esposa de Hawk para fora da arena, lançando um olhar para
trás e vendo que Fenrir nos observava sair. Respirei fundo, desviando os
olhos dele para continuar o caminho em direção a mansão.
Capítulo 42
Alissa
Esperei por Fenrir no quarto, ainda me lembrando do que Sarah me
explicou quando chegamos à mansão. Os lobos na arena despedaçariam o
cadáver de Igor, e fariam com os pedaços o que quisessem.
Alguns jogavam fora, outros queimavam, Sarah deixou no ar a parte
que eu sabia, muitos ali tinham liberdade para comer os pedaços se
quisessem. Eu não sabia como Fenrir se encaixaria naquilo tudo, porém,
tentava não pensar demais nisso.
Quando o meu parceiro chegou ao nosso quarto, eu estava sentada na
cama, encostada nos travesseiros. Fenrir entrou ainda ensanguentado, os
olhos escuros quase sem a vida que eu sempre via em seu olhar.
— Achei que já estivesse dormindo — ele confessou.
— Não conseguia dormir — admiti.
— Eu vou tomar um banho — respondeu rouco.
Fenrir seguiu para o banheiro, eu respirei fundo, quando fugi dos
meus sequestradores, tinha matado muitos lobos tentando achar uma saída,
e mesmo que as memórias daquele dia me assombrassem, eu sabia que
Fenrir tinha muitas daquelas memórias em suas lembranças e, naquele
instante, ele podia estar em um looping promovido por todos os fantasmas
que o assombravam.
Afastei os cobertores e saí da cama, caminhando descalça para o
banheiro, quando invadi o cômodo, encarei o homem que estava sentado no
chão do box, com a água caindo sobre ele.
Abri a porta de vidro e caminhei para dentro, ele ergueu os olhos
para me estudar, parecendo não estar completamente naquela realidade.
Me ajoelhei no chão perto dele, Fenrir me encarou, parecendo
perdido, segurei seu rosto entre as mãos.
— Você está bem? — sussurrei a pergunta.
— Estou, a maioria dos meus ferimentos já se foi — respondeu de
maneira automática.
— Não estou falando dos seus ferimentos — esclareci.
Fenrir me observou com aquela obscuridade nos olhos, meu coração
apertou ao vê-lo daquela maneira.
— Você precisa limpar o sangue — lembrei me levantando e
puxando-o para cima.
Meu marido me estudou conforme a água caía sobre seu corpo e eu o
ajudei a se lavar.
— Como você ainda consegue me olhar assim? — perguntou.
O observei com cautela.
— Como acha que eu deveria te olhar agora? — retruquei com
paciência.
— Não sei, com desprezo? — sugeriu, passando a mão no cabelo
molhado.
Fenrir tirou o sabão do corpo, e o sangue que ainda o impregnava se
foi, ele abriu os olhos para me encarar outra vez.
— Você é o meu parceiro, Fenrir, como eu poderia odiar algo em
você? — sussurrei.
— Alissa, não sabe o que precisei fazer hoje, o que aconteceu lá
depois que Sarah seguiu minhas instruções e te tirou daquele lugar —
comentou, desviando os olhos dos meus.
— Eu cresci entre lobos, Fenrir, nada no nosso mundo vai me deixar
assustada ou com nojo de quem você é — respondi.
— O coração do Igor era um presente ao vitorioso — sussurrou. —
Eu podia decidir o que fazer com ele.
— Não importa qual tenha sido sua decisão — afirmei.
Ele segurou minha mão, aquele olhar sombrio encarou meu rosto
quando Fenrir disse:
— E se eu o tiver devorado?
Meu coração se agitou um pouco ao ouvir aquelas palavras, mas
fiquei calada. Respirando fundo, falei o que minha consciência garantia.
— Não importa.
Fenrir me segurou contra si, me colocando sob a água quente que
caía do chuveiro. O abracei com força, sentindo cada fibra do corpo dele
relaxando.
— Eu o queimei — confessou. — Atirei o coração dele no fogo.
Concordei com a cabeça, sem que aquela informação tivesse
qualquer efeito em meus pensamentos.
— Não se importa mesmo com isso? — questionou.
Sacudi a cabeça e me afastei o bastante para encará-lo.
— Eu amo quem você é, não importa quão monstruosa ou sombria
seja sua pior versão — confessei.
Fenrir me ergueu do chão, encostando meu corpo na parede fria.
— Alissa, quero comer você — sussurrou, os olhos dourados me
estudando com atenção predatória.
Esbocei um sorriso ao prender seu corpo junto ao meu com as
pernas. Acariciei seu rosto antes de beijá-lo, explorando sua boca com a
minha língua.
— Faça isso — respondi ao interromper nosso beijo.
Ele puxou a minha camisola para cima, jogando a peça encharcada
de lado, em seguida, arrancou a calcinha que eu usava sem muita
delicadeza.
Meu corpo aqueceu, o coração batia descompassado em meu peito.
Fenrir me penetrou sem demora, o ar no banheiro foi preenchido pelo
cheiro dele.
Aproximei minha boca da dele, conforme o homem se movia dentro
de mim, espalhando ondas de prazer que me percorriam as veias.
Fenrir interrompeu nosso beijo, encostei a cabeça na parede fria,
tentando recuperar o fôlego, a língua dele percorreu a pele do meu pescoço,
até que seus caninos estivessem outra vez em minha pele. Meu centro se
contorceu ao sentir as toxinas dele percorrendo minhas veias.
O homem se moveu me fazendo grunhir contra o seu ouvido. Meu
corpo parecia estar tão bem naquela sincronia com ele que nada no mundo
parecia mais importante no momento.
Fenrir me segurou contra si, conforme fechava o chuveiro que esteve
nos molhando. O homem me carregou para fora do banheiro e me sentou
sobre a penteadeira que tinha sido realocada para aquele quarto.
Meu coração parecia capaz de rasgar o meu peito e fugir de mim,
mas eu não me importava, porque meu fôlego era o homem que percorria
meu corpo com dedos delicados.
As garras de Fenrir acariciavam minha pele, abri os olhos,
observando aqueles olhos dourados que me estudavam. Contemplando as
duas faces de um monstro.
Aquele que lutou na arena era o mesmo que usava suas armas para
me dar prazer.
Engoli o pensamento, deixando que se acomodasse dentro de mim,
se misturando a devoção que eu já sentia pelo meu parceiro.
Meu centro revirou, com aquelas ondas de prazer que me faziam
tremer, Fenrir lambeu a ferida no meu pescoço, aproximando os lábios da
minha orelha.
— Eu adoro você, Alissa — sussurrou. — Adoro cada parte do seu
corpo e do seu coração.
Eu sorri com a afirmação.
— Também adoro você — respondi emocionada.
Um sorriso se formou em meu rosto, aquela sensação vazia que
sempre pareceu me acompanhar na vida tinha desaparecido completamente,
dando lugar uma certeza de pertencimento.
O orgasmo fez meu corpo estremecer e Fenrir me segurou, enquanto
eu tentava recuperar o fôlego e ele continuava se movendo, arrancando cada
gota do prazer que me restava.
— Você está bem? — ele perguntou rouco.
— Estou recuperando o fôlego — confessei.
O alfa continuou se movendo dentro de mim, com suas mãos me
acariciando, aproximei minha boca da dele, o beijando durante o clímax do
prazer dele. Fenrir rosnava na minha boca.
Encarei os olhos dourados de Fenrir com os meus olhos também
dourados. Ele me segurava contra si, ainda ofegante, meu coração ainda
estava acelerado no peito.
Fenrir beijou o meu rosto e me carregou de volta para o banheiro.
Capítulo 43
Alissa
Meses depois
Eu vinha me sentindo mais enjoada do que nunca, de maneira que
ficou quase impossível sair do quarto pela manhã sem levantar suspeitas,
então passei todas as minhas atividades no centro para a tarde e início da
noite.
Mas há dois dias do solstício de outono, não havia como sair de casa,
eu saí do quarto ao meio dia e me encontrei com Sarah que estava
comandando as decorações da casa com lanternas.
— Parece que perdi a melhor parte — comentei em um
cumprimento.
— Não perdeu, ainda vamos fazer as nossas lanternas para soltarmos
na noite da Senhora do Outono — ela disse sorridente. — E, como Fenrir e
Hawk estão muito ocupados, vamos fazer as lanternas deles.
— Achei que tivéssemos que escrever pedidos nas lanternas —
rebati.
— Sim, mas eles escrevem os pedidos depois — ela respondeu
sorridente.
Sarah me olhou de cima a baixo. Mesmo que a minha barriga não
fosse evidente para os outros por causa do feitiço de Fenrir, eu ainda usava
roupas largas, minha amiga parecia atenta a isso.
— Então… Os seus pais devem chegar amanhã com o seu irmão
mais novo, não é? — ela me perguntou mudando de assunto.
— Sim, Alan me disse hoje cedo que devem chegar no fim da tarde
— esbocei um sorriso, ajudando Sarah a pendurar algumas lanternas na
casa.
— Você vai ficar bem com eles por perto? — perguntou curiosa.
— Vou, eu sinto falta do meu irmão — expliquei.
— E dos seus pais? — a pergunta pairou entre nós.
— Claro que, às vezes, sinto falta deles, mas não éramos muito
próximos — confessei, encarando a lanterna que tinha pendurado.
Me afastei da decoração e disse a Sarah que iria até a cozinha comer
alguma coisa. A mulher apenas concordou sem tentar me impedir de sair da
sala de estar.
Meus pés me guiaram até a cozinha, havia poucas pessoas ali naquele
instante, a maior parte dos empregados estava trabalhando na decoração da
mansão, outros tinham sido liberados para trabalharem no festival das ruas
da cidade.
Eu observei cada detalhe da cozinha, estive ali poucas vezes durante
os meses que morava na mansão, mas era um lugar bem equipado.
Enquanto vasculhava o cômodo com os olhos, percebi que minha boca
salivava ao pensar em guisado de cordeiro.
— Precisa de ajuda, senhora? — perguntou uma ômega me
observando com calma.
— Não, Rose, obrigada, eu vou preparar algo para comer, não se
preocupe comigo e faça o seu trabalho — respondi.
Ela concordou com a cabeça e me deixou sozinha. Comecei a
preparar a comida, sentindo o bebê em meu ventre se movendo
inquietamente, tentei não reagir, não colocar a mão na barriga para tentar
acalmá-lo.
Infelizmente, quando ele se agitava daquela forma, apenas a voz de
Fenrir parecia capaz de acalmá-lo.
Quando servi uma porção generosa de comida em uma tigela, eu
comecei a comer ainda de pé na cozinha, e a minha presença sempre
parecia deixar todos ali preocupados.
Mesmo que eu tivesse passado a maior parte da vida em uma cozinha
na casa dos meus pais, ali eu era a Luna, uma figura que representava poder.
Mastiguei em silêncio enquanto encarava a janela, para que os empregados
não se sentissem tão tensos com a minha presença.
Notei pelo canto dos olhos a aproximação de Rose e me virei para
olhá-la diretamente.
— Suco de maçã — ela sussurrou estendendo uma jarra de suco.
— Obrigada — falei, abrindo um meio sorriso.
Rose me serviu a bebida e me olhou com curiosidade.
— Senhora, se importa se eu fizer uma pergunta? — perguntou com
cautela.
— Fique à vontade — falei, pegando mais uma colherada da comida.
— Muitos aqui ficaram curiosos para saber por que a senhora parece
tão à vontade numa cozinha. E a senhora parece cozinhar muito bem —
comentou.
— Eu passava muito tempo na cozinha da casa dos meus pais —
confessei, entre colheradas da comida. — Aprendi muitas coisas na época
que ficava com as ômegas que os serviam.
— É por isso que a senhora não se parece muito com lobos do topo
— ela disse em voz baixa.
Esbocei um sorriso, me lembrando da vida que tive antes dali.
— Eu fui uma filha impura, Rose, não devo me parecer nem com os
ômegas. Fui humana na maior parte da minha vida — expliquei.
A surpresa pela minha honestidade estava estampada no rosto da
mulher, ela deixou a jarra de suco perto de mim e pediu licença para voltar
a trabalhar.
No dia seguinte, eu estava usando um dos vestidos que tinha
comprado com Sarah, meu corpo estava tenso, conforme esperávamos na
sala de estar pela chegada dos meus pais.
Fenrir estava com o braço em volta do meu corpo, apesar de parecer
um gesto casual, eu sentia a superproteção dele pelo bebê que eu carregava.
Nós ouvimos o carro que se aproximava da casa e Hawk ficou de pé
indo até a janela.
— São eles — ele falou.
Respirei fundo, observando o meu marido que estava encarando meu
rosto. Ele meneou para mim, em um aviso silencioso. Eu não era mais a
filha impura de alfas que tentavam encontrar um buraco no mundo para me
enfiar, era a Luna dos Vagantes das Sombras.
Nós caminhamos para fora da mansão, com Hawk e Sarah as nossas
costas. Respirei, lembrando a mim mesma os pensamentos que tinham me
ocorrido antes.
Meu pai usava uma camisa social branca e calça escura, minha mãe
estava com um vestido azul que berrava cifrões, Alan vinha atrás dos dois,
usando um moletom confortável.
Os sorrisos dos meus pais eram cheios de orgulho, provavelmente as
notícias da minha transformação chegaram até eles, mas Alan parecia
aliviado por me ver.
— Essa é uma visão que nunca pensei que teria. Os gêmeos Magi em
pessoa — sussurrou meu pai, estendendo a mão para o meu marido.
Fenrir apertou a mão dele com a mão livre, os olhos do meu pai me
percorreram de cima a baixo, como se medisse minha força.
— É bom ver você, Alissa — ele disse.
Ele se aproximou para me beijar o rosto e eu forcei um sorriso,
minha mãe cumprimentou Fenrir e me deu um abraço apertado.
— Que poder incrível — ela sussurrou ao se afastar de mim. — Se
soubesse que uma mordida te transformaria nesse ser extraordinário…
O sorriso da minha mãe me causou um calafrio.
— Só a mordida de um parceiro transforma um nascido impuro, mãe
— lembrei.
— Eu sei, mas teria sido bom saber que funcionaria antes — ela
falou, acariciando meu cabelo.
A mulher cumprimentou Hawk e Sarah, eu estudei o meu irmão que
se aproximou um pouco receoso, eu abracei-o e ele me apertou junto a si.
Depois daqueles cumprimentos, nós os convidamos para dentro,
Fenrir pediu que alguns empregados levassem as bagagens deles para os
quartos e minha mãe segurou minha mão.
— Querida, eu trouxe presentes, pode me acompanhar até o quarto?
— questionou.
Passei os olhos pela sala e Fenrir me lançou um olhar calmo.
Concordei em acompanhá-la e nós duas saímos da sala juntas.
Chegamos ao quarto de hóspedes que tinha sido preparado para os
meus pais e eu fechei a porta assim que entramos. Minha mãe caminhou
pelo quarto até a cama e abriu a mala que estava sobre o colchão.
— Bom, eu imaginei que você estaria grávida a essa altura —
comentou com desinteresse.
— Por causa do castigo que Caer impôs ao meu marido? —
questionei, cruzando os braços sobre o peito.
Ela me lançou um olhar, seguido de um meio sorriso.
— É, eu sei sobre isso. Me pergunto como vocês sabem tanto sobre o
que acontece aqui — sussurrei.
— Todos os alfas têm olhos nos outros lugares, querida, isso faz com
que seja simples sobrevivermos — ela falou tirando alguns pacotes da mala.
A mulher me estendeu os presentes e eu os segurei de maneira
automática.
— Fiquei feliz quando soube que você era uma loba — sussurrou.
Abri os presentes que ela trouxe para mim e ouvi um suspiro dela
quando abri alguns pacotes de roupas de bebê. Lancei um olhar sobre o
ombro para encará-la.
— O que foi? — perguntei com cautela.
— Eu sei que se você não estiver milagrosamente grávida amanhã à
noite, os Vagantes das Sombras vão perder seu poder.
— E isso te preocupa? — questionei com calma.
— Claro que sim, nós te mandamos para cá para formar uma aliança
com a maior alcateia da região. Isso significa segurança, não só para você
como para nós também — explicou.
— Entendi.
Soltei um suspiro e me sentei no colchão cruzando as pernas.
— Não me entenda mal — pediu. — É claro que nos preocupamos
com você.
— Está tudo bem, mãe, não precisa me dar explicações — avisei.
Ela se sentou ao meu lado e segurou a minha mão com força. Eu
observei nossas mãos entrelaçadas.
— Alissa, eu amo você, nunca duvide disso — pediu. — Quando
você estava dentro de mim, eu finalmente entendi o significado de
felicidade.
Encarei minha mãe, evitando colocar a mão sobre a minha barriga,
eu compreendia o que ela estava dizendo, porque sentia isso na pele.
— Eu acredito em você — avisei.
Ela me puxou para um abraço, pela primeira vez na vida, vi minha
mãe chorar, eu não sabia o que a levava a isso, mas ela estava chorando.
— Me desculpe por ser tão negligente com você, meu anjo —
sussurrou, a voz embargada pelas lágrimas.
Capítulo 44
Alissa
— Como você está? — Fenrir perguntou, me abraçando por trás.
— Estou bem — comentei observando o rosto dele pelo vidro da
janela. — Conversei com a minha mãe mais cedo.
— Eu imaginei. Quer falar sobre isso? — perguntou em voz baixa.
Me virei para encará-lo, Fenrir segurou meu rosto, acariciando
minhas bochechas.
— Ela me pediu desculpas por ter sido negligente. E, disse que me
amava — contei em um sussurro.
— Isso mexeu com você? — questionou.
— Eu nunca tinha visto a minha mãe chorar. Nem mesmo quando
soube da morte dos pais, nem quando meu irmão nasceu e ela notou que era
um lobo. Meu pai chorou, mas ela não — contei, estudando o rosto do meu
parceiro sem saber como organizar meus pensamentos.
Fenrir não me questionou, não me apressou a dizer o que eu queria
falar. Observei o meu parceiro.
— Eu sei que o que ela me disse é verdade — garanti, colocando a
mão no meu ventre.
Ele limpou as lágrimas do meu rosto e me puxou para um abraço,
mantendo meu corpo firme no dele.
— Te fez bem ouvir esse pedido de desculpas? — perguntou calmo.
— Acho que sim.
— Perdoar alguém é uma escolha. Se você escolher perdoar os seus
pais, não serão eles os mais afetados por isso, será você — ele disse em voz
baixa. — Não sou o melhor exemplo de perdão, mas sei que você é.
Esbocei um sorriso incrédulo e concordei com a cabeça. Fenrir e eu
descemos para o jantar e nos encontramos em uma mesa cheia.
Hawk e meu irmão conversavam quando chegamos, o meu pai
parecia atento à conversa dos dois, mamãe e Sarah falavam também, mas
estavam um pouco mais sérias que os demais.
— Eu soube que no dia em que marcamos o casamento de Alissa
com você, todos tinham absoluta certeza que Fenrir Magi continuava na
cidade — meu pai falou assim que Fenrir se sentou.
Meu marido sorriu, eu quis interromper aquela conversa, porém
todos pareciam ter ficado atentos a ela imediatamente.
— Fui eu quem arranjou o casamento — Hawk admitiu. — Eu estive
na sua casa naqueles dias.
O lobo encarou Alan com seriedade.
— A maioria dos lobos ômegas e betas se curva quando eu ordeno
que o faça, mas você não se curvou naquele dia — ele sussurrou.
— Alan é o próximo alfa dos Presas Pretas, se você o fizesse curvar
com uma ordem, provavelmente eu tentaria ter outro filho.
As palavras do meu pai preencheram a sala com silêncio, encarei-o
por um tempo considerável, até que ele me olhou de volta. Não soube ler o
que estava nos olhos dele, então desviei do seu olhar.
— Que bom que isso não aconteceu — minha mãe falou, com uma
diversão na voz que não parecia sincera.
Fenrir serviu um prato para mim, com todos atentos nos movimentos
do alfa. Passei os olhos pela mesa e percebi que Alan me observava
aliviado.
Eu nem conseguia imaginar o quanto meu casamento o havia
assustado, sequer tivemos a chance de nos despedir, porque meu pai temia
que ele me ajudasse a fugir. Respirei esboçando um sorriso para ele e voltei
minha atenção ao prato que meu parceiro tinha servido.
Depois que todos se serviram, nós comemos sem muitas conversas,
após o jantar, eu segurei o braço do meu irmão caçula.
— Quer dar uma volta comigo? — questionei com um sorriso.
— Claro — Alan falou.
— Não muito longe da casa, Alissa — Fenrir pediu.
Concordei com a cabeça e nós dois saímos da mansão para o jardim
iluminado. Alan não falou nada enquanto estivéssemos ao alcance dos
ouvidos dos outros.
— Você parece bem aqui — ele comentou. — As coisas devem ter
ficado fáceis por você ser a parceira dele.
Estudei o rosto de Alan e esbocei um meio-sorriso.
— As coisas entre nós melhoraram bem antes de sabermos da
parceria, ou de eu ter sido transformada.
— Não entendo, sempre ouvi histórias terríveis sobre ele —
confessou encarando a entrada da mansão, como se Fenrir fosse brotar ali.
— Fenrir é uma boa pessoa, Alan. Tão boa quanto podemos ser —
esclareci. — Estou feliz aqui, feliz de verdade. Não fingindo estar feliz
como acontecia lá.
Ele segurou o meu rosto com uma das mãos.
— Fico feliz que você finalmente esteja bem, Ali. De verdade —
sussurrou parecendo aliviado.
Depois de entrar na mansão, eu toquei piano por algum tempo para
todos. Nunca tinha tocado para a minha família antes, Hawk e Sarah
estavam sentados atentos a mim.
Fenrir se sentou ao meu lado em algum momento e nós tocamos o
dueto que tínhamos tocado juntos quando ficamos presos na sala de música.
Encarei o rosto dele, percebendo pelo sorriso que esboçava, que a
lembrança não veio apenas à minha memória.
Na manhã seguinte, eu acordei colocando o estômago para fora,
depois de algumas horas trancada no quarto, tentando lembrar ao meu corpo
que não havia nada mais no estômago para sair dele, finalmente tomei um
banho.
Fenrir me ajudou a lavar o cabelo que eu tinha sujado no processo.
— Acho que eles já desconfiam — confessei rouca. — Pelo menos a
Sarah desconfia.
— Vamos expor hoje de toda maneira — lembrou.
— Sim, me sinto aliviada por isso, não gosto de guardar segredo
deles — sussurrei, lembrando de como nosso último segredo causou
problemas desnecessários.
Fenrir ficou quieto, provavelmente sentindo a mudança no meu
cheiro. Depois do banho, finalmente me arrastei para a comida que o meu
parceiro tinha trazido uma hora antes.
Enquanto eu comia, Fenrir mantinha a mão sobre a minha barriga,
aproveitando a sensação dos batimentos do bebê ondularem em nossas
peles.
— Estou louco para segurá-lo — confessou sorrindo.
— Eu também.
Depois do café da manhã, eu finalmente me vesti para o dia, os
últimos preparativos para o festival estavam sendo feitos, a mansão estava
vazia já que todos estavam em algum lugar das ruas, aproveitando as
barracas que já funcionavam.
— Tenho que ir com o Hawk verificar umas coisas, vai ficar bem
aqui com a sua família? — Fenrir falou alto o suficiente para que eles
ouvissem na outra sala.
— Não se preocupe, pode ir tranquilo.
Ele concordou com a cabeça e saiu da mansão, encontrei minha
família com Sarah na sala de estar, ela os arrastou para fazerem lanternas
que seriam soltas durante a noite.
— Você acordou! — minha mãe disse quando me viu. — Sarah disse
que você teve uma noite difícil por causa da loba.
Encarei Sarah sem demonstrar emoção alguma, provavelmente
aquela tinha sido a mentira que Fenrir contou para explicar minha ausência.
— Sim, é difícil controlar ainda — completei a mentira.
Sarah esboçou um sorriso de canto, havia uma tensão no ar naquele
dia. O medo do que aquele festival significava para a maioria dos Vagantes
das Sombras era palpável.
Caer provavelmente apareceria naquela noite, para arrancar de vez
sua magia dos nossos lobos, ou devolver o que foi tomado. Como se
sentisse aquela tensão, o bebê dentro de mim se mexia inquieto.
Capítulo 45
Alissa
Eu usava um vestido cor de cobre, enquanto uma ômega arrumava o
meu cabelo, observei meu reflexo, completamente ciente da ansiedade que
a mulher atrás de mim sentia.
Ninguém falava nada sobre o castigo naquele dia, eu tinha ouvido
sussurros que eram cessados sempre que me aproximava.
— Está pronto, minha senhora — sussurrou.
— Obrigada! — respondi, percebendo como estava diferente de
meses antes.
A mulher refletida naquele espelho, em quase nada lembrava a
humana que tinha chegado até aquele lugar.
Respirei fundo me levantando e o vestido fluido se moveu ao meu
redor, segurei as mãos da mulher que me arrumou.
— Vá se divertir um pouco — sugeri.
— Tem certeza que não vai precisar da minha ajuda? — ela
perguntou, passando os olhos pelas maquiagens.
— Tenho sim — garanti.
Quando a mulher saiu, me deixando sozinha no quarto, vi a cidade
pela janela, havia tantas fogueiras acesas que tudo parecia estar em chamas,
o som da música alta preenchia o ambiente e chegava até os meus ouvidos.
O coração da cidade governada pelos Vagantes das Sombras, ainda
tinha alegria, mesmo com o tormento que ainda pairava sobre eles.
A porta do quarto foi aberta e eu me virei, Fenrir estava de pé,
usando uma roupa preta elegante, a gravata dele era no mesmo tom de
cobre do meu vestido.
— Está pronta? — questionou.
— Acho que nunca fiquei tão nervosa antes — confessei.
— Eu também não.
Ele se aproximou de mim e beijou minha testa. Nós tínhamos
conversado muitas vezes antes, sobre contar aos outros sobre a gravidez,
mas sempre chegávamos a conclusão que a nossa melhor opção era
realmente manter apenas entre nós.
— Acho que Hawk vai me dar um soco por não ter contado antes —
ele disse, eu sorri imaginando que aquela era uma possibilidade real.
— Eu tenho quase certeza que a Sarah já sabe.
— Ela é bem perceptiva — comentou, me estendendo o braço.
Nós dois saímos do quarto e encontramos minha família no salão de
entrada, minha mãe arrumava a camisa de Alan que estava amarrotada,
enquanto Hawk e meu pai tomavam uma bebida.
— Agora nós podemos ir — Sarah disse, animada ao se aproximar de
nós.
Minha concunhada usava um vestido vermelho, que a deixava
deslumbrante, os cachos dela caiam em cascata ao redor de seus ombros.
— Você está linda — elogiei.
— Você também — ela respondeu sorrindo largamente.
— Vamos descer as ruas a pé, podem provar as comidas das barracas
no caminho, mas a comemoração principal acontece no centro da cidade —
Hawk explicou.
— Eu estou faminto, posso comer um cervo inteiro no caminho —
Alan avisou, arrancando algumas risadas.
Quando saímos da mansão, reparei que minha família caminhava à
nossa frente, enquanto Sarah e Hawk seguiam juntos, reparei na forma
como o meu cunhado usava magia aqui e ali, afastando folhas do caminho
da parceira ou pegando comidas das barracas.
Encarei o rosto de Fenrir que usava a mesma máscara fria de sempre,
mas quando seu olhar encontrou o meu, a expressão suavizou. Ele sorriu de
canto e levou minha mão aos lábios.
Hawk parecia estar se despedindo da magia, assim como Sarah
parecia triste e feliz a cada feitiço que o marido lançava pelo caminho,
outros lobos sorriam e aplaudiam o segundo no comando dos Vagantes das
Sombras.
Me senti tão mal por manter aquele segredo, que quase parei na rua
algumas vezes para dizer ao Hawk que não tinha razões para se despedir,
mas me contive, porque muitos olhares estavam sobre nós. Ainda
estávamos a algumas horas do solstício e tudo poderia mudar nesse tempo.
— Está quase na hora — Fenrir sussurrou, talvez lendo nos meus
olhos tudo que minha mente cogitava.
Concordei com um aceno e nós prosseguimos. Em algum momento
chegamos a multidão, eu perdi minha família de vista, assim como Hawk e
Sarah, mas Fenrir, sendo tão alto, me guiava pelo meio das pessoas em
direção a eles.
— Tem uma sala especial para nós no Ministério, vamos para lá,
podemos relaxar até a meia-noite — Fenrir sugeriu.
— Vamos, estou ficando nervosa aqui — admiti.
Fenrir me guiou para fora da multidão, caminhei ao lado dele, com a
música alta preenchendo nossos ouvidos, respirei fundo, enquanto o meu
marido sinalizava algo, para pessoas que eu não conseguia ver na multidão.
— Avisei ao Hawk para onde vamos, ele vai ficar de olho nos seus
pais — explicou.
Uma luz forte e azulada preencheu o ambiente, me paralisando no
lugar, a luz ficou verde e então vermelha, olhei ao redor, percebendo que a
música estava diminuindo.
— É ela! — Fenrir sussurrou.
Ele me puxou para perto de si e meu coração acelerou. Encarei a
maior fogueira no meio da praça central e vi a figura feminina que parecia
caminhar sobre ela.
— Fenrir Magi, o alfa dos Vagantes das Sombras, filho dos meus
abençoados, eu te dei uma tarefa no ano passado — ela disse.
As pessoas se afastaram para abrir um caminho de Fenrir até a deusa,
meu coração batia descompassado a cada passo que dávamos em direção a
ela. A criatura na fogueira me lembrou a mulher que eu vi na floresta
quando era criança.
— Senhora do Outono — ele sussurrou o cumprimento, curvando a
cabeça para ela.
— Eu te disse uma vez, Alissa, que você seria muito feliz entre os
lobos — Caer respondeu, ignorando as palavras do alfa.
— Senhora — falei rouca curvando a cabeça.
— Você mudou muito desde o último ano, Fenrir, não está mais com
sua alma presa aos mortos — ela comentou. — Encontrou a sua parceira
por meio de uma artimanha de pessoas presentes aqui.
— Sua bênção foi grande demais para alguém tão pouco merecedor
— Fenrir respondeu, ainda subserviente.
Ele tinha me falado a respeito, por mais que cumprisse sua condição
para sair do castigo, Caer poderia mudar de ideia facilmente.
— Parece que a extensão do seu amor cresce secretamente em seu
ventre, filha de alfas — ela disse com um sorriso largo, expondo dentes
alaranjados no meio de todo aquele fogo.
— Sim, minha senhora, estou gerando uma criança — contei em voz
baixa.
— Eu prevejo que essa criança será digna de grandes coisas, um
menino forte, feroz e com um poder ainda mais abençoado por mim — ela
disse encarando meu ventre.
Os olhos de chama da deusa estudaram o rosto de Fenrir e ela sorriu
outra vez.
— Nós tínhamos um acordo, alfa dos Vagantes das Sombras. A partir
de agora, os seus lobos voltarão a usar seus dons — ela disse.
As chamas crepitaram e fragmentos de fogo percorreram o ar,
apagando-se sobre a multidão. Diversos feitiços foram ditos
simultaneamente e os céus foram preenchidos por explosões, como fogos de
artifício.
Caer me encarou por um momento longo, antes de desaparecer em
meio às chamas, Fenrir sorriu com os olhos brilhando e soprou um feitiço
em meu rosto, desfazendo aquele que escondia nosso filho de todos.
O coração acelerado da criança preencheu o ambiente, silenciando
tudo ao redor, como se todos reverenciassem o filho do alfa.
— Como vamos chamar o nosso menino? — Fenrir perguntou em
voz baixa.
Pensei um pouco sobre isso e coloquei a mão sobre a barriga, tudo
que eu tinha vivido até ali, todas as coisas que eu amava e me mantinham
de pé.
— Seren — sussurrei.
Fenrir sorriu me puxando para um abraço, crianças corriam ao redor
das barracas, lançando feitiços de luz, cor e vida. O ambiente ao nosso
redor parecia pulsar com a bênção da deusa.
Encarei o meu parceiro que me beijou, ciente de todos os olhares
sobre nós. E, aquela noite se estendeu, em meio a música, comida, dança e
socos trocados entre os gêmeos Magi.
Quando o momento de soltar as lanternas chegou, eu me sentia em
paz, pela primeira vez na vida, sentia que tinha encontrado meu lugar no
mundo. E enquanto todos escreviam desejos nas lanternas, eu observei a
minha com a caneta imóvel na mão.
— Não vai escrever nada? — Fenrir me perguntou.
Estudei o rosto dele, sentindo o efeito que ele tinha sobre mim.
— Já tenho tudo que poderia desejar na vida — esclareci soltando a
minha lanterna sem um desejo escrito.
O homem soltou a própria lanterna e vi que na dele estava escrito:
“Que Alissa realize todos os sonhos dela.”
Senti lágrimas queimando em meus olhos e os braços de Fenrir me
rodearam, acariciando meu ventre, sentindo o coração da nova vida que
crescia ali dentro.
// LIVRO
Aclamada Pelo Alfa
Alissa, filha humana de alfas de sangue puro dos Presas Pretas, cresce como um estorvo sem fera nem magia e chega à maioridade sem futuro à vista. Longe dali, o alfa Fenrir, arruinado pelo luto e pela decadência de sua linhagem de lobos-feiticeiros, é empurrado por um acordo secreto de Hawk, seu irmão gêmeo, a casar-se com Alissa para garantir um herdeiro aos Vagantes das Sombras antes da lua de outono. Entre uma alcateia que não aceita humanos e um casamento impossível, Alissa terá de provar seu valor em território hostil, enquanto intrigas, velhos juramentos e um prazo implacável podem condenar duas linhagens — ou acender um poder que ninguém esperava.